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Estrutura de propriedade e eficiência: uma análise com Teoria dos Incentivos

Ownership structure and efficiency: an analysis with the Theory of Incentives

RESUMO

Este artigo discute a influência da estrutura de propriedade sobre a eficiência. A estrutura usada é a teoria do incentivo, na qual o principal deve construir um esquema de incentivos, o que induz um agente a agir de maneira ideal. Primeiro, verificamos os motivos da intervenção pública em indústrias com falha de mercado. A seguir, estudamos a deterioração da estrutura de incentivos sobre os gerentes como resultado da mudança de propriedade. Assim, verificamos como a estrutura de incentivos pode ser restaurada com a privatização da empresa, com a manutenção, pelo governo, de algum controle sobre a empresa. Por fim, fazemos uma breve exposição sobre os instrumentos regulatórios.

PALAVRAS-CHAVE:
Privatização; teoria dos incentivos; modelo principal-agente; falhas de mercado; propriedade

ABSTRACT

This article discusses the influence of the ownership structure over the efficiency. The framework used is the incentive theory, in which the principal must build an incentive scheme, which induces an agent to act optimally. First, we verify the reasons for public intervention in industries with market failure. Following, we study the deterioration of the incentive structure over managers as a result of the ownership change. So, we verify how the structure of incentives can be restored with the firm’s privatization, with the maintenance, by the government, of some control over the firm. Finally, we make a brief exposition about the regulatory instruments.

KEYWORDS:
Privatization; theory of incentives; principal-agent model; market failures; property

1. INTRODUÇÃO

A definição mais comum encontrada na literatura, no que se refere à privatização, consiste na transferência de empresas estatais para o setor privado. Esta definição possui um sentido bastante estrito, pois envolve troca de propriedade.

Em alguns casos, a privatização é comparada a termos como liberalização ou desregulamentação, onde abrem-se possibilidades para que o setor privado realize atividades até então reservadas a empresas estatais. Deste modo, a definição de privatização é ampliada de forma a abranger qualquer reforma que favoreça o livre jogo das forças de mercado. O termo “privatização” é empregado, em tais ocasiões, para descrever tentativas de melhorar a performance, ou a eficiência operacional de empresas do setor público, por meio de sua exposição à competição.

Vickers e Yarrow (1991VICKERS, J. & YARROW, G. (1991). “Economic Perspectives on Privatization”, Journal of Economic Perspectives 5(2): 111-32.) distinguem três formas de privatização. Na primeira forma, chamada de privatização de firmas competitivas, o Estado transfere a propriedade e a gestão de firmas públicas que operam em mercados competitivos. Na segunda, chamada de privatização de monopólios, o Estado transfere a propriedade de firmas públicas que possuem substancial poder de mercado, mantendo algum controle sobre a gestão através da implementação de esquemas de regulação. Na terceira, referida como concessão de provisão de bens ou serviços públicos, o Estado mantém a propriedade e transfere a gestão a um agente privado, por um tempo determinado.

No Brasil, o Programa Nacional de Desestatização (PND) iniciou sua terceira e última fase a partir da publicação da Medida Provisória nº 841, de 12/02/95. As causas principais que levaram à implementação do PND foram: a crise fiscal que reduziu a capacidade do governo em efetuar transferências a partir do Tesouro Nacional para empresas estatais e a utilização dos preços e tarifas destes serviços públicos como instrumento de política econômica. Estes dois fatores, conjuntamente, comprometeram a capacidade de investimento e a expansão da produção, necessárias para atender ao aumento na demanda.1 1 Para mais detalhes sobre o PND, ver Giambiagi e Pinheiro (1996).

Em sua terceira fase, passam a ser objeto do PND a privatização de instituições financeiras e a concessão de serviços públicos nos setores de infraestrutura. Este fato torna este artigo relevante, pois trata de verificar aspectos relativos aos incentivos que gestores de empreendimentos possuem para perseguir objetivos de eficiência econômica, em empresas públicas e em empresas privadas. E, ainda, considera situações específicas vividas em indústrias sujeitas à falhas de mercado2 2 Notadamente os casos de concessões de serviços de infraestrutura, tais como distribuição de energia elétrica. , que resulta na ausência de competição.

