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Transparência: Bacen versus BoE

Resumo

Transparency: Bacen versus BoE. The aim of this paper is to compare the degree of transparency of the Brazilian Central Bank (Bacen) with the one verified in the Bank of England (BoE). In order to accomplish this objective, an indicator of transparency is built based on the information that each central bank provides to the public about its monetary policy, its expectation about the future of the economy, its intervention in the financial market, and if there are clear limits and restrictions to the release of information to the general public. The analysis suggests that the Bacen is less transparent and has a less individualistic Monetary Policy Committee in comparison with the BoE. Moreover, it indicates some procedures that could be adopted by the Bacen in order to make its monetary policy more transparent.

Central Bank Transparency; Brazilian Central Bank; Bank of England


Central Bank Transparency; Brazilian Central Bank; Bank of England

ARTIGOS

Transparência: Bacen versus BoE

Eduardo de Carvalho Andrade* * Agradeço a Giovanna Franco Rocca pela excelente assistência nesta pesquisa e aos comentários e sugestões de dois pareceristas. Eventuais erros são de minha responsabilidade.

Professor do Ibmec São Paulo. Rua Maestro Cardim 1170, 11º. Andar, 01323-001 São Paulo. E-mail: eduardo.andrade@ibmec.br

ABSTRACT

Transparency: Bacen versus BoE. The aim of this paper is to compare the degree of transparency of the Brazilian Central Bank (Bacen) with the one verified in the Bank of England (BoE). In order to accomplish this objective, an indicator of transparency is built based on the information that each central bank provides to the public about its monetary policy, its expectation about the future of the economy, its intervention in the financial market, and if there are clear limits and restrictions to the release of information to the general public. The analysis suggests that the Bacen is less transparent and has a less individualistic Monetary Policy Committee in comparison with the BoE. Moreover, it indicates some procedures that could be adopted by the Bacen in order to make its monetary policy more transparent.

Key-words: Central Bank Transparency, Brazilian Central Bank, Bank of England.

JEL Classification: E0, E5

1. INTRODUÇÃO

Depois da implantação do regime de metas de inflação, o Banco Central do Brasil (Bacen) passou a adotar vários procedimentos que o tornaram mais transparente. Dentre outros, estipulou uma prioridade entre os seus objetivos de política monetária, passou a tornar públicas as atas das reuniões do Comitê de Política Monetária (COPOM) e passou a divulgar trimestralmente um Relatório de Inflação.

Andrade (2004) apresenta as vantagens e desvantagens da transparência de um banco central e compara o nível de transparência do Bacen, após a adoção do regime de metas de inflação, com outros bancos centrais (BCs) selecionados. Esta comparação internacional, inclusive com BCs que adotam ou não um regime de metas de inflação, sugere que o Bacen tem uma atuação bastante transparente. O seu nível de transparência é comparável com o do Bank of England (BoE). Neste trabalho, no entanto, Andrade (2004) restringe a comparação a dois aspectos relativos à atuação de um BC: a clareza sobre os objetivos de política monetária e a transparência sobre a política monetária implementada.

O objetivo deste trabalho é estender a análise de Andrade (2004) e incorporar outros aspectos relacionados ao grau de transparência de uma autoridade monetária. Além de aprofundar a discussão sobre a transparência em relação à política monetária implementada, é abordado o nível de transparência do BC no que diz respeito: à divulgação de suas visões futuras sobre a economia, às suas intervenções no mercado financeiro e, por fim, se são estabelecidas claras restrições e limites para a divulgação de informações para o público em geral.

Neste trabalho, são apresentados procedimentos adotados por vários bancos centrais, e é comparada a atuação do Bacen com o BoE. Esta comparação é oportuna, pois o BoE serviu de modelo inspirador para o Bacen, quando da implantação do regime de metas de inflação em 1999, e sugere que o Bacen pode adotar procedimentos adicionais para aumentar o seu atual grau de transparência.

Este trabalho possui três seções, com esta introdução. Na segunda seção, a metodologia é apresentada e os resultados, apresentados e discutidos. A última seção expõe a conclusão.

