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Teoria dos custos de transação e abordagens evolucionistas: análise e perspectivas de um programa de pesquisa pluralista

Transaction Costs Theory and evolutionary approaches:Analysis and Perspectives of a Pluralist Research Program

RESUMO

A Teoria dos Custos de Transação tem sido considerada a “nova ortodoxia” da teoria da firma, e também é a razão de ter sido amplamente criticada por diferentes escolas de pensamento econômico. No entanto, parece haver sinais de complementaridade entre o TCT e as abordagens evolutivas da empresa. Algumas supostas interfaces são discutidas aqui, a fim de sugerir novas direções para uma agenda de pesquisa sobre a teoria da empresa, dentro de uma estrutura pluralista.

PALAVRAS-CHAVE:
Custos de transação; Nova Economia Institucional; análise schumpeteriana; história do pensamento econômico; teoria da firma

ABSTRACT

Transaction Costs Theory has been considered the “new orthodoxy” of the theory of the firm, and it is also the reason for it has been widely criticized by different schools of economic thought. However, there seems to be signs of complementarity between TCT and evolutionary approaches to the firm. Some alleged interfaces are discussed here, in order to suggest new directions for a research agenda on the theory of the firm, within a pluralistic framework.

KEYWORDS:
Transaction costs; New Institutional Economics; Schumpeterian analysis; history of economic thought; firm theory

INTRODUÇÃO

Neste artigo tentamos analisar e avaliar algumas críticas endereçadas à Teoria dos Custos de Transação (TCT) por autores evolucionistas, ou seja, aqueles preocupados com o desenvolvimento (em suma, mutação, adaptação, difusão, interação e seleção) no tempo das “espécies” econômicas e com as respectivas trajetórias percorridas, num contexto de competição e incerteza.

Consideramos aqui a TCT como a linha básica da “facção micro” da Nova Economia Institucional, embora outras linhas de pesquisa se desenvolvam em paralelo ou mesmo com pontos de cantata. A TCT reconhecidamente deriva de Coase (1937COASE, R. (1937) “The nature of the firm”. Economica, vol. 4, pp. 386-405.), a partir da recuperação das ideias originais de seu artigo e do desenvolvimento teórico deflagrado em meados da década de 70 por Oliver Eaton Williamson, nome com o qual, aliás, praticamente se confunde desde então. Por isso identificamos aqui a TCT com os desenvolvimentos teóricos de Williamson.1 1 A espinha dorsal da TCT, desse modo, se constrói ao longo de Williamson (1975, 1985 e 1996, dentro outros trabalhos mais pontuais que os entremeiam). Vide maiores detalhes sobre a evolução das ideias de Williamson em Pessali (1998, pp. 8-10). Quanto à abordagem evolucionista a que aludimos, podemos enfatizar que, na analogia biológica peculiar à mesma, as espécies são representadas economicamente por firmas ou por técnicas (cf. Nooteboom, 1992NOOTEBOOM, B. (1992) “Towards a dynamic theory of transactions”. Journal of Evolutionary Economics, vol. 2, pp. 291-9., pp. 286-7), assim como os genes são identificados pelas rotinas utilizadas pelas firmas ou pelas tarefas que compõem cada técnica, cf. Nelson e Winter (1982NELSON, R. & WINTER, S. (1982) An evolutionary theory of economic change. Cambridge, Mass., The Belknap Press.) e Magnusson e Ottosson (1996MAGNUSSON, L. & OTTOSSON, J. (1996) “Transaction costs and institutional change”. In Groenewegen, J. (orgs.) Transaction cost economics and beyond. Boston, Kluwer.)2 2 Em junção, podemos transcrever Hodgson (1988, p.208): “a firma possui a habilidade de manter e reproduzir um grande número de hábitos e rotinas que funcionam como genes”. . O conceito de inovação é central, tido como propulsor do sistema capitalista, por ser capaz de criar diferenciais competitivos que impulsionam a valorização do capital ou que, no mínimo, permitem sobrevida aos agentes que dela se utilizem. Desta forma, é fundamental atentar para a capacidade dos agentes económicos de obter, apreender e usar o conhecimento, e também de dominar e manipular informações na busca ou consolidação de posições vantajosas na corrida pelo lucro e pela sobrevivência num ambiente competitivo. Em função desse legado tipicamente schumpeteriano, nossa identificação de autores evolucionistas converge em essência para o que se costuma chamar de neo-schumpeterianismo. Duas ressalvas, porém, devem ser feitas. A primeira concerne à disseminação do último termo, que tem servido tanto a autores de maior “pureza” teórica com relação às obras de Schumpeter quanto a autores envolvidos na tentativa de utilizar também analogias biológicas numa maior aproximação ao neoclassicismo (tais como os que se orientam por Friedman, 1953FRIEDMAN, M. (1953) Essays in positive economics. Chicago, University of Chicago Press., e Alchian, 1950ALCHIAN, A. (1950) “Uncertainty, evolution, and economic theory”. Journal of Political Economy, vol. 58, pp. 211-21.).3 3 Vide, por exemplo, Machlup (1967 e Jensen (1983). Uma discussão interessante sobre as concepções e usos da analogia biológica - principalmente relacionada à metáfora da seleção natural darwinista - está em Vromen (1995). Em decorrência, se o leitor assim preferir, pode-se ler neo-schumpeterianos onde escrevemos evolucionistas, mas considerando sua inserção numa “cheia do outside-stream” (parafraseando Possas, 1995POSSAS, M. (1995) “A cheia do mainstream: comentários sobre os rumos da ciência econômica”. Texto para Discussão, 327, IEI/UFRJ.). A segunda ressalva concerne a autores ligados ao institucionalismo “original”, que se alinham ao pensamento de T. Veblen, J. Commons, C. Ayres, K. Polanyi, entre outros, e que se auto­intitulam evolucionistas: não estamos nos referindo a eles, embora em alguns momentos haja pontos de cantata entre os grupos que diferenciamos.4 4 Uma análise das críticas dirigidas à TCT por esses evolucionistas, também denominados institucionalistas ‘originais’ ou ‘do velho estilo’, é feita em Pessali e Fernández (1999).

Apresentamos, então, na seção seguinte (2), argumentos em prol de uma abordagem dinâmica para a teoria da firma, em contraposição à estática comparativa utilizada pela TCT. Aprofundando tal questão em alguns de seus diversos elementos, discutimos nas seções seguintes, respectivamente; (3) a preocupação com as questões do conhecimento e os custos dinâmicos de transação; (4) a eficiência estática trabalhada pela TCT em contraste com a eficiência dinâmica; (5) a consideração do tempo real e dos fenômenos relevantes que acompanham os processos relacionais; (6) a problemática dos processos de seleção quando se considera o aprendizado e o recorrente convite evolucionista à TCT. Seguem comentários finais a respeito dos pontos que parecem relevantes para um possível tratamento conjunto ou pluralista entre a TCT e as abordagens evolucionistas numa teoria da firma mais abrangente.

ASPECTOS DINÂMICOS: APRENDIZADO E CONSTRUÇÃO DE COMPETÊNCIAS

Na perspectiva de Williamson, a TCT deve abordar a firma através da análise (por ele chamada) institucional comparativa de estruturas distintas ou alternativas (Williamson, 1991WILLIAMSON, O. (1991) “Comparative economic organization: the analysis of discrete structural alternatives”. Administrative Science Quarterly, vol. 36, pp. 269-96., pp. 286-7, e sua reedição sem alterações em Williamson, 1996WILLIAMSON, O. (1996) The mechanisms of governance. New York, Oxford University Press., pp. 111-2). Isso significa que a pesquisa deve focalizar basicamente a escolha de uma determinada forma organizacional entre as diferentes alternativas que se apresentam para efetuar uma determinada transação. Dessa forma, o ambiente será tomado como o local onde mudam os parâmetros. Assim, é possível observar, num primeiro momento, o ambiente antes da decisão sob uma forma organizacional e, num segundo momento, observar o ambiente com a forma organizacional escolhida já implantada, para que uma nova análise de mudança possa ser conduzida. Resulta claro que essa comparação consiste assumidamente em um exercício estático.