O objetivo geral deste trabalho é verificar o impacto do tipo de propriedade sobre a performance de gestores de firmas. Para tanto é realizada, num primeiro momento, uma exposição sucinta do modelo do principal-agente, que trata da separação entre propriedade e gestão. Utilizando-se deste instrumental, passa-se a verificar a estrutura de incentivos subjacente à relação entre administrador e proprietário, público e privado. O objetivo específico consiste em uma análise dos impactos da privatização sobre o desempenho das firmas em situações de competição ou sujeitas a falhas de mercado.

O trabalho está assim estruturado: na seção 2 é apresentado o modelo principal-agente; a seção 3 contém uma análise dos objetivos, dos incentivos e das restrições às quais estão sujeitos empreendimentos públicos; a seção 4 traz uma comparação entre os objetivos e incentivos de empreendimentos sob propriedade pública e sob propriedade privada; e a seção 5 apresenta as considerações finais.

2. O MODELO PRINCIPAL-AGENTE

Na literatura econômica é comum encontrar a suposição de separabilidade entre propriedade e gestão. Em outras palavras, frequentemente supõe-se que a gestão da firma ou empreendimento encontra-se nas mãos de gerentes que atuam em nome dos proprietários, sejam estes o governo ou um grupo de acionistas privados. Nestas situações, a análise do comportamento e da estrutura de incentivos de proprietários e gerentes é feita utilizando-se o modelo do principal-agente.3 3 Em economia, existem várias aplicações para a teoria do principal-agente, incluídas as relações entre reguladores e administradores, empregadores e trabalhadores, locatários e locadores, seguradores e segurados, proprietários e gerentes. Esta última relação é objeto deste trabalho, onde as decisões de uma firma são tomadas por gerentes cujas remunerações podem ou não depender dos lucros realizados. Em um nível mais simplificado, pode-se supor que a utilidade dos gerentes é função dos níveis de receitas e esforços.

No modelo principal-agente existe um principal e um agente, que no presente caso são o proprietário e o administrador, respectivamente. O principal e o agente, no jargão, jogadores, não possuem, necessariamente, os mesmos objetivos ou preferências.

O principal delega uma tarefa a um agente para que este atue em seu nome e interesse. Todavia, dado que o principal não detém informação completa acerca das circunstâncias e das preferências do agente, surge um problema de monitoramento.4 4 Ou seja, o principal não sabe se a ação tomada pelo agente é de fato a melhor ação para si. Usualmente, o agente está mais bem informado que o principal e, por isso, ele pode utilizar esta informação privada com o propósito de atingir seus próprios objetivos em detrimento dos objetivos do principal. Este ambiente de assimetria de informação impede que o principal trace precisamente qual ação será escolhida pelo agente. Assim, o problema do principal consiste em estabelecer uma forma de pagamento que incentive o agente a tomar a melhor ação possível, do ponto de vista do principal.

Dado que o principal não é capaz de observar diretamente a ação tomada pelo agente, mas somente o resultado desta ação, a teoria do principal-agente se ocupa dos problemas de informação e incentivos, procurando responder quais são os incentivos ótimos que o principal deve oferecer ao agente.

A formulação do modelo básico é a seguinte: seja aE A um ação factível ao agente e {0 =);,1 ...n o estado da natureza. Na ausência de incerteza, o resultado é completamente determinado pela ação escolhida pelo agente, n(a). Seja c(a) o custo para o agente em implementar a ação a e seja s(n) a forma de pagamento dependente do resultado n. A utilidade do principal é dada por U,,=n- s(n), o produto da ação menos o pagamento; e a utilidade do agente é dada por UA = s(n) c(a), o pagamento menos o custo da ação.

