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Economia e política do desenvolvimento recente na China* * Este trabalho faz parte da pesquisa “A Economia Política do Desenvolvimento e a Inserção Internacional Diferenciada na Ásia e América Latina”, desenvolvida pelo autor e financiada pelo CNPq.

Economics and politics of recent development in China

RESUMO

O recente desenvolvimento econômico chinês é uma das conquistas mais importantes deste século. Durante os anos 80, a estratégia americana de derrotar a antiga União Soviética e suas políticas comerciais e cambiais destinadas a diminuir o superávit comercial japonês foram fatores importantes para a estratégia de desenvolvimento chinesa. Isso consistia em um amplo e complexo conjunto de políticas de industrialização destinadas a afirmar a soberania chinesa sobre seu território e população.

PALAVRAS-CHAVE:
Desenvolvimento econômico; industrialização; história econômica da China

ABSTRACT

The Chinese recent economic development is one of the most important achievement of this century. During the 80s the American strategy to defeat the former Soviet Union and its commercial and exchange policies aimed to diminish the Japanese trade superavit were important factors to the Chinese development strategy. This consisted of a wide and complex set of industrialization policies aimed to affirm the Chinese sovereign over its territory and population.

KEYWORDS:
Economic development; industrialization; economic history of China

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento econômico recente da China é, provavelmente, um dos fatos históricos mais importantes deste final de século. Interpretar sua natureza e dinâmica constitui um dos mais intrigantes desafios para os estudiosos do desenvolvimento econômico. Talvez, como nos adverte Hobsbawn (1996HOBSBAWM, E. (1996). The Age of Extremes, New York, Phanteon Books.), isto seja tarefa para os historiadores do século XXI.1 1 It is safe to say that perestroika would have worked rather better if Russia in 19 0 had still been (like China at that date) a country of 80 percent villagers, whose idea of wealth beyond the dreams of avarice would be a television set. Nevertheless, the contrast between Soviet and Chinese perestroika is not entirely explained by such time-lags, nor even by the obvious fact that the Chinese were careful to keep their central command system intact. How far they benefited from the cultural traditions of the Far East, which turned out to favor economic growth irrespective of social systems, must be left for twenty-first-century historians to investigate.” (Hobsbawn,1996: 480).

Como não poderia deixar de ser, o debate sobre a China é realizado com altas doses de ideologia. A ascensão do liberalismo econômico e o colapso abrupto e intenso da ex-URSS e das economias socialistas do Leste europeu, indiscutivelmente marcam os termos em que se desenvolve o debate sobre o desenvolvimento recente na China.

Afinal, poder-se-ia indagar: o seu extraordinário êxito econômico desde o final dos anos 70, significa exatamente êxito do quê? De uma bem-lograda transição ao capitalismo? Mas de qual via? Ou terá sido a vitória da economia socialista de mercado (como afirmado no XIV Congresso do PCC de 1992)? Ou, ainda e mais uma vez, um caso de sucesso do desenvolvimentismo asiático? Num questionamento menos abstrato e subjetivo poder-se-ia questionar: Quais foram os mecanismos propulsores do seu desenvolvimento? As empresas estatais lideradas por um Estado planejador, ou a força de um “terceiro setor” formado pelas empresas rurais de propriedade coletiva? Quais são as suas contradições? Um Estado ineficiente e gigantesco como pensa o Banco Mundial; ou, como querem alguns analistas de esquerda, a explosão social eminente de um capitalismo dikseniano que se sustenta na superexploração da força de trabalho2 2 Para um exame dos diferentes paradigmas e interpretações econômicas sobre a via chinesa de desenvolvimento, ver Sachs, J. D. e Woo, W T. (1997); Yang, D. (1996); Mangabeira Unger, R. e Cui, Z. (1994); Naughton, B. (1995), Naughton (1994); Rawski, T. (1994); Nolan, P. (1996); Singh, A. (1993); Martellaro, J. A. (1996); Smith, R. (1996). ? Como acontece nestas circunstâncias, as análises e os fatos escolhidos e examinados acompanham as visões prévias.

O amplo debate na literatura especializada provocado pela via chinesa de desenvolvimento possui dimensão comparável ao que se deu sobre o desenvolvimentismo do Leste asiático. Tal como naquela discussão, a presente é marcada por visões distintas sobre o funcionamento do capitalismo e das relações entre o Estado e o mercado. O confronto atual põe em destaque dois caminhos distintos de transição ao capitalismo trilhados, respectivamente, pela China e pelo Leste europeu e ex-União Soviética.

De forma semelhante à disputa sobre a natureza da industrialização asiática, a discussão dos economistas sobre a via chinesa de desenvolvimento encontra-se cindida em duas posições dominantes. Para diversos autores o sucesso chinês, em contraste com a transição radical e caótica do Leste europeu e da ex-União Soviética, deve-se a natureza gradual, incrementalista das reformas e das instituições criadas na China a partir de 19783 3 Ver nesta linha Yang, D. (1996), Mangabeira Unger e Cui (1995), Naughton (1994), Rawski (1994). . Para esta vertente, mais importante do que o plano e as intenções iniciais dos reformistas chineses para a dinâmica e a forma da transição, foram os movimentos interativos de fatores econômicos e políticos formados por circunstâncias não antecipadas pelo governo. Estas análises destacam, sobretudo, o papel da pequena indústria rural, o regime de contratos com os produtores agrícolas e o sistema dual de formação de preços e de controle sobre a economia. A China, em síntese, buscou um caminho marcado por inovações institucionais adaptadas às suas peculiaridades e história, em flagrante contraste com o percorrido pelos países do leste europeu marcado pela busca abrupta e ex-nihilo de instituições típicas do capitalismo ocidental. Contra esta visão, seguramente inspirada na “economia institucionalista4 4 A referência básica e implícita nas análises é a teoria da informação imperfeita desenvolvida por Stiglitz (1985) e a do custo de transação inspirada em Coase (1960). A existência de problemas de informação, de incerteza e de incompletude de mercados associada aos países em desenvolvimento é a base para a racionalização, no caso chinês, da propriedade coletiva típica das empresas rurais e do sistema dual de preços. Naturalmente, nem todos os participantes heterodoxos do debate se enquadram nos estreitos limites desta vertente teórica. É o caso de Nolan (1996) e Singh (1993). debate-se a visão ortodoxa do desenvolvimento representada aqui, como no passado recente, pelos estudos do Banco Mundial e consultores ocidentais de governos em transição.5 5 Ver World Bank (1992), Sachs (1997) e, para uma visão geral dos problemas da transição de uma perspectiva ortodoxa, Kennet, D. e Lieberman, M. (1992). Nesta visão, o hibridismo institucional chinês tem sido um fator de atraso e de falta de consenso sobre as reformas. Para os economistas próximos ao BIRD, o gradualismo chinês não comprometeu o desenvolvimento graças à criação de instituições tipicamente de mercado, à liberalização dos preços e à política de abertura externa. Para esta abordagem, o alto ritmo de crescimento ocorrido nos últimos vinte anos deve-se à acumulação de capital numa economia com baixo nível de renda per capita inicial, alta proporção de mão-de-obra rural, estrutura econômica descentralizada e ampla oferta de trabalho barato.6 6 Como sempre o modelo de crescimento de Solow (1957) é a principal referência para as visões ortodoxas do desenvolvimento.

É flagrante neste debate, a ausência de análises sobre os condicionantes políticos e as estratégias de poder na China. Esta ausência, muito comum nas análises tipicamente econômicas das experiências nacionais de desenvolvimento, torna-se especialmente problemática no caso chinês. Afinal, a China foi peça chave da política do pós-guerra, seus movimentos responderam aos desafios postos pela polarização do mundo entre os Estados Unidos e a ex-URSS.

Por esta razão, é indispensável explicitar nas análises sobre a performance econômica chinesa a estratégia desenvolvimentista e o papel do Estado na liderança das transformações econômicas e sociais. Este ângulo, no entanto, não traz em si qualquer singularidade. Poder-se-ia aqui recordar o famoso estudo de Gershenkron (1962GERSHEKRON, A. (1962). Economic Backwardness in Historical Perspective, Cambridge, Mass. Harvard University Press.) e sublinhar, a partir do caso chinês, o papel das instituições, das ideologias e dos projetos nacionais na trajetória da industrialização em condições de atraso. Mas na realidade objetiva dos anos 80, em meio a forte instabilidade econômica, descontinuidade nos arranjos econômicos internacionais e plena ofensiva de políticas econômicas liberais e ruína do bloco socialista, como foi possível reeditar, ainda que com diversas particularidades, a fórmula desenvolvimentista? Reduzi-la aos fatores mais gerais da industrialização em economias atrasadas, compromete inescapavelmente o entendimento não apenas da estratégia de desenvolvimento implementada, mas também das razões de seu sucesso e de suas contradições.

Este texto pretende situar-se no debate, inescapavelmente especulativo, a partir de um ângulo específico. A hipótese geral que preside estas reflexões é que o espetacular crescimento econômico com mudança estrutural ocorrido na China a partir das reformas de 1978, foi o resultado de três vetores principais: a estratégia americana de isolamento e desgaste da ex-URSS, a ofensiva comercial americana com o Japão, e uma complexa estratégia do governo chinês visando a afirmação de soberania de Estado sobre território e população através do desenvolvimento econômico e modernização da indústria.

Argumenta-se neste trabalho, que a inserção geopolítica da China no confronto dos EUA com a ex-URSS foi, até 1992, um fator essencial para a arrancada exportadora chinesa. Por seu turno, a desvalorização do dólar em 1985 e a ofensiva comercial dos EUA provocaram amplo deslocamento de capital asiático para a China. Com o fim da guerra fria, o contexto geopolítico mudou inteiramente. A China, entretanto, já havia alcançado condições econômicas estruturalmente distintas. Em relação aos condicionantes internos, considera-se que o sucesso da estratégia de desenvolvimento chinesa deveu-se à possibilidade de enfrentar sequencialmente os estrangulamentos da economia combinando de forma distinta os mecanismos do planejamento e do mercado, descentralizando o plano e concentrando os mercados. Além desta introdução, este texto desdobra-se em quatro partes. Na primeira seção apresentam-se alguns fatos estilizados sobre o desenvolvimento econômico chinês recente. Na segunda parte, discute-se o contexto geopolítico em que as estratégias de desenvolvimento foram construídas. Estas são analisadas na terceira parte do texto. Por fim, conclui-se com algumas questões relativas ao processo de centralização e descentralização na China.

1. ALGUNS FATOS ESTILIZADOS SOBRE O DESENVOLVIMENTO ECONôMICO RECENTE DA CHINA

Entre 1980 e 1990, o crescimento econômico da China atingiu a impressionante taxa de 9.5% a.a., superior à observada nos países do Leste asiático. Entre 1985 e 1995, esta taxa foi ainda maior, 10,2%, muito superior à das economias do Leste asiático. Estes números (World Bank, 1996WORLD BANK (1996). “World Development Report”.) conferem à China uma performance única na economia mundial.7 7 É preciso reconhecer, entretanto, que o cenário anterior às Reformas de 1978 (em que foram definidas as “quatro modernizações”) de forma alguma pode ser descrito como recessivo: entre 1965 e 1980 a taxa média de crescimento do 7 PIB foi de 6,8%, sendo superada apenas pela dos países do Leste asiático, que neste período cresceram a 7,3%. O problema do desenvolvimento chinês nos anos 60 e 70 não era falta de dinamismo, mas a existência de profundos desequilíbrios setoriais (em particular o atraso da agricultura) originados da estratégia do “grande salto a frente”, proposta por Mao no final dos anos 50.