2. TRANSPARÊNCIA: COMPARAÇÃO ENTRE O BACEN E O BOE

A metodologia utilizada aqui é semelhante àquela desenvolvida por Haan e Eijffinger (2000) e seguida em Andrade (2004), que constroem um indicador para mensurar o grau de "democratic accountability" de cinco BCs.1 1 São os seguintes os BCs analisados: Canadá, Estados Unidos, Europeu, Inglaterra e Japão. Neste trabalho, o indicador é construído com base na resposta a treze (13) perguntas diferentes relacionadas aos seguintes aspectos: clareza sobre os objetivos de política monetária, transparência sobre a política monetária implementada e definição sobre quem é o responsável último pela política monetária. A pontuação de cada BC é obtida a partir do total de respostas afirmativas para as perguntas. Quanto maior a pontuação, maior o grau de "democratic accountability" da instituição.

Este trabalho complementa aquele realizado por Haan e Eijffinger (2000) e Andrade (2004). Quinze (15) perguntas, diferentes daquelas introduzidas naquelas trabalhos, são propostas sobre diferentes tópicos relacionados ao grau de transparência na atuação de um BC. Estas perguntas foram elaboradas a partir do exame detalhado da atuação de diversos BCs. Existe uma razoável diversidade de procedimentos e formas de atuação entre os BCs ao redor do mundo que se busca captar no leque de perguntas apresentadas. O objetivo aqui é expor estas diversas formas e procedimentos e checar quais deles são utilizados pelo Bacen e pelo BoE. Em outras palavras, faz-se aqui um estudo comparativo da atuação destes dois BCs, em relação às perguntas propostas. Neste indicador de transparência, assim como no trabalho de Haan e Eijffinger (2000), respostas afirmativas para as perguntas propostas sinalizam uma maior transparência da autoridade monetária.

Será seguido neste trabalho a "regra de bolso" sugerida por Greenspan (1993).2 2 Ver discussão mais detalhada em Andrade (2004). Segundo Greenspan, "In a democratic society all public policy making should be in the open, except when such a forum impedes the primary function assigned to the institution". Ou seja, todas as informações têm que ser tornadas públicas, a menos que tal procedimento impeça o cumprimento da função determinada para a autoridade monetária. Portanto, será sempre considerado benéfico o maior nível de transparência possível, ou seja, respostas positivas para as perguntas propostas. A menos, obviamente, que exista um forte argumento que justifique a não-utilização do procedimento sugerido na pergunta. Esta discussão será realizada para todas as perguntas propostas.

Como pode ser visto na tabela 1, as quinze (15) perguntas propostas foram separadas em quatro grupos.3 3 A tabela 1 está no apêndice. O primeiro grupo, composto das questões um (1) até a cinco (5), se refere à transparência do BC em relação às decisões de política monetária. O segundo, que engloba as questões seis (6) a onze (11), é composto por perguntas que analisam como e se o BC apresenta aos demais agentes econômicos a sua visão futura sobre a economia. As perguntas doze (12) e treze (13) pertencem ao terceiro grupo e investigam a transparência do BC em relação às suas intervenções no mercado financeiro. Por fim, o último grupo, que reúne as questões quatorze (14) e quinze (15), examina outros pontos que não fazem parte das categorias dos demais grupos de perguntas.

A tabela 1 apresenta o resultado do estudo comparativo da atuação do Bacen e do BoE. Dentre as quinze (15) perguntas propostas, o número de respostas afirmativas quando é feito um exame da atuação do BoE, é igual a nove (9). No caso do Bacen, este número é igual a cinco (5). Este resultado sugere que o BoE, atualmente, é mais transparente do que o Bacen.

Passa-se a discutir, em seguida, com detalhes, cada um dos grupos de perguntas que constam da tabela 1.

2.1. Transparência em relação às decisões de política monetária

O primeiro grupo de perguntas se refere à questão da transparência do BC em relação às decisões de política monetária. Como pode ser visto na tabela 1, das cinco perguntas propostas, o número de respostas afirmativas é igual a três e dois, respectivamente, para o BoE e para o Bacen. Adicionalmente, não existe uma diferença muito grande na forma de atuação do Bacen e do BoE nos tópicos deste primeiro grupo de perguntas. As políticas das duas autoridades monetárias são coincidentes em quatro das cinco questões propostas.

