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Capacitação tecnológica e Catching Up: o caso das regiões metropolitanas emergentes brasileiras

Technological capacity and Catching Up: the case of the Brazilian emerging metropolitan areas

Resumo

Since the 1970's the loss of industrial output share of Sao Paulo Metropolitan Area relative to Brazil's industrial output has been explained by a process of "reversal polarization". This article aims to analyze the catching up effect of variables of productive efficiency, such as technological capacity and labor force skill. The main point is to analyze if the behavior of these variables favored or reduced desagglomeration of Sao Paulo city and the resulting agglomeration effect on Brazilian emerging metropolitan areas. Utilizing the Household Sample Survey (PNAD) of the Brazilian Geography and Statistics Institute (IBGE) we will test if there has been technological catching up between São Paulo (defined as the frontier) and second-tier metropolis of southern Brazil (Belo Horizonte, Curitiba and Porto Alegre). A set of panel data tests the importance of the variables referred to on spatial distribution of Brazilian industry.

technology; catching up; metropolitan areas; Brazil


technology; catching up; metropolitan areas; Brazil

ARTIGO

Capacitação tecnológica e Catching Up: o caso das regiões metropolitanas emergentes brasileiras

Technological capacity and Catching Up: the case of the Brazilian emerging metropolitan areas

Mauro Borges LemosI; Bruno CamposII; Elenice BiaziIII; Fabiana SantosIV

IProfessor do Departamento de Ciências Econômicas/Cedeplar da Universidade Federal de Minas Gerais, e-mail: mbl@cedeplar.ufmg.br

IIPesquisador/consultor em Economia, e-mail: camposbc@yahoo.com.br

IIIProfessora do Centro Superior de Educação Tecnológica - CEFET/MG, e-mail biazzi@dppg.cefetmg.br

IVCoordenadora Executiva do Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-TEC), e-mail: fabiana@cedeplar.ufmg.br

ABSTRACT

Since the 1970's the loss of industrial output share of Sao Paulo Metropolitan Area relative to Brazil's industrial output has been explained by a process of "reversal polarization". This article aims to analyze the catching up effect of variables of productive efficiency, such as technological capacity and labor force skill. The main point is to analyze if the behavior of these variables favored or reduced desagglomeration of Sao Paulo city and the resulting agglomeration effect on Brazilian emerging metropolitan areas. Utilizing the Household Sample Survey (PNAD) of the Brazilian Geography and Statistics Institute (IBGE) we will test if there has been technological catching up between São Paulo (defined as the frontier) and second-tier metropolis of southern Brazil (Belo Horizonte, Curitiba and Porto Alegre). A set of panel data tests the importance of the variables referred to on spatial distribution of Brazilian industry.

Key words: technology; catching up; metropolitan areas; Brazil.

JEL Classification: O; O-18.

INTRODUÇÃO

A distribuição espacial da produção industrial brasileira tem passado por intensas modificações. A característica mais marcante destas mudanças reside na perda relativa de participação da área metropolitana de São Paulo no produto industrial brasileiro. Este processo de desconcentração resulta da emergência de economias líquidas de desaglomeração na capital paulista e da criação de economias de aglomeração em outros centros urbanos do país. Em particular, como ressalta Diniz (1993), tais economias de aglomeração emergem em um número limitado de áreas, evidenciando um desenvolvimento poligonal no Sul-Sudeste do Brasil.

Nesse sentido, estudos têm sido desenvolvidos com o intuito de identificar economias de aglomeração e desaglomeração nos diversos centros industriais brasileiros, concentrando-se, sobretudo, nos diferenciais de infra-estrutura e custos urbanos (Lemos et al., 2003b). O presente artigo contribui para esse debate ao propor uma análise dos diferenciais de inovação e capacitação da força de trabalho entre as metrópoles emergentes integrantes do chamado "polígono de desenvolvimento" (Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre) e a metrópole primaz (São Paulo), buscando identificar a capacidade aglomerativa ou desaglomerativa dessas variáveis e, portanto, o potencial de tais regiões em alcançar (catch up)1 1 O conceito de catching up empregado compreende a capacidade de centros secundários de absorver técnicas e conhecimentos gerados nos centros líderes, de forma a permitir que aqueles "alcancem" os níveis de produtividade destes e, portanto, reduzam o hiato tecnológico (e de desenvolvimento econômico) que os separa. os níveis de produtividade da metrópole paulista.

