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Reestruturação Industrial Brasileira nos Anos 90. Uma Interpretação

Brazilian industrial restructuring in the 90s. An interpretation

RESUMO

A indústria brasileira sofreu profundas mudanças nos anos 90, embora não seja fácil ter uma visão sintética e abrangente da transformação. Para ter essa visão, é preciso levar em consideração a forte influência dos anos de alta inflação (até meados de 1994). A estabilização e a supervalorização (do real) nos anos seguintes ao lançamento do Plano Real foram outra influência decisiva. O artigo argumenta que, submetida a esse conjunto de eventos condicionantes, a indústria brasileira passou por uma recuperação (limitada) durante os anos noventa. Ele também tenta mostrar como o progresso se concentrou principalmente no nível do avião - tanto em empresas industriais multinacionais quanto nas domésticas.

PALAVRAS-CHAVE:
Mudança estrutural; indústria; inovação

ABSTRACT

The Brazilian industry has been deeply changed during the nineties although it is not easy to have a synthetic and encompassing view of the transformation occurred. ln order to have such a view one has to take into account the heavy influence of the years of high inflation (until mid 1994). Stabilization and overvaluation (of the real) in the years following the launching of the Real Plan were another decisive influence. The article argues that submitted to this set of conditioning events, industry in Brazil went through a (limited) catch up during the nineties. It also tries to show how progress has been mainly concentrated at the plane level - both in multinational and in domestic industrial firms.

KEYWORDS:
Structural change; industry; innovation

HIBERNAÇÃO

Do início dos anos 1980 ao lança mento do Plano Real, a elevação (irregularmente) galopante dos preços e os brutais solavancos da política econômica impunham às indústrias sediadas neste país políticas agressivas de preços e uma gestão financeira flexível e super-atuante. Em tais condições (e, sobretudo, enquanto a economia se manteve fechada) as atenções das empresas não estavam, senão secundariamente, voltadas para a produção e a eficiência operacional. As empresas estrangeiras, em particular, imobilizadas diante de um contexto a tal ponto idiossincrático, “hibernaram” (na expressão de um concorrente nacional) do ponto de vista produtivo.

Não tentarei recapitular o que faziam as empresas para conviver (e sobreviver) no ambiente da alta inflação. Lembro apenas que, como alguns autores já sublinharam, a diversificação produtiva e a das aplicações patrimoniais (atirar em várias direções) funcionavam como importantes mecanismos de proteção frente à instabilidade acentuada e crônica.1 1 Veja-se a propósito a Dissertação de Mestrado de Ricardo de Machado Ruiz, “ Estratégia Empresarial e Reestruturação Industrial (1980- 1992). Um Estudo de Grupos Econômicos Selecionados”. Instituto de Economia da UNICAMP, 1994. E isto significa que a adaptação a um tal ambiente implicava ineficiências, associadas, por exemplo, ao aumento dos custos requeridos para a preparação de linhas e máquinas, bem como à ampliação dos overheads administrativos. Isto sem falar nas ineficiências relacionadas com a precificação em condições de alta inflação: de acordo com o depoimento de uma empresa pesquisada à época, 30% dos seus gastos administrativos decorriam das necessidades de “administrar a inflação”, com destaque para a revisão de tabelas de preços a cada mês2 2 Proença, Adriano, ‘”Projeto Modernização Industrial e Desenvolvimento de Recursos Humanos: Um Estudo de Prospecção na Indústria Brasileira: Relatório 1 “, mimeo, BNDES, Junho 1994. (e por que não quinzenalmente?).

Tudo indica que, neste contexto, tanto a ampliação (excessiva, diante de condições menos excepcionais) do leque de negócios, quanto a necessidade de antecipar-se à próxima rodada de alta de preços (para evitar descapitalização) levavam à existência de “folgas” (slack) intimamente associadas às características do contexto.3 3 Diferentes autores já advertiram sobre a necessidade de se distinguir entre preços altos determinados pelo poder de mercado (exercido em condições de limitada capacidade de contestação), e preços altos determinados por ineficiência (slack). No caso cm foco, seguramente, ambos os mecanismos estavam em ação. Willianson, Olivier E., “Strategizing, Economizing, and Economic Organization’”, em Rumelt, Richard, Schemkl, Dan e Fundamental Issues in Strategy. Harvard Business School Press. 1995. Vista a questão por este prisma, a proteção concedida à produção doméstica (constante, por hipótese, a taxa de câmbio ), apenas compensava ou viabilizava, em maior ou menor medida, a manutenção do peculiar arranjo de instituições e práticas imperante no Brasil.

É importante acrescentar que o problema que acaba de ser apontado se agravou ao longo dos anos 1980. Enquanto no mundo desenvolvido a renovação dos métodos de organização e gerenciamento, bem como novas técnicas produtivas, ganhavam vigor, aqui - e muito particularmente na segunda metade dos anos 1980 - virtualmente cessavam as mudanças do lado real da economia. Com razão, pois, a segunda metade dos anos 1980 já foi referida como “o quinquênio perdido da década perdida”.4 4 Chami Batista, Jorge e Fritsch, Winston, “Dinâmica Recente das Exportações Brasileiras”, em Reis Velloso, João Paulo e Fristsch, Winston (orgs.) A Nova Inserção Internacional do Brasil. José Olympio, 1994.

Uma ideia da revitalização - e multiplicação das oportunidades - em curso à época no mercado internacional pode ser dada pelos seguintes fatos: as exportações mundiais de manufaturas, que de 1980 a 1985 haviam crescido 1,0 % ao ano, passaram a se expandir a 12,5% ao ano de 1985 a 1990.5 5 A informação encontra-se em Lal, Sanjaya, “Políticas de Ciência, Tecnologia e Innovación em El Suleste Asático: lecciones para Argentina después de la crisis”. Em Seminário Internacional Políticas para Fortalecer el Sistema Nacional de Ciencia, Tecnologia e Innovación. Secretaria de Ciencia, Tecnologia e Innovación Productiva, 2000. Ali se vê como os países do leste asiático (dotados de uma macroeconomia bem-comportada) praticavam políticas industriais e tecnológicas super-ativas (e drasticamente reduziam a distância que os separava dos países desenvolvidos), enquanto a Argentina e o Brasil febrilmente se debatiam, reféns de alta inflação. A economia brasileira, por contraste, perdia market share nos mercados mundiais, enquanto as suas empresas industriais, em regra, apenas sobreviviam, permanecendo à margem da onda de renovação e mudança que varria as regiões industrializadas. Cabe registrar, no entanto, que algumas empresas domésticas iniciaram, antes de 1990 (pelo menos), a adoção dos novos métodos organizacionais e gerenciais então referidos como japoneses. Entre elas podem ser destacadas a Freios Varga, a Marco Polo e a Cofap.6 6 Por outro lado, convém advertir que no caótico quadro do início dos anos 90 facilmente poderiam ser identificadas tendências contraditórias. Assim por exemplo, segundo certas fontes, a brutalidade do Plano Collor, ao deixar clara a vulnerabilidade da riqueza financeira, no que parecia ser o limiar da hiperinflação, acabou tendo efeitos inesperados e em certa medida salutares para o chamado lado real da economia. Se por um lado avolumava-se a retirada de liquidez do país, por nutro, recursos financeiros passavam a migrar para aplicações físicas (Exame, 28/4/93).

CIRURGIA E REORGANIZAÇÃO (1990-1994)

Ainda a excepcionalidade do contexto

O quadro que acaba de ser evocado sugere que a abertura anunciada em 1990 apanharia a indústria aqui instalada numa situação bastante difícil. Para entendê­lo basta reafirmar o que já foi sugerido: se por um lado as barreiras protecionistas permitiam preços (em dólares) bastante superiores aos vigentes no mercado internacional, por outro, parte pelo menos destas diferenças havia se tornado efetivamente necessária, dadas as ineficiências engendradas pela evolução recente da economia.7 7 As exceções residiriam (sobretudo) em certas commodities, em relação às quais as ineficiências próprias ao contexto de alta-inflação não se revelaram capazes de anular as vantagens do país em termos de escala, tecnologia e dotação de recursos naturais. Quanto às vantagens competitivas com que o país continuava a contar, vide Coutinho, Luciano e Ferraz, João Carlos. Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira. IE/UNICAMP, Papirus, 1994. O argumento, evidentemente, nada tem a ver com a ideia de “indústria infantil”: a estas alturas históricas, a ineficiência microeconômica denotava, essencialmente, a metabolização de um contexto altamente adverso.

Mas é também importante se dar conta de que a própria excepcionalidade do contexto, enquanto durasse, impunha freios ou limites às mudanças detonadas pela abertura anunciada. E isto pode ser percebido de três maneiras.

Primeiramente, as empresas transnacionais aqui instaladas, que mais rápida e profundamente poderiam reagir ao novo quadro, bastando para isto, resumidamente, alterar o status da filial local, permaneciam de mãos amarradas. De fato, dotadas de autonomia bastante limitada, continuavam enfrentando grandes dificuldades para explicar às matrizes os padrões locais de conduta.8 8 O avanço em direção aos “mercados emergentes” passou a ser recomendado pelo governo dos Estados Unidos no início dos anos 90 - mas isto, no caso do Brasil e pelas razões acima apontadas, não parece ter surtido sensíveis efeitos até a segunda metade da década. Garten, E. Jeffrey (Under Secretary of Commerce for International Trade). Competing to Win in the Global Marketplace. Council of Foreign Relation. New York, Janeiro 1993. Por isto mesmo viam-se quase impossibilitadas (enquanto durasse a alta inflação) de pleitear recursos para novas iniciativas, junto à matrizes. E aqui residia um tipo muito especial de “proteção” às empresas locais.

Além disto, enquanto se continuasse à beira do precipício hiperinflacionário (e desde que mantido o princípio da indexação), continuava extremamente perigoso o endividamento. Isto obviamente continha o apetite das empresas no tocante à introdução de substanciais avanços - mas obviamente não as impedia de promover cortes e introduzir mudanças organizacionais.

Finalmente, é preciso atentar para o fato de que os próprios consumidores, aturdidos pela alta desenfreada de preços - e praticamente incapacitados de comparar preços-, não se encontravam em condições de efetivamente usufruir do aumento da competição decorrente (em princípio) da abertura. A bem dizer, para os consumidores (mais do que para a demanda intermediária procedente das empresas), o aumento da competição só podia se materializar com a chegada da estabilização. Ora, pretender intensificar a competição sem a presença ativa dos consumidores, equivalia a representar Hamlett sem o Príncipe.