A pergunta um (1) se refere à realização de entrevista coletiva pelo presidente do BC depois de cada decisão de política monetária. O objetivo deste procedimento é fornecer ao público todas as explicações desejadas sobre os motivos que nortearam a política adotada. Ambos os BCs, Bacen e BoE, não realizam tal procedimento.4 4 Enquanto presidente do Bacen, Armínio Fraga realizou algumas entrevistas coletivas após a divulgação da decisão de política monetária. No entanto, a regra na atuação do Bacen não é do presidente conceder entrevista coletiva após a decisão do Comitê de Política Monetária (COPOM). Este é adotado pelo Banco Central Europeu (ECB) que, por sua vez, não publica a ata das reuniões que decidem a política monetária, como realizado pelo Bacen e pelo BoE. Numa comparação entre "publicação da ata" e "entrevista coletiva", Issing (1999) escreve: "Everybody knows that official 'minutes' published elsewhere with considerable delays are carefully drafted and edited documents, which have normally been checked and approved by individual members. In short, they are anything but genuine 'minutes' and, for good reason, far removed from verbatim transcripts. (...) The ECB (...) does not pretend to publish something which is then called 'minutes', but stands ready to submit its collective decisions for intensive scrutiny as quickly and as spontaneously as possible". A alternativa "entrevista coletiva" é certamente mais transparente, por ser mais completa e permitir o questionamento, e a sua adoção torna redundante a opção da divulgação da ata. Por outro lado, é possível que o banqueiro central seja um excelente economista, mas não possua boas habilidades de comunicação. Neste caso, a opção "entrevista coletiva" pode acabar confundindo a opinião pública e o mercado, o que não aconteceria só com a publicação das atas.

As demais perguntas deste primeiro grupo, da dois (2) à cinco (5), estão relacionadas a um importante debate, qual seja se um BC deve possuir um comitê de política monetária individualista ou coletivo. Em outras palavras, se a principal responsabilidade dos seus membros deve ser justificar e defender, em público, as suas posições individuais ou as decisões coletivas do comitê.

Tanto o Bacen quanto o BoE divulgam o número de votos a favor e contra a decisão de política monetária (pergunta 2). Além disto, ambos divulgam, nas atas, as opiniões alternativas dos membros do comitê de política monetária, quando for o caso (pergunta 3). A distinção na atuação dos dois BCs está no fato de o BoE divulgar o voto de cada membro do comitê, e não somente o resultado final da votação, com no caso do Bacen (pergunta 4). Por fim, nenhuma das duas instituições divulga explicações, atribuídas a membros do seu comitê, sobre o seu posicionamento em relação à política monetária (pergunta 5).5 5 Este é o caso, por exemplo, do Banco do Japão (BOJ).

Estes procedimentos sugerem que o comitê de política monetária do Bacen é ligeiramente menos individualista do que o do BoE. Baseado nas respostas para as perguntas 2 a 5, pode-se dizer que o Bacen e o BoE são tipos intermediários, sendo o ECB um exemplo extremo de comitê coletivo, e o BOJ estando no outro extremo de comitê individualista.6 6 As respostas para as perguntas 2 a 5 são negativas e positivas, respectivamente, para o ECB e o BOJ.

A questão relevante que se coloca é qual dos dois tipos de comitê é recomendado, aquele mais ou menos individualista. Sem dúvida aquele mais individualista é mais transparente, pois um maior número de informações é disponibilizado para os demais agentes econômicos. Possíveis desavenças e opiniões divergentes entre os membros do comitê de política monetária são tornadas públicas, e não necessariamente um "spurious united front" é apresentado para os demais agentes econômicos. No entanto, cada um dos dois tipos de comitê apresenta vantagens e desvantagens.

Issing (1999) apresenta dois argumentos desfavoráveis ao comitê individualista. Primeiro, os custos para os demais agentes econômicos em aprender a interpretar, entender e agregar as diferentes e conflituosas opiniões fornecidas pelos vários membros do comitê podem ser extremamente elevados. O resultado pode ser contrário ao pretendido, pois a maior transparência, neste caso, talvez aumentasse a dispersão nas expectativas do público em geral sobre a política monetária a ser seguida pelo BC, acarretando uma maior volatilidade nos mercados. Segundo, a pressão política pode ser maior sobre os membros do comitê, caso seja público, por exemplo, como votam na reunião que decide a política monetária.