Por sua vez, a literatura evolucionista aqui abordada mostrou-se receptiva e disposta a trabalhar com preocupações e argumentos da TCT em sua agenda de pesquisas, embora uma interface sem atritos não pareça fácil. De certa forma, aos olhos evolucionistas, a TCT parece conter avanços relevantes na elaboração de uma teoria da firma; no entanto, ainda lhe falta superar o mencionado caráter estático. Essa principal crítica é expressa sinteticamente por Nooteboom (1992NOOTEBOOM, B. (1992) “Towards a dynamic theory of transactions”. Journal of Evolutionary Economics, vol. 2, pp. 291-9., p. 281), para quem a TCT “usual considera a transação a partir da perspectiva de eficiência estática. Cada vez mais atenção é requerida para a eficiência dinâmica, para competências em explorar relações transacionais para inovar. Sendo a inovação dependente do conhecimento e do aprendizado, o caminho da estática para a dinâmica das trocas requer a compreensão do desenvolvimento e da aquisição do conhecimento, das preferências, e do significado e papel destes na interação dos agentes transacionantes”. Na mesma direção, encontramos Pondé (1993PONDÉ, J. (1993) Coordenação e aprendizado: elementos para uma teoria das inovações institucionais nas firmas e nos mercados. Campinas, Dissertação de Mestrado em Economia, IE/UNlCAMP., 1994PONDÉ, J. (1994) “Coordenação, custos de transação e inovações institucionais”. Texto para Discussão, 38, IE/UNlCAMP. e 1996PONDÉ, J. (1996) “Concorrência e mudança institucional em um enfoque evolucionista”. Encontro Nacional De Economia, 24. Águas de Lindóia, Anais, ANPEC, vol. 2, pp. 536-55.), que considera louvável a adoção pela TCT das hipóteses de racionalidade limitada e dos dilemas vindos da incerteza, o que a diferencia de outras abordagens sobre problemas organizacionais consideradas as extensões dos conceitos de racionalidade global e otimização.5 5 Como as de Klein, Crawford e Alchian, Alchian e Demsetz, e Jensen e Meckling, referidos por Pondé (1994, p.40), podendo estas serem enquadras no que Possas (1995) lde “cheia do mainstream”. No entanto, seria necessário incluir um aspecto dinâmico à TCT, que incluísse a evolução de formas ou arranjos institucionais gerados no intuito de reduzir os custos de transação: “... as opções quanto às maneiras de organizar as atividades econômicas não existem enquanto possibilidades dadas que devem ser descobertas e avaliadas pelos agentes econômicos, mas precisam ser inventadas no bojo de um processo de inovação cuja natureza e determinantes podem ser melhor compreendidos a partir da Teoria dos Custos de Transação” (Pondé, 1993PONDÉ, J. (1993) Coordenação e aprendizado: elementos para uma teoria das inovações institucionais nas firmas e nos mercados. Campinas, Dissertação de Mestrado em Economia, IE/UNlCAMP., p. 64, grifo no original). Para tanto, é preciso enveredar na análise dos processos de aprendizado que levam às inovações, tanto tecnológicas como organizacionais, e que dessa forma sujeitam-se a efeitos de inércia, lock-in, path dependency e outros evidenciados pelas abordagens evolucionistas. A partir disso, dois aspectos complementares devem ser considerados numa teoria integrada do comportamento e evolução das instituições dentro de e entre firmas e mercados, num ambiente incerto e refletindo sua busca por vantagens competitivas: “No âmbito da coordenação, uma investigação do grau em que estão presentes ativos específicos e da dimensão assumida pela incerteza comportamental - provocada seja pelo oportunismo ou pela diversidade cognitiva - são indispensáveis. Já para o aprendizado, mostram-se cruciais a complexidade sistêmica das tecnologias envolvidas e o seu conteúdo tácito” (Pondé, 1993PONDÉ, J. (1993) Coordenação e aprendizado: elementos para uma teoria das inovações institucionais nas firmas e nos mercados. Campinas, Dissertação de Mestrado em Economia, IE/UNlCAMP., p. 122).

Embora entendamos que a preocupação com o caráter inovador da firma seja essencial e, portanto, muito bem-vinda, julgamos fundamental não esquecer que muitas das atividades de qualquer empresa têm um caráter completamente rotineiro. Uma vez adotada uma tecnologia, ou estabelecida alguma rotina qualquer, a competência da firma será evidenciada em grande parte através de sua eficiência ao executar essa tarefa. Tomemos aqui o que apontam Langlois e Foss (1997LANGLOIS, R. & FOSS, N. (1997) “Capabilities and governance: the rebirth of production in the theory of economic organization”. Danish Research Unit for Industrial Dynamics, Working Paper, 97-2., p. 25, grifos nossos): “... a essência da tomada de decisão não é fazer uma escolha dentre alternativas previamente dadas; é um caso de construir algo análogo a uma situação de decisão através da definição de quais variáveis são relevantes, o que por sua vez requer tomar senso do ambiente, configurar procedimentos para a resolução de problemas etc.”. Nós enxergamos claramente que Williamson esquece essa dimensão, mas argumentaríamos que a escolha entre alternativas dadas certamente não constitui algo trivial nem desprezível.

CONHECIMENTO TÁCITO E SOCIAL, COMPETÊNCIAS E OS CUSTOS DINÂMICOS DE TRANSAÇÃO

O domínio, ou não, de conhecimentos e habilidades necessários a uma nova tarefa (ou a possibilidade de adquiri-los) diante de uma oportunidade de mudança econômica, i.e., inovar e/ou implementar uma inovação de forma bem-sucedida, torna-se um dos elementos-chave na análise da firma.6 6 E ainda, de forma complementar: ‘Inovações organizacionais e institucionais são inextricavelmente relacionadas a inovações tecnológicas” (Freeman, 1994, p. 483). Vide também North (1993, p.251), numa interessante crítica à estreita visão de que apenas as instituições determinam os custos de transação e que apenas a tecnologia determina os custos de produção. A TCT, ao focalizar a essência da estrutura organizacional na transação e tentar explicá-la em termos de eficiência ou habilidade em restringir comportamentos rent-seeking, acaba por ignorar um aspecto relevantíssimo no estudo da firma, a saber, a sua constituição ou seu “repertório de competências”, afinal de contas,”... a firma sabe mais do que seus contratos podem dizer” (Foss, 1996aFOSS, N. (1996a) “Capabilities and the theory of the firm”. Danish Research Unit for Industrial Dynamics, Working Paper, 96-8., p. 18, citando Kogut e Zander, 1992)7 7 Ao mesmo tempo, a TCT acaba por negligenciar o lado dos benefícios obtidos com dada estrutura organizacional alternativa ao preocupar-se apenas com custos (Langlois e Foss, 1997, p.6) . Tal repertório de competências é onde se pode enxergar o que a firma pode ou não produzir, além de como poderá fazê-lo. Nas palavras de Winter (1993WlNTER, S. (1993) “On Coase, competence, and the corporation”. In Williamson, O. & Winter, S. (orgs.) The nature of the firm: origins, evolution, and development. New York, Oxford University Press., p. 190): “quando uma firma cresce por integração vertical, não se tem uma questão apenas de ‘mais do mesmo’. Tem-se mais de algo proximamente relacionado, algo sobre o qual a firma tem algum grau de conhecimento relevante. A ótica evolucionista sugere que esse ‘grau’ é provavelmente um importante determinante de onde se dá ou não a integração”.

Em contraste, há para Foss (1996bFOSS, N. (1996b) “Thorstein B. Yeblen: precursor of the competence-based approach to the firm”. Danish Research Unit for Industrial Dynamics, Working Paper, 96-15., p. 14, citando Demsetz, 1988) “uma hipótese subjacente à abordagem contratual é que enquanto o conhecimento para os propósitos de gestão [...] é escasso e caro, assume-se que o conhecimento necessário aos propósitos da produção é gratuito; como resultado, as decisões sobre os limites da firma [...] não podem recair sobre considerações de custos de produção”. As imperfeições relativas ao conhecimento acabam recaindo exclusivamente na esfera dos custos de transação.

Entretanto, é cada vez mais reconhecido que muito do conhecimento é tácito, social e fracionado ou distribuído entre os diversos agentes participantes dos processos econômicos, principalmente na esfera da produção, i.e., apenas gerado e mobilizado num contexto de atividades produtivas multi pessoais. Assim, ao pensar em seus limites, a firma deve preocupar-se não apenas em alinhar incentivos ex ante e salvaguardar-se do oportunismo ex poste da incerteza através da confecção de um certo arranjo contratual, mas principalmente em saber se pode possuir competências para levar adiante uma nova atividade e/ou reformular as atividades remanescentes quando alguma é desmembrada. Nesse caso, “... os custos de elaborar contratos com potenciais parceiros, de educar potenciais licenciados ou franqueados, de ensinar fornecedores sobre o que se quer deles, etc... tornam-se fatores reais importantes por trás de escolhas das firmas sobre seus limites eficientes” (Foss, 1996bFOSS, N. (1996b) “Thorstein B. Yeblen: precursor of the competence-based approach to the firm”. Danish Research Unit for Industrial Dynamics, Working Paper, 96-15., p. 15).8 8 A propósito, Langlois & Robertson (1995, p. 18) alertam para a necessidade de considerarmos de forma mais nítida o que a firma pode tentar fazer a respeito de seu futuro, ou melhor, admitir uma distinção das surpresas do tempo à la Knight: “Por causa da incerteza, os mercados, onde eles existem, podem funcionar de forma imperfeita, e as firmas que melhor lidam com condições incertas estarão em melhor posição para implementar suas estratégias. Neste contexto, entretanto, a incerteza tem dois significados distintos que precisam ser separados. O primeiro, que podemos chamar de incerteza estrutural, surge quando uma firma precisa fundamentar sua decisão em julgamentos sobre resultados futuros que são ainda desconhecidos. O segundo tipo de incerteza, que podemos chamar incerteza paramétrica, surge da possibilidade de uma série de imperfeições de mercado incluindo a racionalidade limitada e o oportunismo. Enquanto se faz possível adotar estratégias para segurar-se contra a incerteza paramétrica, ou pelo menos para amenizar seus efeitos, a incerteza estrutural não pode ser eliminada estrategicamente”.