Em geral, existem dois tipos de restrições envolvendo o agente. A primeira consiste em uma restrição de participação, onde a utilidade do agente, ao aceitar o pagamento de incentivo, deve ser pelo menos igual ao seu nível de utilidade de reserva.5 5 Define-se utilidade de reserva como o nível de utilidade que o agente obtém não aceitando o esquema especificado, mas um esquema alternativo. A segunda restrição é a chamada de compatibilidade de incentivo, em que, para um dado esquema de incentivo escolhido pelo principal, o agente tomará a melhor ação para si próprio.

Existem duas versões principais derivadas a partir deste modelo básico, que diferem com respeito à informação disponível para o agente. Na primeira variante, o agente não está apto a observar o estado da natureza 0, quando lhe é dada a vez de jogar, devendo escolher a de modo a maximizar seu resultado esperado, E(n). Assim, o grau de aversão ao risco do agente irá influenciar a escolha da ação a.

Na segunda variante do modelo básico, o agente observa 0, antes de escolher sua ação a. A estratégia do agente frente à forma de pagamento s{n) será uma função a(0), já que a melhor ação é contingente ao estado da natureza. Da mesma forma, o principal deve assegurar que a forma de pagamento seja suficientemente atrativa para que o agente deseje participar do jogo.

3. PRODUÇÃO SOB PROPRIEDADE PÚBLICA: OBJETIVOS, INCENTIVOS E RESTRIÇÕES

Tradicionalmente, a abordagem para análise da determinação de preços e da política de investimentos em firmas públicas tem orientação da teoria do bem-estar, ou seja, busca alocações eficientes que atendam a objetivos de distribuição de renda. Um alocação é dita eficiente, no sentido de Pareto, se os recursos existentes na economia não podem ser realocados sem piorar a situação de alguém, mesmo quando transferências lump-sum são realizadas. Em outras palavras, a provisão pública de bens ou serviços, em mercados não competitivos, busca tanto a eficiência produtiva quanto a eficiência distributiva.

Em economias de mercado, supõe-se que a competição induza as firmas a utilizarem seus recursos produtivos de forma eficiente, satisfazendo a condição de igualdade entre preço e custo marginal de produção. Nos casos em que as forças competitivas são débeis, surge então uma razão para a intervenção governamental.

Duas importantes circunstâncias nas quais o mercado falha em seu papel alocativo surgem quando da existência de economias de escala na produção ou de externalidades.

Nos casos em que existem retornos crescentes na produção, o custo médio de produção diminui na medida em que aumenta a quantidade produzida. Introduz­ se o conceito de “monopólio natural” com o objetivo de designar situações em que o preço que maximiza o lucro é superior ao custo marginal. Em situações de monopólio natural, o ponto de mínimo da curva de custo médio está à direita da curva de demanda e a interseção entre as curvas de demanda e de custo marginal se localiza abaixo da curva de custo médio, implicando que, no nível eficiente de produto, a firma obtém lucro negativo.6 6 Um exemplo clássico de monopólio natural é a distribuição de energia elétrica, onde os custos fixos de produção são grandes e os custos marginais pequenos.

A externalidade ocorre quando o consumo ou a produção de um indivíduo ou firma apresenta um impacto sobre a função utilidade ou de produção de um outro indivíduo ou firma. Em outras palavras, existe um custo pago pela sociedade e não pelo produtor privado. Nestes casos, o custo social marginal excede o custo privado marginal e, portanto, o mercado não está alocando eficientemente os recursos, pois o mecanismo de determinação de preço igual ao custo marginal não leva em conta as externalidades.

Tomando como exemplo o transporte urbano, a externalidade é gerada pela ocorrência de congestionamentos, onde o consumo por um agente causa uma deterioração no benefício ou na qualidade do bem ainda disponível aos demais consumidores.

Existem dois tipos de políticas que respondem a estes tipos de falhas de mercado. A primeira constitui na produção pública e a segunda, na produção monopolista privada sujeita a regulação.