Entre 1978 e 1991, o setor industrial liderou a taxa de crescimento do PIB e do emprego. No entanto, este movimento só se afirmou, de fato, na segunda metade da década. O principal movimento ocorrido na China entre 1980 e 1983, foi a excepcional expansão do setor primário. A partir de 1983 e até 1988, a indústria leve e voltada à produção de bens de consumo liderou o crescimento econômico e, a partir daí, a produção de bens de capital deteve as taxas mais elevadas (Singh, op. cit. 1993SINGH, A. (1993). “The Plan, the Market and Evolutionary Economic Reform in China”, Unctad, Discussion Papers, n. 76.).

A elevada taxa de crescimento ocorrida nestes anos foi acompanhada por mudanças estruturais nos padrões nacionais de consumo. Em 1978, os bens duráveis de consumo de massa limitavam-se à posse de máquina de costura, bicicleta, relógio e rádio. A produção destes bens cresceu moderadamente entre 1978 e 1984, e a taxas reduzidas entre 1984 e 1990. A introdução de novos bens de consumo duráveis foi, entretanto, extraordinária. A produção de geladeira, televisão, gravador, máquina de lavar e ventilador registrou taxas de crescimento explosivas entre 1978 e 1984 e elevadas entre 1984 e 1990 (Singh,1993SINGH, A. (1993). “The Plan, the Market and Evolutionary Economic Reform in China”, Unctad, Discussion Papers, n. 76.).

Ao longo dos anos 80, o investimento bruto situou-se acima de 35% do PIB, mas com forte aceleração a partir de 1985, quando atingiu, por mais de três anos seguidos, impressionantes taxas de 40% da renda. As empresas estatais (EE) foram responsáveis por um valor acima de 65% dos investimentos realizados - em sua maioria na expansão da capacidade produtiva industrial e, em particular, na expansão da oferta e distribuição de energia elétrica-, uma parcela de 15% foi realizada pelas empresas coletivas de vilas e comunidades (EVC) e 20% pelo setor privado (Naughton, 1996NAUGHTON, B. (1996). “China’s Emergence and Prospects as a Trading Nation”. Brooking Papers on Economic Activity, 2.).

As exportações foram, sem dúvida, o componente da demanda efetiva que possuiu maior dinamismo nos últimos quinze anos. Ainda que com grande oscilação na década, para um crescimento do PIB de 10,2% a.a. registrado entre 1984 e 1995, as exportações em dólares correntes cresceram à extraordinária taxa de 17% a.a. Esta performance fez com que a parcela das exportações chinesas nas exportações mundiais passasse de 0,75%, observada em 1978, para 3,0% em 1995 (World Bank, 1995WORLD BANK (1996). “World Development Report”.).

A relação entre exportações e importações sobre o PIB passou de 10% em 1978, para 17% em 1984 e 44% em 1995. Deve-se ressaltar que esta última relação contrasta fortemente com a que seria esperada para uma economia continental. Provavelmente evidencia dois aspectos. O crescente peso das exportações das empresas processadoras de importações das Zonas Econômicas Especiais (ZEE) e a taxa de câmbio interna. Com efeito, se consideramos no denominador o PIB expresso pelo poder de compra da moeda (segundo a metodologia do cálculo da paridade do poder de compra), a relação de comércio cai para 8%. De qualquer modo, a explosão das exportações chinesas dificilmente pode ser exagerada: em 1985 a China exportou 27,4 bilhões de dólares, em 1995, 148,8 bilhões!

Em relação à direção do comércio é importante notar que em 1982, 32% das exportações de Hong Kong eram originadas da China; em 1992, cerca de 60% vinham da fronteira chinesa. Hong Kong tem sido o grande mercado para as exportações chinesas. Estas passaram de 26,2% das exportações totais registradas em 1985 para 45% em 1992. Os dados de 1992 indicam que dos US$ 80 bilhões exportados pela China, 40 bilhões foram de exportações ordinárias (isto é fora do regime especial das ZEE), 30 bilhões foram de produtos importados e reexportados pós­transformação e 10 bilhões foram de produtos montados com subcontratação (Naughton, 1996NAUGHTON, B. (1996). “China’s Emergence and Prospects as a Trading Nation”. Brooking Papers on Economic Activity, 2.). Os maiores parceiros comerciais da China em 1995 foram o Japão, Hong Kong, Estados Unidos, Formosa, Coréia do Sul e Alemanha. De acordo com estatísticas americanas, o déficit dos EUA com a China em 1995 foi de U$ 33,8 bilhões.8 8 Os chineses disputam este número por incluir exportações para os EUA via Hong Kong e por excluir importações dos EUA através de Hong Kong. De acordo com especialistas americanos, pelo ano 2000 o maior déficit dos EUA será com a China e não com o Japão. Ver Nathan, A. e Ross (1997). Os EUA, excluindo Hong Kong, tem sido o maior mercado para as exportações chinesas formadas basicamente por sapatos, têxteis e, crescentemente, por produtos eletrônicos de baixo valor unitário. A China, por sua vez é o mercado de maior expansão para as exportações americanas compostas basicamente por aviões, equipamentos, produtos químicos e grãos.

Talvez a parte mais visível das reformas e das mudanças estruturais chinesas seja a explosão dos investimentos diretos. Esta só ocorreu, entretanto, nos anos 90. Até 1991 o Investimento Direto Estrangeiro (IDE) permaneceu abaixo de 1% do PIB; sua expansão mais vigorosa ocorreu a partir deste ano. Entre 1978 e 1995, as exportações foram a principal fonte de divisa internacional, responsáveis por mais de 77% das divisas obtidas em 1988, e mais de 81% das divisas obtidas em 1990. Nos anos 80, os empréstimos dos bancos e credores oficiais foram a segunda fonte de captação de divisas.9 9 Deve-se considerar que apenas a partir de 1978 a China passou a ser financiada internacionalmente, conforme será discutido na próxima seção. Apenas em 1991, o investimento direto passou a ocupar a segunda posição. Em 1993, o ingresso de IDE excedeu em dez vezes o ingresso de empréstimos comerciais. Em 1995, o IDE atingiu 5% do PIB (Naughton, 1996NAUGHTON, B. (1996). “China’s Emergence and Prospects as a Trading Nation”. Brooking Papers on Economic Activity, 2.). Até 1991, estes investimentos dirigiam-se exclusivamente para os setores voltados ao mercado externo, com elevada concentração em Guandong (fronteira com Hong Kong). A partir desse ano, parcela crescente do investimento direto estrangeiro (IDE), sob a forma de joint-ventures, está voltada para a construção de capacidade produtiva destinada ao mercado interno (Nolan, 1996NOLAN, P. (1996). “Large Firms and Industrial Reform in Former Planned Economies: the Case of China”, Cambridge Journal of Economics, 20.). Hong-Kong, Japão e Estados Unidos são os maiores investidores da China.

A industrialização chinesa se fez acompanhar de mudanças estruturais no emprego e na urbanização. Estas, no entanto, foram bastante peculiares e diferentes daquelas típicas do Ocidente. É importante notar que nos anos 60 a força de trabalho rural e os empregados nas atividades agrícolas eram contingentes semelhantes, totalizando algo em torno de 80% da população ocupada. A partir de 1974, mas sobretudo nos anos 80, o número de empregados nas atividades agrícolas sobre o emprego total cai numa velocidade muito maior do que o total da força de trabalho rural sobre o emprego total. Em 1994, a primeira relação era de 54,3% e a segunda 72,6% (Kojima, 1996KOJIMA, R. (1996). “Breakdown of China’s Policy of Restricting Population Movement”, The Developing Economies, XXXIV, 4, December.). A grande distância entre os dois deve-se à urbanização do campo, com forte expansão do emprego rural não agrícola, i.e., o emprego nas empresas de vilas e municípios (EVM).10 10 No final dos anos 50, a comuna se afirmou como o centro de produção e distribuição fora das grandes cidades reunindo, num dado local, fazendas e pequenas indústrias. Com a dissolução das comunas em 1978, as empresas passaram a pertencer aos governos municipais e distritais. Devido à sua origem, a expressão propriedade coletiva permaneceu; mas do ponto de vista do controle da propriedade, a única diferença destas empresas e as empresas estatais é a base municipal do ente público. A expressão consagrada na literatura ocidental é a “ township and village enterprise” (TVE) aqui traduzida por empresas de vila e município (EVM). Em 1978, 17,9 % da população era classificada como urbana, em 1990, a população urbana totalizava 26,4% (World Bank, 1992WORLD BANK. (1992). “China, Reform and Role of the Plan in the 1990s.).

Em relação à distribuição de renda e redução da pobreza, a China passou por uma década notável nos anos 80. Segundo dados do Banco Mundial, a incidência da pobreza caiu fortemente entre 1978 e 1985. Um aspecto central foi a expansão da agricultura e da indústria rural, resultando num crescimento de 9,6% a.a. da renda per capita dos residentes rurais entre 1980 e 1988 contra 6,3% a.a. dos residentes urbanos (Singh, 1993SINGH, A. (1993). “The Plan, the Market and Evolutionary Economic Reform in China”, Unctad, Discussion Papers, n. 76.)11 11 Para um detalhado estudo empírico ver Makino, M. (1997). Observando a evolução da produtividade do trabalho na agricultura e na indústria segundo o deflator geral da economia e os deflatores setoriais, a conclusão do autor é de que a mudança dos termos de troca entre agricultura e indústria foi o principal mecanismo distributivo na economia chinesa. A partir da segunda metade dos anos 80 este mecanismo de redução da pobreza deixou de atuar e o índice de incidência de pobreza manteve-se praticamente inalterado. A despeito da precariedade de dados para os anos mais recentes, é evidente que as transformações sociais decorrentes do crescimento econômico acelerado têm provocado forte concentração pessoal da renda tanto no campo como nas cidades. No entanto, a mobilidade ocupacional decorrente das migrações do campo para as cidades tem propiciado elevação dos rendimentos dos grupos sociais pertencentes à base da pirâmide distributiva.

É interessante considerar que a despeito de um crescimento significativo na desigualdade regional ocorrido nos anos 90, a experiência chinesa nos anos 70 e 80 revela uma baixa dispersão regional tanto na taxa de crescimento do produto como na da taxa de crescimento do produto per capita. Assim, por exemplo, entre 1952 e 1992 a taxa de crescimento de Guandong, a região costeira mais avançada, foi de 8,52% a.a. e a de Xinjiang, uma das mais atrasadas, foi de 7,12%, denotando uma dispersão regional dos investimentos (Makino, 1997MAKINO, M. (1997). “Inter-Regional Disparities in China: Welfare vs. Productivity”, Osaka City University Economic Review, vol. 32, n. 1-2.).

2. A GEOPOLÍTICA DO DESENVOLVIMENTISMO CHINÊS12 12 Agradeço a Mareio Henrique Monteiro de Castro diversas observações contidas nesta seção.

Tendo em vista a importância decisiva do confronto dos EUA com a ex-URSS para a formação da estratégia chinesa, convém subdividir o período em exame em duas etapas. A primeira, iniciada formalmente com o reatamento das relações diplomáticas entre os EUA e a China em 197913 13 A rigor, a mudança essencial inicia-se em 1972 com a visita de Nixon à China e com a assinatura do primeiro “Comunicado de Xangai”. A ruptura do embargo comercial à China ocorre em seguida e se materializa por grandes exportações de grãos dos EUA. Em 1979, o vice-presidente dos EUA, Walter Mondale, visitou a China e sublinhou que “[...] a strong and secure and modernizing China is[...] in the American interest in the decade ahead” (Barnett, 1981: 505). Logo após a invasão soviética do Afeganistão, segundo levantamento de Barnett (1981), os EUA concordaram em vender para a China equipamentos de artilharia, torpedos anti-submarino, aviões e radares. Um dos objetivos dos EUA com a sua política de aproximação com a China era aumentar o desgaste soviético com a sustentação de um gigantesco contingente militar na fronteira chinesa. Ver nesta direção Tucker, N. B. (1996), Vogel (1997), Nathan, A., Ross, R. (1997). e terminada em 1991 - extinção da ex-URSS - e a segunda a que se prolonga daquele ano aos dias de hoje. Na primeira etapa, o movimento principal por parte dos Estados Unidos foi a abertura do mercado ocidental para as exportações chinesas; na segunda, a contenção econômica e política da China. Na primeira etapa a China trilhou, seguramente pela última vez, uma via comum de desenvolvimento na Ásia do pós-guerra, uma via que, num contexto bastante distinto, Wallerstein (1979WALLERSTEIN, I. (1979). The Capitalist World-Economy. Cambridge, London, Cambridge University Press.) denominou de desenvolvimento a convite. Conforme será examinado na próxima seção, a China potencializou ao máximo o convite dos EUA, na medida em que este servia aos seus interesses de contenção da ex-URSS, extensão de soberania sobre seu território e de modernização da economia nacional.