A escolha daquelas regiões metropolitanas do polígono como foco da análise se justifica pelo seu maior dinamismo no tocante ao crescimento industrial nas últimas décadas. A não inclusão do Rio de Janeiro é explicada pelo fato de que essa área metropolitana, que integra a lista dos pólos industriais mais tradicionais do país, sofreu significativa desaceleração no desenvolvimento industrial em passado recente, com indícios de reversão dessa tendência apenas no final da década de 90, graças à vitalidade da indústria extrativa mineral.

Além desta introdução e da conclusão, o artigo é composto por outras três seções. A seção 2 apresenta as principais referências teóricas da pesquisa. A seção 3 traz breves descrições da metodologia adotada e da base de dados utilizada. Por fim, a seção 4 descreve os principais resultados estatísticos e econométricos alcançados.

DESCONCENTRAÇÃO INDUSTRIAL NO BRASIL E CATCHING UP

A perda de participação relativa no produto industrial brasileiro da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) tem sido objeto de vários estudos que tentam identificar um processo de polarização reversa (reversal polarization) na indústria brasileira. Subjacente a essa discussão encontram-se os conceitos de economias de aglomeração, desaglomeração e urbanização, tratados, na literatura econômica, desde os trabalhos clássicos de Von Thünen, Lösch e Isard (Lemos, 1988) até as recentes contribuições da chamada nova economia geográfica (Fujita et al, 1999; Huriot e Thisse, 2000; Fujita e Thisse, 2002).

Há relativo consenso nessa literatura de que as atividades econômicas, sobretudo as industriais, tenderiam a se localizar nos centros urbanos, exigindo destes uma escala urbana mínima abaixo da qual seria difícil a internalização do crescimento sustentado. A partir desse tamanho mínimo, aumentos agregados na demanda incorreriam em economias urbanas de escala, delineando o potencial aglomerativo da região. Todavia, à medida que esses centros urbanos crescem, passam a apresentar deseconomias de aglomeração decorrentes da elevação dos custos de fatores, como solo urbano e força de trabalho, além de problemas relacionados à difícil acessibilidade, excessiva verticalização, dentre outros (Azzoni, 1986:43).

O grande peso dos fatores desaglomerativos observados na RMSP, desde a década de 70, aliado ao surgimento de fatores aglomerativos em outras localidades, poderia, então, estar caracterizando um processo de reversão de polarização, apontado, primeiramente, por Richardson (1980:67) como "o ponto de mudança quando as tendências de polarização espacial na economia nacional dão lugar a um processo de dispersão espacial para fora da região central, em direção a outras regiões do sistema".2 2 Tradução extraída de Azzoni (1986:25).

Os primeiros diagnósticos do processo de polarização reversa em São Paulo remontam aos anos 80, baseando-se tanto em evidências econômicas como demográficas. Dentre os mais importantes, os trabalhos de Azzoni (1986, 1990) assinalam a migração dos investimentos para outras áreas mais rentáveis como resposta à queda da taxa do excedente industrial em São Paulo. Sua argumentação é a de que as economias de aglomeração transcenderiam o espaço urbano restrito da metrópole, assumindo traços regionais, o que balizaria o espraiamento dos investimentos para uma área restrita dentro do próprio estado de São Paulo.3 3 Para Azzoni, essa "dimensão regional" seria delimitada por um raio de aproximadamente 150 quilômetros em torno da RMSP.