No caso da produção pública, o tipo de propriedade representa uma solução direta para o problema de alocação onde a tecnologia, ou o produto, da indústria está associado a falhas de mercado. O governo passa a deter um controle centralizado, interno e externo, sobre a firma, de forma a induzi-la a atuar como se fosse uma firma competitiva e objetivando promover o bem-estar social.7 7 Estes são, segundo Laffont e Tirole (1991), os dois benefícios relacionados com a propriedade pública. Em um mundo simplificado, onde todos outros agentes da economia alocam seus recursos de maneira eficiente, o problema alocativo associado com a falha de mercado seria eliminado. Este cenário apelativo tem provido uma forte razão econômica para a produção pública.

Vários trabalhos empíricos demonstram que a lucratividade média, as vendas reais, a eficiência produtiva e os níveis de investimento aumentam significativamente após a privatização.8 8 Na extensa literatura internacional sobre a performance relativa de firmas de propriedade pública, pode­se destacar: Bennett e Johnson (1979), Megginson, Nash e van Randenbargh (1994), Boardman e Yining (1989), e Mueller (1989). Existem várias razões para justificar esta ineficiência relativa de firmas de propriedade pública. Estas razões podem ser resumidas em três pontos: (1) falta de definição de objetivos que devem ser perseguidos pelos administradores; (2) não-possibilidade de transferência de propriedade; e (3) ausência de restrições orçamentárias.

No primeiro ponto, a ausência de objetivos claros resulta da falta de definição do principal. Existem vários políticos e burocratas com objetivos distintos - e muitas vezes conflitantes - exercendo pressões para que um determinado grupo de interesse seja favorecido. Este fato é tratado na literatura como problema de múltiplos principais. Esta ausência de princípios econômicos claros contribui para o surgimento de dificuldades para a definição e operacionalização de políticas públicas. Além disso, como afirmam Laffont e Tirole (1993LAFFONT, J. J. & TIROLE, J. (1993). A Theory of Incentives in Procurement and Regulation. Massachusetts, MIT Press.), os governos são mais suscetíveis a lobbies, que constituem pressões de grupos de interesses no sentido de dirigir o comporta­ mento de firmas públicas para aumentar seu próprio bem-estar. Especificamente, a ausência de um objetivo definido de maximização de lucro implica em falta de uma orientação para minimização de custos e busca de eficiência produtiva.

No segundo ponto, a não-transferibilidade da propriedade no mercado de capitais9 9 Em muitos países, o Tesouro não pode se desfazer de ações ordinárias de firmas de economia mista ou da propriedade de companhias estatais sem prévia aprovação do Poder Legislativo. inibe a especialização da propriedade e a capitalização futura de decisões de preços correntes. Assim, são reduzidos os incentivos para que os proprietários supervisionem o comportamento dos administradores.

No terceiro ponto, é fato que firmas públicas recebem repasses de verbas do Tesouro Nacional quando seu balanço não se apresenta equilibrado. Considerando que os aportes de recursos do governo são recorrentes, não existe necessidade de reestruturação, redução de custos e/ou definição de estratégias para tornar a firma lucrativa. Em outras palavras, não existe possibilidade de bancarrota.

4. PROPRIEDADE PÚBLICA VERSUS PROPRIEDADE PRIVADA

A análise teórica da propriedade pública tem sido baseada sobre a questão da eficiência alocativa. Por outro lado, a análise da propriedade privada tem sido baseada sobre a análise de esquemas de incentivos para administradores e sobre as restrições impostas pelo mercado no sentido de promover a eficiência produtiva da firma.10 10 Esta eficiência produtiva, ou técnica, pode ser traduzida como minimização de custos para um dado nível de produto.

Duas considerações são importantes aqui. Primeiro, a ausência de eficiência produtiva implica, automaticamente, ausência de eficiência alocativa. Em outras palavras, eficiência produtiva é uma condição necessária para eficiência alocativa. Segundo, frequentemente as firmas públicas não se comportam de forma consistente com minimização de custos.

Existem três razões principais para se esperar que o setor público não se comporte de forma consistente com a minimização de custos. A primeira reside na ausência de um objetivo de lucro, que é o objetivo precípuo de um projeto privado. Nestas circunstâncias, e particularmente onde não existe alguma sanção para um desempenho fraco da firma, dado que déficits de projetos públicos são geralmente cobertos por subsídios governamentais, a eficiência produtiva não constitui condição necessária para a sobrevivência do projeto.

