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Mudança em tempos de globalização: o capitalismo não é mais progressista?

Change in times of globalization: is capitalism not progressive any more?

Resumo

Technical progress and economic development are promotions of capitalism, says a well known idea hereby contradicted. Recent changes under neoliberalism show that the more freedom of move to capital the less development of productive forces. There was no synchronicity and coherence fostering economic growth between changes at the micro level of techno-productive and managerial innovations and the ones at the macro level of institutional structures and economic policy. Empowerment of finance capital and monopolies got them opportunity to control the state and set its economic policy to support fictitious capital accumulation and to rule restructuring of corporate management. Surplus redistribution favoring finance capital is a burden to be carried on the back of society's productive structures, lowering investment, employment and growth. Focusing Latin America and Brazil, the same picture is seen, worsened by external fragility that deepens historical dependency.

Development; Economic Change; Productive Forces; Neoliberalism; Brazilian Economy


Development; Economic Change; Productive Forces; Neoliberalism; Brazilian Economy

ARTIGO

Mudança em tempos de globalização: o capitalismo não é mais progressista?

Change in times of globalization: is capitalism not progressive any more?

José Ricardo TauileI; Luiz Augusto E. FariaII

IProfessor do Instituto de Economia da UFRJ. E-mail: tauile@ie.ufrj.br

IIEconomista da Fundação de Economia e Estatística, FEE, e Professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS. E-mail: lufaria@ufrgs.br

ABSTRACT

Technical progress and economic development are promotions of capitalism, says a well known idea hereby contradicted. Recent changes under neoliberalism show that the more freedom of move to capital the less development of productive forces. There was no synchronicity and coherence fostering economic growth between changes at the micro level of techno-productive and managerial innovations and the ones at the macro level of institutional structures and economic policy. Empowerment of finance capital and monopolies got them opportunity to control the state and set its economic policy to support fictitious capital accumulation and to rule restructuring of corporate management. Surplus redistribution favoring finance capital is a burden to be carried on the back of society's productive structures, lowering investment, employment and growth. Focusing Latin America and Brazil, the same picture is seen, worsened by external fragility that deepens historical dependency.

Key-words: Development; Economic Change; Productive Forces; Neoliberalism; Brazilian Economy.

JEL Classification: P17; O49; B15

Finalement, l'erreur de Max Weber me parait dériver essentiellement, au départ, d'une exagération du rôle du capitalisme comme promoteur du monde moderne.

Fernand Braudel

INTRODUÇÃO

Desde o final dos anos 1970 do século passado, as palavras crise, reestruturação e mudança têm tido presença constante no discurso e na produção científica dos economistas. Os processos de produção têm sido transformados; novos produtos em que se materializa a riqueza gerada têm sido inventados, produtos estes cada vez mais imateriais, que se extinguem na prestação de um serviço qualquer, de uma riqueza cada vez mais efêmera. As novas formas de distribuição seguem percursos cada vez mais longos; para alcançar sua plena realização a riqueza precisa percorrer as distâncias de vários continentes e, no entanto, em contraste com a crescente amplitude dos espaços pelos quais essa riqueza se espraia, a oportunidade de alcançar a sua posse se reduz a um número cada vez menor de mãos.

Entretanto, o conjunto de transformações em curso no capitalismo contemporâneo não deu início a uma nova fase de crescimento econômico generalizada em todos os lugares que compõem a "economia-mundo" contemporânea. Antes, parece que o desenvolvimento é, desde os anos 1980, um fenômeno restrito a uma parte do continente asiático e aos ciclos de endividamento estatal e das famílias que têm resultado em bolhas de crescimento na economia líder, os EUA. Europa, América Latina, África e a porção mais ocidental da Ásia vêm apresentando nos últimos 25 anos um desempenho aprisionado entre estagnação e baixo crescimento. Além disso, os resultados do funcionamento "natural" ao mercado auto-regulável, a concentração da riqueza e do poder econômico e seu "outro", a exclusão e a miséria, a destruição dos recursos naturais e das formas de subsistência das comunidades humanas vêm se acumulando de forma assustadora, tingindo de cores sombrias o horizonte histórico.

O presente texto vai investigar as determinações que estão por trás dessa "destruição não criadora". Por que razão o conjunto de inovações das tecnologias de informação e comunicação e os ganhos de produtividade dela decorrentes não deram lugar a uma nova idade de ouro capitalista? O que explica essas transformações se terem generalizado sem, no entanto, proporcionarem a restauração das taxas de lucro e gerarem uma nova onda de investimentos, alargando os horizontes da acumulação de capital? Mais, até que ponto a inadequação da ação do Estado e sua política econômica são responsáveis por essa situação?

A resposta a essas indagações só pode ser buscada numa perspectiva histórica; suas raízes se situam no plano do que Braudel chamava "a longa duração". Acreditamos que para poder compreender esta realidade seja preciso elevar-se um pouco acima da forma de ver usual dos economistas, com seu viés de separar os fenômenos e suas explicações em duas classes de determinações dicotômicas, a micro e a macro.1 1 O esforço realizado pela corrente principal da teoria econômica em sua busca pelos "microfundamentos" é completamente inútil na medida em que seu objetivo é, de fato, abolir a macroeconomia. Esta posição implica não apenas reconhecer a existência do fenômeno da emergência de novas propriedades na passagem de plano um a outro (Hodgson, 1997), mas buscar na determinação dos processos concretos de mudança social a dialética que une e opõe o micro e o macro.

1. O CAPITALISMO E A MUDANÇA

1.1. Será o capitalismo o promotor da mudança?

O termo capitalismo está associado ao sistema econômico baseado em relações de produção com emprego de trabalho assalariado e regulado pelo mecanismo de mercado. Marx descreveu duas características singulares desse sistema. Primeiro, o fato de estar voltado à busca do valor em sua forma abstrata, da riqueza por si mesma, cuja relação com as necessidades ou a subsistência da sociedade é assessória; o objetivo do sistema é produzir valores de troca para os quais os valores de uso são mera contingência. A segunda característica é que a produção desses valores se dá por iniciativas autônomas de seus participantes, cuja coerência para o sistema resulta da vigência da lei do valor que dirige a concorrência entre os diversos agentes e coordena o funcionamento do mecanismo de mercado auto-regulável.

Marx também chamou atenção para a natureza revolucionária do capitalismo. Na busca sem fim pela valorização, o capital penetra a esfera da produção onde subordina o trabalho. Entretanto, é da sua índole nunca ficar satisfeito com a mais-valia que desse pode extrair, em razão do que impõe aos processos de produção um regime de permanente mudança de suas técnicas e artes no sentido de fazê-los produzir cada vez mais em menos tempo e, com isso, ampliar o valor do excedente gerado, numa perseguição permanente do lucro extraordinário. O processo é infinito, não só pela compulsão por valorizar a mercadoria cada vez mais, mas também porque o mercado auto-regulável se encarrega de difundir a inovação entre todos os participantes, o que faz desaparecer o lucro extraordinário e repõe a necessidade de reencontrá-lo por meio de nova invenção. E o processo é contraditório, na medida em que dele resulta um ritmo de acumulação de capital que periodicamente suplanta a capacidade que a sociedade tem de assimilá-lo: o capital torna-se excedente, sua taxa de lucro declinante até o ponto em que uma parte dele chega a se desvalorizar, depois do que tudo começa outra vez em um novo ciclo de expansão, como se o progresso das forças produtivas fosse o fim último do capitalismo. Ele é, isto sim, um meio apenas, a base material do processo de valorização; o valor de uso é mero suporte do valor.