Autores evolucionistas mais próximos a Hayek e à Escola Austríaca (como o próprio N. Foss, R. Langlois, e P. Robertson) insistem na crítica a partir do que chamam de competence-based ou capabilities approach da firma (cf. Foss, 1996aFOSS, N. (1996a) “Capabilities and the theory of the firm”. Danish Research Unit for Industrial Dynamics, Working Paper, 96-8.). Sua atenção recai nos processos de construção, aquisição, combinação, utilização, transmissão e proteção de competências das instituições produtivas - em particular, das firmas. Tais competências são descritas como “as normas - as rotinas - que os agentes seguem dentro de uma organização [que] incorporam conhecimentos (quase sempre tácitos) úteis para que operem” (Langlois, 1994LANGLOIS, R. (1994) “Do firms plan?” Artigo apresentado na conferência “Frontieres de la Firme”, Université de Lumiere, Lion, 28 jan., p. 5). Atente-se para o fato de as rotinas serem a representação do que a firma realmente faz, enquanto as competências - além de as englobarem - significam também o que a firma poderia fazer com a realocação de seus recursos (cf. Langlois e Robertson, 1995LANGLOIS, R. & ROBERTSON, P. (1995) Firms, markets and economic change: a dynamic theory of business institutions. London, Routledge., p. 16).

De tal maneira, as competências garantem o funcionamento da firma, sendo determinantes da organização econômica e, particularmente, dos limites da firma. Para assumir novas atividades, é preciso que a firma confronte os “custos dinâmicos de transação”, que são os custos de não possuir as competências necessárias quando se precisa delas (Langlois e Robertson, 1995LANGLOIS, R. & ROBERTSON, P. (1995) Firms, markets and economic change: a dynamic theory of business institutions. London, Routledge., cap. 3), ou os custos que surgem em tempo real no processo de aquisição e coordenação do conhecimento produtivo (Langlois, 1992, apudFoss, 1996bFOSS, N. (1996b) “Thorstein B. Yeblen: precursor of the competence-based approach to the firm”. Danish Research Unit for Industrial Dynamics, Working Paper, 96-15., p. 14). Quando tais competências não estão ainda formadas nos mercados ou não podem ser constituídas a baixos custos, um controle organizacional centralizado parece ser mais hábil em redirecionar ou reformular rotinas já existentes em prol de uma certa oportunidade empresarial.

Contudo, não se pode desconsiderar que a coordenação de novas competências sob relações hierárquicas envolve dois fortes obstáculos (Langlois, 1994LANGLOIS, R. (1994) “Do firms plan?” Artigo apresentado na conferência “Frontieres de la Firme”, Université de Lumiere, Lion, 28 jan., p. 6): “(1) a recalcitrância dos detentores de ativos cujo capital teria que ser criativamente destruído... [e] (2) os custos ‘dinâmicos’ de transação de informar e persuadir novos detentores de insumos cujas competências seriam necessárias ao sucesso da inovação” . Sendo assim, a destruição criadora característica do ambiente competitivo capitalista pode implicar reconfigurações de competências em ambos os sentidos: de antigas competências pulverizadas no mercado para novas competências coordenadas de forma centralizada ou vice-versa (Langlois e Foss, 1997LANGLOIS, R. & FOSS, N. (1997) “Capabilities and governance: the rebirth of production in the theory of economic organization”. Danish Research Unit for Industrial Dynamics, Working Paper, 97-2., p. 21). Por extensão, a existência da firma se explica por sua capacidade de coordenar competências. Em direção a uma complementaridade teórica, Langlois e Foss (idem, p. 28) e também Winter (1993WlNTER, S. (1993) “On Coase, competence, and the corporation”. In Williamson, O. & Winter, S. (orgs.) The nature of the firm: origins, evolution, and development. New York, Oxford University Press., p. 192) sugerem, então, que o conceito de especificidade dos ativos de Williamson deve ser refinado e ampliado para considerar primordialmente as competências cujas implicações sobre a organização econômica são semelhantes às dos demais tipos de especificidade considerados. Nada mais idiossincrático em uma firma que suas competências, e a elas pouco se pode atribuir valor produtivo em usos alternativos, e, se assim ocorre, mais difícil sua replicação por estruturas diferentes e mais evidente que se deva buscar quase-rendas com seu uso dentro das próprias fronteiras da firma.

Nooteboom (1993NOOTEBOOM, B. (1993) “An analysis of specificity in transaction cost economics”. Organization Studies, Research Note, vol. 14 (3), pp. 443-51.) também critica a hipótese de especificidade de ativos com relação à dependência criada entre os agentes transacionantes a partir daquela. Ele afirma que a TCT é ainda muito superficial em não observar que a hipótese necessita de maiores qualificações para que seja possível enxergar formas de dependência assimétrica ou mesmo unilateral entre os agentes. Um caso citado de dependência unilateral é o que pode surgir com o comportamento estratégico (e de sua competência em realizá-lo com sucesso) de um fornecedor em diferenciar seu produto de forma que ao comprador não se apresente alternativa ou substituto para o bem. Mesmo que tal atitude resulte de oportunismo não previsto nas salvaguardas, envolve o aprendizado do fornecedor sobre o que poderia ser feito em direção à diferenciação (e monopolização) do produto durante a relação contratual. E isso não é explorado por Williamson, mesmo ao desenvolver o conceito de “transformação fundamental”.9 9 O que mais aproxima Williamson da questão da dependência assimétrica parecer ser o seu modelo de reféns ou trocas bilaterais (Williamson, 1985, pp. 167-75). Embora maiores qualificações possam ser feitas, grosso modo, parece-nos que Williamson percebe e trata a assimetria de condições entre agentes numa transação e considera duas situações: ou a parte em piores condições consegue da parte com melhores condições um refém ou a transação não ocorre. Portanto, diante da estática-comparativa, as relações ou se tornam simétricas para que a transação tenha um fim ou a transação nem sequer será iniciada. Por isso acreditamos que o tema pode ser melhor tratado na dinâmica da transformação fundamental. Além disso, é preciso em algum momento resgatar tal crítica para analisar as transações que já começam assimétricas, como sugere Nooteboom (1993).

A essa altura, cabe buscar na TCT alguma evidência de sua preocupação com os temas críticos deste tópico. Segundo Foss (1996aFOSS, N. (1996a) “Capabilities and the theory of the firm”. Danish Research Unit for Industrial Dynamics, Working Paper, 96-8., p. 9), Williamson parece reconhecer a necessidade de complementar a noção da firma como entidade contratual com a visão da firma como conjunto de competências quando reescreve a hipótese de eficiência que guia as instituições econômicas, qual seja: “Alinhar as transações, que diferem em seus custos e competências, de uma forma distintiva (mormente, de forma a economizar custos de transação)” (Williamson, 1991WILLIAMSON, O. (1991) “Comparative economic organization: the analysis of discrete structural alternatives”. Administrative Science Quarterly, vol. 36, pp. 269-96., p. 79 apud Foss, ibid., grifos deste). Alguns anos antes, ao sintetizar o campo de análise da organização das transações em três perguntas exploratórias, Williamson apresentava uma delas assim: “quais são os custos e competências de modos alternativos de organizar a gestão das transações?” (1987WILLIAMSON, O. (1987) “Vertical integration”. In The New Palgrave: a dictionary of economics. London, Macmillan Press, v. 4, pp. 807-12., p. 810, nosso grifo). Indo um pouco mais longe no tempo, podemos ver que Williamson (1985WILLIAMSON, O. (1985) The economic institutions of capitalism: firms, markets, relational contracting. New York, The Free Press., p. 18, nosso grifo) faz menção a alguma forma de competência das instituições ao delimitar os objetivos da organização econômica: “os custos de transação são economizados através do enquadramento das transações (que diferem em seus atributos) em estruturas de gestão (cujas capacidades adaptativas e custos associados diferem entre si) de maneira distintiva”. E ainda antes vemos Williamson (1979WILLIAMSON, O. (1979) “Transaction cost economics: the governance of contractual relations”. Journal of Law and Economics, vol. 22, pp. 233-61., p. 253, nosso grifo), ao explicar as vantagens da hierarquia sobre uma relação bilateral, afirmando que: “a contratação compromissada (estruturas bilaterais, onde a autonomia das partes é mantida) é suplantada pela capacidade adaptativa mais ampla permitida pela administração”. Para que possamos julgar de forma mais conveniente tal trajetória de mudanças, tentamos localizar o ponto de partida da hipótese. Temos, então, Williamson (1975WILLIAMSON, O. (1975) Markets and hierarchies: analysis and antitrust implications. New York, The Free Press., p. 21), ao explicar sua análise sobre o estudo das falhas organizacionais, afirmando que a mesma focaliza: “o enquadramento da atividade econômica em firmas e mercados de forma a economizar custos de transação”, sentença que não apresenta sequer a referência à capacidade de adaptação que apareceria nos trabalhos mais recentes.

Williamson parece realmente ter incorporado a sofisticação sugerida por Foss, embora precise ganhar destaque, adquirindo o caráter de imprescindível e ter suas implicações desenvolvidas no modelo. De qualquer modo, entendemos que embora o conceito de competências não seja desenvolvido por Williamson, poderia ser incorporado pela TCT sem incorrer em inconsistências.