O primeiro argumento apresentado por Issing é válido num momento de transição de um comitê coletivo para um individualista, quando o público em geral ainda está aprendendo como funciona o novo sistema. Contudo, parece inegável que, à medida que os agentes econômicos entendam melhor como funciona um comitê individualista, eles passam a poder utilizar este conjunto maior de informações a seu favor e conseguem, em princípio, prever de forma mais precisa futuras políticas adotadas pela autoridade monetária. Em outras palavras, pontos de vista individuais e revelação dos votos individuais contribuem para uma maior eficácia da política monetária, pois a torna mais previsível.7 7 Sobre isto, ver discussão em Andrade (2004).

Quanto ao segundo argumento de Issing, relativo à pressão política, ela é inevitável, mesmo quando o voto individual não é de conhecimento público. Os membros do comitê têm que estar preparados para esta importante exigência do trabalho e ser capazes de justificar suas posições. Esta obrigatoriedade de justificar suas posições força o policymaker a buscar argumentos sólidos e coerentes, o que aumenta a probabilidade da política adotada ser a mais apropriada. Por outro lado, a divulgação nominal dos votos, entretanto, impede a ocorrência de um outro problema, qual seja o risco desta informação confidencial ser vazada e ser criada uma assimetria de informação entre os agentes econômicos.8 8 Para maiores detalhes sobre este assunto, ver Buiter (1999). Ou seja, o risco de somente alguns agentes econômicos terem conhecimento de como são os votos individuais dos membros do comitê de política monetária.

A literatura econômica é inconclusiva sobre qual tipo de comitê, individualista ou coletivo, é o mais apropriado. No caso do Bacen decidir seguir uma linha mais individualista, alguns procedimentos já adotados em outros BCs podem ser incorporados, como a divulgação dos votos individuais de cada membro do comitê de política monetária e explicações individuais dos mesmos para as suas posições.

É interessante notar que a evidência recente sugere que, pelo menos até o momento, não teria feito muita diferença se fosse seguido, na prática, um modelo de comitê mais individualista no Brasil. Desde a implantação do regime de metas de inflação até abril de 2004, vem existindo uma grande uniformidade na maneira de pensar dos membros do comitê de política monetária. Sob a presidência de Armínio Fraga, de 1999 até 2002, 88% das reuniões do COPOM tiveram decisões unânimes. No período de janeiro de 2003 até abril de 2004, já sob a presidência de Henrique Meirelles, 80% das reuniões do COPOM tiveram decisões unânimes. Em contraste, no caso do BoE, esta porcentagem é igual a 32% e 27%, respectivamente, para o período correspondente à presidência Fraga e Meirelles. Estes resultados são interessantes, pois o comitê brasileiro, apesar de inspirado no modelo do BoE, não apresenta a mesma diversidade de opiniões entre os seus membros. Uma possível explicação é que o Bacen, neste período de implantação do regime de metas de inflação, venha preferindo passar uma imagem de coesão, unidade e solidez do seu comitê, enquanto constrói a sua reputação junto ao mercado.

2.2. Transparência em relação às perspectivas da economia

O segundo grupo de perguntas se refere à transparência do BC em relação à sua visão futura sobre a economia. A tabela 1 mostra que, das seis perguntas propostas, o número de respostas afirmativas é igual a três (3) e dois (2), respectivamente para o BoE e o Bacen. Assim como no primeiro grupo de perguntas, não existe uma diferença muito grande na forma de atuação destes dois BCs nos tópicos deste segundo grupo. Os procedimentos adotados pelas duas autoridades monetárias são coincidentes em cinco (5) das seis (6) questões propostas.

A pergunta seis (6) se refere à realização de entrevista coletiva pelo presidente do BC depois da divulgação do Relatório de Inflação. Ambos os BCs, Bacen e BoE, realizam tal procedimento. Esta entrevista é um importante complemento ao relatório, pois possibilita ao BC apresentar sua visão sobre a economia, enfatizar questões prioritárias e esclarecer dúvidas para todos os agentes econômicos interessados.

As três perguntas seguintes estão relacionadas a assuntos ligados à previsão de inflação, um aspecto relevante tanto para o Bacen como para o BoE, pois ambos adotam um regime monetário de metas de inflação. Ambas as instituições divulgam no seu Relatório de Inflação diferentes previsões de inflação (pergunta 7). Por outro lado, eles não fornecem informações suficientes que permitam ao mercado replicar as suas previsões de inflação (pergunta 8) e não possuem um órgão independente responsável pelo cálculo da previsão de inflação (pergunta 9). Portanto, no que diz respeito à previsão de inflação, ambos os BCs atuam de forma semelhante.