Karl Polanyi pode ser tomado como um contraponto a essa visão otimista de Marx de um capitalismo que promove o progresso das forças produtivas e é capaz de reagir às suas contradições. Para Polanyi, o capitalismo se confunde com a tentativa de organizar a sociedade sob o comando do mecanismo de mercado auto-regulável, o que ele descreve como uma utopia. A força da metáfora do moinho satânico está justamente em negar a possibilidade de uma sociabilidade mercantil. Essa sociabilidade permaneceu, necessariamente, sempre incompleta, pois para que o mercado pudesse existir, foi preciso afastar e proteger a sociedade de suas conseqüências deletérias e fazer com que outros mecanismos dessem conta de garantir a subsistência e a solidariedade entre os seus membros, no que a ação do Estado foi, e permanece sendo, imprescindível.

Para ele, o progresso técnico que implicou a produção através de máquinas, implicou adicionalmente "uma transformação que é a da substância natural e humana da sociedade em mercadorias. (...) Obviamente, a desarticulação causada por tais engenhos deve desorganizar as relações humanas e ameaçar de aniquilamento o seu habitat" (Polanyi, 1944, p. 61). Em outras palavras, o ingresso do capital na esfera da produção, que veio a produzir o fenômeno da industrialização, exacerbou o lado anti-social do mercado, pois aos efeitos da dissolução dos mecanismos solidários de provimento de subsistência, substituídos pela competição e pela necessidade de comprar essa subsistência no mercado, vieram se somar os efeitos sobre o homem e sobre a natureza, da mecanização e da automatização do processo de trabalho com uso abusivo de recursos naturais.

Também Braudel pode ser visto como compartilhando do pessimismo de Polanyi, na medida em que não via no capitalismo a origem do movimento pelo desenvolvimento das forças produtivas. Em sua concepção, o capitalismo é antes uma relação de poder do que um modo de produção, uma relação de poder baseada na posse da riqueza e que tem o aumento dessa mesma riqueza como seu fim. Nesse sentido, o controle sobre os processos de produção da riqueza é melhor exercido de forma indireta e o lugar ideal do capitalismo é o da circulação da riqueza, de suas metamorfoses em direção à sua forma ideal, o dinheiro. E é nesse sentido, também, que o capitalismo é o lugar do antimercado, na medida em que sua busca (imanente) é a do lucro extraordinário, das rendas no dizer dos economistas, que são a negação do lucro médio resultante do regime de concorrência sob o qual opera o mecanismo de mercado. É por isso que, criticando Schumpeter, Braudel disse não crer no empresário como deus ex machina, mas sim que o movimento de conjunto era o fator determinante. Em suas palavras,

"Se, de ordinário, não se distingue capitalismo e economia de mercado, é porque um e outro progrediram na mesma cadência, da Idade Média aos nossos dias, e porque se apresentou freqüentemente o capitalismo como motor ou apogeu do progresso econômico. Na realidade, tudo é transportado nas costas enormes da vida material: ela incha, tudo avança rapidamente; a própria economia de mercado incha à sua custa num abrir e fechar de olhos, amplia suas ligações. Ora, dessa extensão, dessa ampliação, o capitalismo é sempre o beneficiário"(Braudel, 1985, p. 54, grifos nossos).

O desenvolvimento das forças produtivas e a inovação que lhe é inerente têm sua origem na vida material, na iniciativa dos indivíduos vinculados a um processo de produção específico com vistas a melhorá-lo, reduzindo os esforços e requisitos necessários à produção. Num segundo momento, essa inovação se dissemina por meio do mecanismo de mercado, que difunde a informação e induz à sua repetição por outros produtores. No final do processo, a riqueza da sociedade fica maior, aumentando a parcela apropriada pelos capitalistas que dominam os fluxos de circulação do valor, as redes pelas quais a riqueza se movimenta.

Da perspectiva de Braudel decorre que o progresso material, embora seja o melhor dos ambientes, não é condição necessária à existência do capitalismo nem resulta de um movimento originado neste. Essa assertiva aparentemente está em contradição com Marx em sua análise da relação do capitalismo com o progresso técnico. Na verdade, Marx analisou nesse particular o ingresso do capital na esfera da produção, seu controle sobre a vida material, mas sempre chamou a atenção para a necessária sucessão de metamorfoses das diversas formas do valor. Daí que o capital é uma "relação social" e é o "valor que se valoriza" (Marx, 1867). Sua análise da chamada "acumulação primitiva" pode ser interpretada como um esforço de demonstrar como o capital é precedente a essa sua forma produtiva. E, mesmo quando as economias subjacentes da vida material não progridem, o capitalismo não deixa de ser o maior beneficiário. É essa a conclusão de Arrighi quando, seguindo Braudel, descreve a dominação financeira como característica das fases de perda de dinamismo da expansão material, o momento de declínio de um ciclo sistêmico de acumulação. Mesmo que o ritmo da acumulação da riqueza se reduza, a exuberância da alta finança aparece como ainda maior, em suas palavras, como um "momento mágico".

Outra aparente oposição de Braudel a Marx está na afirmação de que "o capitalismo é o lugar do antimercado", que soa como uma negação da lei do valor e de toda a construção teórica em torno dos esquemas de reprodução como representando a possibilidade da existência de um sistema econômico regulado pelo princípio da concorrência. Na verdade, Braudel está chamando atenção para uma realidade a que o próprio Marx faz referência em inúmeras passagens, de que o lucro médio é uma tendência quando a concorrência prevalece, mas que o móvel dos capitalistas é o lucro extraordinário e seu intento é exatamente o de se opor à concorrência e buscar o monopólio e a proteção do Estado, o caminho mais seguro para o lucro extraordinário.

As duas formulações não são contraditórias porque foram feitas em planos diferentes e com objetivos diversos. Marx trabalhou no plano abstrato, queria explicar o resultado lógico do funcionamento do mecanismo de mercado auto-regulável e da concorrência, fazendo o fechamento teórico do modelo da economia política clássica, da transformação do valor em preço de produção, e de como nesse processo se materializava a exploração do trabalho e se endogeneizava o progresso técnico. Já o plano de Braudel foi o da história, onde buscou dar conta dos resultados concretos da ação do capitalismo sobre a vida das sociedades por ele dirigidas ou influenciadas. E os fatos colecionados dos relatos da história falam da freqüência com que a concorrência foi violada, os preços administrados, as posições de monopólio alcançadas, os lucros extraordinários auferidos, quase sempre com a ajuda da interferência dos governantes advogando os interesses particulares de seus aliados. Na história, o capitalismo é e sempre foi o antimercado, a negação da lógica intrínseca do sistema visto em sua abstração. E, no entanto, o sistema apenas existe, se reproduz (nos termos de Marx), porque essa tentativa de abolir a concorrência e alcançar o monopólio nunca se realiza plenamente, da mesma forma que a busca de se fundir completamente com o Estado e, assim, aboli-lo, também nunca se completa.

1.2. Poder e riqueza

Se a natureza do capitalismo é essa, a problemática de Polanyi soa mais do que apropriada, pois não é nada trivial que a sociedade tenha sobrevivido, submetida a um sistema tão destrutivo. A uma conclusão semelhante haviam chegado os membros do parlamento inglês após o trabalho dos inspetores das comissões de inquérito que investigaram a situação da classe trabalhadora sob o regime fabril, trabalho relatado por Marx no admirável capítulo VIII de O Capital: se o trabalho produzia a riqueza da nação, sua dilapidação pela submissão a condições de superexploração resultaria em ruína de toda a sociedade. As conseqüências legislativas do debate parlamentar de meados do século XIX acabaram por produzir o contra-movimento que permitiu à sociedade sobreviver à invasão pelo capitalismo da esfera da vida material, através da edição de uma sucessão de leis que restringiam as tendências imanentes do sistema econômico dirigido pelo mercado.