Vista a questão contra este pano de fundo, entende-se por que a severa recessão do início dos anos 90, que, combinada com a abertura, poderia ter graves consequências para a indústria, tenha tido efeitos relativamente limitados. Ao que parece, embora tenham visto suas receitas se reduzirem com a retração das vendas trazida pela recessão, as empresas industriais conseguiram, ressalvadas exceções, proteger as suas margens de lucro e preservar os respectivos market shares.9 9 Uma Análise dos Anos 90 e uma Agenda de Política de Desenvolvimento Industrial para a Nova Década”. IEDI, Indústria e Desenvolvimento, vol. Política Industrial, Empresa Nacional e Mercado Interno. p. 22, nov. 2000. Tudo indica, em suma, que, durante a fase aqui focalizada, a abertura funcionou, essencialmente, como uma ameaça10 10 Símbolo das mudanças esperadas, a importação de automóveis ocupava apenas 3,5% do mercado doméstico em 1991. Entre os carros recém importados havia, contudo, uma alta proporção de procedência japonesa - o que ajudava a difundir o temor de que estaria por se repetir no Brasil, possivelmente em maior escala, o fenômeno ocorrido nos Estados Unidos, onde 25% do mercado havia sido tomado pelos japoneses nos anos 80. , o que é aliás corroborado pelo fato de que as importações só dispararam na segunda metade de 1994.

Nestas circunstâncias e frente à nova e grande ameaça, qual foi a resposta predominante?

Cirurgia e reorganização

Existe um relativo consenso entre os analistas quanto ao fato de que na superação das ineficiências herdadas do ambiente dos anos 80 se encontram não só processos cirúrgicos de redefinição do alcance e perfil dos negócios, como também importantes esforços de reorganização produtiva.11 11 O pioneiro na identificação das tendências, no que toca aos primórdios da reestruturação, parece haver sido Bielschowsky, Ricardo. Vide, por exemplo, Adjusting for Survival: Domestic and Foreign Firms in Brazil in the early 1990s, ECLAC/UNCTAD, 1993; Veja-se também: Miranda, José Carlos, em Reestructuración Industrial en un Contexto de Inestabilidad Macroeconômica. El de Caso de Brasil. Estabilización Macroeconômica. Reforma Estructural y Comportamiento Industrial. Katz, Jorge M. (org.). CEPAL/IDRC, Alianza Editorial, 1996, p. 163, e Fleury, Paulo e Arkader, Rebecca, “Ameaças, Oportunidades e Mudanças. Trajetórias de Modernização Industrial no Brasil”, em Castro, Antonio Barros de, Possas, Mario Luiz e Proença, Adriano, (orgs), Estratégias Empresariais na Indústria Brasileira. Forense Universitária, 1996. De fato, os processos de reestruturação perseguidos pelas empresas entre 1989 e 1994 incluíram não apenas o redimensionamento de quadros, o enxugamento do catálogo de vendas e o fechamento de instalações, como também, destacadamente, a adoção de novas práticas gerenciais tipicamente associadas à Gerência da Qualidade Total (TQM) e ao Just in Time (J IT).12 12 Convém advertir que o realce (a seguir) da reorganização não deve ser entendido como desconsideração da importância dos profundos cortes realizados no período. Referindo- se à severidade destes cortes afirma com razão o Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira (ECIB, op. cit.) que em muitos casos: “a sobrevivência implicou a rápida implementação de ajustes - vários deles cirúrgicos, abruptos e emergenciais... “.

Multiplicam-se, em suma, as experiências com mini-fábricas e “células de produção”, bem como soluções de tipo kan ban, visando “puxar” a produção de acordo com a demanda (todas associadas a sistemas JIT). Destacam-se também as políticas do tipo TQM, como a difusão de práticas de identificação e o uso intensivo de indicadores operacionais para gestão. Há ainda a busca de certificação nas normas ISO, e consideráveis esforços visando o treinamento de pessoal.

Diversas pesquisas confirmam a propagação das novas práticas. Proença, por exemplo, encontrou em 1993-1994, em 15 empresas líderes de diversos setores de produção discreta (calçados, automobilístico, máquinas e equipamentos, produtos elétricos, entre outros), estratégias de produção associadas à adoção de políticas de JIT e TQM.13 13 Proença, Adriano, “Projeto Modernização Industrial e Desenvolvimento de Recursos Humanos: Um Estudo de Prospecção na Indústria Brasileira: Relatório J “, mimeo., BNDES, Jun. 1994. Já Abranches, Fleury e Amadeo (apud Fleury)14 14 Fleury, Paulo, “Ambiente Econômico e Resposta Empresarial: O Ajuste da Indústria Brasileira nos Anos 90”, lldes, FFE, Policy Paper, nº 19, 1996. em pesquisa sobre 508 matérias publicadas na revista Exame, registraram que 59 % das empresas analisadas adotaram uma estratégia de modernização, contra os restantes 41%, que simplesmente se encolhiam, com demissões e fechamento das instalações. O fato deste universo de “casos” estar associado ao interesse gerado pela notícia pode, sem dúvida, introduzir algum viés, levando a destacar experiências de impacto ou exitosas. Ainda assim, cabe observar a alta incidência do objetivo de redução de custos e, por último, mas de grande significado na caracterização do período analisado (1990-1994), o fato de que, em 94% da casos, a escolha da trajetória de modernização se deu primordialmente através de procedimentos gerenciais - e não sob a forma de aquisição de máquinas e equipamentos.

No tocante à (já referida) necessidade de focalização das atividades e seleção dos produtos, que rompe com a diversificação voltada para a redução de riscos (imperante durante a alta inflação) e prepara as empresas para a maior competição, uma interessante ilustração pode ser encontrada no ocorrido com a empresa Alpargatas. Entre 1991 e 1992, a empresa enfrentou um grave período de sua história, amargando um prejuízo de US$ 121 milhões. Partiu então para um amplo processo de reestruturação, fechando 11 de suas fábricas, e reduzindo seus quadros de 32.000 para 17.000 funcionários. Das 17 marcas de confecções que fabricava, passou a fabricar cinco. Das 40 de calçados, permaneceram 17. Mais enxuta e produtiva, veio a ser premiada pela explosão de demanda do real, que não apenas expandiu as suas vendas, como evidenciou a maior lucratividade alcançada em cada dólar vendido. Por trás do melhor desempenho e do ressurgimento dos lucros encontravam-se a duplicação do faturamento por empregado (entre 1990 e 1995) e grandes economias de custos fixos.15 15 Exame, 5 de Julho de 1995.

Sumariando, as diversas cirurgias atingiram não só o “lastro” de produtos, pessoal, máquinas e espaço, como também um conjunto de práticas de gestão tornadas pouco competitivas. Isto permitia sem dúvida melhorar o posicionamento em termos competitivos - mas pouco trazia como solução para um dos maiores problemas enfrentados pelas empresas. Refiro-me à descoberta por parte de numerosas indústrias (desde pequenas e médias até, por exemplo, uma Ford ou uma GM) de que não tinham produtos para o mercado renovado. Este tipo de questão só passaria ao primeiro plano na fase subsequente da reestruturação.

Sumária reflexão sobre a fase “Cirurgia e Reorganização”

Tento no que segue refletir ou acrescentar especificações relativas a algumas das características maiores do movimento até aqui examinado.

A economia brasileira viveu, neste primeiro período, o equivalente de uma “abertura travada”.16 16 Esta é um a aplicação singular da noção mais geral de uma economia (em vários sentidos) “ travada”, em decorrência da alta inflação crônica. Castro, Antonio Barros de, “O Paradoxo do Desajuste na Estabilidade”, em João Paulo dos Reis Velloso (o rg.), O Real e o Futuro da Economia, José Olympio, 1995. E não me refiro aqui ao (relativamente prudente) programa de rebaixamento tarifário anunciado em 1990, e sim, mais uma vez, à excepcionalidade do contexto. A este propósito parece-me correto afirmar que a abertura andou à frente da contestabilidade. Vale dizer, a proximidade do caos hiperinflacionário reduzia a capacidade dos agentes econômicos de exercer a contestação -via não aquisição de mercadorias que pudessem (talvez) ser adquiridas em melhores condições. Aliás, enquanto perdurassem os distúrbios maiores, era inclusive difícil financiar importações: todos, inclusive potenciais financiadores de importações, mantinham o pé pousado sobre o freio.

Complementando o argumento anterior, cabe acrescentar uma característica estrutural da economia brasileira. Trata-se do alto grau de encadeamento vertical observado em diversos setores da indústria, uma herança do intenso e duradouro processo de substituição de importações. Admitida a característica, acrescente-se que as demandas intermediárias apresentam relações de maior inércia do que as do consumidor final com o varejo. E isto não só pelo maior grau de conhecimento recíproco, como porque as trocas de fornecedor (de insumos) requerem, frequentemente, outras mudanças e adaptações.

Tomemos a questão por outro ângulo. Entender o corte/eliminação de postos de trabalho, linhas de produto e equipamentos como uma simples reação à ameaça de uma maior pressão competitiva é, em certa medida, enganoso. Há, frequentemente, algo mais sério e profundo nestas dolorosas cirurgias: o que está sendo muitas vezes eliminado são possíveis trajetórias futuras, que passaram a ser percebidas como, digamos, não férteis. Vista sob este prisma, a radicalidade dos cortes contém, possivelmente, um ingrediente estratégico. Afinal, estão sendo preservados aqueles recursos e desenvolvidas aquelas capacitações, percebidos como dotados de potencial. Consequentemente, a (re)sintonização com o contexto está sendo feita a partir de um exame crítico das próprias premissas das empresas. Não se trata, apenas, de aproveitar melhor os recursos, mas de um reposicionamento que define as trajetórias de possível interesse daí por diante. E isto mexe com a própria identidade das empresas. O que acaba de ser dito fornece elementos para a distinção entre experiências nacionais e que a indústria passou exitosamente pelo teste da abertura, e outras em que isto não ocorreu. Refiro-me, no caso, muito particularmente, à orientação dada aos cortes: seletivos, de maneira a preservar possíveis futuros, ou, no polo oposto, a tal ponto indiscriminados e profundos, que o resultado sejam indústrias meramente de fachada (fenômeno por vezes referido como hollow-out). Este último tipo de mudança, característico de outras experiências de abertura comercial na América Latina, certamente não veio a predominar no Brasil.

Convém, por fim, acrescentar uma consideração de natureza profundamente diferente. Refiro-me à importância da tomada de consciência, no início dos anos 90, de que o excepcionalismo brasileiro estava com os seus dias contados. Difunde-se nesse contexto a convicção de que, no tocante às empresas nacionais, genericamente, havia que mudar para permanecer. Este clima iria contagiar e induzir a reestruturação, inclusive, de atividades não expostas à competição de produtos importados. Uma boa ilustração deste último fato pode ser observada no âmbito do comércio de varejo. Assim, por exemplo, a “palavra de ordem” na cadeia de varejo Pão de Açúcar passaria a ser: “corte, concentre, simplifique”.17 17 Exame, 12 de abril de 1995. Ver também 24 de fevereiro de 1999, p. 68. De igual maneira, no Nordeste, a cadeia Paes Mendonça entraria em reestruturação em resposta (antecipada) à presumível migração para o Nordeste de cadeias do Centro-Sul.