O Bacen e o BoE divulgam dois tipos de previsão de inflação nos seus respectivos relatórios de inflação, que diferem em função da suposição feita a respeito da trajetória futura da taxa de juros. Numa delas, assume-se que a taxa de juros permanece inalterada durante o período considerado. Na outra, é utilizada a trajetória da taxa de juros esperada pelo mercado. Adicionalmente, é publicado também um leque da inflação ("fan chart"), que deixa claro o grau de incerteza presente no momento em que a decisão de política monetária é realizada.

Como discutido em Andrade (2004), a divulgação das previsões de inflação cumpre uma importante função num país que adota um regime de metas de inflação. Primeiro, ela mostra que a política implementada está, em princípio, no caminho adequado para atingir a meta especificada. Segundo, ela permite aos agentes econômicos avaliarem a performance da autoridade monetária e identificarem se o objetivo de política monetária foi alcançado devido à sorte ou ao conhecimento técnico.

Ambos os BCs divulgam os diferentes modelos econômicos utilizados e uma quantidade razoável de informação sobre as suposições feitas. No entanto, nos dois casos, o conjunto de informação disponibilizado pelas instituições não permite aos agentes econômicos replicarem suas previsões de inflação.9 9 No caso brasileiro, por exemplo, até recentemente o Bacen não divulgava a trajetória completa da taxa de câmbio futura utilizada para as suas previsões de inflação. Para uma análise crítica do Relatório de Inflação do Bacen, ver CSFB Garantia (2001).

É fato que a condução da política monetária, e por extensão o cálculo das previsões de inflação, exige uma combinação de arte e técnica. Sobre isto, Vickers (1998) diz que "good forecasting generally entails use of off-model information and hence off-model models. Precisely how this is done seems to me to be literally indescribable in detail." Esta visão parece um pouco exagerada, pois afinal cálculos são feitos e os seus passos podem ser reproduzidos integralmente.

Talvez a preocupação do BC seja a de receber questionamentos sobre os procedimentos e suposições realizadas ao longo do processo. Contudo, estes são inevitáveis. A capacidade de um BC de se defender e ser convincente, utilizando embasamento empírico, indica que o caminho seguido é o mais acertado. No caso contrário, talvez as políticas seguidas não sejam as mais apropriadas e correções sejam necessárias e desejáveis.

Existe, no entanto, uma outra possível explicação para por que um BC não é transparente o suficiente a ponto de permitir ao mercado replicar suas previsões de inflação: a manutenção da possibilidade do BC de manipular as hipóteses do modelo para obter uma desejável previsão ex-ante (ou um "fan chart") da inflação. Exatamente para evitar este tipo de interpretação é que Artis, Mizen e Kontolemis (1998) propõem a criação de um órgão independente responsável estritamente pela produção das previsões condicionais, seja com a trajetória da taxa de juros constante, seja aquela baseada nas expectativas do mercado. Sobre isto, eles escrevem: "If the central bank's forecast models were deposited with the independent body then this would reduce the opportunity for covering tracks. It is likely that the direct comparison and evaluation of the model and its forecast would give a central bank an incentive to produce high quality forecasts since it would enable an independent body to assess which mistakes were avoidable and which were likely to (be bound to) be made by any good forecaster." Como mencionado acima, nem no Brasil nem na Inglaterra existe um órgão independente com esta função.10 10 O autor não tem conhecimento da existência de um órgão independente com esta função em atuação no mundo.

Restam discutir duas perguntas do segundo grupo de questões na tabela 1, relacionadas à transparência sobre a visão futura do BC sobre a economia. Diferentemente do BoE, o Bacen não anuncia metas de curto e médio prazos para algumas variáveis reais da economia (pergunta 10). Por sua vez, ambos os BCs não divulgam "conditional forward tracks" para a taxa de juros (pergunta 11). Este último é uma indicação de qual política de juros será seguida pelo BC na eventualidade de outros cenários, diferentes do cenário central, ocorrerem.11 11 Atualmente, somente o Banco Central da Nova Zelândia (RBNZ) divulga "conditional forward tracks" para a taxa de juros. Além disto, o RBNZ também divulga metas de curto e médio prazos para variáveis reais da economia. Estes e outros aspectos da atuação deste BC o colocam na vanguarda quando o assunto é transparência.