Já Diniz (1993) argumenta que, após um processo mais generalizado de dispersão espacial no território nacional, os efeitos das deseconomias de aglomeração na RMSP resultariam no surgimento de economias de aglomeração em um limitado número de novos pólos de crescimento ou regiões, localizados no próprio Estado de São Paulo ou relativamente próximos a ele, caracterizando o chamado "Desenvolvimento Poligonal".4 4 A expansão industrial compreenderia a região geográfica, excluindo a RMSP, delimitada pelo polígono com os seguintes vértices: Belo Horizonte, Uberlândia, Londrina/Maringá, Porto Alegre, Florianópolis, São José dos Campos. Além das já mencionadas economias de aglomeração e desaglomeração, outros fatores seriam de igual importância na ocorrência dessa "desconcentração concentrada". Conforme Diniz (1993), os pólos ou regiões do polígono teriam se beneficiado de: (1) disponibilidade de recursos naturais; (2) políticas governamentais de redução dos desequilíbrios inter-regionais, por meio de investimentos diretos, melhorias de infra-estrutura, além de incentivos fiscais; (3) acirramento da competição inter-empresarial para ocupação de novos espaços e mercados, associado à unificação do mercado nacional promovida pela expansão e desenvolvimento da infra-estrutura de transportes e comunicações; (4) concentração pessoal e espacial da renda, criando uma área de mercado de elevado poder de compra; e (5) concentração de atividades de pesquisa, necessárias aos novos investimentos, mais intensivos em conhecimento e mais demandantes de atividades de serviços complementares complexos.

A hipótese do desenvolvimento poligonal é corroborada por Diniz e Crocco (1996:94-6). Estes autores mostram que, simultaneamente à estagnação de dez Áreas Industriais Relevantes (AIR)5 5 Configura uma AIR uma microrregião homogênea com mais de 10.000 empregos formais na indústria. nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro (sendo cinco em São Paulo), 52 outras AIRs, localizadas na região centro-sul do país, demonstraram elevado dinamismo, apresentando taxas de crescimento do emprego industrial nacional bem acima da taxa de crescimento nacional.

A dinâmica do desenvolvimento das quatro regiões metropolitanas, objeto de nossa análise, é particularmente ressaltada no estudo de Lemos et al (2003b). De acordo com os autores, São Paulo confirma sua posição de liderança no que se refere aos fatores aglomerativos relacionados à indústria. Os elevados índices de produtividade do trabalho, infra-estrutura urbana e taxa de participação da população ativa são, todavia, contrabalançados pelo também considerável peso dos fatores desaglomerativos, tais como renda fundiária urbana, acessibilidade/transportabilidade e verticalização.

As Regiões Metropolitanas de Curitiba (RMC) e Porto Alegre (RMPA) confirmam o potencial para o desenvolvimento de vantagens comparativas, uma vez que demonstram boa performance no tocante aos fatores aglomerativos, associada com baixos custos relativos de transportabilidade e verticalização. Por seu turno, a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) encontra-se em posição desfavorável comparativamente às duas anteriores em termos de fatores aglomerativos, mas, em compensação, apresenta fatores desaglomerativos menores que os das RMs sulinas.

O poder de atratividade das regiões do polígono é, ainda, salientado por Lemos e Diniz (2000) e Lemos e Crocco (2000) em análises comparativas entre as RMs de Belo Horizonte e Curitiba. Segundo eles, a proximidade desses centros em relação aos pólos nacionais (SP e RJ) os permite usufruir, com maior facilidade, dos serviços sofisticados disponíveis nessas metrópoles, e os possibilita, ainda, ofertar outros bens e serviços para aqueles grandes mercados consumidores. Ademais, o fato de essas regiões apresentarem menores custos urbanos e serem geograficamente próximas ao complexo paulista viabiliza o "compartilhamento das relações interindustriais", favorecendo a complementaridade da produção entre esses estados (Lemos e Diniz, 2000:539-540).