REGIMES INOVATIVOS E EFICIÊNCIA ESTÁTICA VERSUS EFICIÊNCIA DINÂMICA

Em Nooteboom (1992NOOTEBOOM, B. (1992) “Towards a dynamic theory of transactions”. Journal of Evolutionary Economics, vol. 2, pp. 291-9., p. 282) encontramos alguns exemplos de situações em que o aspecto das competências interage com o da economização dos custos de transação. Ele evidencia, por exemplo, alguns ramos de indústria que deparam com graus de incerteza cada vez maiores, tanto tecnológica (regimes de grande e rápida inovatividade) como de demanda (gostos e preferências}. Para esses casos, segundo a TCT, deveria haver maior internalização de ativos para que fosse reduzido o outsourcing, ou a dependência dos fornecedores. No entanto, tais ramos têm conseguido reduções nos custos de transação com a absorção de desenvolvimentos das tecnologias de informação e comunicação. E, ao contrário do que seria então esperado, os mesmos vêm incrementando tendências de recorrer ao outsourcing, embora o resultado não seja exatamente utilizar o mercado impessoal, mas sim criar formas mais complexas de cooperação (cf. Noorderhaven et al., 1996NOORDERHAYEN, N. & NOOTEBOOM, B. & BERGER, H. (1996) “Exploring determinants of perceived interfirm dependence in industrial supplier relations”. Não publicado., p. 2). Note­ se, entretanto, que o próprio Williamson (1985WILLIAMSON, O. (1985) The economic institutions of capitalism: firms, markets, relational contracting. New York, The Free Press., p. 143) admite tal possibilidade em situações envolvendo elevados potenciais inovativos, embora não se estenda analiticamente com o caso. Isso leva Langlois e Robertson (1995LANGLOIS, R. & ROBERTSON, P. (1995) Firms, markets and economic change: a dynamic theory of business institutions. London, Routledge., p. 30) a afirmarem que a TCT é uma teoria de curto prazo, capaz apenas de dar respostas a mudanças institucionais em situações momentâneas (assunto ao qual voltaremos).

Uma questão central dos evolucionistas é a intenção de tornar dinâmica a análise das firmas, acompanhando o simples, mas indispensável aspecto da passagem do tempo, ou seja, os processos de mudança. Para tanto, é preciso trabalhar mais atenta e minuciosamente as dimensões do conhecimento e do aprendizado. Através destes, no longo prazo10 10 Sendo o longo prazo definido não no tempo operacional em que todos os fatores de produção tornam-se variáveis, mas como “o estágio assintótico final de um processo de aprendizado” (Langlois e Robertson, 1995, p. 33). Etapas sequenciais de aprendizado dentro de um paradigma tecnológico ou dentro de um pacote tecnológico aplicado à produção corresponderiam, assim, à sequencias de curto prazo. Digamos que nossa tentativa de lidar com o DOS 6.0 (sistema operacional de computadores) após o DOS 5.0 corresponderia ao curto prazo “DOS 6.0”, dentro do longo prazo “DOS”. Quando é desenvolvido o Windows (e aprendemos a lidar com ele), matamos o longo prazo “DOS” e iniciamos o longo prazo “Windows”. O Windows 3.1, o Windows 95, o Windows 98 e o Windows 2000 são sucessões de curto prazo dentro do paradigma “Windows”. É sempre possível que um outro sistema operacional dê fim ao longo prazo “Windows”, iniciando seu longo prazo, e assim sucessivamente. , os custos de uma determinada transação passarão a ser menos relevantes, na medida em que atue uma tendência para as atividades se tornarem crescentemente rotinas (por mais rotina que seja contratar um operário, o custo de transação de supervisioná-lo não parece tender a diminuir com o passar do tempo) ou para o conhecimento contido nas competências de a firma acabar se disseminando ou sendo de alguma forma replicado. Entretanto, concomitantemente, a firma estará fazendo (ou tentando fazer) novos produtos, tarefas ou transações. Portanto, enquanto algumas transações vão se tornando rotineiras (o que levaria à desintegração vertical, segundo a TCT, já que os ativos envolvidos se tornariam não­específicos), outras vão sendo absorvidas ou modificadas - sobre as quais nada podemos dizer a priori, mas que, segundo os evolucionistas, tendem a ser “core competences” por terem o caráter de novidade ou de diferenciação dos padrões observáveis no ambiente até então. Nesse caso, os limites da firma serão primordialmente determinados pelas competências relativas entre a mesma e os mercados, ou mais precisamente pelos custos dinâmicos de transação.

Com o amadurecimento de uma indústria, a tendência à difusão do conhecimento e de sua absorção em rotinas acabaria conduzindo a uma maior especialização (oposta à integração vertical) das firmas em questão. Os casos anteriormente sugeridos por Nooteboom de regimes inovativos intensos podem caracterizar uma sucessão de curtos prazos, cujas necessidades de criação ou remodelagem de competências podem ser mais rapidamente satisfeitas por firmas verticalmente integradas. No entanto, as tecnologias de informação e comunicação têm permitido a redução dos custos dinâmicos de transação e também do longo prazo em tempo real/ histórico, criando assim a possibilidade de arranjos organizacionais intermediários ou cooperativos sem integração vertical. A adoção das formas híbridas, fugindo da dicotomia firmas versus mercados, iniciada em Williamson (1979WILLIAMSON, O. (1979) “Transaction cost economics: the governance of contractual relations”. Journal of Law and Economics, vol. 22, pp. 233-61.)11 11 Williamson (1979) considerou inicialmente a existência de semi-specific structures ou intermediate models of organization. Em trabalhos posteriores, a ideia ganhou espaço e sofisticação (cf. Williamson 1985, 1987 e, principalmente, 1991). , pode ser vista como uma absorção de críticas de tal natureza. Porém, a absorção é limitada, não envolvendo ainda a problemática do aprendizado e das competências.12 12 Registre-se que a consideração de formas híbridas por Williamson (1985 e 1991, principalmente) não significa uma “pseudo-volta” aos mercados ou uma transição incompleta que aguarda uma oportunidade para se transformar em relações de mercado ou hierárquicas, como pode eventualmente sugerir sua ordem de análise das instituições. Ao contrário, diante de determinadas situações de incerteza e/ou especificidade de ativos os arranjos híbridos são tidos conceitualmente como a melhor forma de organização de transações (cf. Williamson 1991, pp. 184 e 292). E, de toda forma, no que tange à análise do conhecimento e das competências, as formas híbridas parecem merecer a mesma distinção em função de suas peculiaridades ao lidar com tais variáveis.

Ainda na questão, outros estudos têm questionado o sucesso de grandes firmas ocidentais de variados setores em buscar eficiência estática com desintegração e contratação de fornecedores no Japão e Sudeste Asiático, já que com o passar do tempo sua eficiência dinâmica parece ter sido ameaçada. Foss argumenta (1996aFOSS, N. (1996a) “Capabilities and the theory of the firm”. Danish Research Unit for Industrial Dynamics, Working Paper, 96-8., p. 8): “as firmas ocidentais não compreenderam as intenções estratégicas de seus fornecedores asiáticos (quais sejam, aprender a partir das relações em vez de simplesmente fornecer), que emergiram depois como vigorosos competidores, permitindo que tais fornecedores chegassem ‘muito perto’ das competências centrais, e que elas mesmas perdessem a trilha de importantes desenvolvimentos tecnológicos em componentes, na manufatura de componentes etc.”

Mais formalmente, Beije (1996BEIJE, P. (1996) “Transaction costs and technological learning”. ln Groenewegen, J. (org.) Transaction cost economics and beyond. Boston, Kluwer Academic Publishers.) desenvolve um modelo em que a especificidade dos ativos (variável de caráter predominantemente tecnológico da TCT) é central para a definição do arranjo contratual entre “interfaces tecnologicamente distintas”, mas introduz o conceito de custos de aprendizado tecnológico (technological learning costs). Considerando que P&D estão crescentemente ligados às unidades de produção e vendas de uma firma, ou são ainda em boa parte empreendidos de forma conjunta por duas ou mais firmas, Beije sustenta que as estruturas de gestão devem ser usadas não só para coordenar as trocas ou a produção, mas também as inovações. Os custos de aprendizado são os gastos com absorção de conhecimentos ou novas tecnologias de fontes externas, e sua inclusão na análise dos limites da firma (ou de suas competências) implica em divergências com o que se preceituaria pela TCT: “Em regimes de rápida mudança tecnológica, o timing da inovação é geralmente mais importante que os custos. A minimização dos custos de aprendizado em tais circunstâncias pode ser um mau indicador de sucesso comercial de firmas inovadoras. O que pode ser mais importante é a efetividade do uso das competências tecnológicas com vistas a incrementar a fatia de mercado ou o valor adicionado” (Beije, 1996BEIJE, P. (1996) “Transaction costs and technological learning”. ln Groenewegen, J. (org.) Transaction cost economics and beyond. Boston, Kluwer Academic Publishers., p. 312). Dessa forma, é possível, por exemplo, que numa situação de elevada especificidade de ativos para um fornecedor prevaleça uma relação contratual (híbrida), e não uma hierárquica (integração vertical), como a mais eficiente em termos de custos conjuntos de produção, transação e aprendizado.