Já no caso das multinacionais, estaria chegando o momento de redefinição do status das filiais aqui sediadas.18 18 Sobre o (mutável) status das filiais, vide Ferdows, Kasra, “ Making the Most of Foreign Factories”. Harvard Business Revie, março e abril de 1997. Em outras palavras, não se tratava apenas de que as multinacionais estariam prestes a deixar seu imobilismo. O importante é que o repertório de modernização (aí incluídos novos produtos) e racionalização a ser por elas eventualmente adotado era enorme - e podia ser facilmente visualizado. Restava saber, no entanto, no tocante à reinserção das filiais nas estratégias (globais) das matrizes, entre outras questões, como ficaria a relativa autonomia decisória ensaiada durante a fase da substituição de importações - e confirmada durante a alta inflação. Seria o novo do mix de produtos simplesmente definido a um nível mais alto?19 19 Fleury, Afonso. “The Changing Pattern of Operation Management in Developing Countries. The Case of Brazil”. international Journal of Operation and Production Management. vol. 19, nº 5, 1999. Há que lembrar que alguns dos produtos, agora evidentemente obsoletos, haviam sido desenvolvidos com participação da engenharia local. Funções como a (modesta) engenharia de produtos seriam ou não retidas pelo país?

A propósito da ameaça de transformação acarretada pela reativação e chegada de novas multinacionais, convém evocar um caso que nos parece emblemático. Na avaliação do seu fundador e principal executivo, o crescimento espetacular da empresa de perfumaria e cosméticos O Boticário - compartilhado por outras empresas nacionais do ramo (como a Natura) - só foi possível pela proteção oferecida pela “economia fechada”, e pela “hibernação” da líder do mercado, a norte-americana Avon. Em outras palavras, a gigante Avon encontrava-se, no país, flagrantemente abaixo de suas possibilidades.

Por outro lado, desde meados dos anos 80 a indústria mundial de perfumaria vinha atravessando enormes mudanças - com grandes investimentos em tecnologia, fusões e aquisições. Não era, pois, difícil prever que nos anos 90, além do redespertar das multinacionais já aqui sediadas, o Brasil atrairia a atenção dos grandes fabricantes internacionais.

A percepção das ameaças se agravaria com o advento do Real - e a súbita explicitação do imenso potencial do mercado brasileiro. Consequentemente, e não obstante os excelentes resultados obtidos pela empresa em 1994 e 1995, a direção de O Boticário decide redesenhar completamente suas operações, avançando inclusive no sentido de superar a cultura paternalista original da empresa.20 20 Exame, 1 de julho de 1998; Exame, 27 de janeiro de 1999. Não prosseguirei na caracterização deste interessante caso, que fica aqui apenas como um testemunho do represamento de possíveis mudanças no período que precede a abertura e se prolonga até a estabilização da economia.21 21 Sobre o potencial de (rápida ) convergência (catch up) vide “ Catching Up, Forging Ahead, and Falling Behind “, de Abramovitz, Moses. Journal of Economic History, junho de 1986

UM CATCH UP PRODUTIVO

“A festa da estabilização”22 22 A súbita derrota da inflação alta e crônica mediante um plano como o Real deveria levar, no meu entender, a uma situação eufórica, referida no texto apresentado ao VI Fórum Nacional (abril de 1994) como “festa da estabilização”. Castro, Antonio Barros de, “Estabilização, Crescimento e Política Industrial”, em Velloso, João Paulo dos Reis (org.), Estabilidade e Crescimento. Os Desafios do Real. José Olympio, 1994.

“... o quadro que acabo de sumariar sugere a existência de diversas molas comprimidas - prestes a saltar com a estabilização. É fundamental dar-se conta, no entanto, que após anos a fio de contenção, terá naturalmente ocorrido um elevado grau de adaptação à perda sistemática de oportunidades. O aparelho de oferta, em particular, terá, em boa medida, se a justado à demanda cronicamente contida. O desequilíbrio latente entre oferta e demanda terá, pois, se materializado e, neste momento, o país padece de um descompasso entre sua demanda (eventualmente) desreprimida e os estoques de capital fixo e financeiro de que dispõe.” (...) “Fique claro, no entanto, que os problemas daí advindos não se manifestam enquanto a economia se mantém sob o império da alta inflação e da estagnação a ela associada. A inflação crônica tem, neste, como em outros sentidos, o seu equilíbrio interno. Paradoxalmente, é com a estabilidade que aflora o desajuste” 23 23 O texto acima, é parte integrante da estilização de uma economia longamente submetida a uma inflação alta e instável presente em Castro, Antonio Barros de, Estabilizar e Crescer: O Paradoxo do Desajuste da Estabilidade, op. cit., p. 69.

Do anterior se in fere que a transição para a estabilidade a partir de situações de inflação alta e crônica tende a trazer consigo uma situação de relativa euforia - especialmente se a experiência não for acompanhada, por exemplo, de políticas de contensão da expansão creditícia. Se o súbito término de uma alta inflação crônica, em si, já seria motivo para a “ festa da estabilidade”, com mais razão haveria de verificar-se uma situação eufórica, num a situação de super-abundância de liquidez internacional, acompanhada (pelo menos até a crise do México) da reedição da crença de que se podia impunemente delegar aos fluxos internacionais de capitais o financiamento do déficit de transações correntes.

Voltando ao exuberante quadro com que se defrontariam as empresas a partir do lançamento do Real, convém relembrar alguns dados reunidos pela empresa Austin Assis, a partir de uma amostra englobando 330 empresas de 21 setores. Segundo a pesquisa, no terceiro e quarto trimestres de 1994 (em relação aos mesmos períodos de 1993) as vendas teriam saltado 39,8% e 63,9 %, respectivamente.24 24 Exame, 5 de julho 1995. As cifras - e sua aceleração, à medida que os efeitos do plano vão sendo sentidos - dispensam comentários.

É bem verdade que, já em 1995, se verificou uma grande frustração de expectativas, trazendo consigo severas dificuldades para muitas empresas. Em meados de 96, contudo, a economia estava de volta ao crescimento, liderada pela indústria, e com expectativas em relação ao futuro majoritariamente otimistas. A rigor, nos 12 meses findos em junho de 1997, a indústria cresceu 7,5%. Lamentavelmente, entretanto, logo a seguir teria início a crise asiática - e a economia brasileira voltaria a ser longamente travada por políticas monetárias brutalmente severas. A estas alturas, contudo, já estava aparentemente incorporada à percepção de muitos a enorme potencialidade de diversos mercados brasileiros - especialmente na esfera dos duráveis e de numerosos bens-salário.

Finalizando esta brevíssima caracterização da revitalização do mercado doméstico após a estabilização, caberia realçar o fato de que o crescimento das vendas parcialmente se explicava pelo rebaixamento dos preços relativos dos tradables vis a vis os salários. E aqui, evidentemente, a sobrevalorização do câmbio teve, direta ou indiretamente, uma decisiva influência. Sua contribuição para a desrepressão do consumo se dava através do chamado “excedente do consumidor” - que oriundo da redução de preços, voltava ao mercado sob a forma de poder de compra adicional. Não é preciso sublinhar que a situação assim criada favorecia o redespertar das multinacionais (anteriormente referido), assim como estimulava a recuperação do tempo perdido por parte das empresas de propriedade nacional.

O catch up produtivo

Esquematizarei, a seguir, o que me parece ser, a grandes traços, o comportamento típico, frente ao novo quadro, de um grande número de empresas industriais. Lembremos que, no que toca às oportunidades e desafios com que elas se defrontam, devem ser destacados, por um lado, a brutal expansão dos mercados e, por outro, a abertura e a valorização do câmbio, com seu duplo e contraditório papel: de barateamento tanto das importações de produtos concorrentes, quanto de insumos e bens de capital capazes de propiciar a modernização produtiva e a diversificação da linha de produtos.25 25 Um caso à parte é o das indústrias capital intensivas e processadoras de produtos primários (tipo petroquímica), até então dotadas de vantagens competitivas vis-a-vis o mercado doméstico, que não tinham por que ampliar a importação de insumos ou equipamentos, e que pela primeira vez passavam a enfrentar a concorrência de produtos importados. Vide, adiante, algumas considerações sobre setores singulares.

As respostas massivamente dadas ao novo quadro podem ser distribuídas em três grandes planos:

  • prosseguimento da reestruturação, visando a adoção de métodos modernos de gestão e a busca de padrões e gabaritos contemporâneos de eficiência;

  • modernização/diversificação das linhas de produtos, visando acompanhar a renovação em curso no mercado doméstico. Este tipo de mudança traz consigo o aumento das importações de insumos e equipamentos, com o intuito de baratear e acelerar a absorção da tecnologia contida nos novos processos e produtos;

  • deslocamento de fábricas para áreas com boa infra-estrutura e fácil acesso a grandes mercados, com mão-de-obra ou matérias- primas baratas, e/ou massivos benefícios fiscais.

O primeiro pode ser encarado como mero prosseguimento da cirurgia e modernização características da etapa anterior. Mas é preciso destacar que a estabilização acarreta o surgimento de um quadro muito mais transparente, onde se torna mais fácil responsabilizar divisões, produtos etc., pelos êxitos e fracassos da empresa. Evidentemente, isto corre paralelo com o maior poder conferido aos consumidores e, num outro plano, contribui para revigorar o ânimo reformador das empresas.

Por outro lado, ali onde a distância para com os padrões e práticas internacionais se revela muito ampla, a situação pode ser interpretada como dificilmente remediável, predispondo à busca de sócios, ou mesmo à venda do patrimônio. Não tratarei aqui do tema da venda de empresas, fenômeno que reconhecidamente adquiriu crescente importância ao longo da década de 90. Registrarei apenas que de acordo com um amplo levanta mento - são 308 transações para as quais se dispõem de informações - “157 foram de aquisições de empresas brasileiras e de filiais de empresas estrangeiras por empresas estrangeiras, correspondendo a um investimento de US$ 23.215 milhões; 126 foram aquisições por empresas brasileiras (de outras brasileiras filiais), equivalentes a US$ 22.842 milhões; e 19 por consórcios mistos, cujo montante foi de US$ 13.723 milhões”.26 26 Os levantamentos foram feitos pela Securities Date e pela KPMG e a citação provém do texto do IEDI Indústria e Desenvolvimento..., já anteriormente citado. Para um balanço das fusões e aquisições ocorridas na década e, em particular, das mudanças no controle societário das 100 maiores empresas, vide· Siffert Filho, Nelson e Souza e Silva, Carla: “Grandes Empresas nos Anos 90: Respostas Estratégicas a um Cenário de Mudanças”, em Giambiagi, Fábio e Moreira, Maurício Mesquita (orgs.), A Economia Brasileira nos Anos 90, BNDES, 1999. Convém acrescentar que “... segundo os setores, a compra de empresas privadas brasileiras por estrangeiras concentrou-se nas indústrias farmacêutica, higiene e limpeza (97,1% do valor total das aquisições), eletro eletrônica (96,3% ), química (88,6%), alimentar (82,4%), auto peças (74%), e comércio varejista (73,5%). Já as aquisições por empresas privadas brasileiras (de outras brasileiras e estrangeiras) teve a seguinte distribuição: têxtil, vestuário e calçados (100%), mecânica (77,2), papel e celulose (76,l%), petroquímica (74,1%), construção civil (72,8%) e comércio atacadista (65%).”