No caso específico de nosso estudo, é de particular interesse o fato de que, no novo paradigma tecnológico, às vantagens locacionais tradicionais — disponibilidade de recursos e expansão da infra-estrutura urbana — sobrepõem-se novas vantagens localizadas, associadas à existência de capacitações e de infra-estrutura científica e de serviços modernos, necessárias à difusão do conhecimento e, portanto, à expansão dos novos investimentos mais intensivos em conhecimento. Conforme salienta Diniz (1993:40), a efetivação do processo de desconcentração é resultado, também, da ampliação do mercado regional e da difusão do conhecimento, fundamental para que a região possa realizar o catching up, inaugurando um ciclo virtuoso de desenvolvimento.

Na literatura sobre o assunto, a possibilidade de imitação de tecnologias já existentes é considerada uma das principais vantagens das regiões emergentes no sentido de reverter a posição de atraso tecnológico. Entretanto, a possibilidade de realizar o catching up só é efetiva quando as regiões emergentes apresentam requisitos mínimos de "capacitações sociais" (social capabilities). Como destaca Abramovitz (1986), tal conceito compreende: a implementação de órgãos institucionais, de pesquisa, fomento e cooperação; desenvolvimento da infra-estrutura educacional e de valorização da força de trabalho; e a fixação de condições macroeconômicas e monetárias que sejam capazes de garantir a mobilidade de recursos, objetivando a exploração de tecnologias externas.

No entanto, o sucesso da implementação de um processo de catching up não se limita apenas à execução eficiente da fase imitadora. É necessário, também, que o país crie um ambiente propício à capacidade inovadora, capaz de aperfeiçoar tecnologias já existentes e desenvolver inovações (Dosi, 1988). Para isto, faz-se necessário o desenvolvimento de um sólido "Sistema Nacional de Inovação" (SNI), por meio do qual se cria um ambiente seletivo adequado, que minimiza a incerteza e endogeneiza o progresso tecnológico (Albuquerque, 1997). Somente com a geração própria de tecnologia, o país conseguirá superar o "gargalo" levantado por Perez e Soete (1988), qual seja, a capacidade de gerar novas tecnologias, em oposição à simples "utilização" de tecnologias existentes, e, assim, produzir bens de capital e não apenas insumos e bens de consumo industrializados.6 6 Kaldor (1966) prevê que uma região só atinge o estágio pleno de desenvolvimento econômico a partir do momento em que é capaz de exportar bens de capital.

Em estudo que analisa os SNIs de diferentes países, Albuquerque (1999) aponta a atraso relativo dos indicadores brasileiros quando comparados aos de outros países em desenvolvimento, sobretudo os chamados "Tigres Asiáticos". A observância de ainda consideráveis taxas de analfabetismo e baixos níveis de escolaridade, combinada com a falta de interação entre os segmentos de pesquisa e tecnologia, coloca o Brasil em posição de desvantagem para a consolidação de um processo de catching up.

No caso de processos de catching up entre regiões de um mesmo país, estes são facilitados, pois tais regiões não apresentam rígidas restrições ao movimento de capital, trabalho e conhecimento, como as verificadas em âmbito internacional. Hirschman (1958) sustenta que o processo de desenvolvimento regional passa pelo surgimento dos chamados "pólos de crescimento", capazes de deflagrar o progresso das regiões em sua volta. Apesar desse processo trazer consigo conseqüências negativas relacionadas principalmente ao agravamento das disparidades regionais, ele promove também efeitos positivos, sobretudo os chamados "efeitos de fluência", que alavancam o processo de desenvolvimento através da complementaridade regional.