O movimento de proteção da sociedade face ao desenvolvimento do capitalismo tivera um antecedente na iniciativa, relatada por Polanyi (1944), dos Tudor e dos primeiros Stuarts, diante das mazelas sociais decorrentes da "revolução dos ricos contra os pobres", que representaram os cercamentos durante os séculos XVI e XVII. Entretanto, foi a partir dos anos 30 do século XX que o fantasma da Grande Depressão fez com que a natureza anti-social do capitalismo passasse a ser sistematicamente tratada como um problema de Estado. Ou, dito de outra forma, que não apenas a proteção às vítimas do mercado, mas também a inclusão social, através da erradicação da miséria, e a seguridade social fossem asseguradas pela ação do Estado, por meio da construção de um arranjo institucional que regulasse o mercado e impedisse que os impulsos mais deletérios do capitalismo se concretizassem. Os pactos políticos que asseguraram o New Deal nos EUA e as políticas redistributivas da social-democracia na Europa pareciam capazes de superar a contradição entre acumulação de riqueza e estabilidade social, inaugurando um novo estágio do desenvolvimento do capitalismo nos marcos do que Keynes chamou de "nossa economia social de mercado". Em oposição à utopia liberal, a idade de ouro do fordismo parecia ser o futuro de um capitalismo em tudo dessemelhante a si mesmo, onde o interesse privado tornara-se subordinado ao bem-estar coletivo.

A crise que se manifesta de forma inequívoca na década de 1970 e a reação neoliberal dos anos 1980, com seu espírito de vingança do capital contra a classe trabalhadora, deram uma outra perspectiva histórica a partir da qual se pode avaliar o significado do fenômeno da inclusão social do capitalismo regulado e fordista. Antes de caracterizar os marcos de uma reconciliação do mercado com a sociedade, através da domesticação de seus impulsos anti-sociais e da inauguração de um novo horizonte de desenvolvimento duradouro, uma nova era e um novo rosto para a economia, esse período aparece como um fenômeno único e datado, logo superado pelo reencontro do capitalismo consigo mesmo, como a mais formidável máquina de dominação social que a história humana pôde produzir.

A partir de então, o caráter concentrador, excludente e iníquo dessa forma de (des)organização social se reafirmou com toda força, como os indicadores socioeconômicos mundiais têm mostrado, como uma dispersão crescente nas trajetórias de desenvolvimento das diversas regiões do planeta e um aumento das distâncias entre as classes sociais. A esse aumento de desigualdade, entretanto, não correspondeu um aumento significativo da riqueza, como seria de se esperar da natureza desse sistema econômico tal qual o viram Adam Smith e Marx em seu otimismo progressista2 2 Em sua aguda percepção da natureza da economia capitalista, Adam Smith apontou seu caráter concentrador da riqueza. A absolvição moral do sistema justificava-se, para o pensador escocês, em razão de sua índole progressista, a partir da qual seus continuados ganhos de produtividade poderiam erradicar a pobreza e elevar o padrão de bem estar da população para níveis inimagináveis em outras eras (Smith, 1776). . O que estes 25 anos de uma liberdade de ação tão ampla que o capital experimentou em poucos momentos de sua história apresentam nessa direção é pífio se comparado à exuberância do crescimento, sob condições estritamente reguladas, das três décadas anteriores, inclusive em sua versão de capitalismo de Estado na antiga URSS. A ressurgência do capitalismo, vingando Marx como referiu Desai (2002), mesmo transcorrendo em um momento com todas as características daquelo que Milton Santos (1994) chamou de aceleração, de intensa mudança técnica e social, quando avaliada por seu indicador mais importante, aquele que é a medida do fim último do sistema, o ritmo do crescimento da riqueza, nega a perspectiva otimista a respeito de seu caráter promotor do progresso material.

Desde que a avalanche política neoliberal varreu o mundo e as economias nacionais começaram a ser desreguladas e dirigidas por um padrão de política econômica que apresenta pouca variação em torno dos dogmas liberais, parece restrito a uma parcela do continente asiático. Como o crescimento experimentado chamou a atenção Leite (2004), dos doze países em desenvolvimento que cresceram mais do que 4% ao ano no período, dez eram asiáticos e implementavam políticas econômicas protecionistas e de forte orientação corporativa em favor de seus oligopólios e cartéis nacionais. E mesmo assim, salvo algumas exceções, como Coréia do Sul e Formosa, onde há crescimento neste começo do século XXI, seu efeito de inclusão é muito fraco, como mostram os grandes exemplos da China, onde a desigualdade é crescente, ou da Índia, onde a pobreza é crescente.

Nosso argumento, e isso vai ficar mais claro na terceira parte do trabalho, quando tratarmos com mais atenção do caso brasileiro, é que não há sincronia e coerência no sentido do desenvolvimento entre as transformações em curso no plano micro da inovação técnico-produtiva e organizacional e aquelas do plano macro, das estruturas institucionais e das políticas econômicas. Mais ainda, se a mudança no plano macro é claramente contrária ao crescimento e ao emprego, o que está ocorrendo no plano micro apresenta tendências opostas. De um lado a revolução tecnológica iniciada nos anos 1980 representa um forte estímulo ao crescimento da riqueza real, enquanto as inovações gerenciais da nova governança corporativa promovem a valorização dos ativos e sua rentabilidade em detrimento do crescimento das firmas3 3 Não por acaso uma das estratégias generalizadamente adotadas tem o sugestivo apelido de downsizing. . E isso é resultado da hegemonia do capital dinheiro, do controle exercido pela alta finança sobre as estruturas e sobre o comportamento dos agentes cuja ação impõe o ritmo da atividade no plano micro, o que imprime aos movimentos dessas estruturas e à ação dos agentes um sentido que contraria e bloqueia o desenvolvimento das forças produtivas.

As razões desse bloqueio decorrem de três movimentos em curso desde os anos 1980. O primeiro é a já mencionada ofensiva contra o trabalho, que tem como principais medidas a desregulamentação do mercado de trabalho, a redução dos padrões de seguridade social, o cerco ao movimento sindical, a convocação de um novo lumpemproletariado (imigrantes, mulheres em tempo parcial, etc.) e a relocalização da atividade para auferir vantagens do custo diferente da mão-de-obra. Essa ofensiva colocou na ordem do dia a possibilidade de ampliação da mais-valia absoluta, na medida em que tanto reduziu o valor da força de trabalho empregada como possibilitou a extensão da jornada de trabalho e a intensificação do processo de trabalho pela adoção de expedientes como metas de produção ou salário por peça. Essa possibilidade gerou um poderoso estímulo a que a incorporação do progresso técnico em busca de elevação da produtividade e, em decorrência da obtenção de mais-valia relativa, perdesse atratividade.