No que toca à renovação de produtos e processos, a primeira observação a ser feita se refere ao contraste com o período anterior. Enquanto na fase denominada “cirurgia e reorganização” o eixo das mudanças residia no corte e na reorganização, nesta segunda etapa o uso de novos insumos e a aquisição de equipamentos de última geração assumem uma importância decisiva. Isto implicava uma sensível reativação dos investimentos.27 27 CNI/CEPAL, Investimentos na Indústria Brasileira 1995/1999. Rio de Janeiro, 1997. Veja-se também Castro, Antonio Barros de “Limitações e Potencialidades da Nova Safra de Investimentos” em Mineiro, Adhemar dos Santos, Elias, Luiz Antonio e Benjamin, César, (orgs.) Visões da Crise, Contraponto, 1998.

Cabe ainda ressaltar que, nesta etapa, a abertura e o câmbio tornam-se (uma vez assumida a opção pela renovação) funcionais às mudanças pretendidas pelas empresas. A bem dizer, o baixo preço e as facilidades de pagamento para a aquisição de equipamentos importados28 28 Quanto ao preços dos equipamentos veja-se Souza, Francisco Eduardo Pires, “O Investimento Antes, e Depois do Plano Real”, em O Real o Crescimento e as Reformas, de Velloso, João Paulo dos Reis (org.). José Olympio, 1996. Vide também Relatório McKinsey, Productivity - The Key to an Accelerate Development Path for Brazil, McKinsey Global Institute, 1998, Sumário Executivo. atraíam empresas a tentar autênticos saltos de desempenho. E isto se verificou, inclusive, no caso de pequenas e médias unidades.29 29 Proença, Adriano e Caulliraux, Heitor, “Estratégias de produção na indústria Brasileira: Evolução Recente”, em Velloso, João Paulo dos Reis, org, Brasil, Desafios de um País em Transformação, José Olympio, 1997. Tratava-se, em suma, de “comprar capacitação”, tanto na esfera fabril quanto na informatização dos procedimentos de gestão. No tocante a este último ponto, a onda teria seu ápice nas vésperas do bug do milênio, mas o movimento vinha ganhando importância desde meados da década de 90.

Quanto à terceira reação típica acima apontada, lembremos, inicialmente, que em determinados casos o deslocamento de fábricas reflete a busca de fatores produtivos mais baratos, em resposta à maior pressão competitiva trazida pela abertura. Este é o caso do traslado para o Nordeste da produção de calçados originariamente sediada no Rio Grande do Sul. Não se verifica, no caso, a adoção de novas tecnologias - e as novas facilidades produtivas parecem ser, inclusive, mais simples e despojadas que os seus congêneres gaúchos. Ou seja, não fosse a influência nada desprezível dos estímulos fiscais acionados pelos estados para onde vão as fábricas, estaríamos diante de um caso de livro-texto de realocação de recursos comandada pelos preços relativos dos fatores.

Já no caso de deslocamentos para fora e longe dos grandes centros urbanos, os menores custos do espaço e da mão-de-obra contam, mas há fortes indícios de que se trata de algo bem mais complexo que uma mera reassignação de recursos orientada por sinais de preços. De fato, o que frequentemente parece ocorrer (disponho apenas de ilustrações a esse respeito) é que a migração é pensada e levada a efeito como parte integrante do esforço de convergência (catch up) - aí incluídas mudanças de processo, linhas de produto etc.

Por fim, no importante caso da descentralização verificado no setor automotivo, encontramo-nos diante de uma atividade de densidade tecnológica alta (média, em contextos mais avançados), onde os menores custos da mão-de-obra contam, mas seguramente não decidem. Ou seja, neste caso, os benefícios fiscais foram indiscutivelmente fundamentais. Além disso, há indícios de que foi se tornando cada vez mais importante a possibilidade de experimentar nas plantas descentralizadas novos métodos de trabalho, de relacionamento com os fornecedores, de logística etc. Numa palavra, algumas das novas unidades regionais da Volkswagen (Resende, no Rio de Janeiro, bem como São José dos Pinhais, no Paraná), da GM e da Ford, são experiências na exploração de novos padrões organizacionais e sistemas de produção, em relação aos quais as fábricas do ABC representam o passado.30 30 Proença, Adriano e Caulliraux, Heitor, “Estratégias de produção na indústria Brasileira: Evolução Recente”, em Velloso, João Paulo dos Reis, org, Brasil, Desafios de um País em Transformação, José Olympio, 1997.

Em suma, mesmo no terceiro tipo de reação aqui apontado, em que certamente contou o custo relativo dos fatores (chegando possivelmente a predominar no caso da migração de calçados para o Nordeste), as decisões empresariais devem ser entendidas como parte integrante do catch up produtivo. Nele contam, decisivamente, as estratégias para recuperação do atraso por parte das empresas, bem como numerosas iniciativas no campo das políticas de atração de investimentos levadas a efeito pelos estados e municípios. Em resumo, não se tratava, para as indústrias, meramente de não ter preços para fazer frente ao novo ambiente competitivo. O problema era estar fora da (nova) fronteira de produção. Estamos, portanto, falando, não de distorções provocadas por preços “fora do lugar”, e sim da adoção de formas de organização, técnicas e produtos “superiores” - capazes de poupar, simultaneamente, trabalho e capital.31 31 Para uma visão alternativa, pela qual se crê que “os impactos da abertura foram, de maneira geral, na direção esperada e desejada”, ou seja, “em linha com a disponibilidade de recursos no país”, enquanto a proteção anterior “favoreceu particularmente setores que demandavam recursos escassos no país”’, vide Moreira, op. cit., pp. 294 e 329.

Não caberia aqui tentar sumariar as características do complexo movimento de descentralização da produção industrial em curso no Brasil.32 32 Sabóia, João. “Desconcentração Industrial no Brasil. Um Enfoque Regional”. Pesquisa e Planejamento Econômico, abril de 2000. Assinalo apenas que o mapa regional da indústria está efetivamente mudando. Um dos mais patentes exemplos de mudança reside no caso da Bahia, cujo panorama industrial continuava até muito recentemente dominado por grandes plantas produtoras de bens intermediários - e a abertura pouco havia trazido, além do endurecimento da competição. Nos últimos anos, contudo, além de avanços significativos na verticalização da cadeia petroquímica, deu-se a chegada de empresas produtoras de bens de consumo, que culmina com a instalação de um complexo (“sistemistas” - montadora) sob o comando da Ford.33 33 Vide Uderman, Simone, “Perspectivas Industriais, em Tendências da Economia Baiana”. Secretaria do Planejamento, Ciência e Tecnologia, 2000. É interessante acrescentar, a propósito da Ford, que esta empresa parece ser um caso limite, no passado recente, no tocante à perda de espaços, à desatualização de produtos, e outros desacertos. Grandes avanços verificaram-se também em estados como o Paraná e o Rio Grande do Sul. Quanto a este último caso, vide “O Mapa dos Novos Investimentos do Rio Grande do Sul”, Secretaria de Estado da Coordenação e Planejamento, 1998.

Algumas observações sobre setores e estrutura e produtividade

Indústrias tradicionais do tipo têxtil, confecções e calçados, custaram a reagir à altura do desafio com que se deparavam. Já certas indústrias de maior conteúdo tecnológico, em muitos casos, não conseguiram jamais se reposicionar. Encaremos, pois, sumariamente, estes contrastes.

No caso das tradicionais cabe lembrar que, acossadas por importações procedentes, em regra, da Ásia, foram levadas a uma séria crise que prometia repetir no Brasil a devastação verificada, por exemplo, na Argentina. Na realidade, contudo, ocorreu apenas uma dolorosa depuração, ao término da qual as empresas sobreviventes mostravam-se - antes mesmo da desvalorização- fortalecidas e aptas para a retomada do crescimento. Advirta-se, porém, que neste vasto campo numerosas empresas (sobretudo pequenas) desapareceram, absorvidas por outras - em regra, também de nacionalidade brasileira. Em simultâneo, uma intensa compra de equipamentos permitiu um início de reafirmação.

Mais adiante, com a forte depreciação do câmbio (1999), as indústrias tradicionais entraram em franca reafirmação - situação em que se encontram neste momento.34 34 Vide Katz, Jorge, Reformas Reestruturales Productividad y Conduta Tecnológica en América Latina, CEPAL- Fondo de Cultura Economica, México, 2000. O autor supõe no texto que o ocorrido em outras economias latino-americanos também se verificaria no Brasil - mas as evidências contrárias vêm se acumulando de forma inequívoca. O quadro 1 sintetiza dados relativos ao ocorrido no polo têxtil de região de Americana (SP). No caso da indústria de calçados, algo semelhante poderia ser dito - sendo que neste último setor a reafirmação foi beneficiada, no caso brasileiro, pela concentração geográfica da produção (facilitando captar externalidades), pelo ativismo das associações, e pelo apoio governamental.35 35 Bekerman, Marta, e Sirlin, Pablo, “Impactos Estáticos y Dinámicos del Mercosur. El Caso del Sector Calzado”. Revista de la CEPAL

Quadro 1
Evolução do Polo Têxtil de Americana

Já no caso das empresas de maior conteúdo tecnológico, o escasso domínio das técnicas, dificuldades de natureza financeira, e em diversos casos, insuficiência de escala, levaram ao desaparecimento de muitas firmas - e, genericamente, à forte redução das atividades de pesquisa. Aqui, reconhecidamente, haviam ocorrido exageros no tocante à substituição de importações - e o setor se encontrava excessivamente fragmentado.36 36 Tadini, V. “Perspectivas do setor de bens de capital sob encomendas no Brasil “. Trabalho apresentado ao V Fórum Nacional, São Paulo, 1993 É preciso lembrar, no entanto, que a Embraer se destaca neste conjunto, como um caso excepcionalmente exitoso - cujo entendimento vem sendo buscado por diferentes pesquisadores.37 37 Bernardes, Roberto, Embraer elo entre Estado e Mercado. ED. Hucitec, Fapesp. 2000.

No polo oposto, ou mais precisamente no campo da mecânica de baixa sofisticação tecnológica (por exemplo, na área dos bens de capital orientados para empresas de modestas exigências tecnológicas), por sua vez, as fortes relações com os clientes (inclusive por conta dos serviços pós-venda), garantiam uma certa “imunidade -frente à abertura”38 38 3’ Veja-se o interessante estudo de Lins, Hoyêdo Nunes, sobre 20 pequenas e médias empresas catarinenses. Do autor, “Pequenas e Médias Empresas Fabricantes de Bens de Capital Frente às Mudanças da Economia Brasileira. Revista Análise Econômica, ano 18, nº 34.