A segunda etapa, iniciada entre os anos 1989 e 1991, altera rapidamente o contexto que caracterizou a arrancada chinesa. Com o fim da guerra fria, o sucesso do desenvolvimentismo chinês passou a ser considerado como a afirmação de um indesejável poder regional. As características políticas e institucionais da China (o regime de partido único, sua ideologia etc.), inteiramente desconsideradas no período anterior passaram, nesta etapa, a pautar o comportamento americano.14 14 As relações entre os EUA e a China começaram a mudar a partir de 1989. Neste ano, a queda do muro de Berlim e os acontecimentos na Praça da Paz Celestial, alteraram abruptamente a natureza destas relações. Em 1992 os Estados Unidos venderam 150 F-16 para Formosa, rompendo unilateralmente o “Comunicado de Xangai”, de 1982, e pelo qual os EUA explicitamente se comprometiam a reduzir gradualmente a venda de armas para a ilha. Em 1993, os EUA vetam a intenção da China de sediar os Jogos Olímpicos de 2000 e o seu ingresso na OMC. A tensão chega ao seu clímax em 1996, com o envio de dois porta-aviões americanos para o estreito de Formosa de forma a monitorar os exercícios militares chineses (Kamenade, 1997).

A primeira etapa inaugura-se com as iniciativas de aproximação dos EUA promovidas por Nixon no início dos anos 70, com as exportações americanas de grãos ao longo da década, com o financiamento internacional baseado em bancos oficiais, com o reatamento de relações diplomáticas e com a obtenção do tratamento de nação mais favorecida concedida pelos EUA.

A abertura chinesa foi precedida por um veloz acesso ao financiamento internacional em condições excepcionalmente favoráveis. De acordo com Barnett (1981BARNETT, D. (1981). China’s Economy in Global Perspective. New York, The Brookings Institution.), a China obteve, em 1979, junto ao governo do Japão, taxas de juros abai­xo de 7,25% a.a. para empréstimos acima de 5 anos, uma taxa inferior à recomendada pela OCDE para países em desenvolvimento.15 15 Segundo Barnett (1981), as taxas de juros foram “semiconcessionais”, 0,625% acima da LIBOR. Após diversos acordos, a China contraiu em 1979 empréstimos entre US$ 20 e 30 bilhões, em sua maioria de governos ou de bancos garantidos por bancos governamentais do tipo export-import. Houve um pool de governos para a concessão de US$ 18 bilhões de empréstimos em 1980: 7 vieram de bancos franceses, 5 de bancos ingleses, 2 de bancos japoneses etc.

Com o fim do embargo comercial em 1972 e com o acesso ao crédito internacional, a China pôde retomar as importações de grãos dos EUA, maciças nos primeiros anos da década, mas interrompidas na sua segunda metade.16 16 Até 1972, os EUA isolaram comercialmente a China. Os bens importados de Hong Kong tinham que apresentar certificado de origem de forma a provar que não eram originários da China. De acordo com Nathan, A. e Ross, R. (1997), o embargo comercial liderado pelos EUA foi mais rígido com a China do que o existente para os demais países comunistas. “During the 70s, after the embargo dismantled by Nixon administration the US-China trade grew very fast. The total trade was negative to China that bought large amounts of grain. The grain imports were 70% of total imports during the first half of decade. During 1972-74, US became China’s second trading partner after Japan. In 1975, China cut off its imports of grain from the US. Improvement in its domestic production and growing concern with its deficit trade with US were the main reasons” (Barnett, 1981: 165). O comércio com os EUA deu um salto entre 1978 e 1979, e depois do Japão e de Hong Kong, os EUA se afirmaram como o maior parceiro comercial da China, que nesses anos apresentava com todos os países, excetuado Hong Kong, crescentes déficits comerciais.

Em 1980, a China obteve dos EUA o tratamento de nação mais favorecida (MFN) e foi classificada como “nação em desenvolvimento”, o que resultou em redução das tarifas americanas sobre os têxteis e vestuário chineses para a metade dos valores iniciais. Fora do GATT e do acordo de multifibras a China se afirmou, já em 1979, como o maior exportador “não regulado” de têxteis para os EUA.

A expansão das exportações e o acesso ao crédito permitiram ao governo chinês implementar um programa maciço de importações de máquinas e equipamentos, essenciais à modernização da indústria pesada sem comprometer a expansão da indústria leve de consumo e a agricultura.17 17 “In 1978, the Chinese signed important trade agreement with major capitalist nations and strive to make contracts of imports of complete plants (steel, coal and electric power, transport equipment, agricultural machinery, chemical plants). According to National Council for U.S.-China Trade, China has signed in 1978 contracts of purchases of plants, machinery and technology totaled dose to U$17,5 billion. An important agreement was signed with Japan covering the years 1978-85 and in 19 79 the agreement was extended to 1990. Initially it called for U$ 20 billion in two-way trade: China’s imports of plants and equipment totalizing U$10 billion against Japan’s imports of oil and coal. After, the agreement expanded to trade near to U$ 60 billion. Another important commercial five-year agreement was signed with the EEC. This granted China the most favored nation treatment, a specific agreement with France (nuclear power plant) with Britain and Germany” (Barnett, 1981: 170).

Ao lado da dimensão geopolítica, a China, como os demais países do Leste asiático, beneficiou-se ao longo dos anos 80 de uma macroeconomia regional expansiva decorrente dos novos alinhamentos cambiais e dos conflitos comerciais entre os EUA e o Japão. Na primeira metade da década, a elevada desvalorização do iene face ao dólar resultou, para a maioria das moedas asiáticas, em taxas de câmbio fortemente depreciadas contra o dólar; a partir de 1986, as moedas dos países menos desenvolvidos da Ásia entre as quais o yuan chinês, mantiveram-se depreciadas frente ao dólar e fortemente depreciadas frente ao iene. A reorganização da economia regional asiática a partir do deslocamento do capital produtivo japonês acelerou intensamente o investimento direto e o comércio regional. Este movimento ampliou­se no final da década, para a Coréia do Sul, Hong Kong e Formosa. A valorização das moedas destes países e as pressões comerciais americanas, reduziram os ganhos de comercialização decorrentes da exportação de manufaturas baratas para os países ocidentais e particularmente para os EUA. Face ao crescimento dos custos de produção e especialmente do valor dos imóveis e terra urbana, os custos muito mais baixos e o câmbio desvalorizado na China exerceram amplo estímulo para o deslocamento de capitais de Hong Kong, Formosa e Japão (Coréia do Sul numa escala menor), atraídos por taxas de lucros mais elevadas nas zonas econômicas especiais.18 18 O deslocamento dos capitais de Hong Kong (mas também de Formosa, Coréia e Japão) para a China obedece a lógica do capital mercantil tão bem descrita por Hicks (1969). Os ganhos do comerciante variam em função dos custos de comercialização e do diferencial dos preços de compra e venda no mercado internacional. Os custos de comercialização são decrescentes devido às economias de escala do comércio. No nosso caso isto se deve sobretudo a experiência internacional dos comerciantes de Hong Kong. O diferencial de preços de compra e venda depende do diferencial de custos nacionais e da taxa de câmbio. A hipótese de Hicks (que não considerava a taxa de câmbio em sua análise) é de que o diferencial de custos tende a diminuir à medida que o comércio se expande. Assim, com a expansão do comércio internacional, o ganho do comerciante depende dos efeitos contrários que ocorrem com os custos de comercialização e com o diferencial dos custos. Se nós incluirmos a taxa de câmbio na formação dos preços, a lógica do deslocamento dos capitais de Hong Kong para a China torna-se completa: face à diminuição do diferencial dos custos das exportações próprias decorrente da valorização do dólar de Hong Kong no final dos anos 80, o deslocamento dos capitais para a China permitiria obter enormes diferenciais de preços de compra e venda graças à estrutura de custos e à taxa de câmbio da China. Em particular, o extraordinário crescimento econômico e sobretudo financeiro de Hong Kong e Formosa, baseou-se, nos anos 80, na combinação de território, população e custos da China continental com canais de comercialização e finanças internacionais.19 19 Conforme considerado na seção anterior, o investimento direto estrangeiro só assume magnitude significativa no final dos anos 80. A primeira onda de investimentos é essencialmente voltada para setores intensivos em recursos naturais e mão-de-obra. Neste último caso destacam-se os setores têxteis e vestuários cujas quotas chinesas nos países da OCDE permitiam maior expansão. A grande Hong Kong, isto é, o triângulo formado abaixo do Rio das Pérolas no estado de Shenzen, é a materialização deste movimento. De certa forma, tão ou mais importante do que a estratégia chinesa de atração dos capitais de Hong Kong e Formosa, foi a mudança da política cambial americana em 1985 e, a partir daí, a crescente pressão comercial sobre o Japão e os quatro tigres do Sudeste asiático. O deslocamento de capital produtivo de Hong Kong ocorreu precisamente a partir do crescente diferencial de câmbio ocorrido no final da década. Como resultado destes movimentos, o superávit comercial destes países com os EUA começou a reduzir-se e, em consequência, aumentou o superávit da China com os EUA.20 20 “Adjusted for inflation, the size of the combined U.S. deficit with China, Taiwan, South Korea, Japan, Singapore, and Hong Kong was approximately the same in 1995 as it was in the late 1980s, suggesting that the growth of the bilateral deficit with China has had a small marginal impact on U.S. trade balance and employment situation.” (Nathan, A. J. e Ross, R., 1997: 77).

Se esta dinâmica obedecia essencialmente a uma lógica mercantil induzida por diferenciais de custos e câmbio, no final da década e início dos anos 90 afirmou-se uma outra dinâmica dos capitais internacionais em relação à China: a conquista do seu crescente mercado interno num contexto marcado pelo acirramento da concorrência oligopólica mundial. Neste sentido, centenas de empresas americanas, japonesas e europeias começaram a se instalar na China, mas especialmente em Xangai, atraídas pela ZEE de Pudong, estabelecida em 1990.

A partir de 1989, conforme se sublinhou, as relações com os EUA começam a mudar e, com elas, as condições do “convite”. Usando o seu dominante direito de voto no Banco Mundial e no Banco de Desenvolvimento Asiático, os EUA, alegando desrespeito aos direitos humanos21 21 “The nearly simultaneous June 1989 Tiananmen incident and the end of the cold war transformed the policy-making environment in the United States. What had been a liberalizing Chinese regime had overnight turned into an atavistic Communist dictatorship imprisoning the Chinese people. The broad national consensus on the importance of US-China cooperation evaporated, and China policy suddenly became one of the most divisive issues in American foreign policy” (Nathan, A. e Ross, R., 1997: 70). , bloquearam pedidos chineses de empréstimos por vários anos. Em 1995, o Japão suspendeu a concessão de auxílio à China. Desde sua aprovação em 1980, o tratamento de nação mais favorecida (MFN) concedido pelos EUA foi renovado anualmente de forma automática. A partir de 1990 a renovação do tratamento tem se constituído numa questão política crescentemente delicada e complexa.