Britto (1994BRITTO, J. (1994) “Redes de firmas e eficiência técnico-produtiva: uma análise crítica da abordagem dos Custos de Transação”. Encontro Nacional De Economia, 22, Florianópolis, Anais. Brasília, ANPEC, vol. 1, pp. 125 -44.) apresenta mais críticas à eficiência estática evidenciada pela TCT, argumentando que a mera decisão por combinações ótimas de insumos para um momento no tempo ou para a vigência de um contrato pode ser incompatível com critérios de eficiência dinâmica. Tais critérios envolvem a busca de mudanças nas funções de produção em direções que se mostrem mais lucrativas, ou que estejam associadas à exploração de novas oportunidades produtivas e tecnológicas - implicando a ênfase em criação ou absorção de conhecimentos com vistas a ampliar o raio de manobra dos agentes e, por conseguinte, as possibilidades de extração de lucros extraordinários ou quase -rendas. Isso teria implicações, por exemplo, sobre a própria natureza da especificidade dos ativos, que deixaria de ser tomada num dado ambiente institucional e estado tecnológico. A especificidade passaria a ser construída pelas próprias decisões dos agentes econômicos, que são sequenciais e adaptativas, incorporando o aprendizado experimentado ao longo do tempo - o que representaria a endogeneização, ao menos parcial, do conceito.13 13 Nas palavras de Beije (1996, p. 232): “... o aprendizado bem-sucedido dentro da organização irá ‘produzir’ especificidade de ativos”. Pondé entretanto adverte sobre o perigo de tal argumento, pois “ao criticar as noções neoclássicas de eficiência alocativa e otimização [pode-se] fechar o espaço necessário para desenvolver uma teoria schumpeteriana da concorrência, que exige uma análise de como as firmas buscam elevar seus lucros aumentando sua eficiência capitalista” (Pondé, 1996PONDÉ, J. (1996) “Concorrência e mudança institucional em um enfoque evolucionista”. Encontro Nacional De Economia, 24. Águas de Lindóia, Anais, ANPEC, vol. 2, pp. 536-55., p. 540). Podemos também acabar incorrendo na não distinção de um curto e de um longo prazo analíticos, ou seja, ignorarmos que para chegar no longo prazo (tempo real ou operacional) é preciso deparar com várias decisões eminentemente de curto prazo. Em suma, alerta-se é para que não superestimemos as lacunas da TCT, cobrando o que ela não se propôs explicar, e não façamos das análises de eficiência alocativa ou de curto prazo um elemento desprezível nas decisões empresariais em detrimento da eficiência dinâmica.

COOPERAÇÃO E CARACTERÍSTICAS COMPORTAMENTAIS

A TCT considera o oportunismo dos agentes uma das dimensões principais consideradas pelas firmas nas decisões relativas aos seus limites, ou seja, sobre quais atividades incorporam e quais dependem do mercado ou de outras firmas. Mas ao atribuir centralidade a esta característica dos agentes, a TCT não consegue explicar satisfatoriamente alguns processos centrais para o desenvolvimento da firma - por exemplo, as inovações.

Para Amendola e Gaffard (1994AMENDOLA, Mario & GAFFARD, Jean-Luc (1994) “Markets and organizations as coherent systems of innovation”. Research Policy, vol. 23, pp. 627-35.), tanto a capacidade de produção quanto o produto em si precisam ser construídos ou moldados antes de poderem ser utilizados de novas formas, quer seja pelo processo inovativo em sua concepção mais restrita (gerando novos equipamentos ou novos produtos) quer pelo processo de capacitação e aprendizado do fator trabalho, que deve estar disponível em excesso para a firma (idem, p. 630)14 14 O termo excesso expressa a necessidade de flexibilidade ativa da mão-de-obra, que consiste em competências para criar e usar novas ou diferentes opções ou combinações de fatores (Amendola e Gaffard, 1994, p. 630). A ideia parece ser herdada integralmente de Edith Penrose (1959). . A teoria da firma para eles deveria voltar-se para os motivos da cooperação (ou ausência dela) entre e intra-firmas, que tornam viáveis os processos de mudança, e não se preocupar com os limites entre firmas e mercados - como sugere a tradição coaseana .

Os argumentos de Amendola e Gaffard a respeito dos caminhos da teoria da firma suscitam um outro veio de debate, no qual esta seção está centrada. Diferente, então, daqueles autores, Foss (1996aFOSS, N. (1996a) “Capabilities and the theory of the firm”. Danish Research Unit for Industrial Dynamics, Working Paper, 96-8., p. 18) admite como válida a preocupação de pesquisadores da “firma evolucionista” com questões enfatizadas pela TCT, dentre elas a dos limites da firma. No entanto, como anteriormente comentado, sublinha que tais limites são fortemente determinados pelas competências de cada firma. E segundo Foss (idem), e também Langlois e Robertson (1995LANGLOIS, R. & ROBERTSON, P. (1995) Firms, markets and economic change: a dynamic theory of business institutions. London, Routledge., p. 3), a explicação da teoria das competências sobre os critérios que determinam os limites para as atividades da firma baseia-se em um jogo cooperativo ou de coordenação ao invés de jogos não cooperativos, tais como o dilema do prisioneiro. E isso “é um problema de fazer os agentes se entenderem em primeiro lugar, em vez de se evitar comportamentos estratégicos entre agentes que já têm um detalhado conhecimento um do outro” (Foss, idem). O oportunismo, atributo comportamental essencial à TCT, contudo, não estaria potencialmente presente apenas na segunda situação descrita por Foss, na qual agentes que já se conhecem se salvaguardam de comportamentos oportunistas uns dos outros. Seria inclusive mais importante ao longo da primeira, afinal, não é incomum que duas pessoas que não se conheçam - embora tenham boas referências ou conheçam a reputação uma da outra - iniciem uma relação comercial, ou qualquer outra, com “um pé atrás”. O problema, então, se tornaria: deve-se atentar apenas para a cooperação entre os agentes e por princípio ignorar qualquer espécie de comportamento predatório? Se a resposta é não, qual deles vem primeiro ou prevalece e em quais circunstâncias e como se dá sua co-existência?

Noorderhaven (1996NOORDERHAYEN, N. (1996) “Opportunism and trust in transaction cost economics”. In Groenewegen, J. (org.) Transaction cost economics and beyond. Boston, Kluwer.), por exemplo, alega ser insuficiente a centralidade do oportunismo como atributo humano a prevalecer nas transações, e desenvolve o que chama de split-core model of human nature. Em tal modelo admite-se o indivíduo como inerentemente oportunista e confiável, tendo o contexto transacional como condicionante periférico de seu comportamento. Assim, as salvaguardas contratuais de uma organização híbrida ou mesmo a escolha entre mercado e hierarquia podem ser afetadas pela presença ou desenvolvimento da confiança entre os agentes - além da especificidade dos ativos, como sugerido pela TCT. Williamson (1979WILLIAMSON, O. (1979) “Transaction cost economics: the governance of contractual relations”. Journal of Law and Economics, vol. 22, pp. 233-61., p. 240) comenta os efeitos positivos que a “familiaridade” entre os transacionantes pode deflagrar, principalmente com relação ao desenvolvimento de uma linguagem comum e da sensibilidade a (ou entendimento a partir de) meras nuances de um para com o outro, permitindo economias de comunicação. Se tal relação perdura, então relações de confiança pessoal e institucional se desenvolvem e a integridade das partes passa a ser uma base do sucesso de uma dada transação ao permitir menor desgaste (ou maior compreensão mútua) em árduas contingências e melhor ímpeto conjunto a adaptações. Embora tal atributo sozinho não receba o tratamento de uma categoria determinante em primeiro grau na conformação das estruturas de gestão, as relações de confiança são tratadas como uma forma de especificidade de ativos (humanos). Esse tipo de especificidade pode encontrar espaço no seguinte comentário de Williamson (1979WILLIAMSON, O. (1979) “Transaction cost economics: the governance of contractual relations”. Journal of Law and Economics, vol. 22, pp. 233-61., p. 240): “há mais do que pode parecer envolvendo a troca idiossincrática que o capital físico especializado. Investimentos em capital humano que sejam específicos às transações ocorrem com frequência. Treinamento especializado e economias por learning-by-doing nas etapas produtivas ilustram isso. A não ser que tais investimentos sejam transferíveis para fornecedores alternativos a baixos custos, o que é raro, os benefícios referentes aos custos de configuração só poderão ser conseguidos com a manutenção da relação entre o comprador e o vendedor do produto intermediário”.

Essa passagem também exemplifica sua preocupação com o aprendizado, ao mesmo tempo em que nos propicia comentar um dos pontos que permeiam toda a crítica evolucionista à TCT: Williamson tem subestimado o fato de que os agentes econômicos consideram a retenção do aprendizado e de competências (bem como a possibilidade de obtê-los nas transações) surgidas da manutenção de relações de confiança entre parceiros como variável de decisão em primeiro grau ao racionalizarem os limites de sua atuação, i.e., definirem os limites da firma15 15 Nesse sentido, Freeman (1994, p. 473) exemplifica estudos de caso sobre indústrias norte-americanas em que a subcontratação de serviços de P&D se tornou bastante comum (rotineira e com baixos custos de transação): mesmo em tais condições, raramente as atividades de P&D (grandes geradoras de aprendizado e competência) são inteiramente contratadas de terceiros, mas apresentam-se como complementares às atividades mantidas dentro das firmas. . E isso talvez decorra da centralidade que ele outorga ao oportunismo.

ESTÁTICA COMPARATIVA UNIDIMENSIONAL E DINÂMICA CO-EVOLUCIONÁRIA

Ao considerar tais implicações dinâmicas, como a capacidade de aprendizado e de domínio sobre tecnologias, maiores refinamentos sobre a questão do processo de seleção também se tornam emergentes e necessários para a análise da firma. Segundo Dosi (1995DOSI, G. (1995) “Hierarchies, markets and power: some foundational issues on the nature of contemporary economic organizations”. Industrial and Corporate Change, vol. 4 (1), pp. 1-19., p. 9), Williamson lida com um critério unidimensional de seleção - a eficiência na minimização de custos. No entanto, a riqueza e complexidade com as quais Williamson identifica a firma (uma estrutura de gestão baseada na hierarquia) são alijadas da análise, enquanto se deveria ainda considerar aspectos do que Pondé chamou de “âmbito do aprendizado”.