A segunda razão surge a partir da falta de incentivo do governo em monitorar o comportamento do gerente, permitindo que este detenha um grau significativo de poder discricionário. Assim, além de objetivos políticos impostos pelo governo, existem os objetivos pessoais dos gerentes.

Shapiro e Willig (1989SHAPIRO, C. & WILLIG, R. (1989). “Economic Rationales for the Scope of Privatization”, Discussion Paper #41, Princeton University.) destacam que uma firma pública está ligada a um ministro, ou outro burocrata do governo, que maximiza uma função-objetivo cujos principais argumentos são o bem-estar social e sua agenda pessoal - sendo esta última composta por objetivos tais como: retribuir favores a algum grupo de interesses, salários elevados, e aumento do nível de emprego. A partir disso, as firmas públicas tendem a usar mais trabalho como fator de produção, aumentar o nível de produto e fixar preços mais baixos, enquanto as firmas privadas tendem a usar uma relação capital-trabalho maior.11 11 Para tomar conhecimento destes efeitos no processo de privatização brasileiro, ver Pinheiro (1996). Em seu trabalho, os indicadores de vendas, produção e investimento, e na relação lucro/vendas, as firmas privatizadas apresentaram significativas melhoras após a transferência de propriedade.

A terceira razão surge do fato de que os incentivos concedidos aos administradores de empreendimentos públicos não são compatíveis com a eficiência produtiva. Isto ocorre porque, freqüentemente, os ganhos e a estabilidade dos administradores não estão relacionados diretamente com a produtividade ou performance da firma.

Empreendimentos públicos não apresentam, geralmente, preocupação em economizar insumos. Gastos excessivos em mão-de-obra em empresas públicas podem surgir quando os trabalhadores são subutilizados ou quando os salários pagos são superiores aos de mercado, configurando-se uma transferência de renda dos consumidores para os empregados. Além disso, em situações em que os benefícios associados com empregos em empreendimentos públicos conduzem a um comportamento rent-seeking, o valor dos benefícios tende a ser oferecido pelos trabalhadores que competem por estes trabalhos.

A defesa da privatização é baseada no argumento de que a propriedade privada restaura incentivos para a promoção de eficiência. A ameaça de bancarrota - que pode ser traduzida como uma sanção extrema para a ineficiência - talvez seja o mais importante. As leis de bancarrota, que implicam elevado custo pessoal para os gerentes, induzem a um comportamento preventivo para evitar falência e gerar maiores benefícios aos acionistas.

A propriedade privada pode, pelo menos a princípio, liberar o empreendimento de interferências políticas sobre as decisões gerenciais. Finalmente, com a propriedade privada, existe uma clara definição de objetivos, nominalmente a lucratividade, e um claro indicador de performance, que é a participação no mercado. Estes contrastam com a falta de objetivos em projetos de propriedade pública, como visto acima.

Todavia, como argumenta Vickers (1984VICKERS, J. (1984). “ Delegation and the Theory of Firm”, The Economic Journal 95: 138-47.), em ambientes de incerteza ou na presença de mercados incompletos, a propriedade privada não é condição suficiente para uma máxima eficiência produtiva. Nestas situações, os incentivos e as restrições ao comportamento do gerente podem ser atenuados pela separação entre propriedade e controle, resultando em um potencial conflito de interesses.12 12 Como visto na seção 2, o problema do principal-agente. Assim, os gerentes têm poder discricionário para perseguir objetivos pessoais, que envolvem gastos para aumentar sua própria utilidade.

Existe um grande número de modelos, chamados gerenciais13 13 Koutsoyiannis (1992) apresenta uma resenha destes modelos. , segundo os quais a separação entre propriedade e gestão permite aos gerentes maximizarem sua própria utilidade individual, em detrimento do lucro da firma. Todavia, em alguns destes modelos, o poder discricionário do gerente fica sujeito a uma restrição de nível mínimo de lucro, n’:2 rc necessário para manter sua ocupação. Ressalte-se que no caso da propriedade pública, este nível mínimo de lucro não existe.