O segundo movimento responde pelo fenômeno da financeirização, o enorme crescimento das oportunidades de acumulação de capital fictício com seus ganhos sobre o fluxo da riqueza (e diferentes formas de apropriação da mais-valia através da intermediação financeira) e sobre seu estoque, via mudança na propriedade de ativos. Dessas novas oportunidades se sobressai o comércio de moedas (arbitragem cambial), o comércio de dívidas (privadas e, principalmente, públicas) e as privatizações de empresas públicas ou de concessões de seus serviços. Os ganhos possíveis nessas atividades representam, neste momento, a "zona do alto lucro" onde o capital deseja estar e por isso ele se distanciou da esfera da produção, ficou retido em sua forma líquida ideal. As poucas oportunidades de investimento de risco que podem prometer lucros extraordinários (telecomunicações, informática, biotecnologia) são até o presente insuficientes para produzir impactos de crescimento capazes de emular o conjunto da estrutura produtiva.

E o terceiro movimento, talvez o mais importante, é o controle sobre a gestão da política econômica e aditado de seus objetivos. Por um lado o uso das metas de inflação visa preservar o valor na sua forma hegemônica, a forma dinheiro. Por outro lado, a adoção de estrita fiança em relação à solvência da dívida pública e ao retorno dos créditos emprestados ao Estado garante um fluxo de parte do excedente arrecadado na forma de impostos em favor desses credores.

Além de controlar a política econômica, o capital induziu que fosse adotada pelo Estado a agenda de um conjunto de reformas institucionais, aplicada pelos governos por reivindicação da alta finança com vistas a ampliar seu espaço de atuação, a exemplo da flutuação das taxas de câmbio e da liberdade de movimentação internacional para as inversões financeiras. Particularmente relevante ao nosso argumento foram as iniciativas de privatização, especialmente de serviços de utilidade pública, pois representam uma oportunidade de renda de monopólio vitalícia para o capital a elas vinculado, uma oportunidade única de avançar na mais-valia global da economia através do sistema de preços. Na medida em que alcança capturar o Estado regulador, a alta finança dita as regras da formação de preços de seu monopólio concedido e, através dessas, aumenta a apropriação de mais-valia sem necessidade de assumir qualquer risco com investimento na ampliação do serviço. Nesse momento o capital se encontra em seu lugar ideal pois, como disse Braudel, "o capitalismo (...) apóia-se sempre, obstinadamente, em monopólios de direito ou de fato" (1985, p. 90).

As duas iniciativas, política econômica monetarista e reformas estruturais, são reveladoras do grau de simbiose alcançado na relação entre a alta finança e o Estado, e que tem no neoliberalismo sua ideologia. O ambiente macroeconômico resultante das opções políticas tomadas, especialmente as mudanças nas estruturas institucionais da regulação, com as múltiplas oportunidades de rentismo financeiro criadas, representam uma espécie de tributo sobre a vida material e sobre a economia de mercado das sociedades a eles submetidos que sufoca a capacidade de expansão produtiva, submetida a esse peso do plano macro.

A hegemonia financeira veio imprimir à ação dos agentes no plano micro um padrão de comportamento que se generalizou desde a década de 1980 sob a consigna da reestruturação produtiva e teve dois resultados absolutamente contrários ao crescimento e ao emprego por seus efeitos sobre as duas variáveis decisivas, a produtividade e o investimento. O primeiro foi a forma como os resultados da revolução técnico científica do final do século XX foram traduzidos em novas tecnologias nos processos de produção e em novos produtos com capacidade de ampliar os mercados de bens e serviços. A adoção de inovações do campo da microeletrônica, da comunicação e informação, da biotecnologia ou dos novos materiais pelas firmas em todos os setores da atividade econômica resultou em uma retomada dos ganhos de produtividade que vinham de um processo de declínio entre os anos 1960 e 70, no bojo da crise do fordismo, mas que, como calcularam Duménil e Lévy (2001) em relação às economias dos EUA e Europa, permanecem em média quase a metade do que haviam sido nos anos do pós-guerra4 4 A taxa de crescimento da produtividade do trabalho nos EUA foi de 2,35% a. a. entre 1948-65, parcos 0,44% entre 1965-82, crise do fordismo, e de 1,47% a. a. em 1982-97, auge da reestruturação produtiva. Uma estimativa para o Brasil apresentada na parte 3 a seguir mostra o mesmo movimento de baixos ganhos de produtividade depois de 1990, período da adoção do neoliberalismo no país. .

O segundo resultado é decorrente da mudança no foco da gestão empresarial imposta pelo neoliberalismo sob a fórmula do shareholder value: a valorização dos títulos de propriedade sobre o patrimônio das empresas e dos rendimentos deles decorrentes em benefício de seus acionistas. Em outro trabalho que faz parte de uma detalhada análise das tendências do capitalismo na era neoliberal, Duménil e Lévy (2003) mostram que o nível do investimento é um resultado direto da massa de lucros retidos pelas empresas. Ora, se a crise do fordismo tivera como elemento central a queda da taxa de lucro, sua recuperação a partir de meados dos anos 1980 se combinou com uma elevação da parcela dos lucros distribuída como dividendos de, em média, 40% entre 1950-80, quando começa a subir para atingir quase 100% no começo do século XXI. A conseqüência foi um declínio da taxa de acumulação de capital de uma média de 4 a 5% no pós-guerra para pouco mais de 1% no começo dos 1990, início de uma recuperação que se interrompe em 2000, quando nova queda levou a valores próximos a zero em 2003.

A única economia a experimentar um surto de crescimento relativamente longo (1992-2000) no período da hegemonia neoliberal foram os EUA, num movimento ligado a um aumento do consumo das famílias, especialmente as mais ricas. Mesmo assim, em média as taxas dos anos 1990 (3,0% a. a.) foram inferiores ao período 1950-69 (4,26% a. a.). O movimento fundamental promovido pela dominação da alta finança sobre a economia é de redistribuição. O aumento da taxa real de juros, do endividamento das famílias e das empresas produtivas, as privatizações de serviços de utilidade pública, os déficits públicos resultantes dos custos de suas dívidas e a política monetária que lhes favorece patrocinaram um massivo processo de concentração da renda em favor das camadas mais ricas da população, que têm na renda do capital dinheiro seu vínculo econômico principal. O alcance desse processo de redistribuição, favorecido no plano micro pela governança corporativa e no plano macro pelas reformas e pela política econômica, tirou o interesse do capitalismo pelo crescimento e pelo emprego, na medida em que, salvo poucas exceções como os monopólios de software ou de comunicações, não há muitas oportunidades de lucros extraordinários na esfera da produção. Essa é a causa da estagnação mundial e, como veremos a seguir, na América Latina e no Brasil.

2. O BRASIL E A AMÉRICA LATINA

Na América Latina e no Brasil, os ventos dessas transformações começaram a soprar quando, no começo dos anos 80 do século passado o processo de desenvolvimento por substituição de importações atingiu sua crise terminal decorrente da confluência de dois movimentos. Primeiro, o esgotamento de seu potencial endógeno, uma vez que o horizonte da acumulação de capital tornara-se estreito, seja porque a concentração da renda limitava o mercado de bens de consumo, seja porque as oportunidades de substituir importações encontravam seus limites de escala, tecnológicos e de financiamento. Em segundo lugar, a própria tentativa de estender o processo de construção de uma estrutura industrial fordista trouxera novamente à cena a fragilidade externa da economia brasileira, já que o endividamento externo decorrente ganhou contornos dramáticos em razão da guinada na política monetária dos EUA que buscava valorizar o dólar.