Em princípio, não se pode dizer que falta transparência ao Bacen pelo fato de ele não divulgar metas de curto e médio prazos para variáveis reais e um "conditional forward track" para a taxa de juros. Isto porque falta de transparência está associada à não-divulgação de alguma informação que o BC possui. No caso do Bacen, ele não necessariamente realiza tais análises internamente.

Por outro lado, pode-se exigir que um BC produza tais informações e as divulgue. É importante examinar se seria apropriado obrigar o BC a seguir os procedimentos sugeridos implicitamente nas perguntas 10 e 11.

No que diz respeito à divulgação de metas de curto e médio prazos, uma crítica a este procedimento é a perda de credibilidade do BC, caso ele erre com freqüência a meta estipulada.12 12 Ver discussão em Andrade (2004). Este erro pode ocorrer devido ou à pouca robustez dos modelos econômicos, com possíveis mudanças de regime, ou à incompetência técnica dos responsáveis pela condução da política monetária. No entanto, à medida que este procedimento é adotado sem perda de credibilidade por outros BCs, fica mais difícil justificar a sua não-implantação.

Uma crítica contrária à divulgação de "conditional forward tracks" para a taxa de juros é a de que o mercado não entenda o seu verdadeiro significado. Por um lado, pode-se pensar que este procedimento elimine a flexibilidade da política monetária. Ou seja, que leve o BC a ficar "preso", no futuro, a alguma política sinalizada no passado. Por outro lado, pode-se criar a impressão de que o BC está constantemente mudando a sua forma de pensar, o que pode até mesmo prejudicar um processo de ganho de credibilidade junto ao mercado.13 13 Para maiores detalhes, ver Andrade (2004). Uma ou outra percepção certamente pode ocorrer no processo de implantação deste procedimento. Com o tempo, todavia, o mercado compreenderá que estas indicações de políticas de juros futuras não colocam uma camisa de força sobre o BC nem impedem a adoção de políticas diferentes das inicialmente sugeridas, assim que o conjunto de informações disponível para a tomada de decisões se expandir.

No caso brasileiro, pode-se pensar que existe um empecilho para a divulgação de "conditional forward tracks" pelo fato do Bacen não ser uma instituição independente. Isto porque não existe uma garantia de que um BC subordinado ao executivo tenha realmente autonomia para realizar as políticas sugeridas, caso um cenário alternativo aconteça. Contudo, a explicitação para o mercado de possíveis ingerências políticas na condução da política monetária pelo BC serve exatamente como uma vantagem adicional da divulgação de "conditional forward tracks".

2.3. Transparência em relação às intervenções no mercado financeiro

O terceiro grupo de perguntas na tabela 1 se refere à transparência do BC em relação às suas intervenções no mercado financeiro. Este tópico é certamente um dos mais delicados dentre todos os relacionados à transparência, dada a natureza sensível deste mercado.14 14 Para uma discussão teórica sobre este assunto, ver Andrade (2004). Sobre este assunto, duas perguntas foram propostas e as respostas são afirmativas para ambas no caso do BoE, e em uma delas no caso do Bacen. Ambos os BCs divulgam informações sobre as intervenções ocorridas no mercado financeiro (pergunta 12) e somente o BoE publica uma ata sobre as decisões de intervenção no mercado financeiro (pergunta 13).15 15 No segundo semestre de 2001, o Bacen realizou uma entrevista coletiva e anunciou que passaria a intervir no mercado de câmbio vendendo US$ 50 milhões, diariamente, até o final do ano. Esta é, sem dúvida, uma postura bastante transparente desta instituição. Este último procedimento, que consta do arcabouço legal que rege a atuação do BoE, pode ser facilmente implementado pelo Bacen.

2.4. Outros tópicos

Por fim, o último grupo da tabela 1 aborda duas questões relativas às restrições na divulgação de informações, por parte do BC, para os demais agentes econômicos. Do ponto de vista da transparência, é importante que o público tenha conhecimento destas restrições. Das duas perguntas propostas, as respostas são negativas para ambas no caso do Bacen e afirmativa somente para uma delas no caso do BoE.