Quanto às indústrias mecânicas de nível tecnológico médio - como, notoriamente, a automobilística - o caso brasileiro se destaca pela vigorosa reafirmação em termos de capacidade, modernização produtiva e densidade das cadeias. Veremos nos próximos anos em que medida esta reafirmação permitirá a constituição de autênticas vantagens competitivas. Já na Argentina, após uma forte reativação na primeira metade dos anos 90, verifica-se uma aparente regressão para a (mera) montagem.39 39 Só recentemente ficou clara a divergência entre as experiências brasileira e argentina. Para uma apreciação do quadro argentino antes de evidenciar-se o contraste aqui assinalado, veja-se Kossakof, B. Corporate Strategies under Structured Adjustments in Argentina, Nova York, Sr. Martin’s Press, 2000. Aqui reside, aliás, uma das patentes especificidades do caso brasileiro. Com exceção da Coréia (onde as empresas são nacionais), as experiências recentes de industrialização têm revelado mais facilidade para saltar para os produtos de alta tecnologia (onde realizam apenas montagem), que para consolidar-se nos ramos de médio conteúdo tecnológico.40 40 Lal, Sanjaya, Políticas de Ciencia, Tecnologia e Innovación, op.cit.

Encerrando estas sumárias e assistemáticas observações sobre setores, acrescento que a súbita exuberância exibida pelo mercado doméstico, aliada à facilidade para importar, deu lugar, em certos ramos, à multiplicação de negócios em maior ou menor medida informais, mas capazes de disputar a franja inferior de certos mercados. É a proliferação dos “nanicos”, das “tubaínas” e do “mercado cinza”, que entre outros fatos dão testemunho da vigorosa luta por espaços, especialmente nos mercados correspondentes à base da pirâmide social.

No que concerne à evolução da estrutura industrial na década de 90, os dados presentes no quadro 2 - que comparam o último censo disponível (1985) com a Pesquisa Industrial Anual (PIA) - apresentam interessantes resultados. Antes de mais nada, chama a atenção o diminuto recuo relativo da categoria Bens de Capital - ao contrário de temores amplamente difundidos. No que toca ao recuo de Intermediários é preciso advertir que o fenômeno está fortemente influenciado pela baixa do preço no item combustíveis ocorrida entre 1985 e 1997. É de destacar-se também o avanço da categoria Bens de Consumo Duráveis, filha dileta de uma certa etapa do processo de substituição de importações, e que, dado o baixo percentual exportado, dá testemunho do avanço da revolução do consumo de massas.

Quadro 2
Estrutura Industrial por Categoria de Uso Valor de Transformação Industrial (%)

No tocante à produtividade, os avanços que vinham sendo alcançados desde os primeiros anos da década de 90, prosseguiram ao longo da década. Não discutirei aqui a magnitude do aumento médio da produtividade: se mais próxima à informação procedente do PIM (IBGE) ou das Contas Nacionais.41 41 Uma ampla discussão do tema é feita por Carvalho, Paulo Gonzaga Mibielli em “As Causas do Aumento da Produtividade da Indústria Brasileira nos Anos 90”. Tese de doutoramento, Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2000. O importante é que qualquer magnitude situada neste intervalo representa um ritmo excepcionalmente elevado de evolução média - o que corrobora informações procedentes de fontes assistemáticas, bem como de entrevistas por ocasião de pesquisas de campo por nós realizadas.42 42 Minha referência é aqui exclusivamente à produtividade do trabalho. Não vejo por que ter em conta dados relativos à chamada produtividade total do trabalho, que além de requerer séries de dados “capazes de deixar qualquer purista louco” (Solow), enfrentam imensas dificuldades no plano conceitual. Basta, aliás, observar o grau de discrepância nos resultados obtidos, para suspeitar da pouca validade deste tipo de informação. Ver Felipe, J., “Total Factor Productivity Growth in East Asia: a Critical Survey” Journal of Development Studies, vol. 35, n. 4, 1999.

É importante, por outro lado, lembrar que a produtividade média no Brasil é fortemente puxada para baixo por amplos setores de escassa formalidade - como, por exemplo, a construção civil e o pequeno comércio. A advertência foi reproduzida no conhecido Relatório McKinsey, o qual acrescenta, entretanto, que em determinados setores: “é importante notar que os players mais produtivos já estão próximos ao nível das melhores práticas, provando que elas podem ser alcançadas no Brasil”.43 43 Relatório McKinsey, op. cit., Synthesis and Implications, p. 5.

Ainda quanto aos índices alcançados de produtividade, é interessante registrar que recentemente têm surgido relatos sobre casos excepcionais, em que o desempenho (produtividade incluída) alcançado no Brasil por certas filiais se compara ou mesmo excede o alcançado nas matrizes. A General Motors do Brasil, por exemplo, tornou- se modelo para toda corporação - por ser uma empresa “eficiente, ágil e lucrativa”, nas palavras do executivo Jack Smith.44 44 Exame, 09/09/98 O fato de que a operação de produção e vendas da GM no Brasil, mediante a adoção de técnicas da gestão de operações e de organização industrial típicas da reestruturação ocorrida no país, e pela migração bem-sucedida de sua linha de produtos para modelos mais modernos, transforme-se em referência para toda a corporação, isto parece ratificar a proficiência que o tecido produtivo vem se mostrando capaz de alcançar neste país.

AINDA O CATCH UP PRODUTIVO: OBSERVAÇÕES ADICIONAIS E CONJECTURAS

Como já vimos, há grandes diferenças entre a fase aqui denominada catch up produtivo e o período anterior de cirurgia e reorganização. Delas, a mais relevante pode ser apreendida a partir do duplo papel exercido pelo barateamento, renovação e intensificação das importações: colocar em xeque as opções das empresas (no que concerne à disjuntiva fazer x comprar, e ao relacionamento com os fornecedores locais) e, simultaneamente, facilitar a rápida incorporação de avanços. Poderíamos mesmo afirmar que, nesta segunda fase, o mercado “puxa” na direção da renovação, e as facilidades de financiamento/compra de produtos importados “empurram”: seja na mesma direção (da atualização/reafirmação), seja rumo ao esvaziamento (das empresas e das cadeias). Tratava-se sem dúvida de um jogo perigoso,45 45 A borda do precipício era visualizada por alguns - e parece ter sido (antecipadamente) explicitada por exemplo pela direção da Gradiente. Após três anos consecutivos de prejuízos, fontes da empresa declaram que as importações estavam sendo fortemente incrementadas. Exame, 10/11/93, pp. 66-7. não sendo de surpreender que alguns analistas se mostrassem altamente pessimistas.46 46 Coutinho, Luciano, “A Especialização Regressiva: um Balaço do Desempenho Industrial Pós-Estabilização”. Em Brasil, Desafios de um País em Transformação, op. Cit

Entre as características adicionais da postura aqui caracterizada como catch up produtivo, há que assinalar a recusa implícita ao esforço próprio de inovação - o que chegou a ser percebido como pouca importância conferida ao objetivo “inovatividade”.47 47 Fleury, Paulo e Arkader, Rebecca, op. cit. e Proença e Caulliraux, 1997. A tendência era, no entanto, altamente compreensível: a prioridade conferida à busca, tão rápida quanto possível, da renovação e da eficiência, e a percepção de que não se deveria mais contar com o apoio de instituições públicas,48 48 Como bem se sabe, não foi desprezível ou raro o apoio de políticas públicas às empresas. Ocorre, porém, que, especialmente no que toca a iniciativas federais, elas tenderam a ocorrer cm caráter excepcional e em meio a crises - o que certamente não condiz com políticas voltadas para a inovação, por natureza não emergenciais e de longo pra zo. tendia a minimizar os espaços reservados a iniciativas inovadoras (inclusive programas de P& D). A percepção dominante parecia ser de que o segredo da sobrevivência estava em atingir um patamar de desempenho das operações semelhante ou idêntico ao alcançado nos países centrais. Uma frase emblemática deste mindset teria sido proferida por Margaret Thatcher: “Vocês brasileiros não têm que inventar nada. Olhem os melhores exemplos e copiem”, tendo o empresário Jorge Gerdau declarado segui-la como o seu motto estratégico.49 49 Exame, 4/10/00. O que está sendo dito pelo líder empresarial é que há que buscar os parâmetros de excelência consagrados lá fora, e aplicá-los com disciplina e determinação.

Convém insistir em que a opção em favor da excelência manufatureira não deve ser confundida com uma opção estratégica voltada (unicamente) para custos baixos. Trata-se de centrar as capacitações das empresas em produção - acrescida das logísticas de entrada e saída (tema mais adiante retomado). Mas as capacitações assim desenvolvidas, além de se prestar à redução de custos, podem também colaborar para a diferenciação. E a diferenciação deve aqui ser entendida num sentido amplo, que inclui desde a migração para mercados demandantes de acabamento diferenciado, até aqueles que demandam produtos efetivamente mais sofisticados.50 50 Quanto ao último ponto, a importância da renovação da pauta de produtos, viemos em boa medida a convergir com Carvalho e Bernardes, que a consideram “a mais importante” característica da conduta das empresas na amostra por eles estudada. Carvalho, Ruy de Quadros e Bernardes, Roberto, em Cambiando con la Economía: La Dinamica de Empresas Líderes en Brasil. Grandes Empresas y Grupos Industriales Latinoamericanos. Siglo Veintuno editores/CEPAL, 1·Edição, 1998. Devo acrescentar que a compreensão deste fato alterou meu entendimento do ocorrido com as empresas - e me levou a abandonar a metáfora do “entrincheiramento”, até então por mim empregada, e que me parece hoje demasiado estática. Castro, Antonio Barros de. “Indústria: o Crescimento Fácil e a Inflexão Possível”. em A Crise Mundial e a Nova Agenda de Crescimento, em Velloso, João Paulo dos Reis (org.), José Olympio, 1999. Neste tipo de opção, as melhorias na produção tendem a ser acompanhadas de maiores gastos em marketing e publicidade.

Por outro lado, levar adiante a corrida em direção aos gabaritos internacionais de eficiência operacional não implica a ausência de preocupação com a manutenção e o fortalecimento dos canais de comercialização. De fato, a consolidação das posições competitivas desenhadas pelas novas estratégias produtivas - isto é, de produto e produção - requeria, em regra, o reforço das cadeias de distribuição e vendas.

E, no tocante aos fins perseguidos pelas empresas, convém assinalar que o objetivo primordial neste contexto é o reposicionamento no mercado em transformação. Nesse processo, as decisões das empresas são obviamente condicionadas pelos recursos produtivos de que dispõem e pelo desenvolvimento de suas capacitações. Mas não é deles (do inteligente uso dos recursos e capacitações) que a empresa espera poder tirar bons lucros - e sim da ampliação/renovação em curso nos mercados. A hipótese talvez mereça algumas conjecturas.

Em condições normais, as empresas obtêm “rendas de escassez”,51 51 Veja-se Peteraf, Margaret, “The Cornerstones of Competitive Advantage: a Resourse-Based Perspective” e Rumelt, Richard, “Towards a Strategic Theory of the Firm”, em Resources Firms and Strategies, de Foss, Nicolai, (ed.), Oxford, Universiry Press, 1997. seja através do uso de barreiras por elas mesmo impostas aos mercados, seja através do uso de recursos diferenciados - aí incluídas, com destaque, as capacitações por ela mesma desenvolvidas. Isto equivale a dizer que rendas de escassez não podem, em princípio, derivar de produtos livremente compráveis em mercado. Elas surgem pelo contrário, na medida em que se consiga escapar à vala comum do plenamente conhecido e amplamente disponível.