Se o fim da guerra fria teve precedência sobre as transformações imediatas na estratégia americana, o elevado e crescente superávit comercial com os EUA são o principal terreno econômico do conflito. Como se argumentou, a política cambial americana nos anos 80 conduziu a uma redução do seu déficit com o Japão e os tigres asiáticos e, pelo próprio sentido do deslocamento dos capitais asiáticos, levou a um crescente déficit com a China. Para os próximos anos, projeta-se um déficit superior ao que os EUA mantêm com o Japão. As pressões americanas sobre a abertura do mercado chinês assumem, junto com a questão da renovação do MFN, inevitável conteúdo político.

A China, no entanto, já se afirmara nos anos 90 como o segundo maior recipiente, depois dos EUA, de investimento direto estrangeiro, o décimo maior país em termos comerciais e o quarto maior em reservas internacionais (atrás do Japão, Formosa e EUA). A pressão das empresas americanas instaladas na China e dos exportadores e importadores americanos tem se afirmado como um contrapeso à política comercial e diplomática de “contenção” da China.22 22 Os EUA são os maiores exportadores para a China de aviões civis (Boeing), computadores pessoais (AST, Compaq, IBM), telefones celulares (Motorola) além de produtos agrícolas e fertilizantes (Nathan, A. J. e Ross, R., 1997: 77). Por outro lado, tendo em vista a pressão americana, o governo chinês tem jogado estrategicamente com as brechas decorrentes da concorrência internacional. Assim, por exemplo, em 1995, suspendeu contratos para construção de uma fábrica automobilística da Ford e GM e assinou contrato alternativo com a Daimler-Benz, em 1996, encerrou acordo de importação com a Boeing e McDonnell e encomendou 33 jatos Airbus. Para Winston Lord, secretário americano para o Leste asiático e Pacífico, “One of our higgest problems in China is that our friends in Europe and Japan hold our coats while we take on the Chinese and they gobble up the contracts” (Kamenade, 1997: 39). Do mesmo modo, a atração exercida pela China sobre os capitais asiáticos torna-os de certa forma reféns do dinamismo econômico chinês. Esta, afinal, foi o centro da política chinesa “de abrir as portas”.

3. A ESTRATÉGIA CHINESA DE DESENVOLVIMENTO

A estratégia chinesa de desenvolvimento econômico, elaborada no final dos anos 70, estava subordinada aos objetivos políticos de reunificação do território e de luta contra o “hegemonismo”, principalmente o da União Soviética.23 23 “In one of the most momentous speeches of his career, dubbed the ‘Speech for the Ten Thousand Cadres’ and delivered on 16 January 1980, Deng Xiaoping listed China’s main strategic tasks for the 1980s: 1) the fight against hegemonism (the English term China commonly uses to refer to the policy of world domination as pursued by the superpowers, in particular the Soviet Union, but also United States); 2) the return of Taiwan to the motherland; 3) the acceleration of economic construction.” Kamenade (1997: 160). De acordo com o autor, o retorno de Hong Kong à China não era considerado um problema naquele momento devido à inevitável saída da Inglaterra da ilha e a complementariedade econômica de Hong-Kong com o continente. Objetivo mais complexo era enfraquecer os vínculos econômicos de Formosa com os EUA e Japão e absorvê-la na China. A estratégia chinesa, de acordo com Kamenade (1997), era: “(1) Encourage Taiwanese business to invest and trade on large scale; (2) Undermine Taiwan’s residual international position by exerting increased pressure to isolate Taiwan further; (3) Use threat of military force to intimidate the pro­independence faction” (Kamenade, 1997: 112). As zonas econômicas especiais implantadas em Shenzen (norte de Hong Kong), Zuhai (norte de Macao), Shantou (sul de Formosa) e Xiamen (estreito de Formosa) foram inspiradas nas zonas comerciais de Formosa. A subordinação das metas econômicas aos objetivos políticos é importante no caso da China por diversas razões. A primeira e mais geral é situar o desenvolvimentismo chinês no contexto mais geral das industrializações tardias, como as da Alemanha e Rússia no século XIX e do Japão e Coréia no século XX, nas quais os desafios internacionais e as razões políticas de soberania do Estado nacional conformaram as estratégias econômicas. A segunda, e mais particular à China, é de entender a racionalidade da política de “portas abertas” e de criação das zonas econômicas especiais costeiras como uma estratégia de absorção dos capitais de Hong Kong e Formosa, controle de seus efeitos internos e isolamento político de Formosa. Eram estes os objetivos da estratégia “um país, dois sistemas” formulada por Deng Xiao Ping no início dos anos 80, e apresentada por época das negociações com a Inglaterra sobre os termos da incorporação de Hong Kong.

A realização destes objetivos estratégicos passava pela aceleração do crescimento econômico do conjunto da economia e, em particular, pela expansão e diversificação da indústria. As questões centrais para este objetivo eram as seguintes: como acelerar a acumulação de capital e dos investimentos em bens de capital necessários à modernização industrial e, concomitantemente, expandir a produção agrícola e a indústria de bens de consumo evitando as trágicas consequências do “grande salto a frente”24 24 O Grande Salto a Frente (1958-61) resultou na maior fome registrada na história da humanidade e constituiu, segundo opinião unânime entre chineses e ocidentais, no principal estímulo às transformações no campo realizadas a partir de 1978. ? Como aumentar a produtividade agrícola e, simultaneamente, controlar as pressões demográficas sobre as grandes cidades? Como financiar as importações de fábricas, máquinas e equipamentos sem recorrer excessivamente ao endividamento? Como promover a centralização das decisões sobre investimentos estratégicos e, simultaneamente, estimular a descentralização das decisões administrativas e das iniciativas locais? Estas questões aparecem de forma sistemática nos documentos oficiais de governo no final dos anos 70.25 25 Em 1979, Hua Kuofeng listou dez tarefas específicas planejadas pelo governo para os anos imediatos: “ First, [...] concentrate effort on raising agricultural production [...] Second, [...] speed up the growth of light and textiles industries [...] Third, [...] overcome the weak links in our economy: the coal, petroleum and power industries, transport and communications services, and building materials industry [...] Fourth, [...] curtail capital construction and try to get the best results from investment [...] Fifth, vigorously develop science, education, and culture and speed up the training of personnel for construction [...] Sixth, continue to do a good job in importing technology, make use of funds from abroad and strive to expand exports [...] Seventh, [...] take active and steady steps to reform the structure of economic management [...] Eight, preserve basic price stability; readjust those prices that are irrational, while strengthening price control [...] Ninth, raise the living standards of the people step by step as production rises [...] Tenth, continue to do a good job of family planning and effectively control population growth” (Barnett, 1981: 93). A despeito do eclipse de Hua Kuo-Feng no início dos anos 80, é impossível não reconhecer a continuidade e coerência do plano reformista chinês desde seu início.

Face a estas questões, a estratégia de desenvolvimento adotada na China a partir de 1978 combinou e aplicou, de forma original, diversas políticas baseadas em sua própria história e em diferentes experiências internacionais. Em síntese, o programa chinês baseou-se num conjunto de reformas e programa estratégico de desenvolvimento como o descrito a seguir.

  1. Ampla reforma na utilização da terra numa direção semelhante à proposta por Lênin nos anos 20 com a Nova Política Econômica (NEP)26 26 A semelhança das reformas chinesas sobre o campo com as implementadas com a Nova Política Econômica foi reconhecida pelas autoridades reformistas chinesas e mais tarde, pelos economistas soviéticos no governo de Gorbachov. Tal como na reforma propugnada na NEP, o excedente agrícola poderia ser comercializado a preços de mercado e apropriado pelo camponês. No caso chinês, a partir da reforma de 1978, a terra permaneceu sob a propriedade do Estado, mas seu uso foi distribuído para cooperativas de famílias e famílias individuais. A política de contratos baseava-se num sistema de incentivos com as seguintes características: o produtor era obrigado a vender para o Estado uma determinada quantidade física a um determinado preço. A produção remanescente poderia ser destinada ao autoconsumo ou à venda no mercado local a um preço normalmente superior ao fixado pelo governo. ;

  2. Agressivo programa de promoção de exportações e de proteção do mercado interno como nas experiências exitosas de industrialização deste século.27 27 Desde o início das reformas, a liderança chinesa teve bastante clareza da necessidade de uma política de promoção de exportações e de controle de importações. De acordo com Hua Kuo-feng, em relatório para o Congresso Nacional do Povo em 1979, o desenvolvimento chinês deveria promover energicamente as exportações como a principal fonte de divisas internacionais. Segundo Yu Chiu-Li, um importante teórico das reformas, nenhum bem que pudesse ser produzido internamente deveria ser importado (Barnett, 1981: 131). Ao contrário do Japão e da Coréia, a estratégia chinesa contou com forte estímulo ao investimento estrangeiro associado às exportações em zonas econômicas especiais de forma a absorver e controlar o ingresso de capitais nas atividades exportadoras.28 28 O objetivo da criação das zonas econômicas especiais - inspiradas em Formosa - era o de buscar uma alternativa à clássica dicotomia entre integração internacional subserviente que caracterizou a China no século XIX e a autarquia do período pós-revolução. Modernizar e preservar a independência nacional eram os objetivos que os reformistas de 1978 consideravam possíveis de ser obtidos com a política controlada de abertura externa. De forma semelhante àqueles países e ao Brasil (até 1990), o crescimento das exportações visava viabilizar a importação de máquinas e equipamentos, as demais importações eram submetidas às barreiras não tarifárias, ao câmbio desvalorizado e às tarifas elevadas;

  3. Formação de grandes empresas estatais (com ou sem joint-ventures) na indústria pesada com crescente autonomia gerencial e financeira mas subordinadas ao planejamento central como nas experiências asiáticas e brasileira29 29 Barnett (1981) e Nolan (1996) documentam a estratégia de criação de grandes empresas estatais no final dos anos 70 e início dos anos 90, e considerada pela liderança chinesa peça essencial para uma industrialização voltada ao consumo de massa. Ver à frente. ;

  4. Reforma das empresas estatais e redefinição da relação entre o plano e o mercado, redefinição do sistema de incentivos e de responsabilidades a partir da introdução de sistemas de contratos baseada nas experiências da Hungria, e ex­ URSS30 30 Os responsáveis pelo planejamento e reforma das estatais como Sun Yefang foram reabilitados por Deng Xiao Ping pois eram considerados “libermanistas” numa referência negativa, segundo a liderança política anterior, às ideias do soviético Liberman, defensor nos anos 60 de maior autonomia para as empresas estatais. A introdução do sistema de contratos foi uma das inovações institucionais mais importantes. ;

  5. Promoção das empresas coletivas (vilas e municípios);

  6. Transição gradual de um sistema de preços controlados para um sistema misto de preços regulados, controlados e de mercado.

Convém nos determos em algumas questões centrais ao desenvolvimento chinês, explorando o que elas têm de peculiar e o que possuem em comum com as industrializações tardias do século XX.

Inicialmente, deve-se observar que a promoção das EVMs e a política de preços para a agricultura tiveram um papel decisivo na estratégia chinesa. O crescimento da renda agrícola decorrente de termos de troca favoráveis - como o que prevaleceu nos anos 80 - provocou forte expansão do consumo rural de bens industriais e, simultaneamente, expansão da produção das empresas rurais.