Dosi (1995DOSI, G. (1995) “Hierarchies, markets and power: some foundational issues on the nature of contemporary economic organizations”. Industrial and Corporate Change, vol. 4 (1), pp. 1-19., p. 10), exemplificando, formula o que chama de um toy model, onde uma organização é descrita por cinco dimensões: i) a distribuição formal de autoridade; ii) a distribuição real de poder, em função da distribuição formal de autoridade alcançada; iii) a estrutura de incentivos; iv) a estrutura de fluxos de informações; e v) a distribuição de conhecimentos e competências. Mesmo que uma dessas dimensões prepondere no processo de seleção, não será difícil encontrar alinhamentos imperfeitos na correlação com as demais dimensões. Ou seja, mesmo dentro das organizações “mais aptas” ou “mais eficientes” em tal dimensão primordial, serão encontradas dimensões sub-ótimas, e ainda mais: entre elas encontraremos variedades multidimensionais. Ou como expresso por Pondé (1996PONDÉ, J. (1996) “Concorrência e mudança institucional em um enfoque evolucionista”. Encontro Nacional De Economia, 24. Águas de Lindóia, Anais, ANPEC, vol. 2, pp. 536-55., p. 549): “a manifestação (de) assimetrias em efetivas pressões seletivas é mediada por diversos elementos que caracterizam o ambiente em que as empresas operam”. Segundo Hodgson (1993HODGSON, G. (1993) “Evolution and institutional change: on the nature of selection in biology and economics”. In Mäki, U. & Gustafsson, B. & Knudsen, C. (orgs.) Rationality, institutions & economic methodology. London, Routledge., p. 233): “Uma estrutura teórica evolucionista com níveis múltiplos de seleção provê uma alternativa ao proeminente reducionismo da economia moderna”. A partir dessa ótica, Dosi (1995DOSI, G. (1995) “Hierarchies, markets and power: some foundational issues on the nature of contemporary economic organizations”. Industrial and Corporate Change, vol. 4 (1), pp. 1-19., p. 10) comenta, “começa-se a ter um painel co-evolucionário através do qual as mudanças em uma característica organizacional particular - digamos, aquelas incidentes sobre as formas de gestão das transações - são moldadas e delimitadas por outras características organizacionais correlatas, por exemplo, pela reprodução do poder dentro da organização ou por seus comprometimentos estratégicos passados”.

Alfred Chandler (1992CHANDLER, A. (1992) “What is a firm? A historical perspective”. European Economic Review, vol.36, pp. 483-92.) diz que seu entusiasmo com a TCT vem diminuindo em função do rumo tomado após as primeiras obras de Williamson, e isso se deve principalmente à ausência de envolvimento daquela com noções evolucionistas.

Assim, Chandler tem considerações favoráveis à TCT, mas apresenta duas críticas contundentes. A primeira delas é simplesmente que para a construção de uma teoria relevante da firma a unidade básica de análise deve ser a firma, e não as transações que ela realiza. Ou seja, embora as transações sejam relevantes, a firma não pode ser reduzida a elas, pois é em seu interior que funciona uma “estufa” para o cultivo de competências inovativas, justificando sua existência e preparando a possibilidade de mudar seus limites com sucesso16 16 Uma dificuldade metodológica aparece, entretanto, para que se estude a lógica e os próprios limites da firma quando ela mesma é a unidade de análise. Para uma melhor discussão do problema, ver Langlois e Foss (1997, principalmente sua seção III.B). . Se houver tal mudança de foco, a especificidade dos ativos permanece um fator importante, mas as naturezas peculiares da flexibilidade e da experiência das firmas se colocarão à frente do oportunismo e da racionalidade limitada como fatores determinantes das decisões de internalização das transações e, portanto, dos limites entre firmas e mercados (podendo inclusive abarcar aqueles elementos prementes na TCT). Ainda sobre a unidade de análise, vale notar o que Langlois e Robertson (1995LANGLOIS, R. & ROBERTSON, P. (1995) Firms, markets and economic change: a dynamic theory of business institutions. London, Routledge., p. 151) comentam: por adotar regras e convenções como bases teóricas, a NEI como um todo estaria melhor servida com uma teoria que integrasse bases consoantes para a análise das instituições econômicas, ou seja, que utilizasse as rotinas produtivas como unidade analítica - e não as transações, embora não se possa ignorá-las em níveis analíticos intermediários. A segunda crítica de Chandler é uma decorrência simples da primeira, resultando em dizer que a TCT precisa ser assentada sobre fundamentos dinâmicos, incorporando e tratando o aprendizado organizacional como fator estratégico de competição. Resumindo, Chandler (1992CHANDLER, A. (1992) “What is a firm? A historical perspective”. European Economic Review, vol.36, pp. 483-92., p. 491) diz: “eu vejo a teoria da agência e a dos custos de transação como valiosas para o historiador econômico, mas dentro do arcabouço da teoria evolucionista ... (A) unidade de análise para o desenvolvimento de uma teoria relevante da firma deve ser a firma, e não os arranjos contratuais ou as transações que ela cobre”.

A questão do aprendizado parece ter espaço para absorção pela TCT a partir do conceito da transformação fundamental (Williamson, 1985WILLIAMSON, O. (1985) The economic institutions of capitalism: firms, markets, relational contracting. New York, The Free Press., p. 61). Isso porque o estabelecimento de uma relação contratual com um certo agente após uma licitação com diversos concorrentes igualmente capacitados acaba gerando uma relação de dependência bilateral (embora nem sempre na mesma intensidade) em função do conhecimento, da idiossincrasia, ou da “especificidade” desenvolvidos a partir do cumprimento das tarefas estabelecidas (ou mesmo resultando em rotinas ou competências compartilhadas). Tal argumento pode compatibilizar-se com o que expressa Nooteboom (1996NOOTEBOOM, B. (1996) “Towards a learning-based model of transactions”. In Groenewegen, J. (org.) Transaction cost economics and beyond. Boston, Kluwer., p. 331): “É necessário que se desenvolva [entre os transacionantes] uma ‘linguagem comum’, ou entrelaces de estruturas cognitivas. Isso requer tempo e esforço, investimentos que são em alguma extensão específicos à relação. Como argumentado na ECT, tais investimentos específicos à transação geram questões de dependência e lock-in. Mudar de parceiro envolve custos de reajuste cognitivo na medida em que o novo parceiro dispõe de diferentes competências”.

Podemos concluir esta seção enfatizando a pertinência da crítica destes autores à TCT quanto à sua visão unilateral da evolução das firmas, reduzindo a diversidade de dimensões que podem explicar seu sucesso evolutivo a apenas uma: sua capacidade de minimizar custos no curto prazo. Pareceria, todavia, exagerada a crítica de Chandler à TCT, pois ele constrói uma oposição ao nosso ver artificial entre a firma (entendida como “estufa” para o desenvolvimento de competências) e as transações que ela efetua. Desenvolvendo um pouco mais a analogia biológica, isso seria equivalente a criar uma oposição entre explicações do desempenho evolutivo de um animal ora pelo seu conteúdo genético ora pela sua conduta. Pareceria mais razoável sugerir que o conjunto de atividades (as transações) que ele realiza devem ser exitosas o suficiente para sobreviver e ter descendência, mas ao mesmo tempo essa conduta estará condicionada pelas características genéticas do indivíduo.

COMENTÁRIOS FINAIS

Alguns autores comentam que a TCT tem se tornado a ortodoxia entre as novas abordagens da firma que têm em comum a superação do marginalismo, ou da visão da firma como uma função de produção.17 17 Embora essa não seja uma ideia de tranquila exposição e aceitação, parecer dizer que na análise das firmas o uso do modelo de concorrência perfeita com firmas atomísticas descritas numa função de produção como parâmetro está agonizando. Em substituição, começa a se expandir a aceitação e uso de firmas moleculares descritas por uma função de custos conjuntos de produção e transações a ser minimizada. Veja-se, por exemplo, Groenewegen e Vromen (1996, p. 365). É interessante também observa as previsões de Cheung (1983, p. 21) a esse respeito.