Já no caso aqui focalizado estamos diante de mercados longamente contidos - por proteção, por políticas macroeconômicas refreadoras do nível de atividades, e por comportamentos privados de atores que introjetaram a crônica fragilidade e os temores de um quadro intrinsecamente instável. Neste contexto, a mudança de expectativas trazida pela estabilização (acompanhada, no nosso caso, de notória intensificação da abertura) traz consigo a “festa” da demanda anteriormente assinalada que compreende, mas não se resume, à explosão das importações. Numa palavra, a oferta revela-se então escassa para atender à demanda, aos preços a que os produtos (finais, insumos e equipamentos) podem ser adquiridos no mercado mundial. Consequentemente, tudo se passa como se as importações se tornassem portadoras de rendas. E é valido supor que normalização do quadro exija tempo. Durante esse período, os que conseguem suprir o mercado (ainda não normalizado) com produção doméstica podem utilizar as rendas embutidas nos ingredientes importados, como compensação para os seus custos (ainda) não suficientemente reduzidos. Entretanto, uma situação em que uma ampla gama de produtos compráveis em mercado (basicamente importações) é capaz de gerar rendas de escassez, não pode ser senão excepcional. Ela tende a durar, no entanto, enquanto a oferta estiver correndo atrás da demanda - subitamente excitada pelo efeito demonstração detonado pelo novo quadro.

Compreende-se também, a partir do que acaba de ser dito (e não apenas pela apreciação cambial), os pífios resultados obtidos pelas exportações no período. A ninguém ocorre buscar novos mercados no exterior. Buscar mercado externo (ressalvados casos de vantagem comparativa consagrada) é disputar espaços saturados, de cuja saturação só se escapa com criatividade, inovação (própria), investimentos em marketing e em marcas - esforços que o mercado doméstico, por hora, em boa medida dispensa.

Paradoxalmente, portanto, as mudanças em curso estavam reforçando a posição do mercado doméstico como centro de gravidade da economia e para o qual se voltavam, justificadamente, as atenções, táticas e estratégias das empresas. Insinua­ se evidentemente, aqui, uma notória contradição entre a movimentação microeconômica e as necessidades da economia como um todo.

O movimento de catch up produtivo avançou intensamente antes da desvalorização de janeiro de 1999. Um indicador indireto, porém, eloquente disto consiste no fato de que já em 97 as empresas mostravam-se bastante otimistas no que se refere às suas perspectivas individuais. Segundo pesquisa realizada pela Fundação Dom Cabral e o Instituto Vox Mercado (ouvindo 146 das 500 empresas tiradas de Melhores e Maiores da revista Exame), 55% das empresas declaravam-se totalmente fortalecidas pelas mudanças recentemente introduzidas, enquanto 40% assumiam que esse objetivo fora parcialmente atingido. E isto numa situação em que 90% dos entrevistados acreditavam que a estabilidade continuaria no futuro - o que implicava, de acordo com as crenças dominantes na época, que não haveria desvalorização cambial. Aliás, os preços relativos dos produtos para os quais as empresas estavam se voltando deveriam inclusive cair como resultado da pressão niveladora exercida pelos preços vigentes no mercado internacional.52 52 Revista Exame, 29/07/98. Advirta-se, adicionalmente, que ao contrário do ocorrido entre 94 a 96, no ano acima considerado (1998), só encontramos registro na imprensa de uma empresa denunciando a insustentabilidade do câmbio - e isto parece estar associado ao fato de que esta empresa (Siemens) pretendia ampliar substancialmente suas exportações a partir da base brasileira, o que era inequivocamente dificultado pelo câmbio vigente.

O êxito do movimento pode também ser aferido por indicadores gerais de desempenho da indústria, como os que integram o quadro 3 a seguir. Nele merecem destaque, além do explosivo crescimento dos duráveis, o desempenho modesto, porém longe de desastroso, do grupo dos setores difusores de progresso técnico. Neste último conjunto estão compreendidas as atividades de onde se originam - juntamente com as importações - o progresso técnico da economia.53 53 Os dados foram elaborados por Carvalho, Paulo Gonzaga, a partir da metodologia desenvolvida em “ Made in Brazil. Desafios Competitivos para a Indústria”, de Ferraz, João Carlos, Kupfer, David e Haguenauer, Lia. Campus, 1996.

Quadro 3
Desempenho da Indústria (índice acumulado 1993-1997)

O Catch up Produtivo e a Estrutura das Empresas

Tratemos agora de analisar o significado do catch up produtivo do ponto de vista das atividades desempenhadas pelas empresas. Para tanto, iremos valer-nos do gráfico 1 a seguir.

Nele está representado o valor adicionado por funcionário em diversas funções corporativas de uma empresa moderna, madura e de bom porte. No eixo horizontal estariam discriminadas as referidas funções, começando, à esquerda, pelo conjunto upstream (planejamento estratégico, pesquisa e desenvolvimento, design, engenharia de produtos e processos). A parte mais baixa da curva corresponde às tarefas levadas a efeito nas próprias plantas industriais: fabricação e montagem (inclusive acabamento). À direita, encontram-se atividades downstream (tais como distribuição, marketing, gerência de marcas etc.). O gráfico 1 nos diz, em suma, que as funções de fabricação e montagem geram menor valor agregado, por funcionário empregado.54 54 É óbvio que o valor agregado por operador, na fabricação, pode variar, enormemente, em função do grau de automação adotado pela empresa. Convém também advertir que determinadas empresas se notabilizaram por transformar a fábrica em laboratório. Neste tipo de empresa a fabricação inclui grande parte da inteligência nela exercida - e não caberia supor que o valor agregado por funcionário de fábrica fosse inferior. Um bom exemplo é a Chaparral. Ver Leonard-Barron, Dorothy, “The Factory as a Learning Laboratory”. Sloan Management Review. Fall 1992, pp. 23-38. Além disto é bom lembrar que aí residem os custos diretos de produção - enquanto nas demais funções residem os overheads.

Gráfico 1
Valor agregado por função empresarial* * Inspirado na “Curva de Valor da Indústria” presente em Bartlerr, Christopher A. e Ghostal, Sumantra, “Going Global: Lessons from Late Movers”. Harvard Business Review. Março/Abril de 2000.

A ideia de que se optou no Brasil por privilegiar as atividades de fabricação e adjacências significa, à luz do gráfico 1, que a escolha incidiu sobre funções frequentemente tidas, na atualidade, como, digamos, menos nobres.55 55 Esta questão foi levantada por Furtado, João, em “La Transformation des Conditions d’ Insertion des Economies à Industrialization Tardive dans l’Economie Mondiale”. Tese de doutoramento, Paris XIII, 1997. Farei no que segue algumas observações adicionais sobre a escolha aqui realizada, e acrescentarei umas poucas ponderações sobre as dificuldades embutidas neste tipo de opção.

Inicialmente caberia lembrar que as filiais de empresas estrangeiras, caracteristicamente, tendem a privilegiar, especialmente nos países menos desenvolvidos, o tipo de perfil (com hipertrofia seletiva das funções manufatureiras) aqui focalizado. Esta é, aliás, uma das propriedades ressaltadas nos modelos de “ciclo de produto”. É bem verdade que em casos relativamente bem-sucedidos de industrialização por substituição de importações, as filiais foram levadas a adaptar produtos e processos, em alguma medida, às peculiaridades dos mercados locais - o que por vezes se fazia acompanhar de um certo grau de autonomia administrativa. O novo paradigma tecnológico, contudo, parece tendente a limitar ainda mais este tipo de arranjo, já tendo sido registrados casos de transferência de volta para as matrizes, de atividades aqui referidas como nobres.56 56 A Philips do Brasil, por exemplo, decidiu, em 1997, acabar com o desenvolvimento local de produtos. Exame, 23/8/2000.

O que acaba de ser dito levanta uma questão aparentemente ainda em aberto. Primeiramente, porque têm ocorrido, na prática, deslocamentos de centros de pesquisa (por exemplo, para a Índia) - e é plausível supor a existência aqui de um campo pouco explorado de negociações e políticas.57 57 Fleury, Afonso e Fleury, Maria Tereza, Estratégias Empresariais e Formação de Competências, capítulo 5, Editora Atlas S.A., 1999. Além disso, porque certos novos modelos de organização, na lógica de rede articulada em volta da empresa líder (formação de cadeias localizadas), oferecem amplas possibilidades de reconfiguração e adensamento do tecido industrial.

Voltemo-nos para as empresas domésticas.

É plausível pensar que a atrofia relativa das funções não manufatureiras seja, especialmente no caso do Brasil, uma herança da fase de substituição de importações. E isso por uma dupla razão. Primeiramente porque com a fome de manufaturas de uma economia protegida (mas amplamente exposta ao efeito demonstração) era possível usufruir rendas de escassez mediante plantas-empresas produtoras de artigos (já então) maduros nos centros desenvolvidos. Além disso, porque os projetos originais de que se partia, para a obtenção de financiamento (frente ao BNDE, muito especialmente), deviam enquadrar-se nos critérios de um a tecnocracia imbuída da convicção de que esta era uma economia vocacionada para o crescimento.58 58 Castro, Antonio Barros de, “Renegade Development: Rise and Demise of State Led Development in Brazil, em Democracy. Markets, and Structural Reforms in Latin America. Smith, William, Acuña, Carlos e Gamarra, Eduardo (orgs.), Transaction Publishers, 1993. A partir desta visão (especialmente nos anos 70), as próprias entidades governamentais muitas vezes se encarregaram de aumentar as ambições dos candidatos a financiamento, no tocante a escalas de produção e atualização tecnológica.

O período subsequente, aqui referido como de hibernação, teria também dado a sua contribuição, ao exacerbar a tendência à diversificação produtiva, como política de proteção dos lucros.

E quanto à recente fase de catch up produtivo, é bom lembrar que jogar preferencialmente nas atividades fabris era o caminho direto para a absorção de novas técnicas. Além disto, e como já foi dito, enquanto perdurasse a relativa escassez de produtos atualizados, podia-se daí derivar rendas de escassez - importantes para compensar deficiências sistêmicas de variada natureza. Por outro lado, conter as demais funções significava poupar overheads - e poder alcançar (ceteris paribus) bons retornos com menores margens.

Riscos e Sequelas

Vejamos agora, sumariamente, por que a opção estratégica pela priorização das funções operacionais é uma senda na qual se podem divisar diversos obstáculos.

No que toca ao momento presente, a sua contribuição para o medíocre desempenho das exportações já foi realçada - cabendo apenas lembrar que numa economia que multiplicou as suas importações e tragou enormes quantidades de capitais, esta, seguramente, não é uma dificuldade menor. Deixando, porém, de lado a questão do balanço de pagamentos - já convertida num dos eixos do debate sobre a economia brasileira - focalizo no que segue outras questões que levam a crer que o rumo tomado pela evolução das empresas, fértil a curto prazo e microeconomicamente, pode revelar-se bastante vulnerável a médio prazo.