Este resultado deve ser considerado historicamente. A industrialização do campo em comunidades foi uma estratégia de Mao logo após a Revolução de 1949 e visava resolver o clássico problema da “tesoura” que afligiu a ex-URSS no tempo de Lenin.31 31 Considerando uma economia fechada como a soviética nos anos 20, a questão amplamente debatida era como promover a aceleração da industrialização considerando a mútua dependência entre indústria e agricultura. A prioridade do desenvolvimento industrial passava por uma política de preços favorável à indústria; esta, no entanto, ao desviar recursos necessários à expansão da agricultura, acabava por comprimir o mercado de bens industriais. A inovação de Mao com a indústria rural consistia em articular, através da comuna, a divisão do trabalho entre agricultura e indústria. No entanto, a opção de Mao com o “grande salto a frente” (1958-61) foi a da “acumulação primitiva socialista”, acelerando a taxa de investimento na indústria a partir de relações de troca extremamente desfavoráveis à agricultura e à contração do consumo.32 32 “[...] the Communist Party followed the Stalinist model of industrialization that squeezes agriculture to finance industry throughout the 1950s: the prices paid to farmers for agricultural products were set extremely low at that time. The terms of trade returned to pre-World War II parity after 1960, and since then, they have turned in favor of agriculture.” (Maquino, 1997: 24). A formulação da necessidade da troca desigual entre um setor não-socialista e um setor socialista foi desenvolvida por Preobrazhensky em 1926 em sua teoria da acumulação primitiva socialista. O fracasso do “grande salto” levou a crescentes restrições à criação de empresas rurais. No entanto, já no início dos anos 70, estas passaram por forte crescimento. A opção da reforma de 1978 foi a de alterar os termos de troca favoravelmente à agricultura e, simultaneamente, liberar a comercialização privada do excedente agrícola. Com a ruptura do sistema das comunas e com a criação de estímulos às empresas rurais, parte do excedente agrícola deslocou-se para a indústria rural de propriedade das vilas e municípios, viabilizando a dinâmica entre agricultura e indústria imaginada originariamente por Mao.

A trajetória da acumulação de capital nas economias socialistas possui uma dinâmica distinta da que se verifica em economias capitalistas. Com as fontes de acumulação sob controle estatal (empresas estatais subordinadas ao plano e crédito ilimitado) e o investimento autônomo do governo garantido pelo plano, a restrição fundamental à taxa de crescimento origina-se pelo lado da oferta. Como descrito nos modelos de Feldman (1957)33 33 Os modelos do economista russo ficaram notabilizados por Domar (1972). , quanto maior a oferta interna de bens de capital, maior tende a ser a parcela dos investimentos na renda e, em consequência, a taxa de crescimento do produto. No entanto, quanto maior a expansão do setor produtor de bens de produção, maior a demanda sobre bens de consumo em geral e, particularmente no caso da China, sobre a produção de alimentos e matérias­primas. Nas condições de uma economia ainda fechada e com a importação de alimentos contida ao longo do período, a aceleração da taxa de crescimento e do investimento tornava-se dependente da expansão da capacidade produtiva do setor de bens de consumo. Se a desproporção entre os setores se elevasse de forma a pressionar os preços dos alimentos e matérias-primas, o governo chinês era obrigado a desacelerar a taxa de investimento na indústria de bens de produção. Um ciclo deste tipo foi identificado por Imai (1996IMAI, H. (1996). “Explaining China’s Business Cycles” The Developing Economies, XXXIV, 2, June.). A expansão da produtividade agrícola e dos investimentos em bens de consumo ocorrida no início dos anos 80 foi, por isso, um fator decisivo para aceleração da taxa de crescimento ao longo da década.34 34 Para uma resenha ver Imai (1996). Sua descrição do ciclo de investimentos é bastante precisa: “A schematic picture of a business cycle driven by the investment cycle starts with an acceleration of state fixed investment in the initial period. Because high investment necessitates an increase in employment in the investment goods industry, total wage payments, which constitute household incomes, also increase. This leads to higher market demand for consumption goods and, therefore, growing inflationary pressures. Although high investment generates new output capacity for consumption goods, there is a significant lag before this supply side effect fully materializes. As the rate of inflation rises, planners curtail the scale of state fixed investment. When inflationary pressures drop to low level, the next round of investment surge begins” (Imai, 1996: 167).

À medida que a produtividade agrícola aumentava, a economia se abria e se modernizava através da importação de máquinas e equipamentos, a natureza da restrição se deslocava para o setor externo. Conforme tem sido evidente em todas as experiências comparadas de desenvolvimento, a questão macroeconômica decisiva para os projetos de industrialização acelerada é o enfrentamento da restrição externa decorrente dos limites da capacidade de importar.35 35 Mesmo nos anos 70, a restrição externa foi significativa na China. Com efeito, após a visita de Nixon e com o fim do embargo comercial, a China passou a comprar grandes quantidades de grãos dos EUA. Esta dependência de fontes externas foi interrompida no meio da década, quando a China decidiu priorizar fortemente o aumento da produção e produtividade agrícola. A substituição de importações foi priorizada e as importações de grãos só retomam no início dos anos 80, mas declinam na segunda metade da década.

Convém analisar brevemente a estrutura do balanço de pagamentos da China. Entre 1978 e 1985, a balança comercial apresentou instável superávit e, do mesmo modo, a balança de transações correntes registrou um instável, mas crescente superávit. A conta de capitais caracterizou-se, como observou-se na seção anterior, por volumes crescentes de investimento estrangeiro e de financiamento. O ano de 1985 foi um divisor de águas. A balança comercial registrou um déficit superior a US$ 11 bilhões. As importações de bens de capital e bens intermediários explicam integralmente a mudança. A aceleração da taxa de investimento no setor de bens de produção requeria transformações qualitativas no balanço de pagamentos. Na segunda metade dos anos 80, elas ocorreram da seguinte forma. Do lado das importações, houve acentuado declínio relativo nas compras de produtos alimentícios, bens intermediários (especialmente aço) e bens de consumo. Isto é, ocorreu, nestes anos um vigoroso processo de substituição de importações.36 36 As importações foram concentradas no início da década em alimentos e bens intermediários, já na segunda metade da década, graças ao aumento da produção de grãos, as importações tornaram-se fortemente concentradas em máquinas e equipamentos. As importações de máquinas e equipamentos de transporte evoluíram de U$ 2 bilhões por ano no final dos anos 70 para US$ 45 bilhões registrados em 1993 (Nolan, 1996). Do lado das exportações, houve forte expansão da indústria leve, em particular da indústria têxtil. De todo modo, até 1990, a balança comercial manteve-se deficitária. A brecha no balanço de pagamentos foi fechada pelo crescimento dos fluxos financeiros liderado pelo crédito. Como anteriormente salientado, só nos anos 90 o investimento internacional excede o influxo de créditos e só nestes anos a China passa a registrar grandes e crescentes saldos na balança comercial.

A política econômica chinesa, tal como praticada desde os anos 80, induziu simultaneamente o desenvolvimento do mercado interno e a promoção de exportações. É possível falar na existência de dois regimes. O regime de promoção de exportações foi estabelecido com as ZEE que se espalharam ao longo das zonas costeiras. Guandong, Fujian, próximas a Hong Kong e Formosa se destacam. Este regime baseia-se no processamento de importações com empresas locais contratadas por empresas estrangeiras (em geral de Hong Kong) ou com empresas com participação estrangeira com autonomia de exportação (Naughton, 1996NAUGHTON, B. (1996). “China’s Emergence and Prospects as a Trading Nation”. Brooking Papers on Economic Activity, 2.).37 37 O primeiro tipo de exportação é o que se poderia denominar de buyer-driven commodity chains (Naughton, 1997) em que a iniciativa das exportações é feita pelos importadores estrangeiros.

As empresas vinculadas às ZEE possuem liberdade cambial e beneficiam-se de isenção de impostos. A política chinesa com este regime é a de atrair investimentos e divisas. Ainda que crescente, a parcela das exportações realizadas em empresas com investimento estrangeiro é minoritária na China (passou de 1,1% em 1985 para 31,5% em 1995). As empresas chinesas respondem, ainda, pela maior parte das exportações. As empresas que não se encontram sob o regime das ZEE subordinam-se à política chinesa de comércio exterior fortemente protecionista e dirigida simultaneamente para as exportações e para o desenvolvimento do mercado interno. Todo o comércio exterior é centralizado em tradings estatais (TE) que exercem o monopólio cambial e tomam a iniciativa das exportações promovendo a produção das EVMs. Do mesmo modo, as importações são centralizadas, as tarifas sobre importações são elevadas (43% nos anos 80 e 23% nos anos 90) e existem barreiras não tarifárias para diversos bens. Cerca de 20% das importações é sujeita a controles quantitativos (Naughton, 1996NAUGHTON, B. (1996). “China’s Emergence and Prospects as a Trading Nation”. Brooking Papers on Economic Activity, 2.).

Na China, claramente segmentaram-se os dois regimes (proteção do mercado interno e promoção de exportações) e liberalizou-se o acesso aos investimentos externos antes da liberalização das importações. À proteção tarifária soma-se a proteção natural do interior da China, precariamente interligado pelos sistemas ferroviário e rodoviário.

O impressionante crescimento das exportações chinesas contou com uma política essencial: em 1984 o yuan foi desvalorizado e estabeleceu-se um mercado dual de câmbio. O oficial, administrado como uma taxa flutuante e o “mercado de swaps” com acesso restrito às empresas das ZEE e tradings. Neste mercado a taxa de câmbio era ainda mais desvalorizada.

Uma vez asseguradas as condições macroeconômicas da acumulação de capital, os investimentos das EEs se afirmaram como a máquina de crescimento da China. A despeito do declínio da participação do conjunto das EEs no valor adicionado industrial total e da expansão absoluta e relativa das EVMs e empresas privadas, as grandes empresas estatais localizadas em setores como refino de petróleo, química, carvão, e máquinas e equipamentos, mantiveram sua participação na produção industrial. Foram as pequenas e médias empresas estatais que cederam posição na estrutura do valor adicionado industrial.38 38 Uma análise detalhada deste ponto encontra-se em Nolan (1996). Um fator estratégico para o investimento das EEs desde o final dos 70 foi a combinação entre o plano e a autonomia gerencial sobre investimentos e o acesso aos empréstimos bancários.

Do ponto de vista industrial, a estratégia chinesa tem promovido ao longo dos últimos anos grandes empresas estatais e grandes grupos industriais. Em 1993 existiam 18 mil grandes e médias empresas estatais, e 7 mil grupos de empresas (Nolan, 1996NOLAN, P. (1996). “Large Firms and Industrial Reform in Former Planned Economies: the Case of China”, Cambridge Journal of Economics, 20.). Nos anos mais recentes têm ocorrido fusões, aquisições, investimentos conjuntos, multiplantas, joint-ventures com empresas transnacionais e estratégias articuladas entre empresas estatais. Este processo vem alterando a estrutura industrial descentralizada típica dos anos 70. De forma articulada a este processo, deve-se considerar a transformação na estrutura regional do desenvolvimento. Nos anos 90, Xangai vem se destacando como grande receptora de investimentos internacionais e do governo numa lógica algo distinta da ZEE de Shenzen - essencialmente voltada para exportação da indústria leve de consumo - pelo maior peso da indústria pesada e estatal.39 39 “The central government is determined to turn Shanghai into an international, trendsetting stronghold of heavy industry (steel, automobiles, power plants, petrochemicals), and light and high-tech industry (telecommunications, white goods, computers, medicine) under state domination. Shanghai Volkswagen, one of China’s most successful joint ventures, was making 160,000 automobiles per year in the mid-1990s and will expand production to 300,000 per year by 1997.” Kamenade (1997: 230) Do mesmo modo, ao norte, no estado de Lianoning, onde se encontra parcela expressiva da indústria pesada chinesa, a estratégia é articulá-la com a cidade de Dalian, próxima à Coréia, onde crescentemente concentram-se os investimentos japoneses.40 40 Para uma análise do significado estratégico das novas áreas econômicas especiais ver Kamenade (1997).