Enquanto algumas linhas do pensamento econômico veem a possibilidade de integrar a TCT como caso particular de suas estruturas teóricas, a própria TCT parece ter a maleabilidade de absorver vários casos particulares de outras linhas18 18 Não se pode ignorar que Willliamson parece reconhecer as limitações de seu enfoque ao dizer que “dada a complexidade do fenômeno sob escrutínio (organização econômica), a economia dos custos de transação deveria ser geralmente usada em adição a, e não excluindo, abordagens alternativas. Nem todas as abordagens são igualmente instrutivas, entretanto, e são às vezes rivais em lugar de complementares” (Williamson, 1985, p. 18). O que lhe parece rival ou complementar, no entanto, não é exposto. Embora a afirmação pareça meramente óbvia, ou meramente oportunista como estratégia de difusão da TCT, o desafio lançado foi convincente e recrutou o esforço deste artigo. . Por vezes, de forma pessimista, tem-se a impressão de que o raciocínio da TCT está em todo e em nenhum lugar ao mesmo tempo19 19 Dietrich (1994, p. ix) traduz tal sensação ao dizer que se sentia assustado pelas imensas dificuldades em enxergar o que a TCT não podia explicar! De todo modo, essa pode ser considerada uma falsa questão, uma aceitação irrefletida dos discutíveis critérios popperianos de demarcação científica. Esse argumento é tradicionalmente denominado “si omnia, nulla”, ou seja, se tudo, nada. Sobre ele diz Deirdre McCloskey que é uma figura de argumentação que “embora seja popular, provavelmente por seu ar de profundidade esperta, é de fato um non sequitur bobo. Se algo é ‘tudo’, não se segue que não seja nada. Os átomos são ‘tudo’. Isso não torna os átomos nada... Que a linguagem seja feita de palavras não as transforma em nada) (1997, p.107). . O que se percebe, de forma otimista, é que a TCT pode vir a ser uma espécie de amálgama, conseguindo ligar e cobrir espaços disformes que separam abordagens até então imiscíveis. Nessa visão, parece-nos válida uma aproximação ao pluralismo teórico suscitado por Groenewegen e Vromen (1996GROENEWEGEN, J. & VRO MEN, J. (1996) “A case for theoretical pluralism”. In Groenewegen, J.(org.) Transaction cost economics and beyond. Boston, Kluwer Academic Publishers.). Ao contrário da visão monística, a visão pluralista admite a combinação ou co-existência de teorias não conciliáveis, obviamente quando não contraditórias. A manutenção do núcleo rígido neoclássico, por exemplo, e a tentativa de utilizar a TCT para fortificar seu cinturão de proteção (caracterizando a “cheia do mainstream”) sinalizam um potencial de progresso, no sentido lakatosiano do termo, para esse programa de pesquisa. No entanto, parece-nos bastante inferior ao que se conseguiria com o abandono do núcleo rígido neoclássico, mesmo que ainda parcialmente. A TCT em si encampa um rol muito maior de “novos fatos” passíveis de tratamento do que a “abordagem da teoria dos preços aplicada”, como indicam Groenewegen e Vromen (1996GROENEWEGEN, J. & VRO MEN, J. (1996) “A case for theoretical pluralism”. In Groenewegen, J.(org.) Transaction cost economics and beyond. Boston, Kluwer Academic Publishers., p. 376), e uma relação pluralista com outras correntes não ortodoxas parece promissora em encampar ainda mais - o que explica a motivação da linha de pesquisa deste trabalho.

Um dos temas mais recorrentes nas críticas evolucionistas à TCT é o seu uso da estática comparativa. Vários autores destacam a necessidade de se adotar uma perspectiva dinâmica para a explicação de processos de mudança, embora decisões de curto prazo em dadas circunstâncias sejam analisadas de forma útil sob critérios de eficiência estática, como alega Pondé. Outra questão apresentada por Hodgson e Nooteboom refere-se à importância das mudanças tecnológicas e dos regimes inovativos para a teoria das firmas, o que clama por considerações de aprendizado e formação de competências, lembrando que Williamson (1985WILLIAMSON, O. (1985) The economic institutions of capitalism: firms, markets, relational contracting. New York, The Free Press., p. 143) admite ser o tema um complicador relevante para a análise das organizações.20 20 Mas o qual não se dispõe a destrinchar, ao dedicar pouco mais de uma página com conteúdo um tanto evasivo para o assunto, num livro de 450 - Williamson (1985).

Qual seria a perspectiva pluralista diante das críticas apresentadas? Como Hodgson (1993HODGSON, G. (1993) “Evolution and institutional change: on the nature of selection in biology and economics”. In Mäki, U. & Gustafsson, B. & Knudsen, C. (orgs.) Rationality, institutions & economic methodology. London, Routledge.) sugere, a abordagem estática da TCT pode ter alguma relevância em certas situações; apontaríamos que, para o estudo da escolha da firma quanto a fazer um bem ou comprá-lo feito, a abordagem da TCT ilumina significativamente nossa compreensão dessa decisão. Mas em contrapartida ela é pouco adequada à questão da evolução das firmas, exceto para mudanças em ambientes de tranquilidade tecnológica. Para regimes inovativos intensos, a teoria evolucionista das competências e do aprendizado seria a estrutura de análise mais apropriada.