Uma breve incursão à história econômica do século XX ajudará a compreender o significado dessas mudanças. Um recurso tanto mais necessário quando, seja pela orientação liberal imprimida à política econômica nos últimos quinze anos, seja por algumas características que se vislumbram na mudança das relações externas da economia, ecos de um passado que o ingente esforço de pelo menos duas gerações entre aos anos de 1930 e 1980 buscava soterrar voltaram a ser ouvidos. O mais longevo dos governantes do período neoliberal anunciou, ainda em seu primeiro mandato, a intenção de, por sua vez, virar a página da era anterior, renegando seu legado e desconstruindo suas estruturas.

2.1. O capitalismo com a sua cara

Antes da mudança dos anos 1930, a economia brasileira havia sido um caso clássico de espaço sócio-econômico ocupado pelo imperialismo. Uma região fornecedora de minerais e produtos agropecuários às economias industrializadas do norte através de sistemas de produção criados na relação com essa zona central. Tais sistemas foram originalmente constituídos com base no trabalho forçado, o qual, com o fim da escravidão, foi substituído pela relação de emprego assalariado, mas preservando um grau de exploração tão elevado quanto anteriormente. O desenvolvimento desses sistemas produtivos contou com um importante fluxo de investimento estrangeiro que, se não se dirigiu diretamente às unidades de produção exportadora — cujo capital necessário fora, em larga medida, doado pelo Estado na forma da titularidade das terras produtivas —, teve papel decisivo na criação da infra-estrutura de transporte e comercialização (estradas de ferro, portos, companhias exportadoras, seguradoras, etc.). A exportação de capital, outra característica apontada pelos estudos dos clássicos do imperialismo como Lênin e Rosa Luxemburgo, esteve presente aqui.

O financiamento da expansão dessa economia e de suas compras no exterior, tão mais necessárias quando a especialização numa reduzida pauta de bens exportáveis, torna o abastecimento do mercado interno dependente das importações, foi realizado com recurso a uma crescente dívida externa, outra característica clássica do imperialismo. A dependência da oligarquia capitalista local em relação ao centro assim se aprofundava. De um lado, pela necessária realização internacional do valor e, de outro, pelo endividamento em moeda estrangeira. Daí sua qualificação na literatura como burguesia associada ou compradora e, também, sua fragilidade. Não apenas o ritmo do processo de acumulação não podia ser decidido por ela, como a mais-valia gerada sofria um duplo desconto em razão dessa associação com os capitalistas metropolitanos: uma parcela do excedente era apropriada como margem comercial sobre os produtos exportados pelos monopólios mercantis ingleses e norte-americanos e outra era subtraída na forma de juros pagos sobre a dívida externa.

Os efeitos dessa transferência para o exterior de uma parcela do excedente se somaram à instabilidade cíclica dos preços dos principais produtos exportados, da qual fazia parte uma crônica tendência à superprodução e à recorrência de crises cambiais, limitando as possibilidades do desenvolvimento local. As dimensões reduzidas do mercado interno, atrofiado pela concentração da renda, geravam escassas possibilidades de que o mecanismo de mercado tornasse possível o sucesso das iniciativas de diversificação produtiva realizadas por empreendedores nativos. A ideologia liberal, suas instituições e práticas de política econômica, que encantavam as elites ilustradas e presidiam as decisões dos governantes, mantinha as economias de todo o continente não apenas prisioneiras da dependência externa, como fadadas a um padrão de crescimento insuficiente, instável e excludente. O avanço da democracia política desde as primeiras décadas do século XX, ao cobrar seu preço em democratização da prosperidade, associado aos efeitos catastróficos sobre o setor dinâmico agro-exportador da brutal contração da demanda decorrente da Grande Depressão iniciada em 1929, derrubou as velhas repúblicas oligárquicas e abriu passo ao novo estilo de desenvolvimento que se afirmou, no Brasil, depois da Revolução de 1930.

2.2. O capitalismo "populista"

A consciência da debilidade da burguesia nacional, em razão de seus vínculos sociais, econômicos e ideológicos com as oligarquias associadas ao imperialismo, sinalizou às forças políticas que chegavam ao poder com o propósito de levar adiante um projeto de modernização e desenvolvimento nacional — que na época significava industrialização — a necessidade de fazer do Estado seu protagonista central. A base social heterogênea e, mesmo quando os governos eram autoritários ou abertamente ditatoriais (como no Estado Novo brasileiro), o alargamento dos espaços democráticos pela extensão dos direitos civis às classes populares até então excluídas e pela ampliação das garantias sociais aos trabalhadores tornaram os regimes políticos extremamente instáveis. Pela primeira vez na história, os governos se viram obrigados a negociar e fazer concessões às representações populares e a arbitrar conflitos inerentes às contradições de classe da sociedade. O Estado passou a ser permeado pelos interesses dos trabalhadores, inicialmente apenas da cidade e, na seqüência, também dos do campo. Essa foi uma mudança radical em relação à natureza das relações entre Estado e sociedade que fez desaparecer seu caráter homogêneo, estabelecido ainda na independência. Desde aquela ocasião, quando foi capturado pela oligarquia proprietária, esse Estado podia ser descrito pela conhecida figura cunhada por Marx e Engels como um comitê central da classe dominante. Os ciclos em que se sucedem momentos de relativa estabilidade democrática com golpes, quarteladas e governos autoritários iriam marcar a maior parte do século XX, particularmente os anos do desenvolvimentismo, reveladores da dificuldade e do caráter incompleto da inclusão das classes populares na vida política.

O processo de industrialização por substituição de importações como modalidade latino-americana de desenvolvimento econômico e sua correspondente política, o populismo, podem ser identificados como a tentativa de construir uma versão periférica de capitalismo socialmente inclusivo. Até que ponto essa utopia poderia ter sido concretizada não podemos saber, mas que claramente havia um movimento nessa direção, do qual o trabalhismo varguista brasileiro e o justicialismo peronista argentino foram artífices, disso não há dúvida. No entanto, as forças sociais que prevaleceram no processo moldaram as formas do que a historiografia chamou de modernização conservadora. Um processo de crescimento econômico intenso, de industrialização e de urbanização que manteve os frutos do progresso concentrados nas mãos das mesmas classes sociais, na medida em que às oligarquias estritamente rurais se sucedeu o que se poderia classificar como nova oligarquia industrial e, posteriormente, financeira. O escasso movimento de inclusão verificado, para além das novas oportunidades econômicas abertas aos tradicionais aliados da chamada classe média, ficou restrito à criação de uma pequena elite de trabalhadores em alguns dos setores mais dinâmicos da estrutura produtiva que foi sendo construída e à redução dos níveis de pobreza pela elevação da renda per capita.

A continuidade das relações sociais tão assimétricas não pode obscurecer a ruptura representada pelo novo padrão de crescimento. As estruturas econômicas locais foram reorganizadas para deixarem de ser apenas um espaço ocupado pelo capital internacionalizado, típico do imperialismo, e seguiram uma trajetória no sentido de constituírem um sistema econômico autônomo com um mecanismo de reprodução endógeno e um modo de regulação auto-referenciado. Em outras palavras, com seus esquemas de reprodução articulados em um regime de acumulação auto-suficiente, no que diz respeito à produção de seus elementos dinâmicos.