Diferentemente do BoE, não existe no caso do Bacen uma regulamentação que indique sob que circunstâncias intervenções no mercado financeiro não devem ser tornadas públicas (pergunta 14). No caso inglês, a lei indica que, nas suas intervenções no mercado financeiro, o comitê de política monetária tem que decidir se "immediate publication of the decision would be likely to impede or frustrate the achievement of the intervention's purpose". Caso a decisão tenha sido mantida em sigilo, quando não houver mais nenhum impedimento para a manutenção deste, "the Bank shall publish a statement as to what action by way of intervening in financial markets the Committee decided the Bank should take and when the decision was made." Em outras palavras, o poder discricionário de decidir se a informação tem que ser tornada pública, ou não, é mantido nas mãos dos responsáveis pela condução da política monetária. Adicionalmente, a informação tem que ser imediatamente liberada assim que o sigilo não for mais essencial para o sucesso da política adotada.

Tanto para o Bacen quanto para o BoE, não existe um "black-out period" para os membros do comitê de política monetária (pergunta 15). Neste procedimento é estipulado que os membros do comitê não podem se comunicar com o público, geralmente logo antes do começo da sua reunião até o anúncio da nova política monetária. Vários BCs utilizam este procedimento, exatamente para eliminar a possibilidade de que informações relevantes sejam disponibilizadas para um grupo restrito de pessoas, as chamadas informações privilegiadas.

Os procedimentos sugeridos implicitamente nas perguntas 14 e 15 ficam como sugestões a serem implantadas pelo Bacen. Estes dois pontos podem mesmo constar da lei que rege o funcionamento da instituição.

2.5. Comentários finais

A análise acima sugere que o BoE tem uma atuação mais transparente do que o Bacen, pois apresenta um maior número de respostas positivas para o questionário proposto. Tem nove (9) contra somente cinco (5) respostas positivas do Bacen, de um total de quinze (15) perguntas.

Este resultado pode, a princípio, ser questionável. Isto porque, neste trabalho, a apuração do índice de transparência é feita simplesmente pela soma aritmética das respostas, dando a cada uma delas o mesmo peso no cômputo total. Teoricamente, não existe nenhuma justificativa para tal procedimento. Pode-se pensar, por exemplo, que algumas questões têm mais conteúdo informacional do que outras, para medir a transparência do BC. Desta forma, não estaria necessariamente descartada a possibilidade de reversão do resultado, ao se atribuírem pesos (e importâncias) diferentes para as diversas perguntas. Ou seja, não necessariamente se poderia concluir que o BoE tem uma atuação mais transparente do que o Bacen.

No entanto, independentemente dos pesos atribuídos para as diferentes perguntas, a conclusão se mantém. Isto é, o BoE é mais transparente do que o Bacen. A explicação é simples. Das 15 perguntas propostas, as respostas são iguais para os dois BCs em 11 delas.16 16 As respostas são negativas para as seguintes perguntas: 1, 5, 8, 9, 11 e 15. As respostas são positivas para as seguintes perguntas: 2, 3, 6, 7 e 12. Para todas as demais perguntas nas quais as respostas são diferentes para os dois BCs (perguntas 4, 10, 13 e 14), as respostas são positivas para o BoE e negativas para o Bacen. Portanto, o BoE é tão transparente quanto o Bacen quando mensurado em onze das quinze perguntas do questionário. Levando em consideração as demais perguntas, a sua atuação se mostra mais transparente. Por conseguinte, o resultado final baseado no questionário proposto é inequívoco, no sentido de uma atuação mais transparente do BoE vis-à-vis o Bacen.

CONCLUSÃO

Realizou-se neste trabalho uma análise comparativa do atual nível de transparência do Bacen. Foram comparados o nível de transparência do Bacen e do seu modelo inspirador, o BoE, em relação: (i) às suas decisões de política monetária, (ii) à divulgação de suas visões futuras a respeito da economia, (iii) às suas intervenções no mercado financeiro e, por fim, (iv) se são estabelecidas claras restrições e limites para a divulgação de informações para o público em geral. Quinze perguntas foram elaboradas sobre estes tópicos. Por ter um menor número de repostas afirmativas para estas perguntas, cinco (5) contra nove (9), a análise sugere que o Bacen é menos transparente do que o BoE.

A comparação sugere que o Bacen possui um comitê de política monetária menos individualista que o BoE. É questionável, no entanto, se o Bacen deveria adotar procedimentos para ter um comitê mais individualista como, por exemplo, divulgar como vota cada membro do COPOM ou até permitir explicações individuais dos seus membros. Isto porque a teoria econômica não indica qual é o tipo de comitê mais adequado.