4. CONCENTRAÇÃO DOS MERCADOS, DESCENTRALIZAÇÃO DO PLANO

Em relação à gestão da economia e as relações entre mercado e plano, a via chinesa de desenvolvimento41 41 Os documentos do PCC referem-se a uma economia socialista de mercado. Entretanto, à luz das discussões marxistas sobre as vias de desenvolvimento, poder-se-ia denominar a via chinesa como uma forma de capitalismo de Estado. A tese de Lenin sobre o capitalismo de estado aparece desenvolvida em suas reflexões sobre o regime estabelecido com a NEP. Por capitalismo de estado, Lenin entendia um tipo de capitalismo regulado e controlado pelo estado socialista. Para uma ampla discussão ver Franco Rizzi (1981). De certo modo as características chinesas, a despeito de peculiaridades próprias, apresentam alguns traços semelhantes. Com efeito, o capitalismo chinês desenvolveu-se a partir da regulação não­mercantil de dois fatores produtivos: a terra e o trabalho. Com as reformas de 1978, não se desenvolveu um mercado de terras. A terra pertence ao Estado, a renda diferencial é administrada pelo governo e parcialmente apropriada pelo produtor. Ainda que em expansão, a mercantilização da força de trabalho encontra-se institucionalmente limitada. Não existe um mercado de trabalho, a população não pode deslocar-se livremente, as empresas são estimuladas a contratar no próprio local de trabalho, o custo de reprodução da força de trabalho - preço dos alimentos e oferta de serviços públicos de educação e saúde ­ é controlado pelo Estado. logrou obter uma combinação original dos diferentes níveis em que se estrutura o processo decisório na economia. Num polo, aumentou o planejamento da economia através de empresas estatais voltadas à maior integração do mercado interno e maior divisão nacional do trabalho. Num outro polo, reforçou-se a autonomia das empresas de vilas e municípios e dos camponeses na produção e comercialização a preços de mercado. Num polo, predominou o controle sobre o câmbio e o monopólio estatal sobre as importações, no outro, a liberdade de investimento e de comércio nas zonas econômicas especiais. Num polo, os preços dos insumos básicos e alimentos permaneceram administrados, no outro aumentou progressivamente o número de itens sem controle administrativo de preços.42 42 A estrutura dual de preços na China não revela uma simples convivência do plano e do mercado como princípios distintos. Ao longo dos anos 80 tanto os produtores rurais quanto as empresas passaram o operar com um sistema de contratos com a seguinte característica: existem preços e metas quantitativas definidas em plano, acima dos níveis assim estipulados os preços podem variar numa determinada faixa.

Observou-se anteriormente que a estratégia de desenvolvimento chinesa a partir de 1978 passou por uma flexibilização e redução do escopo do plano e, ao mesmo tempo, por uma promoção da centralização das empresas estatais integrando mercados regionais. Esta combinação entre mercados concentrados e planejamento descentralizado é um dos fatos mais originais da via chinesa de industrialização. Esta combinação, entretanto, só foi possível pelo grau de atraso da economia chinesa e a estratégia de descentralização econômica proposta por Mao Tsé-Tung43 43 Num discurso proferido em 1957, Mao afirmou: “Our land is so vast, our population so large, and conditions so complex that is much better to let initiative emanate from both the center and the local authorities” (apud Kamenade, 197: 262) . Esta buscava reproduzir em cada comuna um sistema econômico agrícola e industrial auto-suficiente, conferindo à economia chinesa uma estrutura celular e descentralizada. Com subsistemas econômicos fragilmente articulados, elevados custos de transporte internos e imobilidade da população, a economia nacional era constituída por uma coleção de economias regionais com baixo grau de especialização44 44 De acordo com Makino (1997): “In China, segmentation and compartmentalization characterized the regional economy for a long time. The inter-regional mobility of commodities and factors of production, and information exchanges were underdeveloped. The situation, however, has been changing after the economic reform. Horizontal economic linkages have been replacing vertical administrative channels, though only very gradually” (Makino, 1997: 16). Também para Yang (1996), a segmentação do mercado nacional se desenvolveu historicamente devido ao excessivo e duplicado investimento estimulado pela descentralização e protecionismo local. . O sistema de planejamento possuía, desse modo, com exceção da produção planejada de insumos básicos e estratégicos, uma estrutura material descentralizada.