Os exemplos que a história dera aos protagonistas dessa mudança social tão profunda, — as experiências de industrialização tardia da Alemanha e mesmo o caso dos EUA no século XIX — apontavam para a estratégia que Wallerstein chamou de "semi-retirada mercantilista", como o melhor caminho a seguir no sentido de alcançar o desenvolvimento modernizante almejado. Para tanto, o Estado cumpriu a função de deus ex machina da industrialização, dirigindo o processo, coordenando o setor privado e negociando a participação do capital estrangeiro nos novos investimentos necessários. Entretanto, não havia uma acumulação estatal propriamente, uma vez que, mesmo assumindo diretamente a propriedade de uma parcela significativa do capital produtivo industrial (siderurgia, petroquímica, energia, etc.), o excedente gerado era redistribuído para o setor privado na forma dos preços administrados dessas empresas, fixados em nível sistematicamente abaixo do valor, com o propósito de multiplicar a taxa de acumulação dos ramos aos quais seus produtos e serviços eram fornecidos. A relação entre siderúrgicas e indústria automobilística foi exemplar dessa articulação.

A implementação de tal estratégia, um processo extremamente complexo, e para o qual o êxito do planejamento governamental foi decisivo, contou com a confluência de diversos mecanismos operando simultaneamente. Sem tentarmos ser exaustivos, mencionamos os mais importantes. Em primeiro lugar, a urbanização, — seja herdada de um desempenho extraordinário da fase exportadora anterior, como na Argentina, seja ocorrendo simultaneamente à substituição de importações, como no México e no Brasil,— proporcionou a compatibilização entre o crescimento e a demanda por bens de consumo. Em segundo lugar, o êxito do planejamento em identificar as oportunidades e viabilizar o financiamento,veio assegurar o componente investimento da demanda efetiva. Em terceiro lugar, a funcionalidade adquirida pela relação entre as novas estruturas criadas como modo de produção capitalista e a permanência das estruturas antigas, representou uma articulação típica da forma desigual e combinada das formações sociais retardatárias, como descrita pela melhor intervenção nos debates sobre a teoria da dependência (Oliveira, 1971). Assim, de diversas maneiras, as novas estruturas econômicas foram supridas com alguns dos elementos que lhes eram imprescindíveis, mas que não podiam ser por estas produzidos, não só (e especialmente) na agropecuária, mas também em um sem número de formas da pequena produção urbana e de serviços. Em quarto lugar, muitas das tecnologias industriais detidas pelas economias mais desenvolvidas foram transferidas, mesmo que com significativas defasagens, para serem utilizadas na substituição de importações, muitas vezes na forma de investimento em empresas nacionais com controle acionário de matrizes transnacionais.

Além desses mecanismos, e em que pese a instabilidade política do período, houve uma forte hegemonia ideológica do desenvolvimentismo, que colocou como prioridade nos objetivos de governo a busca do crescimento econômico. Isso foi particularmente importante no Brasil, pois daí resultou que, mesmo um movimento originalmente de reação oligárquica contra a modernização, como a ditadura militar, perseverasse a construção desenvolvimentista5 5 O mesmo não aconteceu na Argentina ou no Chile, onde as ditaduras instauraram um movimento de retrocesso em direção ao modelo primário-exportador, de relativo sucesso no caso deste, e catastrófico para aquela. . A esse ambiente político pró-desenvolvimento, veio somar-se a cena internacional do período, com sua tolerância em relação ao protecionismo econômico valorização do desenvolvimento nacional em meio a um processo de descolonização planetária e afirmação do intevencionismo estatal na esteira da influência das idéias de Keynes. O segundo elemento importante desse cenário internacional favorável foi o surgimento de um forte fluxo de investimento estrangeiro que se associou ao desenvolvimento nacional na forma da instalação e ampliação de filiais das empresas multinacionais em toda a periferia cujas oportunidades de crescimento fossem atraentes.

A confluência desses diversos elementos possibilitou várias décadas de prosperidade e um sucesso evidente da substituição de importações. As trajetórias nacionais foram, entretanto, bastante distintas, sobressaindo-se o Brasil como um caso quase único de construção de uma estrutura industrial complexa e bastante completa fora do leste da Ásia na segunda metade do século XX. Para que assim fosse, a dimensão territorial foi decisiva, característica reforçada pela imigração rural urbana, especialmente intensa entre os anos 1940 e 1980.

Para além da escala e do esgotamento da demanda originada pela urbanização, um outro limite veio a se colocar, com raízes tanto econômicas como políticas: a concentração da renda. A instabilidade política de nossas democracias foi exacerbada pela pressão dos movimentos sociais por uma democratização dos frutos do progresso econômico, ao que se contrapunha uma forte resistência das oligarquias, novas e velhas, em ceder um mínimo de privilégios. Em decorrência disso, o potencial de consumo da sociedade não podia, após um determinado ponto, acompanhar a capacidade da estrutura produtiva. Como as ditaduras acabaram por decidir o impasse em favor do capital, o problema permaneceu e fez parte do conjunto de determinantes da crise dos anos 1980.

A crise do regime de crescimento desenvolvimentista foi reforçada pelo esgotamento do regime de acumulação pelo lado da oferta. A estratégia de copiar a estrutura produtiva dos países desenvolvidos deveria repetir as causas do esgotamento daquele, a redução dos ganhos de produtividade (Aglietta, 1976). Numa estimativa para a indústria brasileira (Faria, 1996), verificamos que a produtividade do trabalho crescera à taxa de 8,1% ao ano entre 1949 e 1959, valor que se reduziu a 3,4% em média entre 1959 e 1970 e mais ainda, para 2,8% ao ano entre 1970 e 1980. De 1980 a 1985, no auge da crise, ocorreu um declínio da produtividade média do trabalhador industrial de 1,7% ao ano.

Por fim, mas não menos importante, no final dos anos 1970 o cenário externo mudou desfavoravelmente, principalmente em razão da política monetária dos EUA e seus efeitos catastróficos sobre o endividamento latino-americano. Mais ainda, a necessidade de renegociação das dívidas aconteceu num momento de extremo enfraquecimento dos Estados, seja pela erosão da legitimidade do regime militar, baseada no desempenho da economia, seja, principalmente, por ter sido atingido em cheio pela crise na medida em que a dívida externa tornou-se preponderantemente de sua responsabilidade, decorrendo daí um desequilíbrio fiscal de difícil solução. As conseqüências tiverem sua máxima expressão numa dramática aceleração da inflação e numa também dramática redução da capacidade de coordenar e regular o funcionamento da economia. O fim da prosperidade desenvolvimentista e a estagnação que perdurou por uma década, em meio às tentativas fracassadas de restaurar a estabilidade macroeconômica e retomar o crescimento, abriram espaço para a capitulação dos anos 1990, quando a autonomia na formulação dos objetivos da política econômica foi abandonada pela adesão ao Consenso de Washington.

2.3. Internacionalização e competitividade

A abertura econômica iniciada em 1990 no Brasil marcou o abandono da estratégia de semi-retirada mercantilista e a interrupção do processo de substituição de importações. Tal iniciativa tinha por base a convicção de que um aumento da liberdade de movimento do capital, seja na forma dinheiro, seja na forma mercadoria, seria suficiente para a retomada do desenvolvimento, na medida em que, supostamente, permitiria articular as economias da região na revolução técnico-científica em andamento no mundo, reestruturando os sistemas de produção locais e dando-lhes a possibilidade de atingir o mote do momento: competitividade.

Os movimentos nesse sentido, além da abertura ao exterior, foram a busca da reestruturação produtiva, que promoveu mudanças organizacionais e a incorporação de novas tecnologias, e a mudança nas formas institucionais da regulação através das reformas estruturais. A mesma marca de vingança do capital contra o trabalho é distintiva dessas reformas pois, da mesma forma como ocorreram nos países desenvolvidos, visaram prioritariamente tornar a força de trabalho mais disponível e a "bom preço", através da desarticulação de diversos mecanismos de regulação do mercado de trabalho e da redução de benefícios como os previdenciários6 6 Os resultados dessa ofensiva contra o trabalho foram impressionantes, fazendo a participação dos salários no PIB cair de 45,4% em 1990 para 36,1% em 2002. .