Sobre o problema da centralidade do oportunismo na TCT, Noorderhaven constrói um modelo de “núcleo compartilhado” entre oportunismo e confiança, tentando analisar as condições em que cada um prevalece nas relações entre os agentes. Ou seja, não seria o caso de banir o oportunismo da análise, negando sua importância - o que, a propósito, Williamson vem fazendo com as demais manifestações do comportamento humano que não o oportunismo - mas sim de absorver para a análise outras fortes e evidentes características do caráter humano, como a confiança. Particularmente, acreditamos que o conceito de “transformação fundamental” de Williamson deixa uma porta entreaberta tanto para considerações de aprendizado quanto para observar a construção de relações com características outras que não as oportunistas, entre as quais, obviamente, as de confiança.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    A espinha dorsal da TCT, desse modo, se constrói ao longo de Williamson (1975WILLIAMSON, O. (1975) Markets and hierarchies: analysis and antitrust implications. New York, The Free Press., 1985WILLIAMSON, O. (1985) The economic institutions of capitalism: firms, markets, relational contracting. New York, The Free Press. e 1996WILLIAMSON, O. (1996) The mechanisms of governance. New York, Oxford University Press., dentro outros trabalhos mais pontuais que os entremeiam). Vide maiores detalhes sobre a evolução das ideias de Williamson em Pessali (1998PESSALI, H. (1998) Teoria dos custos de transação: uma avaliação à luz de diferentes correntes do pensamento econômico. Curitiba, Dissertação de Mestrado em Economia, CMDE/UFPR., pp. 8-10).
  • 2
    Em junção, podemos transcrever Hodgson (1988HODGSON, G. (1988) Economics and institutions: a manifesto for a modern institutional economics. Cambridge, Polity Press., p.208): “a firma possui a habilidade de manter e reproduzir um grande número de hábitos e rotinas que funcionam como genes”.
  • 3
    Vide, por exemplo, Machlup (1967MACHLUP, E (1967) “Theories of the firm: marginalist, behavioral, managerial”. American Economic Review, vol. XLII (1), pp. 1-33. e Jensen (1983JENSEN, M. (1983) “Organization theory and methodology ”. Accounting Review, vol. 58, pp. 319-39.). Uma discussão interessante sobre as concepções e usos da analogia biológica - principalmente relacionada à metáfora da seleção natural darwinista - está em Vromen (1995VROMEN , J. (1995) Economic Evolution: an enquiry into the foundations of new institutional economics. London, Routledge.).
  • 4
    Uma análise das críticas dirigidas à TCT por esses evolucionistas, também denominados institucionalistas ‘originais’ ou ‘do velho estilo’, é feita em Pessali e Fernández (1999PESSALI, H. & FERNÁNDEZ, R. (1999) “lnstitutional Economics at the Micro Level? What Transaction Costs Theory Could Learn from Original Institutionalism (ln the Spirit of Building Bridges)”. Journal of Economic Issues (no prelo).).
  • 5
    Como as de Klein, Crawford e Alchian, Alchian e Demsetz, e Jensen e Meckling, referidos por Pondé (1994, p.40), podendo estas serem enquadras no que Possas (1995POSSAS, M. (1995) “A cheia do mainstream: comentários sobre os rumos da ciência econômica”. Texto para Discussão, 327, IEI/UFRJ.) lde “cheia do mainstream”.
  • 6
    E ainda, de forma complementar: ‘Inovações organizacionais e institucionais são inextricavelmente relacionadas a inovações tecnológicas” (Freeman, 1994FREEMAN, C. (1994) “The economics of technical change”. Cambridge Journal of Economics, vol.18, pp. 463-514., p. 483). Vide também North (1993NORTH, D. (1993). “Institutions and economic performance”. In Mäki, U. et al. (orgs.) Rationality, institutions and economic methodology. London, Routledge., p.251), numa interessante crítica à estreita visão de que apenas as instituições determinam os custos de transação e que apenas a tecnologia determina os custos de produção.
  • 7
    Ao mesmo tempo, a TCT acaba por negligenciar o lado dos benefícios obtidos com dada estrutura organizacional alternativa ao preocupar-se apenas com custos (Langlois e Foss, 1997LANGLOIS, R. & FOSS, N. (1997) “Capabilities and governance: the rebirth of production in the theory of economic organization”. Danish Research Unit for Industrial Dynamics, Working Paper, 97-2., p.6)
  • 8
    A propósito, Langlois & Robertson (1995LANGLOIS, R. & ROBERTSON, P. (1995) Firms, markets and economic change: a dynamic theory of business institutions. London, Routledge., p. 18) alertam para a necessidade de considerarmos de forma mais nítida o que a firma pode tentar fazer a respeito de seu futuro, ou melhor, admitir uma distinção das surpresas do tempo à la Knight: “Por causa da incerteza, os mercados, onde eles existem, podem funcionar de forma imperfeita, e as firmas que melhor lidam com condições incertas estarão em melhor posição para implementar suas estratégias. Neste contexto, entretanto, a incerteza tem dois significados distintos que precisam ser separados. O primeiro, que podemos chamar de incerteza estrutural, surge quando uma firma precisa fundamentar sua decisão em julgamentos sobre resultados futuros que são ainda desconhecidos. O segundo tipo de incerteza, que podemos chamar incerteza paramétrica, surge da possibilidade de uma série de imperfeições de mercado incluindo a racionalidade limitada e o oportunismo. Enquanto se faz possível adotar estratégias para segurar-se contra a incerteza paramétrica, ou pelo menos para amenizar seus efeitos, a incerteza estrutural não pode ser eliminada estrategicamente”.
  • 9
    O que mais aproxima Williamson da questão da dependência assimétrica parecer ser o seu modelo de reféns ou trocas bilaterais (Williamson, 1985WILLIAMSON, O. (1985) The economic institutions of capitalism: firms, markets, relational contracting. New York, The Free Press., pp. 167-75). Embora maiores qualificações possam ser feitas, grosso modo, parece-nos que Williamson percebe e trata a assimetria de condições entre agentes numa transação e considera duas situações: ou a parte em piores condições consegue da parte com melhores condições um refém ou a transação não ocorre. Portanto, diante da estática-comparativa, as relações ou se tornam simétricas para que a transação tenha um fim ou a transação nem sequer será iniciada. Por isso acreditamos que o tema pode ser melhor tratado na dinâmica da transformação fundamental. Além disso, é preciso em algum momento resgatar tal crítica para analisar as transações que já começam assimétricas, como sugere Nooteboom (1993NOOTEBOOM, B. (1993) “An analysis of specificity in transaction cost economics”. Organization Studies, Research Note, vol. 14 (3), pp. 443-51.).
  • 10
    Sendo o longo prazo definido não no tempo operacional em que todos os fatores de produção tornam-se variáveis, mas como “o estágio assintótico final de um processo de aprendizado” (Langlois e Robertson, 1995LANGLOIS, R. & ROBERTSON, P. (1995) Firms, markets and economic change: a dynamic theory of business institutions. London, Routledge., p. 33). Etapas sequenciais de aprendizado dentro de um paradigma tecnológico ou dentro de um pacote tecnológico aplicado à produção corresponderiam, assim, à sequencias de curto prazo. Digamos que nossa tentativa de lidar com o DOS 6.0 (sistema operacional de computadores) após o DOS 5.0 corresponderia ao curto prazo “DOS 6.0”, dentro do longo prazo “DOS”. Quando é desenvolvido o Windows (e aprendemos a lidar com ele), matamos o longo prazo “DOS” e iniciamos o longo prazo “Windows”. O Windows 3.1, o Windows 95, o Windows 98 e o Windows 2000 são sucessões de curto prazo dentro do paradigma “Windows”. É sempre possível que um outro sistema operacional dê fim ao longo prazo “Windows”, iniciando seu longo prazo, e assim sucessivamente.
  • 11
    Williamson (1979WILLIAMSON, O. (1979) “Transaction cost economics: the governance of contractual relations”. Journal of Law and Economics, vol. 22, pp. 233-61.) considerou inicialmente a existência de semi-specific structures ou intermediate models of organization. Em trabalhos posteriores, a ideia ganhou espaço e sofisticação (cf. Williamson 1985WILLIAMSON, O. (1985) The economic institutions of capitalism: firms, markets, relational contracting. New York, The Free Press., 1987WILLIAMSON, O. (1987) “Vertical integration”. In The New Palgrave: a dictionary of economics. London, Macmillan Press, v. 4, pp. 807-12. e, principalmente, 1991WILLIAMSON, O. (1991) “Comparative economic organization: the analysis of discrete structural alternatives”. Administrative Science Quarterly, vol. 36, pp. 269-96.).
  • 12
    Registre-se que a consideração de formas híbridas por Williamson (1985WILLIAMSON, O. (1985) The economic institutions of capitalism: firms, markets, relational contracting. New York, The Free Press. e 1991WILLIAMSON, O. (1991) “Comparative economic organization: the analysis of discrete structural alternatives”. Administrative Science Quarterly, vol. 36, pp. 269-96., principalmente) não significa uma “pseudo-volta” aos mercados ou uma transição incompleta que aguarda uma oportunidade para se transformar em relações de mercado ou hierárquicas, como pode eventualmente sugerir sua ordem de análise das instituições. Ao contrário, diante de determinadas situações de incerteza e/ou especificidade de ativos os arranjos híbridos são tidos conceitualmente como a melhor forma de organização de transações (cf. Williamson 1991WILLIAMSON, O. (1991) “Comparative economic organization: the analysis of discrete structural alternatives”. Administrative Science Quarterly, vol. 36, pp. 269-96., pp. 184 e 292). E, de toda forma, no que tange à análise do conhecimento e das competências, as formas híbridas parecem merecer a mesma distinção em função de suas peculiaridades ao lidar com tais variáveis.
  • 13
    Nas palavras de Beije (1996BEIJE, P. (1996) “Transaction costs and technological learning”. ln Groenewegen, J. (org.) Transaction cost economics and beyond. Boston, Kluwer Academic Publishers., p. 232): “... o aprendizado bem-sucedido dentro da organização irá ‘produzir’ especificidade de ativos”.
  • 14
    O termo excesso expressa a necessidade de flexibilidade ativa da mão-de-obra, que consiste em competências para criar e usar novas ou diferentes opções ou combinações de fatores (Amendola e Gaffard, 1994AMENDOLA, Mario & GAFFARD, Jean-Luc (1994) “Markets and organizations as coherent systems of innovation”. Research Policy, vol. 23, pp. 627-35., p. 630). A ideia parece ser herdada integralmente de Edith Penrose (1959PENROSE, E. (1959) The theory of the growth of the firm. Oxford, Blackwell.).
  • 15
    Nesse sentido, Freeman (1994FREEMAN, C. (1994) “The economics of technical change”. Cambridge Journal of Economics, vol.18, pp. 463-514., p. 473) exemplifica estudos de caso sobre indústrias norte-americanas em que a subcontratação de serviços de P&D se tornou bastante comum (rotineira e com baixos custos de transação): mesmo em tais condições, raramente as atividades de P&D (grandes geradoras de aprendizado e competência) são inteiramente contratadas de terceiros, mas apresentam-se como complementares às atividades mantidas dentro das firmas.
  • 16
    Uma dificuldade metodológica aparece, entretanto, para que se estude a lógica e os próprios limites da firma quando ela mesma é a unidade de análise. Para uma melhor discussão do problema, ver Langlois e Foss (1997LANGLOIS, R. & FOSS, N. (1997) “Capabilities and governance: the rebirth of production in the theory of economic organization”. Danish Research Unit for Industrial Dynamics, Working Paper, 97-2., principalmente sua seção III.B).
  • 17
    Embora essa não seja uma ideia de tranquila exposição e aceitação, parecer dizer que na análise das firmas o uso do modelo de concorrência perfeita com firmas atomísticas descritas numa função de produção como parâmetro está agonizando. Em substituição, começa a se expandir a aceitação e uso de firmas moleculares descritas por uma função de custos conjuntos de produção e transações a ser minimizada. Veja-se, por exemplo, Groenewegen e Vromen (1996GROENEWEGEN, J. & VRO MEN, J. (1996) “A case for theoretical pluralism”. In Groenewegen, J.(org.) Transaction cost economics and beyond. Boston, Kluwer Academic Publishers., p. 365). É interessante também observa as previsões de Cheung (1983CHEUNG, S. (1983) “The contractual nature of the firm”. Journal of Law & Economics, vol. XXVI, pp. 1-21., p. 21) a esse respeito.
  • 18
    Não se pode ignorar que Willliamson parece reconhecer as limitações de seu enfoque ao dizer que “dada a complexidade do fenômeno sob escrutínio (organização econômica), a economia dos custos de transação deveria ser geralmente usada em adição a, e não excluindo, abordagens alternativas. Nem todas as abordagens são igualmente instrutivas, entretanto, e são às vezes rivais em lugar de complementares” (Williamson, 1985WILLIAMSON, O. (1985) The economic institutions of capitalism: firms, markets, relational contracting. New York, The Free Press., p. 18). O que lhe parece rival ou complementar, no entanto, não é exposto. Embora a afirmação pareça meramente óbvia, ou meramente oportunista como estratégia de difusão da TCT, o desafio lançado foi convincente e recrutou o esforço deste artigo.
  • 19
    Dietrich (1994DIETRICH, M. (1994) Transaction cost economics and beyond : towards a new economics of the firm. London, Routledge., p. ix) traduz tal sensação ao dizer que se sentia assustado pelas imensas dificuldades em enxergar o que a TCT não podia explicar! De todo modo, essa pode ser considerada uma falsa questão, uma aceitação irrefletida dos discutíveis critérios popperianos de demarcação científica. Esse argumento é tradicionalmente denominado “si omnia, nulla”, ou seja, se tudo, nada. Sobre ele diz Deirdre McCloskey que é uma figura de argumentação que “embora seja popular, provavelmente por seu ar de profundidade esperta, é de fato um non sequitur bobo. Se algo é ‘tudo’, não se segue que não seja nada. Os átomos são ‘tudo’. Isso não torna os átomos nada... Que a linguagem seja feita de palavras não as transforma em nada) (1997McCLOSKEY, D. (1997) “Big rhetoric, little rhetoric: Gaonkar on the rhetoric of science”. In Gross, A. & Keith, W. (ed.) Rhetorical hermeneutics: invention and interpretation in the age of science. Albany, SUNY Press., p.107).
  • 20
    Mas o qual não se dispõe a destrinchar, ao dedicar pouco mais de uma página com conteúdo um tanto evasivo para o assunto, num livro de 450 - Williamson (1985).
  • JEL Classification: B25; D21.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2001
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