Por outro lado, alguns procedimentos adicionais poderiam ser adotados pelo Bacen, o que o tornaria mais transparente. Isto pode ser feito sem comprometer a sua capacidade de cumprir com os seus objetivos de política monetária. Alguns exemplos de procedimentos, alguns nem mesmo adotados pelo BoE, que podem ser adotados pelo Bacen são: (i) o fornecimento de informações suficientes que permitam ao mercado replicar suas previsões de inflação, (ii) a divulgação de "conditional forward tracks" para a taxa de juros, (iii) a divulgação de atas das reuniões que decidem as intervenções no mercado financeiro, e (iv) a regulamentação de sob que circunstâncias intervenções no mercado financeiro não devem ser divulgadas.

Numa possível regulamentação do artigo 192 da Constituição, que rege a atuação do Bacen, é importante não somente consolidar os ganhos de transparência já obtidos17 17 Para uma discussão dos ganhos de transparência ocorridas na forma de atuação do Bacen depois da implantação do regime de metas de inflação, ver Andrade (2004). quando da implantação do regime de metas de inflação em 1999, como também incorporar outros, como os sugeridos acima.

Submetido: fevereiro 2004; aceito: dezembro 2004.

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  • VICKERS, J. (1998). "Inflation Targeting in Practice: The UK Experience". Bank of England Quarterly Bulletin, vol. 38, nş 4, pp. 368-75.

apêndice

  • *
    Agradeço a Giovanna Franco Rocca pela excelente assistência nesta pesquisa e aos comentários e sugestões de dois pareceristas. Eventuais erros são de minha responsabilidade.
  • 1
    São os seguintes os BCs analisados: Canadá, Estados Unidos, Europeu, Inglaterra e Japão.
  • 2
    Ver discussão mais detalhada em Andrade (2004).
  • 3
    A
    tabela 1 está no
    apêndiceapêndice.
  • 4
    Enquanto presidente do Bacen, Armínio Fraga realizou algumas entrevistas coletivas após a divulgação da decisão de política monetária. No entanto, a regra na atuação do Bacen não é do presidente conceder entrevista coletiva após a decisão do Comitê de Política Monetária (COPOM).
  • 5
    Este é o caso, por exemplo, do Banco do Japão (BOJ).
  • 6
    As respostas para as perguntas 2 a 5 são negativas e positivas, respectivamente, para o ECB e o BOJ.
  • 7
    Sobre isto, ver discussão em Andrade (2004).
  • 8
    Para maiores detalhes sobre este assunto, ver Buiter (1999).
  • 9
    No caso brasileiro, por exemplo, até recentemente o Bacen não divulgava a trajetória completa da taxa de câmbio futura utilizada para as suas previsões de inflação. Para uma análise crítica do Relatório de Inflação do Bacen, ver CSFB Garantia (2001).
  • 10
    O autor não tem conhecimento da existência de um órgão independente com esta função em atuação no mundo.
  • 11
    Atualmente, somente o Banco Central da Nova Zelândia (RBNZ) divulga "conditional forward tracks" para a taxa de juros. Além disto, o RBNZ também divulga metas de curto e médio prazos para variáveis reais da economia. Estes e outros aspectos da atuação deste BC o colocam na vanguarda quando o assunto é transparência.
  • 12
    Ver discussão em Andrade (2004).
  • 13
    Para maiores detalhes, ver Andrade (2004).
  • 14
    Para uma discussão teórica sobre este assunto, ver Andrade (2004).
  • 15
    No segundo semestre de 2001, o Bacen realizou uma entrevista coletiva e anunciou que passaria a intervir no mercado de câmbio vendendo US$ 50 milhões, diariamente, até o final do ano. Esta é, sem dúvida, uma postura bastante transparente desta instituição.
  • 16
    As respostas são negativas para as seguintes perguntas: 1, 5, 8, 9, 11 e 15. As respostas são positivas para as seguintes perguntas: 2, 3, 6, 7 e 12.
  • 17
    Para uma discussão dos ganhos de transparência ocorridas na forma de atuação do Bacen depois da implantação do regime de metas de inflação, ver Andrade (2004).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Recebido
      Fev 2004
    • Aceito
      Dez 2004
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