O segundo conjunto de reformas teve por fim desmontar as estruturas do Estado desenvolvimentista, onde as privatizações de empresas estatais são o evento mais conhecido, mas o mais importante foi uma mudança nos mecanismos de financiamento do setor público. O uso do crédito dos bancos oficiais, o recurso mais largamente utilizado durante toda a segunda metade do século XX, foi vedado7 7 O ponto de partida desse processo de submissão das contas públicas ao juízo do capital deu-se ainda nos anos 1980, com a extinção da chamada conta-movimento do Tesouro no Banco do Brasil, por meio da qual o banco emitia créditos ao Estado lastreados na arrecadação tributária futura. . As disponibilidades do Estado passaram a estar sujeitas exclusivamente aos limites da carga tributária ou ao endividamento junto ao setor privado na forma da colocação de títulos no mercado. Com isso, as operações de financiamento do gasto público passaram a estar sujeitas ao julgamento dos operadores do mercado de títulos, em outras palavras, à sanção do capital financeiro atuante, seja no mercado doméstico, seja no mercado internacional.

O terceiro movimento foi a valorização da moeda nacional no bojo da bem sucedida política de combate à inflação, através da qual a própria função do Banco Central foi modificada e restrita à vigilância do nível de preços. Esta era exercida de forma autônoma em relação ao restante da administração pública e tinha como instrumento quase único a taxa de juros. Aliás, a taxa de juros foi posta num patamar extremamente elevado desde 1994 e tornou-se o instrumento principal do processo de valorização da moeda, servindo como atrativo para o ingresso de capitais externos. O novo patamar da taxa de juros também foi providencial para compensar o sistema financeiro nacional da brusca redução da inflação, da qual era o principal beneficiário8 8 Diferentemente do que reza a teoria convencional, o chamado imposto inflacionário foi no Brasil, desde 1965, apropriado pelos bancos que faziam a arbitragem entre seus passivos denominados em moeda e seus ativos indexados à inflação. . Desde então, a associação entre Estado e alta finança se consolidou de forma vigorosa e tem presidido a política econômica, do que resultou a criação de um ambiente macroeconômico contrário ao crescimento e do qual fez parte, também, uma impressionante elevação da carga tributária, de 27,5% do PIB em 1994 para 36,8% em 2003, uma forma de fazer frente ao enorme crescimento dos serviços da dívida pública, garantindo sua solvência.

A reação neoliberal à instabilidade dos anos 1980 teve por objetivo romper com o projeto de desenvolvimento baseado na construção de um sistema econômico integrado, com capacidade de reprodução, auto-referenciado e com sua dinâmica determinada endogenamente. Em seu lugar, no novo padrão de inserção externa da economia, o crescimento passa a ser esperado como resultado do movimento do capital internacionalizado9 9 Internacionalizado e não internacional porque, em sua maior parte, o capital que circula transfronteiras é de propriedade de nacionais. . Assim, o espaço econômico nacional perde sua identidade sistêmica e passa a ser, como disse Milton Santos (1994), "um lugar do capital globalizado".

Os resultados após uma década de transformações neoliberais, o baixo crescimento e a ampliação da obscena desigualdade social característica da América Latina estão longe de cumprir a promessa de prosperidade decorrente da liberdade dada ao capital para usufruir as novas oportunidades da técnica e da geografia. Os dois indicadores sínteses nesse sentido, a produtividade e o investimento, mostram resultados medíocres. A produtividade total da economia medida pela relação PIB/pessoal ocupado cresceu à média de 1,41% ao ano entre 1990 e 2002. Na indústria, o crescimento foi um pouco superior, de 2,5% ao ano, abaixo da média de 1970 a 1980 (2,8%), o pior período da época desenvolvimentista. Embora haja expressivos ganhos de produtividade em algumas atividades industriais ou agropecuárias, seus resultados permaneceram tão focalizados que não puderam influenciar positivamente o conjunto da estrutura produtiva. Quanto ao investimento, seu nível global permaneceu também abaixo do último ciclo desenvolvimentista, quando oscilava em torno de 30% do PIB em termos reais e caiu para menos de 20% nos anos 1990 (IBGE, 2003).

Um terceiro resultado dessa mudança da estrutura produtiva foi sobre a classe trabalhadora na forma de uma redução drástica da capacidade de a estrutura produtiva gerar emprego. A taxa média de crescimento do emprego entre 1990 e 2001 foi de 0,74% ao ano, menos da metade da taxa de crescimento da população, que foi de 1,63%. Da mesma forma, a remuneração do trabalho medida pelos salários na indústria, que tivera uma elevação de 14,8% entre 1994 e 1997, os primeiros anos de redução da inflação, sofreu um forte declínio a partir de então, reduzindo-se 31,8% entre o final de 1997 e começo de 2004, consolidando um quadro de estagnação do mercado interno. Com isso, o pequeno crescimento recente só foi possível pelo desempenho positivo das exportações.

No plano macro, as iniciativas buscaram consolidar a reforma do Estado, fixar a nova modalidade de inserção externa e avançar na desregulamentação do mercado de trabalho. Em razão disso, a taxa de câmbio passou a ser o preço fundamental da economia, e de sua relativa valorização dependeu o equilíbrio do balanço de pagamentos, por paradoxal que pareça, pois mesmo desestimulando as exportações, o real valorizado tornou-se garantia de uma elevada rentabilidade das aplicações financeiras, assegurando a continuidade do endividamento externo que é característica dessa nova inserção na economia mundial.

2.4. As contradições entre micro e macro

No final de 2002 o Brasil elegeu um novo presidente, Lula, que se comprometera a retomar o crescimento, gerar empregos e distribuir renda. Desde sua posse, numa atitude considerada por muitos como cautelosa, o novo governo eximiu-se de qualquer ruptura na condução da política econômica, posição confirmada com a manutenção de uma equipe de economistas ortodoxos na administração do Ministério da Fazenda e do Banco Central. Mesmo assim, reafirmou seu compromisso com a retomada do desenvolvimento e a distribuição da renda, embora adotasse um comportamento absolutamente surpreendente em relação ao que seria de se esperar face ao seu discurso eleitoral, que denunciara a necessidade de superar uma suposta "herança maldita" do governo anterior. A direção da política econômica não só foi preservada como radicalizada. A taxa de juros foi elevada ainda mais para garantir que seu nível real fosse mantido num patamar de 10%, enquanto o compromisso com o FMI de um superávit primário nas contas públicas (receita menos despesa exclusive juros da dívida pública) foi elevado para impressionantes 4,25% do PIB. A ascendência do capital financeiro sobre a condução da política econômica foi assim reafirmada.

Ao mesmo tempo, um conjunto de iniciativas que o próprio governo apelidou de agenda micro começou a ser posto em movimento, entre as quais cabe ressaltar uma reorientação do crédito dos bancos oficiais, em especial o BNDES e a Caixa Econômica Federal, no sentido tanto de democratizar o acesso ao financiamento bancário quanto de financiar investimentos estratégicos para o desenvolvimento do país; novas diretrizes de política industrial; a reforma agrária e os programas de geração de emprego e renda. Entretanto, como característico de sua dubiedade, da mesma agenda fizeram parte algumas propostas de reforma da legislação econômica que ampliavam as garantias dos bancos em caso de falência, restringiam o custo da força de trabalho, bem como diversas iniciativas que reduziram a carga fiscal sobre determinadas modalidades de aplicações financeiras. A ascendência do capital financeiro sobre a condução da política econômica se sobrepôs garantindo que, mesmo as iniciativas de apoio ao desenvolvimento da vida material, fossem eleitas entre aquelas que não apenas não criassem qualquer restrição, como, inclusive, ampliassem o raio de ação do capital e suas oportunidades de ganho.