Na China os mercados locais - agora em ampla expansão pelas EVMs - e o mercado externo - organizado nas ZEE - se desenvolveram num contexto de escassa articulação nacional dos mercados regionais. A distribuição centralizada pelo Estado e o sistema de preços controlados procuravam unificar características produtivas singulares e distintas entre as regiões. No entanto, nos anos 80, a questão regional assumiu maior importância - protecionismo, bloqueio nas fronteiras regionais surgiram em diversas parte do país-, acirrando rivalidades econômicas e políticas. A resposta política a este conflito foi a unificação do sistema tributário, processo ocorrido através da introdução de um moderno imposto sobre valor agregado em 1994 e, simultaneamente, redução do controle sobre o sistema de preços. A busca de uma divisão racional de poder entre o governo central e os estados corresponde, portanto, a um movimento (tardio) de unificação do mercado interno e o aumento do grau de racionalização da economia. A manutenção de uma estrutura de coordenação descentralizada, ao lado de maior integração dos mercados e expansão de grandes empresas especializadas, têm permitido ao governo administrar tensões decorrentes de mecanismos distintos de regulação da economia45 45 Observando os dados de 1994, Naughton sublinhou que “Indeed, one of the most distinctive characteristics of economic growth in China has been its broad geographical spread. Foreign trade and investment have been highly geographically concentrated, but the acceleration of economic growth has been very broadly based” (Naughton, 1996: 312). . Constitui tarefa para os historiadores do século XXI, como nos advertiu Hobsbawn (1996HOBSBAWM, E. (1996). The Age of Extremes, New York, Phanteon Books.), avaliar se de fato estas possibilidades serão capazes de contra-arrestar tendências opostas e, até o presente, contidas, de fragmentação e de polarização entre a costa e o interior, entre o campo e as cidades e entre os distintos grupos sociais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • YANG, D. (1996). “Governing China’s Transition to the Market”, World Politics 48, April.
  • *
    Este trabalho faz parte da pesquisa “A Economia Política do Desenvolvimento e a Inserção Internacional Diferenciada na Ásia e América Latina”, desenvolvida pelo autor e financiada pelo CNPq.
  • 1
    It is safe to say that perestroika would have worked rather better if Russia in 19 0 had still been (like China at that date) a country of 80 percent villagers, whose idea of wealth beyond the dreams of avarice would be a television set. Nevertheless, the contrast between Soviet and Chinese perestroika is not entirely explained by such time-lags, nor even by the obvious fact that the Chinese were careful to keep their central command system intact. How far they benefited from the cultural traditions of the Far East, which turned out to favor economic growth irrespective of social systems, must be left for twenty-first-century historians to investigate.” (Hobsbawn,1996HOBSBAWM, E. (1996). The Age of Extremes, New York, Phanteon Books.: 480).
  • 2
    Para um exame dos diferentes paradigmas e interpretações econômicas sobre a via chinesa de desenvolvimento, ver Sachs, J. D. e Woo, W T. (1997SACHS, J. D. & WOO, W. T. (1997). “Understanding China’s Economic Performance”, National Bureau of Economic Research, Working Paper 5935.); Yang, D. (1996YANG, D. (1996). “Governing China’s Transition to the Market”, World Politics 48, April.); Mangabeira Unger, R. e Cui, Z. (1994MANGABEIRA UNGER, R. & CUI, Z. (1994). “China in the Russian Mirror”, New Left Review.); Naughton, B. (1995NAUGHTON, B. (1995). Growing Out of the Plan: Chinese Reform, 1978-1993. Cambridge and N.Y.: Cambridge University Press.), Naughton (1994NAUGHTON, B. (1994). “Chinese Institutional Innovation and Privatization from Below”, AEA Paper and Proceedings, vol. 84, n. 2.); Rawski, T. (1994RAWSKI, T. (1994). “Chinese Industrial Reform: Accomplishments, Prospects and Implications”, AEA Papers and Proceedings, vol. 84, n. 2.); Nolan, P. (1996NOLAN, P. (1996). “Large Firms and Industrial Reform in Former Planned Economies: the Case of China”, Cambridge Journal of Economics, 20.); Singh, A. (1993SINGH, A. (1993). “The Plan, the Market and Evolutionary Economic Reform in China”, Unctad, Discussion Papers, n. 76.); Martellaro, J. A. (1996MARTELLARO, J. A. (1996). “China’s Economic Miracle: Myth or Reality?”, Economia Internazionale, vol XLIX, agosto.); Smith, R. (1996SMITH, R. (1996). “Creative Destruction: Capitalist Development and China’s Environment”, New Left Review.).
  • 3
    Ver nesta linha Yang, D. (1996YANG, D. (1996). “Governing China’s Transition to the Market”, World Politics 48, April.), Mangabeira Unger e Cui (1995), Naughton (1994NAUGHTON, B. (1994). “Chinese Institutional Innovation and Privatization from Below”, AEA Paper and Proceedings, vol. 84, n. 2.), Rawski (1994RAWSKI, T. (1994). “Chinese Industrial Reform: Accomplishments, Prospects and Implications”, AEA Papers and Proceedings, vol. 84, n. 2.).
  • 4
    A referência básica e implícita nas análises é a teoria da informação imperfeita desenvolvida por Stiglitz (1985STIGLITZ, J. E. (1985). “Economics of Information and the Theory of Economic Development”, National Bureau of Economic Research Working Paper, n. 1566, February.) e a do custo de transação inspirada em Coase (1960COASE, R. (1960). “The Problem of Social Cost”, Journal of Law and Economics 3, October, 144.). A existência de problemas de informação, de incerteza e de incompletude de mercados associada aos países em desenvolvimento é a base para a racionalização, no caso chinês, da propriedade coletiva típica das empresas rurais e do sistema dual de preços. Naturalmente, nem todos os participantes heterodoxos do debate se enquadram nos estreitos limites desta vertente teórica. É o caso de Nolan (1996NOLAN, P. (1996). “Large Firms and Industrial Reform in Former Planned Economies: the Case of China”, Cambridge Journal of Economics, 20.) e Singh (1993SINGH, A. (1993). “The Plan, the Market and Evolutionary Economic Reform in China”, Unctad, Discussion Papers, n. 76.).
  • 5
    Ver World Bank (1992WORLD BANK. (1992). “China, Reform and Role of the Plan in the 1990s.), Sachs (1997SACHS, J. D. & WOO, W. T. (1997). “Understanding China’s Economic Performance”, National Bureau of Economic Research, Working Paper 5935.) e, para uma visão geral dos problemas da transição de uma perspectiva ortodoxa, Kennet, D. e Lieberman, M. (1992KENNET, D. & LIEBERMAN, M. (1992). The Road to Capitalism. New York, London, The Dryden Press.).
  • 6
    Como sempre o modelo de crescimento de Solow (1957SOLOW, R. M. (1957). “Technical Change and the Aggregate Production Function” Review of Economics and Statistics, vol. 39.) é a principal referência para as visões ortodoxas do desenvolvimento.
  • 7
    É preciso reconhecer, entretanto, que o cenário anterior às Reformas de 1978 (em que foram definidas as “quatro modernizações”) de forma alguma pode ser descrito como recessivo: entre 1965 e 1980 a taxa média de crescimento do 7 PIB foi de 6,8%, sendo superada apenas pela dos países do Leste asiático, que neste período cresceram a 7,3%. O problema do desenvolvimento chinês nos anos 60 e 70 não era falta de dinamismo, mas a existência de profundos desequilíbrios setoriais (em particular o atraso da agricultura) originados da estratégia do “grande salto a frente”, proposta por Mao no final dos anos 50.
  • 8
    Os chineses disputam este número por incluir exportações para os EUA via Hong Kong e por excluir importações dos EUA através de Hong Kong. De acordo com especialistas americanos, pelo ano 2000 o maior déficit dos EUA será com a China e não com o Japão. Ver Nathan, A. e Ross (1997NATHAN, A. & ROSS, R. (1997). The Great Wal1 and the Empty Fortress. New York, Norton.).
  • 9
    Deve-se considerar que apenas a partir de 1978 a China passou a ser financiada internacionalmente, conforme será discutido na próxima seção.
  • 10
    No final dos anos 50, a comuna se afirmou como o centro de produção e distribuição fora das grandes cidades reunindo, num dado local, fazendas e pequenas indústrias. Com a dissolução das comunas em 1978, as empresas passaram a pertencer aos governos municipais e distritais. Devido à sua origem, a expressão propriedade coletiva permaneceu; mas do ponto de vista do controle da propriedade, a única diferença destas empresas e as empresas estatais é a base municipal do ente público. A expressão consagrada na literatura ocidental é a “ township and village enterprise” (TVE) aqui traduzida por empresas de vila e município (EVM).
  • 11
    Para um detalhado estudo empírico ver Makino, M. (1997MAKINO, M. (1997). “Inter-Regional Disparities in China: Welfare vs. Productivity”, Osaka City University Economic Review, vol. 32, n. 1-2.). Observando a evolução da produtividade do trabalho na agricultura e na indústria segundo o deflator geral da economia e os deflatores setoriais, a conclusão do autor é de que a mudança dos termos de troca entre agricultura e indústria foi o principal mecanismo distributivo na economia chinesa.
  • 12
    Agradeço a Mareio Henrique Monteiro de Castro diversas observações contidas nesta seção.
  • 13
    A rigor, a mudança essencial inicia-se em 1972 com a visita de Nixon à China e com a assinatura do primeiro “Comunicado de Xangai”. A ruptura do embargo comercial à China ocorre em seguida e se materializa por grandes exportações de grãos dos EUA. Em 1979, o vice-presidente dos EUA, Walter Mondale, visitou a China e sublinhou que “[...] a strong and secure and modernizing China is[...] in the American interest in the decade ahead” (Barnett, 1981BARNETT, D. (1981). China’s Economy in Global Perspective. New York, The Brookings Institution.: 505). Logo após a invasão soviética do Afeganistão, segundo levantamento de Barnett (1981BARNETT, D. (1981). China’s Economy in Global Perspective. New York, The Brookings Institution.), os EUA concordaram em vender para a China equipamentos de artilharia, torpedos anti-submarino, aviões e radares. Um dos objetivos dos EUA com a sua política de aproximação com a China era aumentar o desgaste soviético com a sustentação de um gigantesco contingente militar na fronteira chinesa. Ver nesta direção Tucker, N. B. (1996TUCKER, N. B. (1995). “China as a Factor in the Collapse of the Soviet Empire”, Political Science Quarterly, vol. 110, n. 4.), Vogel (1997PERKINS, D. (1997). “How China’s Economic Transformation Shapes Its Future” in Vogel, E. (ed.) Living with China. New York, Norton.), Nathan, A., Ross, R. (1997NATHAN, A. & ROSS, R. (1997). The Great Wal1 and the Empty Fortress. New York, Norton.).
  • 14
    As relações entre os EUA e a China começaram a mudar a partir de 1989. Neste ano, a queda do muro de Berlim e os acontecimentos na Praça da Paz Celestial, alteraram abruptamente a natureza destas relações. Em 1992 os Estados Unidos venderam 150 F-16 para Formosa, rompendo unilateralmente o “Comunicado de Xangai”, de 1982, e pelo qual os EUA explicitamente se comprometiam a reduzir gradualmente a venda de armas para a ilha. Em 1993, os EUA vetam a intenção da China de sediar os Jogos Olímpicos de 2000 e o seu ingresso na OMC. A tensão chega ao seu clímax em 1996, com o envio de dois porta-aviões americanos para o estreito de Formosa de forma a monitorar os exercícios militares chineses (Kamenade, 1997KAMENADE, W. (1997). China, Hong-Kong, Taiwan, Inc., New York, Knopf.).
  • 15
    Segundo Barnett (1981BARNETT, D. (1981). China’s Economy in Global Perspective. New York, The Brookings Institution.), as taxas de juros foram “semiconcessionais”, 0,625% acima da LIBOR.
  • 16
    Até 1972, os EUA isolaram comercialmente a China. Os bens importados de Hong Kong tinham que apresentar certificado de origem de forma a provar que não eram originários da China. De acordo com Nathan, A. e Ross, R. (1997NATHAN, A. & ROSS, R. (1997). The Great Wal1 and the Empty Fortress. New York, Norton.), o embargo comercial liderado pelos EUA foi mais rígido com a China do que o existente para os demais países comunistas. “During the 70s, after the embargo dismantled by Nixon administration the US-China trade grew very fast. The total trade was negative to China that bought large amounts of grain. The grain imports were 70% of total imports during the first half of decade. During 1972-74, US became China’s second trading partner after Japan. In 1975, China cut off its imports of grain from the US. Improvement in its domestic production and growing concern with its deficit trade with US were the main reasons” (Barnett, 1981BARNETT, D. (1981). China’s Economy in Global Perspective. New York, The Brookings Institution.: 165).
  • 17
    “In 1978, the Chinese signed important trade agreement with major capitalist nations and strive to make contracts of imports of complete plants (steel, coal and electric power, transport equipment, agricultural machinery, chemical plants). According to National Council for U.S.-China Trade, China has signed in 1978 contracts of purchases of plants, machinery and technology totaled dose to U$17,5 billion. An important agreement was signed with Japan covering the years 1978-85 and in 19 79 the agreement was extended to 1990. Initially it called for U$ 20 billion in two-way trade: China’s imports of plants and equipment totalizing U$10 billion against Japan’s imports of oil and coal. After, the agreement expanded to trade near to U$ 60 billion. Another important commercial five-year agreement was signed with the EEC. This granted China the most favored nation treatment, a specific agreement with France (nuclear power plant) with Britain and Germany” (Barnett, 1981BARNETT, D. (1981). China’s Economy in Global Perspective. New York, The Brookings Institution.: 170).
  • 18
    O deslocamento dos capitais de Hong Kong (mas também de Formosa, Coréia e Japão) para a China obedece a lógica do capital mercantil tão bem descrita por Hicks (1969HICKS, J. (1969). Uma teoria de história econômica, Rio de Janeiro, Zahar.). Os ganhos do comerciante variam em função dos custos de comercialização e do diferencial dos preços de compra e venda no mercado internacional. Os custos de comercialização são decrescentes devido às economias de escala do comércio. No nosso caso isto se deve sobretudo a experiência internacional dos comerciantes de Hong Kong. O diferencial de preços de compra e venda depende do diferencial de custos nacionais e da taxa de câmbio. A hipótese de Hicks (que não considerava a taxa de câmbio em sua análise) é de que o diferencial de custos tende a diminuir à medida que o comércio se expande. Assim, com a expansão do comércio internacional, o ganho do comerciante depende dos efeitos contrários que ocorrem com os custos de comercialização e com o diferencial dos custos. Se nós incluirmos a taxa de câmbio na formação dos preços, a lógica do deslocamento dos capitais de Hong Kong para a China torna-se completa: face à diminuição do diferencial dos custos das exportações próprias decorrente da valorização do dólar de Hong Kong no final dos anos 80, o deslocamento dos capitais para a China permitiria obter enormes diferenciais de preços de compra e venda graças à estrutura de custos e à taxa de câmbio da China.
  • 19
    Conforme considerado na seção anterior, o investimento direto estrangeiro só assume magnitude significativa no final dos anos 80. A primeira onda de investimentos é essencialmente voltada para setores intensivos em recursos naturais e mão-de-obra. Neste último caso destacam-se os setores têxteis e vestuários cujas quotas chinesas nos países da OCDE permitiam maior expansão.
  • 20
    “Adjusted for inflation, the size of the combined U.S. deficit with China, Taiwan, South Korea, Japan, Singapore, and Hong Kong was approximately the same in 1995 as it was in the late 1980s, suggesting that the growth of the bilateral deficit with China has had a small marginal impact on U.S. trade balance and employment situation.” (Nathan, A. J. e Ross, R., 1997NATHAN, A. & ROSS, R. (1997). The Great Wal1 and the Empty Fortress. New York, Norton.: 77).
  • 21