Uma potencial restrição ao poder discricionário do gerente é a ameaça de takeover imposta pelo mercado de capitais.14 14 Takeover consiste na transferência de propriedade através do mercado de capitais. O trabalho de Singh (1975SINGH, A. (1975). “Takeovers, Economic Natural Selection and the Theory of the Firm”, The Economic Journal 85: 497-515.) conclui pela existência de uma relação inversa entre a probabilidade de takeover e o valor de mercado da firma. Quando os acionistas manifestam sua insatisfação com a forma como a firma está sendo dirigida, através da venda de suas ações, processa-se uma queda no valor das ações e a companhia passa a ser vulnerável à atuação de firmas predadoras. Uma oferta de compra bem-sucedida geralmente resulta na substituição do gerente antigo, que assume a possibilidade de takeover como uma ameaça real à sua posição. Assim, um mercado de capitais eficiente provê alguma disciplina sobre o gerente cujos interesses divergem dos interesses dos proprietários da companhia.

A competição expõe uma administração ineficaz ao mercado, sendo o mecanismo sinalizador a menor rentabilidade da firma. Se a administração não é eficiente, o preço das ações da firma (p) seguirá uma tendência de queda. Quanto maior for a diferença entre este preço de mercado (p) e a expectativa de preço futuro (p*), por parte de algum investidor, maior será a probabilidade de ocorrência de um takeover.

Isto não significa que todo desvio a partir da máxima eficiência interna será assim castigado, pois existem custos de transação envolvidos na compra e na venda da companhia. Porém, se este custo de transação for suficientemente baixo, a administração estará fortemente sujeita a uma eventual troca de propriedade.

Por fim, mesmo na ausência de competição a privatização pode induzir eficiência produtiva. Primeiro, se os preços são regulados, o monopolista privado regulado tem incentivo a reduzir seus custos. Isto, por seu turno, torna o monopolista apto a aumentar seu lucro quando existe alguma relação entre a performance da firma e a remuneração de gerentes e trabalhadores. Segundo, a privatização permite a introdução de incentivos que não são verificados no setor público quando a remuneração dos trabalhadores está vinculada ao valor de mercado da firma (ou do empreendimento) através de participação nos lucro ou propriedade de ações.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os ganhos de eficiência a partir da privatização estão relacionados, principalmente, com a interação das pressões de mercado, seja de produto ou de capitais. Competição no mercado do produto significa que uma performance negativa persistente, por parte da firma, implica em bancarrota. Competição no mercado de capitais significa que se o gerente não está atuando de forma a prevenir uma performance fraca da firma, ele perderá sua posição devido a um takeover.

Assim, a competição no mercado de produto poder ser vista como um mecanismo através do qual a ineficiência é revelada e a competição no mercado de capitais como um mecanismo através do qual a eficiência pode ser restaurada. Para ambos os mecanismos, a privatização pode ser acompanhada de desregulamentação, removendo restrições de entrada de novas firmas no mercado e promovendo potencial aumento de competição. Dado que as pressões do mercado de capitais são frequentemente fracas, uma reforma regulatória assume crucial importância no processo de privatização.

A privatização implica troca de controle sobre o projeto. Como visto, o controle estatal é reduzido em comparação com o controle de investidores privados. Os investidores privados sempre levam em conta as possibilidades de takeovers, bancarrotas e intervenção direta. Além disso, o poder de barganha dos sindicatos de trabalhadores é reduzido e as restrições orçamentárias impostas são mais realistas. Portanto, com base nos argumentos vistos, pode-se advogar a privatização como forma de se promover eficiência econômica.

No caso do Brasil, fazendo-se a ressalva de que ainda não foram realizadas análises sobre o impacto da privatização sobre a eficiência alocativa da economia, já existem estudos que comprovam um aumento substancial na eficiência produtiva ou interna das firmas após a transferência de propriedade.