As fábricas estão se tornando mais “transportáveis” (footloose) e isso por si só torna mais vulneráveis os investimentos fundados em vantagens comparativas estáticas.59 59 Fajnzylber, Fernando, “ Progresso Técnico, Competitividade e Mudança Institucional”. Em Reis Velloso, João Paulo dos, A Nova Ordem Internacional e a Terceira Revolução Industrial. Fórum Nacional, Como Evitar uma Nova Década Perdida. José Olympio, 1992 Isso certamente contribui para o acirramento da competição e a eliminação dos lucros em investimentos montados sobre soluções “banalizadas”.60 60 Um porta-voz da empresa gaúcha Azaléia resumiu a vulnerabilidade da opção (predominantemente) produtivista com um contundente argumento: “ eficiência operacional hoje é pressuposto”... “é como visto para entrar nos Estados Unidos “. Exame, 24/8/97. Visto por esse ângulo, e em contraste com o passado, as vitórias no campo industrial são hoje mais perecíveis. Torna-se, assim, recomendável distribuir as fontes de competitividade por diversas funções corporativas, quando mais não seja, para aumentar a resiliência das empresas. E, sobretudo, adquire maior relevância a luta pela construção de escassezes e obtenção das respectivas rendas.

Ao mesmo tempo, está se ampliando e se radicalizando a experiência dos “fabricantes por contrato” - empresas sem rosto, capazes de rodar durante o dia a produção de uma empresa e durante a noite a de seu concorrente. Esse tipo de empresa pode apresentar sérias vantagens no que toca a escala, simplificação de atividades burocrático-administrativas, utilização de capacidade e poder de barganha frente a fornecedores. Elas representam, a bem dizer, a especialização, levada ao limite, em fabricação. Por isto mesmo podem trazer séria pressão competitiva para empresas que escolheram enfatizar operações como saída frente a uma conjuntura crítica - e atalho no esforço de convergência.

Verifica-se também, mundialmente, uma aceleração da produção de inovações, e tem se tornado mais rápido e barato imitar. Isto implica, por um lado, a redução da capacidade de reter vantagens (baixa apropriabilidade), por outro a necessidade da compra recorrente de soluções tecnológicas e licenças para uso de produtos. Ainda quando isto possa, em certos casos, não constituir problema, a sorte do negócio permanece na dependência de um fator sobre o qual não há controle: a qualquer instante as fontes provedoras de novas soluções podem rever o seu posicionamento, com graves repercussões para o destino das empresas locais. A estrutura das empresas começa, por conseguinte, a por em risco a estratégia relativamente exitosa que tomou corpo na segunda metade dos anos 90.

Em última análise, essas ponderações apenas advertem para o fato de que o catch up, como imitação que é, pode ser facilmente imitado. Se se pretende alcançar uma economia capaz de gerar bons lucros e pagar altos salários, o posicionamento típico atual das empresas industriais tem que ser seriamente revisto.