    “The nearly simultaneous June 1989 Tiananmen incident and the end of the cold war transformed the policy-making environment in the United States. What had been a liberalizing Chinese regime had overnight turned into an atavistic Communist dictatorship imprisoning the Chinese people. The broad national consensus on the importance of US-China cooperation evaporated, and China policy suddenly became one of the most divisive issues in American foreign policy” (Nathan, A. e Ross, R., 1997NATHAN, A. & ROSS, R. (1997). The Great Wal1 and the Empty Fortress. New York, Norton.: 70).
  • 22
    Os EUA são os maiores exportadores para a China de aviões civis (Boeing), computadores pessoais (AST, Compaq, IBM), telefones celulares (Motorola) além de produtos agrícolas e fertilizantes (Nathan, A. J. e Ross, R., 1997NATHAN, A. & ROSS, R. (1997). The Great Wal1 and the Empty Fortress. New York, Norton.: 77). Por outro lado, tendo em vista a pressão americana, o governo chinês tem jogado estrategicamente com as brechas decorrentes da concorrência internacional. Assim, por exemplo, em 1995, suspendeu contratos para construção de uma fábrica automobilística da Ford e GM e assinou contrato alternativo com a Daimler-Benz, em 1996, encerrou acordo de importação com a Boeing e McDonnell e encomendou 33 jatos Airbus. Para Winston Lord, secretário americano para o Leste asiático e Pacífico, “One of our higgest problems in China is that our friends in Europe and Japan hold our coats while we take on the Chinese and they gobble up the contracts” (Kamenade, 1997KAMENADE, W. (1997). China, Hong-Kong, Taiwan, Inc., New York, Knopf.: 39).
  • 23
    “In one of the most momentous speeches of his career, dubbed the ‘Speech for the Ten Thousand Cadres’ and delivered on 16 January 1980, Deng Xiaoping listed China’s main strategic tasks for the 1980s: 1) the fight against hegemonism (the English term China commonly uses to refer to the policy of world domination as pursued by the superpowers, in particular the Soviet Union, but also United States); 2) the return of Taiwan to the motherland; 3) the acceleration of economic construction.” Kamenade (1997KAMENADE, W. (1997). China, Hong-Kong, Taiwan, Inc., New York, Knopf.: 160). De acordo com o autor, o retorno de Hong Kong à China não era considerado um problema naquele momento devido à inevitável saída da Inglaterra da ilha e a complementariedade econômica de Hong-Kong com o continente. Objetivo mais complexo era enfraquecer os vínculos econômicos de Formosa com os EUA e Japão e absorvê-la na China. A estratégia chinesa, de acordo com Kamenade (1997KAMENADE, W. (1997). China, Hong-Kong, Taiwan, Inc., New York, Knopf.), era: “(1) Encourage Taiwanese business to invest and trade on large scale; (2) Undermine Taiwan’s residual international position by exerting increased pressure to isolate Taiwan further; (3) Use threat of military force to intimidate the pro­independence faction” (Kamenade, 1997KAMENADE, W. (1997). China, Hong-Kong, Taiwan, Inc., New York, Knopf.: 112). As zonas econômicas especiais implantadas em Shenzen (norte de Hong Kong), Zuhai (norte de Macao), Shantou (sul de Formosa) e Xiamen (estreito de Formosa) foram inspiradas nas zonas comerciais de Formosa.
  • 24
    O Grande Salto a Frente (1958-61) resultou na maior fome registrada na história da humanidade e constituiu, segundo opinião unânime entre chineses e ocidentais, no principal estímulo às transformações no campo realizadas a partir de 1978.
  • 25
    Em 1979, Hua Kuofeng listou dez tarefas específicas planejadas pelo governo para os anos imediatos: “ First, [...] concentrate effort on raising agricultural production [...] Second, [...] speed up the growth of light and textiles industries [...] Third, [...] overcome the weak links in our economy: the coal, petroleum and power industries, transport and communications services, and building materials industry [...] Fourth, [...] curtail capital construction and try to get the best results from investment [...] Fifth, vigorously develop science, education, and culture and speed up the training of personnel for construction [...] Sixth, continue to do a good job in importing technology, make use of funds from abroad and strive to expand exports [...] Seventh, [...] take active and steady steps to reform the structure of economic management [...] Eight, preserve basic price stability; readjust those prices that are irrational, while strengthening price control [...] Ninth, raise the living standards of the people step by step as production rises [...] Tenth, continue to do a good job of family planning and effectively control population growth” (Barnett, 1981BARNETT, D. (1981). China’s Economy in Global Perspective. New York, The Brookings Institution.: 93). A despeito do eclipse de Hua Kuo-Feng no início dos anos 80, é impossível não reconhecer a continuidade e coerência do plano reformista chinês desde seu início.
  • 26
    A semelhança das reformas chinesas sobre o campo com as implementadas com a Nova Política Econômica foi reconhecida pelas autoridades reformistas chinesas e mais tarde, pelos economistas soviéticos no governo de Gorbachov. Tal como na reforma propugnada na NEP, o excedente agrícola poderia ser comercializado a preços de mercado e apropriado pelo camponês. No caso chinês, a partir da reforma de 1978, a terra permaneceu sob a propriedade do Estado, mas seu uso foi distribuído para cooperativas de famílias e famílias individuais. A política de contratos baseava-se num sistema de incentivos com as seguintes características: o produtor era obrigado a vender para o Estado uma determinada quantidade física a um determinado preço. A produção remanescente poderia ser destinada ao autoconsumo ou à venda no mercado local a um preço normalmente superior ao fixado pelo governo.
  • 27
    Desde o início das reformas, a liderança chinesa teve bastante clareza da necessidade de uma política de promoção de exportações e de controle de importações. De acordo com Hua Kuo-feng, em relatório para o Congresso Nacional do Povo em 1979, o desenvolvimento chinês deveria promover energicamente as exportações como a principal fonte de divisas internacionais. Segundo Yu Chiu-Li, um importante teórico das reformas, nenhum bem que pudesse ser produzido internamente deveria ser importado (Barnett, 1981BARNETT, D. (1981). China’s Economy in Global Perspective. New York, The Brookings Institution.: 131).
  • 28
    O objetivo da criação das zonas econômicas especiais - inspiradas em Formosa - era o de buscar uma alternativa à clássica dicotomia entre integração internacional subserviente que caracterizou a China no século XIX e a autarquia do período pós-revolução. Modernizar e preservar a independência nacional eram os objetivos que os reformistas de 1978 consideravam possíveis de ser obtidos com a política controlada de abertura externa.
  • 29
    Barnett (1981BARNETT, D. (1981). China’s Economy in Global Perspective. New York, The Brookings Institution.) e Nolan (1996NOLAN, P. (1996). “Large Firms and Industrial Reform in Former Planned Economies: the Case of China”, Cambridge Journal of Economics, 20.) documentam a estratégia de criação de grandes empresas estatais no final dos anos 70 e início dos anos 90, e considerada pela liderança chinesa peça essencial para uma industrialização voltada ao consumo de massa. Ver à frente.
  • 30
    Os responsáveis pelo planejamento e reforma das estatais como Sun Yefang foram reabilitados por Deng Xiao Ping pois eram considerados “libermanistas” numa referência negativa, segundo a liderança política anterior, às ideias do soviético Liberman, defensor nos anos 60 de maior autonomia para as empresas estatais. A introdução do sistema de contratos foi uma das inovações institucionais mais importantes.
  • 31
    Considerando uma economia fechada como a soviética nos anos 20, a questão amplamente debatida era como promover a aceleração da industrialização considerando a mútua dependência entre indústria e agricultura. A prioridade do desenvolvimento industrial passava por uma política de preços favorável à indústria; esta, no entanto, ao desviar recursos necessários à expansão da agricultura, acabava por comprimir o mercado de bens industriais. A inovação de Mao com a indústria rural consistia em articular, através da comuna, a divisão do trabalho entre agricultura e indústria.
  • 32
    “[...] the Communist Party followed the Stalinist model of industrialization that squeezes agriculture to finance industry throughout the 1950s: the prices paid to farmers for agricultural products were set extremely low at that time. The terms of trade returned to pre-World War II parity after 1960, and since then, they have turned in favor of agriculture.” (Maquino, 1997MAKINO, M. (1997). “Inter-Regional Disparities in China: Welfare vs. Productivity”, Osaka City University Economic Review, vol. 32, n. 1-2.: 24). A formulação da necessidade da troca desigual entre um setor não-socialista e um setor socialista foi desenvolvida por Preobrazhensky em 1926 em sua teoria da acumulação primitiva socialista.
  • 33
    Os modelos do economista russo ficaram notabilizados por Domar (1972DOMAR, E. (1972). “A Soviet Model of Growth” in Nove, A. e Nuti, D. M. Socialist Economics. Penguin.).
  • 34
    Para uma resenha ver Imai (1996IMAI, H. (1996). “Explaining China’s Business Cycles” The Developing Economies, XXXIV, 2, June.). Sua descrição do ciclo de investimentos é bastante precisa: “A schematic picture of a business cycle driven by the investment cycle starts with an acceleration of state fixed investment in the initial period. Because high investment necessitates an increase in employment in the investment goods industry, total wage payments, which constitute household incomes, also increase. This leads to higher market demand for consumption goods and, therefore, growing inflationary pressures. Although high investment generates new output capacity for consumption goods, there is a significant lag before this supply side effect fully materializes. As the rate of inflation rises, planners curtail the scale of state fixed investment. When inflationary pressures drop to low level, the next round of investment surge begins” (Imai, 1996IMAI, H. (1996). “Explaining China’s Business Cycles” The Developing Economies, XXXIV, 2, June.: 167).
  • 35
    Mesmo nos anos 70, a restrição externa foi significativa na China. Com efeito, após a visita de Nixon e com o fim do embargo comercial, a China passou a comprar grandes quantidades de grãos dos EUA. Esta dependência de fontes externas foi interrompida no meio da década, quando a China decidiu priorizar fortemente o aumento da produção e produtividade agrícola. A substituição de importações foi priorizada e as importações de grãos só retomam no início dos anos 80, mas declinam na segunda metade da década.
  • 36
    As importações foram concentradas no início da década em alimentos e bens intermediários, já na segunda metade da década, graças ao aumento da produção de grãos, as importações tornaram-se fortemente concentradas em máquinas e equipamentos. As importações de máquinas e equipamentos de transporte evoluíram de U$ 2 bilhões por ano no final dos anos 70 para US$ 45 bilhões registrados em 1993 (Nolan, 1996NOLAN, P. (1996). “Large Firms and Industrial Reform in Former Planned Economies: the Case of China”, Cambridge Journal of Economics, 20.).
  • 37
    O primeiro tipo de exportação é o que se poderia denominar de buyer-driven commodity chains (Naughton, 1997) em que a iniciativa das exportações é feita pelos importadores estrangeiros.
  • 38
    Uma análise detalhada deste ponto encontra-se em Nolan (1996NOLAN, P. (1996). “Large Firms and Industrial Reform in Former Planned Economies: the Case of China”, Cambridge Journal of Economics, 20.).
  • 39
    “The central government is determined to turn Shanghai into an international, trendsetting stronghold of heavy industry (steel, automobiles, power plants, petrochemicals), and light and high-tech industry (telecommunications, white goods, computers, medicine) under state domination. Shanghai Volkswagen, one of China’s most successful joint ventures, was making 160,000 automobiles per year in the mid-1990s and will expand production to 300,000 per year by 1997.” Kamenade (1997KAMENADE, W. (1997). China, Hong-Kong, Taiwan, Inc., New York, Knopf.: 230)
  • 40
    Para uma análise do significado estratégico das novas áreas econômicas especiais ver Kamenade (1997KAMENADE, W. (1997). China, Hong-Kong, Taiwan, Inc., New York, Knopf.).
  • 41
    Os documentos do PCC referem-se a uma economia socialista de mercado. Entretanto, à luz das discussões marxistas sobre as vias de desenvolvimento, poder-se-ia denominar a via chinesa como uma forma de capitalismo de Estado. A tese de Lenin sobre o capitalismo de estado aparece desenvolvida em suas reflexões sobre o regime estabelecido com a NEP. Por capitalismo de estado, Lenin entendia um tipo de capitalismo regulado e controlado pelo estado socialista. Para uma ampla discussão ver Franco Rizzi (1981RIZZO, F. (1981). “L’internazionale comunista e la questione contadina” in Storia dei Marxismo, vol. III. Torino, Einaudi.). De certo modo as características chinesas, a despeito de peculiaridades próprias, apresentam alguns traços semelhantes. Com efeito, o capitalismo chinês desenvolveu-se a partir da regulação não­mercantil de dois fatores produtivos: a terra e o trabalho. Com as reformas de 1978, não se desenvolveu um mercado de terras. A terra pertence ao Estado, a renda diferencial é administrada pelo governo e parcialmente apropriada pelo produtor. Ainda que em expansão, a mercantilização da força de trabalho encontra-se institucionalmente limitada. Não existe um mercado de trabalho, a população não pode deslocar-se livremente, as empresas são estimuladas a contratar no próprio local de trabalho, o custo de reprodução da força de trabalho - preço dos alimentos e oferta de serviços públicos de educação e saúde ­ é controlado pelo Estado.
  • 42
    A estrutura dual de preços na China não revela uma simples convivência do plano e do mercado como princípios distintos. Ao longo dos anos 80 tanto os produtores rurais quanto as empresas passaram o operar com um sistema de contratos com a seguinte característica: existem preços e metas quantitativas definidas em plano, acima dos níveis assim estipulados os preços podem variar numa determinada faixa.
  • 43
    Num discurso proferido em 1957, Mao afirmou: “Our land is so vast, our population so large, and conditions so complex that is much better to let initiative emanate from both the center and the local authorities” (apud Kamenade, 197KAMENADE, W. (1997). China, Hong-Kong, Taiwan, Inc., New York, Knopf.: 262)
  • 44
    De acordo com Makino (1997MAKINO, M. (1997). “Inter-Regional Disparities in China: Welfare vs. Productivity”, Osaka City University Economic Review, vol. 32, n. 1-2.): “In China, segmentation and compartmentalization characterized the regional economy for a long time. The inter-regional mobility of commodities and factors of production, and information exchanges were underdeveloped. The situation, however, has been changing after the economic reform. Horizontal economic linkages have been replacing vertical administrative channels, though only very gradually” (Makino, 1997MAKINO, M. (1997). “Inter-Regional Disparities in China: Welfare vs. Productivity”, Osaka City University Economic Review, vol. 32, n. 1-2.: 16). Também para Yang (1996YANG, D. (1996). “Governing China’s Transition to the Market”, World Politics 48, April.), a segmentação do mercado nacional se desenvolveu historicamente devido ao excessivo e duplicado investimento estimulado pela descentralização e protecionismo local.
  • 45
    Observando os dados de 1994, Naughton sublinhou que “Indeed, one of the most distinctive characteristics of economic growth in China has been its broad geographical spread. Foreign trade and investment have been highly geographically concentrated, but the acceleration of economic growth has been very broadly based” (Naughton, 1996NAUGHTON, B. (1996). “China’s Emergence and Prospects as a Trading Nation”. Brooking Papers on Economic Activity, 2.: 312).
  • 47
    JEL Classification: O10; P21; N15.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1999
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