Em indústrias sujeitas a falhas de mercado, a mudança de propriedade depende do regime de competição no mercado e do esquema de regulação desenhado pelo governo. Estes regimes são cruciais na determinação de quanto e como a propriedade importa, como a privatização sucede em seu objetivo de eficiência e, mais geralmente, quão bem as indústrias atuam, seja sob propriedade privada, seja sob propriedade pública. Em suma, mesmo quando existem falhas de mercado a privatização é advogada, devendo-se atentar para o estabelecimento de um contrato de regulação que induza a firma a atuar como se fosse competitiva.

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  • 1
    Para mais detalhes sobre o PND, ver Giambiagi e Pinheiro (1996GIAMBIAGI, F. & PINHEIRO, A. (1996). “Lucratividade, dividendos e investimentos de empresas estatais: uma contribuição para o debate sobre a privatização no Brasil”, Texto para Discussão nº 34, BNDES.).
  • 2
    Notadamente os casos de concessões de serviços de infraestrutura, tais como distribuição de energia elétrica.
  • 3
    Em economia, existem várias aplicações para a teoria do principal-agente, incluídas as relações entre reguladores e administradores, empregadores e trabalhadores, locatários e locadores, seguradores e segurados, proprietários e gerentes. Esta última relação é objeto deste trabalho, onde as decisões de uma firma são tomadas por gerentes cujas remunerações podem ou não depender dos lucros realizados. Em um nível mais simplificado, pode-se supor que a utilidade dos gerentes é função dos níveis de receitas e esforços.
  • 4
    Ou seja, o principal não sabe se a ação tomada pelo agente é de fato a melhor ação para si.
  • 5
    Define-se utilidade de reserva como o nível de utilidade que o agente obtém não aceitando o esquema especificado, mas um esquema alternativo.
  • 6
    Um exemplo clássico de monopólio natural é a distribuição de energia elétrica, onde os custos fixos de produção são grandes e os custos marginais pequenos.
  • 7
    Estes são, segundo Laffont e Tirole (1991LAFFONT, J. J. & TIROLE, J. (1991). “Privatization and Incentives”, Journal of Law, Economics and Organization 7: 84-105.), os dois benefícios relacionados com a propriedade pública.
  • 8
    Na extensa literatura internacional sobre a performance relativa de firmas de propriedade pública, pode­se destacar: Bennett e Johnson (1979BENNETI, J. & JOHNSON, M. (1979). “Public versus Private Provision of Collective Goods and Services”, Public Choice 34(1): 55-65.), Megginson, Nash e van Randenbargh (1994MEGGINSON, W.; NASH, J. & van RANDENBARGH, M. (1994). “The Financial and Operating Performance of Newly Privatized Firms: As International Empirical Analysis”, Journal of Finance 49(2): 403-52.), Boardman e Yining (1989BOARDMAN, A. e VINING, A. (1989). “Ownership and Perfomance in Competitive Environments”, Journal of Law & Economics, 32: 1-33, April.), e Mueller (1989MUELLER, D. (1989). Public Choice II. Cambridge, Cambridge University Press.).
  • 9
    Em muitos países, o Tesouro não pode se desfazer de ações ordinárias de firmas de economia mista ou da propriedade de companhias estatais sem prévia aprovação do Poder Legislativo.
  • 10
    Esta eficiência produtiva, ou técnica, pode ser traduzida como minimização de custos para um dado nível de produto.
  • 11
    Para tomar conhecimento destes efeitos no processo de privatização brasileiro, ver Pinheiro (1996PINHEIRO, A. (1986). “No que deu, afinal, a privatização?”, Texto para Discussão nº 40, BNDES.). Em seu trabalho, os indicadores de vendas, produção e investimento, e na relação lucro/vendas, as firmas privatizadas apresentaram significativas melhoras após a transferência de propriedade.
  • 12
    Como visto na seção 2, o problema do principal-agente.
  • 13
    Koutsoyiannis (1992KOUTSOYIANNIS, A. (1992). Modern Microeconomics. Londres, MacMillian.) apresenta uma resenha destes modelos.
  • 14
    Takeover consiste na transferência de propriedade através do mercado de capitais.
  • 16
    JEL Classification: D42; D43; D12; L13.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1999
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