  • 1
    Veja-se a propósito a Dissertação de Mestrado de Ricardo de Machado Ruiz, “ Estratégia Empresarial e Reestruturação Industrial (1980- 1992). Um Estudo de Grupos Econômicos Selecionados”. Instituto de Economia da UNICAMP, 1994.
  • 2
    Proença, Adriano, ‘”Projeto Modernização Industrial e Desenvolvimento de Recursos Humanos: Um Estudo de Prospecção na Indústria Brasileira: Relatório 1 “, mimeo, BNDES, Junho 1994.
  • 3
    Diferentes autores já advertiram sobre a necessidade de se distinguir entre preços altos determinados pelo poder de mercado (exercido em condições de limitada capacidade de contestação), e preços altos determinados por ineficiência (slack). No caso cm foco, seguramente, ambos os mecanismos estavam em ação. Willianson, Olivier E., “Strategizing, Economizing, and Economic Organization’”, em Rumelt, Richard, Schemkl, Dan e Fundamental Issues in Strategy. Harvard Business School Press. 1995.
  • 4
    Chami Batista, Jorge e Fritsch, Winston, “Dinâmica Recente das Exportações Brasileiras”, em Reis Velloso, João Paulo e Fristsch, Winston (orgs.) A Nova Inserção Internacional do Brasil. José Olympio, 1994.
  • 5
    A informação encontra-se em Lal, Sanjaya, “Políticas de Ciência, Tecnologia e Innovación em El Suleste Asático: lecciones para Argentina después de la crisis”. Em Seminário Internacional Políticas para Fortalecer el Sistema Nacional de Ciencia, Tecnologia e Innovación. Secretaria de Ciencia, Tecnologia e Innovación Productiva, 2000. Ali se vê como os países do leste asiático (dotados de uma macroeconomia bem-comportada) praticavam políticas industriais e tecnológicas super-ativas (e drasticamente reduziam a distância que os separava dos países desenvolvidos), enquanto a Argentina e o Brasil febrilmente se debatiam, reféns de alta inflação.
  • 6
    Por outro lado, convém advertir que no caótico quadro do início dos anos 90 facilmente poderiam ser identificadas tendências contraditórias. Assim por exemplo, segundo certas fontes, a brutalidade do Plano Collor, ao deixar clara a vulnerabilidade da riqueza financeira, no que parecia ser o limiar da hiperinflação, acabou tendo efeitos inesperados e em certa medida salutares para o chamado lado real da economia. Se por um lado avolumava-se a retirada de liquidez do país, por nutro, recursos financeiros passavam a migrar para aplicações físicas (Exame, 28/4/93).
  • 7
    As exceções residiriam (sobretudo) em certas commodities, em relação às quais as ineficiências próprias ao contexto de alta-inflação não se revelaram capazes de anular as vantagens do país em termos de escala, tecnologia e dotação de recursos naturais. Quanto às vantagens competitivas com que o país continuava a contar, vide Coutinho, Luciano e Ferraz, João Carlos. Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira. IE/UNICAMP, Papirus, 1994.
  • 8
    O avanço em direção aos “mercados emergentes” passou a ser recomendado pelo governo dos Estados Unidos no início dos anos 90 - mas isto, no caso do Brasil e pelas razões acima apontadas, não parece ter surtido sensíveis efeitos até a segunda metade da década. Garten, E. Jeffrey (Under Secretary of Commerce for International Trade). Competing to Win in the Global Marketplace. Council of Foreign Relation. New York, Janeiro 1993.
  • 9
    Uma Análise dos Anos 90 e uma Agenda de Política de Desenvolvimento Industrial para a Nova Década”. IEDI, Indústria e Desenvolvimento, vol. Política Industrial, Empresa Nacional e Mercado Interno. p. 22, nov. 2000.
  • 10
    Símbolo das mudanças esperadas, a importação de automóveis ocupava apenas 3,5% do mercado doméstico em 1991. Entre os carros recém importados havia, contudo, uma alta proporção de procedência japonesa - o que ajudava a difundir o temor de que estaria por se repetir no Brasil, possivelmente em maior escala, o fenômeno ocorrido nos Estados Unidos, onde 25% do mercado havia sido tomado pelos japoneses nos anos 80.
  • 11
    O pioneiro na identificação das tendências, no que toca aos primórdios da reestruturação, parece haver sido Bielschowsky, Ricardo. Vide, por exemplo, Adjusting for Survival: Domestic and Foreign Firms in Brazil in the early 1990s, ECLAC/UNCTAD, 1993; Veja-se também: Miranda, José Carlos, em Reestructuración Industrial en un Contexto de Inestabilidad Macroeconômica. El de Caso de Brasil. Estabilización Macroeconômica. Reforma Estructural y Comportamiento Industrial. Katz, Jorge M. (org.). CEPAL/IDRC, Alianza Editorial, 1996, p. 163, e Fleury, Paulo e Arkader, Rebecca, “Ameaças, Oportunidades e Mudanças. Trajetórias de Modernização Industrial no Brasil”, em Castro, Antonio Barros de, Possas, Mario Luiz e Proença, Adriano, (orgs), Estratégias Empresariais na Indústria Brasileira. Forense Universitária, 1996.
  • 12
    Convém advertir que o realce (a seguir) da reorganização não deve ser entendido como desconsideração da importância dos profundos cortes realizados no período. Referindo- se à severidade destes cortes afirma com razão o Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira (ECIB, op. cit.) que em muitos casos: “a sobrevivência implicou a rápida implementação de ajustes - vários deles cirúrgicos, abruptos e emergenciais... “.
  • 13
    Proença, Adriano, “Projeto Modernização Industrial e Desenvolvimento de Recursos Humanos: Um Estudo de Prospecção na Indústria Brasileira: Relatório J “, mimeo., BNDES, Jun. 1994.
  • 14
    Fleury, Paulo, “Ambiente Econômico e Resposta Empresarial: O Ajuste da Indústria Brasileira nos Anos 90”, lldes, FFE, Policy Paper, nº 19, 1996.
  • 15
    Exame, 5 de Julho de 1995.
  • 16
    Esta é um a aplicação singular da noção mais geral de uma economia (em vários sentidos) “ travada”, em decorrência da alta inflação crônica. Castro, Antonio Barros de, “O Paradoxo do Desajuste na Estabilidade”, em João Paulo dos Reis Velloso (o rg.), O Real e o Futuro da Economia, José Olympio, 1995.
  • 17
    Exame, 12 de abril de 1995. Ver também 24 de fevereiro de 1999, p. 68.
  • 18
    Sobre o (mutável) status das filiais, vide Ferdows, Kasra, “ Making the Most of Foreign Factories”. Harvard Business Revie, março e abril de 1997.
  • 19
    Fleury, Afonso. “The Changing Pattern of Operation Management in Developing Countries. The Case of Brazil”. international Journal of Operation and Production Management. vol. 19, nº 5, 1999.
  • 20
    Exame, 1 de julho de 1998; Exame, 27 de janeiro de 1999.
  • 21
    Sobre o potencial de (rápida ) convergência (catch up) vide “ Catching Up, Forging Ahead, and Falling Behind “, de Abramovitz, Moses. Journal of Economic History, junho de 1986
  • 22
    A súbita derrota da inflação alta e crônica mediante um plano como o Real deveria levar, no meu entender, a uma situação eufórica, referida no texto apresentado ao VI Fórum Nacional (abril de 1994) como “festa da estabilização”. Castro, Antonio Barros de, “Estabilização, Crescimento e Política Industrial”, em Velloso, João Paulo dos Reis (org.), Estabilidade e Crescimento. Os Desafios do Real. José Olympio, 1994.
  • 23
    O texto acima, é parte integrante da estilização de uma economia longamente submetida a uma inflação alta e instável presente em Castro, Antonio Barros de, Estabilizar e Crescer: O Paradoxo do Desajuste da Estabilidade, op. cit., p. 69.
  • 24
    Exame, 5 de julho 1995.
  • 25
    Um caso à parte é o das indústrias capital intensivas e processadoras de produtos primários (tipo petroquímica), até então dotadas de vantagens competitivas vis-a-vis o mercado doméstico, que não tinham por que ampliar a importação de insumos ou equipamentos, e que pela primeira vez passavam a enfrentar a concorrência de produtos importados. Vide, adiante, algumas considerações sobre setores singulares.
  • 26
    Os levantamentos foram feitos pela Securities Date e pela KPMG e a citação provém do texto do IEDI Indústria e Desenvolvimento..., já anteriormente citado. Para um balanço das fusões e aquisições ocorridas na década e, em particular, das mudanças no controle societário das 100 maiores empresas, vide· Siffert Filho, Nelson e Souza e Silva, Carla: “Grandes Empresas nos Anos 90: Respostas Estratégicas a um Cenário de Mudanças”, em Giambiagi, Fábio e Moreira, Maurício Mesquita (orgs.), A Economia Brasileira nos Anos 90, BNDES, 1999.
  • 27
    CNI/CEPAL, Investimentos na Indústria Brasileira 1995/1999. Rio de Janeiro, 1997. Veja-se também Castro, Antonio Barros de “Limitações e Potencialidades da Nova Safra de Investimentos” em Mineiro, Adhemar dos Santos, Elias, Luiz Antonio e Benjamin, César, (orgs.) Visões da Crise, Contraponto, 1998.
  • 28
    Quanto ao preços dos equipamentos veja-se Souza, Francisco Eduardo Pires, “O Investimento Antes, e Depois do Plano Real”, em O Real o Crescimento e as Reformas, de Velloso, João Paulo dos Reis (org.). José Olympio, 1996. Vide também Relatório McKinsey, Productivity - The Key to an Accelerate Development Path for Brazil, McKinsey Global Institute, 1998, Sumário Executivo.
  • 29
    Proença, Adriano e Caulliraux, Heitor, “Estratégias de produção na indústria Brasileira: Evolução Recente”, em Velloso, João Paulo dos Reis, org, Brasil, Desafios de um País em Transformação, José Olympio, 1997.
  • 30
    Proença, Adriano e Caulliraux, Heitor, “Estratégias de produção na indústria Brasileira: Evolução Recente”, em Velloso, João Paulo dos Reis, org, Brasil, Desafios de um País em Transformação, José Olympio, 1997.
  • 31
    Para uma visão alternativa, pela qual se crê que “os impactos da abertura foram, de maneira geral, na direção esperada e desejada”, ou seja, “em linha com a disponibilidade de recursos no país”, enquanto a proteção anterior “favoreceu particularmente setores que demandavam recursos escassos no país”’, vide Moreira, op. cit., pp. 294 e 329.
  • 32
    Sabóia, João. “Desconcentração Industrial no Brasil. Um Enfoque Regional”. Pesquisa e Planejamento Econômico, abril de 2000.
  • 33
    Vide Uderman, Simone, “Perspectivas Industriais, em Tendências da Economia Baiana”. Secretaria do Planejamento, Ciência e Tecnologia, 2000. É interessante acrescentar, a propósito da Ford, que esta empresa parece ser um caso limite, no passado recente, no tocante à perda de espaços, à desatualização de produtos, e outros desacertos. Grandes avanços verificaram-se também em estados como o Paraná e o Rio Grande do Sul. Quanto a este último caso, vide “O Mapa dos Novos Investimentos do Rio Grande do Sul”, Secretaria de Estado da Coordenação e Planejamento, 1998.
  • 34
    Vide Katz, Jorge, Reformas Reestruturales Productividad y Conduta Tecnológica en América Latina, CEPAL- Fondo de Cultura Economica, México, 2000. O autor supõe no texto que o ocorrido em outras economias latino-americanos também se verificaria no Brasil - mas as evidências contrárias vêm se acumulando de forma inequívoca.
  • 35
    Bekerman, Marta, e Sirlin, Pablo, “Impactos Estáticos y Dinámicos del Mercosur. El Caso del Sector Calzado”. Revista de la CEPAL
  • 36
    Tadini, V. “Perspectivas do setor de bens de capital sob encomendas no Brasil “. Trabalho apresentado ao V Fórum Nacional, São Paulo, 1993
  • 37
    Bernardes, Roberto, Embraer elo entre Estado e Mercado. ED. Hucitec, Fapesp. 2000.
  • 38
    3’ Veja-se o interessante estudo de Lins, Hoyêdo Nunes, sobre 20 pequenas e médias empresas catarinenses. Do autor, “Pequenas e Médias Empresas Fabricantes de Bens de Capital Frente às Mudanças da Economia Brasileira. Revista Análise Econômica, ano 18, nº 34.
  • 39
    Só recentemente ficou clara a divergência entre as experiências brasileira e argentina. Para uma apreciação do quadro argentino antes de evidenciar-se o contraste aqui assinalado, veja-se Kossakof, B. Corporate Strategies under Structured Adjustments in Argentina, Nova York, Sr. Martin’s Press, 2000.
  • 40
    Lal, Sanjaya, Políticas de Ciencia, Tecnologia e Innovación, op.cit.
  • 41
    Uma ampla discussão do tema é feita por Carvalho, Paulo Gonzaga Mibielli em “As Causas do Aumento da Produtividade da Indústria Brasileira nos Anos 90”. Tese de doutoramento, Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2000.
  • 42
    Minha referência é aqui exclusivamente à produtividade do trabalho. Não vejo por que ter em conta dados relativos à chamada produtividade total do trabalho, que além de requerer séries de dados “capazes de deixar qualquer purista louco” (Solow), enfrentam imensas dificuldades no plano conceitual. Basta, aliás, observar o grau de discrepância nos resultados obtidos, para suspeitar da pouca validade deste tipo de informação. Ver Felipe, J., “Total Factor Productivity Growth in East Asia: a Critical Survey” Journal of Development Studies, vol. 35, n. 4, 1999.
  • 43
    Relatório McKinsey, op. cit., Synthesis and Implications, p. 5.
  • 44
    Exame, 09/09/98
  • 45
    A borda do precipício era visualizada por alguns - e parece ter sido (antecipadamente) explicitada por exemplo pela direção da Gradiente. Após três anos consecutivos de prejuízos, fontes da empresa declaram que as importações estavam sendo fortemente incrementadas. Exame, 10/11/93, pp. 66-7.
  • 46
    Coutinho, Luciano, “A Especialização Regressiva: um Balaço do Desempenho Industrial Pós-Estabilização”. Em Brasil, Desafios de um País em Transformação, op. Cit
  • 47
    Fleury, Paulo e Arkader, Rebecca, op. cit. e Proença e Caulliraux, 1997.
  • 48
    Como bem se sabe, não foi desprezível ou raro o apoio de políticas públicas às empresas. Ocorre, porém, que, especialmente no que toca a iniciativas federais, elas tenderam a ocorrer cm caráter excepcional e em meio a crises - o que certamente não condiz com políticas voltadas para a inovação, por natureza não emergenciais e de longo pra zo.
  • 49
    Exame, 4/10/00. O que está sendo dito pelo líder empresarial é que há que buscar os parâmetros de excelência consagrados lá fora, e aplicá-los com disciplina e determinação.
  • 50
    Quanto ao último ponto, a importância da renovação da pauta de produtos, viemos em boa medida a convergir com Carvalho e Bernardes, que a consideram “a mais importante” característica da conduta das empresas na amostra por eles estudada. Carvalho, Ruy de Quadros e Bernardes, Roberto, em Cambiando con la Economía: La Dinamica de Empresas Líderes en Brasil. Grandes Empresas y Grupos Industriales Latinoamericanos. Siglo Veintuno editores/CEPAL, 1·Edição, 1998. Devo acrescentar que a compreensão deste fato alterou meu entendimento do ocorrido com as empresas - e me levou a abandonar a metáfora do “entrincheiramento”, até então por mim empregada, e que me parece hoje demasiado estática. Castro, Antonio Barros de. “Indústria: o Crescimento Fácil e a Inflexão Possível”. em A Crise Mundial e a Nova Agenda de Crescimento, em Velloso, João Paulo dos Reis (org.), José Olympio, 1999.
  • 51
    Veja-se Peteraf, Margaret, “The Cornerstones of Competitive Advantage: a Resourse-Based Perspective” e Rumelt, Richard, “Towards a Strategic Theory of the Firm”, em Resources Firms and Strategies, de Foss, Nicolai, (ed.), Oxford, Universiry Press, 1997.
  • 52
    Revista Exame, 29/07/98. Advirta-se, adicionalmente, que ao contrário do ocorrido entre 94 a 96, no ano acima considerado (1998), só encontramos registro na imprensa de uma empresa denunciando a insustentabilidade do câmbio - e isto parece estar associado ao fato de que esta empresa (Siemens) pretendia ampliar substancialmente suas exportações a partir da base brasileira, o que era inequivocamente dificultado pelo câmbio vigente.
  • 53
    Os dados foram elaborados por Carvalho, Paulo Gonzaga, a partir da metodologia desenvolvida em “ Made in Brazil. Desafios Competitivos para a Indústria”, de Ferraz, João Carlos, Kupfer, David e Haguenauer, Lia. Campus, 1996.
  • 54
    É óbvio que o valor agregado por operador, na fabricação, pode variar, enormemente, em função do grau de automação adotado pela empresa. Convém também advertir que determinadas empresas se notabilizaram por transformar a fábrica em laboratório. Neste tipo de empresa a fabricação inclui grande parte da inteligência nela exercida - e não caberia supor que o valor agregado por funcionário de fábrica fosse inferior. Um bom exemplo é a Chaparral. Ver Leonard-Barron, Dorothy, “The Factory as a Learning Laboratory”. Sloan Management Review. Fall 1992, pp. 23-38.
  • 55
    Esta questão foi levantada por Furtado, João, em “La Transformation des Conditions d’ Insertion des Economies à Industrialization Tardive dans l’Economie Mondiale”. Tese de doutoramento, Paris XIII, 1997.
  • 56
    A Philips do Brasil, por exemplo, decidiu, em 1997, acabar com o desenvolvimento local de produtos. Exame, 23/8/2000.
  • 57
    Fleury, Afonso e Fleury, Maria Tereza, Estratégias Empresariais e Formação de Competências, capítulo 5, Editora Atlas S.A., 1999.
  • 58
    Castro, Antonio Barros de, “Renegade Development: Rise and Demise of State Led Development in Brazil, em Democracy. Markets, and Structural Reforms in Latin America. Smith, William, Acuña, Carlos e Gamarra, Eduardo (orgs.), Transaction Publishers, 1993.
  • 59
    Fajnzylber, Fernando, “ Progresso Técnico, Competitividade e Mudança Institucional”. Em Reis Velloso, João Paulo dos, A Nova Ordem Internacional e a Terceira Revolução Industrial. Fórum Nacional, Como Evitar uma Nova Década Perdida. José Olympio, 1992
  • 60
    Um porta-voz da empresa gaúcha Azaléia resumiu a vulnerabilidade da opção (predominantemente) produtivista com um contundente argumento: “ eficiência operacional hoje é pressuposto”... “é como visto para entrar nos Estados Unidos “. Exame, 24/8/97.
  • JEL Classification: L11; L16; L20.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2001
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