A possibilidade de uma retomada do crescimento, além de ter de fazer face aos obstáculos que bloquearam a continuidade do processo de substituição de importações — a restrição externa decorrente do endividamento e da fragilidade do balanço de pagamentos e os limites do mercado interno contido pela concentração da renda —, precisa também superar as novas dificuldades cridas pela privatização de parte da infra-estrutura produtiva. De um lado, os compromissos de compressão do gasto público, restrito aos limites das fontes de financiamento tributária ou externa, impedem que a oferta desses serviços, que permaneceu ao encargo do Estado, seja ampliada com novos investimentos. E, de outro, a parcela capturada pelo capital privado goza de lucros extraordinários e risco baixo em razão de sua situação monopolista e protegida pelo Estado, que pratica uma regulamentação pródiga em benefícios, o que lhe induz uma política de sub-investimento. Por essa razão, a pequena aceleração do crescimento em 2000 no Brasil foi interrompida pela escassez de energia, fenômeno que ameaça se repetir.

Apesar do ambiente macroeconômico hostil e dos sinais contraditórios das mudanças no plano micro, as "costas enormes da vida material" têm mostrado força suficiente para carregar o peso da dominação da alta finança sobre a economia nacional, a qual combina estagnação econômica e concentração da renda, numa repetição dos mesmos resultados verificados para os países desenvolvidos (Duménil, Lévy, 2003). Mesmo assim, e em que pese ter sofrido a destruição de alguns de seus ramos pela abertura da economia, a estrutura produtiva vem, recorrentemente, gerando surtos de crescimento para os quais a política econômica tem sempre a mesma resposta, que também repete de certa forma o padrão dos países desenvolvidos. Qualquer aquecimento da economia é visto como potencialmente um risco de excesso de demanda que, por sua vez, parece sempre confirmado pelos movimentos de preços que lhe são inerentes, provocando como resposta mais arrocho fiscal e monetário, dos quais resulta uma ainda maior transferência de renda à alta finança, acentuando a desigualdade social e levando à interrupção do crescimento recém iniciado.

3. CONCLUSÂO

Procuramos neste trabalho questionar a convicção tão difundida de que evolução tecnológica e o desenvolvimento das forças produtivas são criações do capitalismo. Seguimos a posição de Braudel e também de Polanyi que tinham uma visão pessimista dos efeitos de suas estruturas sobre a sociedade. Nesse sentido, fizemos um contraponto ao otimismo em relação ao caráter progressista do capitalismo defendido por Adam Smith e, de certa forma, também por Marx, mesmo que esse autor tenha apontado a natureza contraditória do que considerou um modo de produção fadado a ser superado pela evolução social.

Focando nossa análise nos últimos vinte anos da economia global, pudemos verificar que a promessa de uma nova era de prosperidade lançada pelo neoliberalismo não se confirmou ali onde sua implantação foi pioneira, as economias mais desenvolvidas. A ampliação da liberdade de ação do capital, antes de acelerar o desenvolvimento das forças produtivas, alcançou exatamente o seu contrário, na medida em que propiciou a consolidação de monopólio e do uso do Estado. Essas duas tendências representam um peso a ser suportado pelas estruturas produtivas da sociedade, mesmo quando elas são dirigidas diretamente pelo capital, como no caso das grandes empresas submetidas à lógica da financeirização. Aqui o macro se põe em oposição ao micro.

Se as "costas enormes da vida material" têm dificuldade de suportar esse parasitismo do capital onde são mais fortes, pior é a situação na periferia do sistema, como na América Latina, e no Brasil em particular, com suas estruturas produtivas muito mais débeis. E isso porque, nessa região, além do peso do excedente retirado da esfera da produção ser maior, a parte é enviada para o exterior, ficando impedida qualquer possibilidade de um eventual retorno à utilização produtiva. Além disso, a nova adesão à ordem mundial das economias da região enfraqueceu, quando não rompeu definitivamente, sua coerência sistêmica, interrompendo um processo, perseguido a duras penas ao longo da segunda metade do século XX, através do qual pelos menos algumas de suas economias, como o Brasil, haviam conseguido endogeneizar sua dinâmica, reproduzindo internamente suas estruturas produtivas e tornando auto-referenciados seus mecanismos de regulação. O processo em curso desde então representou um retorno à situação de dependência do modelo primário-exportador do começo do século XX sem a mesma perspectiva de crescimento. E o pior é que a tendência à estagnação resultante se faz em sociedades pobres e com graus de desigualdade entre os maiores do mundo. Sua decorrência foi uma crise social sem precedente que marcou o início do novo século na região e que não vislumbra sinal de solução.

Submetido: dezembro 2004; Aceito: fevereiro 2005.

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  • 1
    O esforço realizado pela corrente principal da teoria econômica em sua busca pelos "microfundamentos" é completamente inútil na medida em que seu objetivo é, de fato, abolir a macroeconomia.
  • 2
    Em sua aguda percepção da natureza da economia capitalista, Adam Smith apontou seu caráter concentrador da riqueza. A absolvição moral do sistema justificava-se, para o pensador escocês, em razão de sua índole progressista, a partir da qual seus continuados ganhos de produtividade poderiam erradicar a pobreza e elevar o padrão de bem estar da população para níveis inimagináveis em outras eras (Smith, 1776).
  • 3
    Não por acaso uma das estratégias generalizadamente adotadas tem o sugestivo apelido de
    downsizing.
  • 4
    A taxa de crescimento da produtividade do trabalho nos EUA foi de 2,35% a. a. entre 1948-65, parcos 0,44% entre 1965-82, crise do fordismo, e de 1,47% a. a. em 1982-97, auge da reestruturação produtiva. Uma estimativa para o Brasil apresentada na parte 3 a seguir mostra o mesmo movimento de baixos ganhos de produtividade depois de 1990, período da adoção do neoliberalismo no país.
  • 5
    O mesmo não aconteceu na Argentina ou no Chile, onde as ditaduras instauraram um movimento de retrocesso em direção ao modelo primário-exportador, de relativo sucesso no caso deste, e catastrófico para aquela.
  • 6
    Os resultados dessa ofensiva contra o trabalho foram impressionantes, fazendo a participação dos salários no PIB cair de 45,4% em 1990 para 36,1% em 2002.
  • 7
    O ponto de partida desse processo de submissão das contas públicas ao juízo do capital deu-se ainda nos anos 1980, com a extinção da chamada conta-movimento do Tesouro no Banco do Brasil, por meio da qual o banco emitia créditos ao Estado lastreados na arrecadação tributária futura.
  • 8
    Diferentemente do que reza a teoria convencional, o chamado imposto inflacionário foi no Brasil, desde 1965, apropriado pelos bancos que faziam a arbitragem entre seus passivos denominados em moeda e seus ativos indexados à inflação.
  • 9
    Internacionalizado e não internacional porque, em sua maior parte, o capital que circula transfronteiras é de propriedade de nacionais.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Set 2005

    Histórico

    • Aceito
      Fev 2005
    • Recebido
      Dez 2004
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