Seguindo a lógica desta análise, uma região emergente, além de primar pela interação produtiva com a região de fronteira, deve desenvolver a complementaridade inter-regional entre as esferas de pesquisa e tecnologia, pilares do SNI. Desta forma, é possível gerar o que ficou conhecido na literatura como "efeitos de transbordamento" (spillovers) de conhecimento. Estes são imprescindíveis ao desenvolvimento econômico, pois, para uma indústria dependente de inovações tecnológicas, o potencial científico será tão importante quanto a infra-estrutura urbana e financeira.

Deve-se levar em conta, ainda, que a incerteza quanto aos resultados de qualquer pesquisa e o caráter público inerente ao conhecimento científico acabam servindo de desestímulo ao investimento privado em ciência básica. Assim sendo, o investimento público em pesquisa básica e acadêmica poderia se revelar um fator aglomerativo para determinados ramos da indústria, dependentes de inovações tecnológicas recorrentes. Todavia, caberia às empresas a implantação de departamentos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) capazes de transformar o conhecimento científico em novas tecnologias (Pavitt, 1991).

Inserida nessa discussão, tem-se uma questão fundamental, qual seja, aquela relacionada à capacitação do pessoal envolvido em produção e pesquisa — aqui tratada como "capital humano" — que, da mesma forma, exerceria importante papel na atratividade de novos investimentos. A idéia subjacente ao tema é a de que os recursos humanos devem ser encarados como uma forma de capital, resultado intrínseco de uma decisão de investimento. Embora seja difícil enumerar todos os tipos de investimento incorporados pelo indivíduo, capazes de provocar uma melhora em seu desempenho, pode-se citar algumas categorias como: alimentação, habitação, saúde, formação cultural-familiar, educação formal e treinamento profissionalizante. A dificuldade de mensuração de todas estas variáveis acabou por conduzir os estudos que envolvem este tema à utilização da variável mais emblemática e mais facilmente medida, qual seja, a educação formal. Estipulou-se, então, uma relação de causalidade (com comprovação empírica) entre escolaridade e retornos produtivos. Por esta razão, diz-se que o estoque de educação, incorporado pelo indivíduo, constitui uma forma de "capital humano", essencial à eficiência produtiva.

No intuito de sistematizar esses conceitos num modelo que permita capturar a dinâmica convergente ou divergente do desenvolvimento das regiões metropolitanas pesquisadas, este estudo se propõe a utilizar um modelo de catching up elaborado por Fagerberg (1988), além do instrumental analítico desenvolvido por Abramovitz (1986).

As contribuições deste último se referem, principalmente, aos testes da hipótese da ocorrência de catching up — ou seja, de convergência ou divergência tecnológica — por meio da mensuração do grau de proximidade tecnológica entre os países, com base nos diferenciais de produtividade e sua variação ao longo do tempo.7 7 O argumento encontra-se mais detalhado na seção 4 do presente artigo.

Já o modelo evolucionário de Fagerberg (1988) parte da hipótese de que o diferencial de crescimento entre países é explicado a partir da interação entre inovação e imitação/difusão nos países líderes e nos seguidores. Esta idéia pode ser expressa da seguinte forma:

onde:

Q = nível de produção em um centro retardatário (país ou região);

Z = constante;

D = difusão do conhecimento gerado nos centros líderes (produtores de novas tecnologias), para os centros retardatários;

N = inovação gerada internamente no centro retardatário;

C = capacidade do centro retardatário de absorver e explorar produtivamente os ganhos de conhecimento tecnológico acumulado.

Diferenciando a expressão para captar as taxas de crescimento, tem-se:

É lógico supor que o potencial da contribuição da difusão do conhecimento (d) para o crescimento econômico depende da diferença entre o nível de conhecimento do centro retardatário (T) e o conhecimento do centro na fronteira tecnológica (Tf). Assim, quanto maior o conhecimento interno, menos o país tende a se beneficiar de inovações desenvolvidas externamente. Daí:

que pode substituir d na expressão (2):

Portanto, o crescimento econômico dependeria de três fatores:

(i) Difusão do conhecimento por imitação;

(ii) Capacitação inovativa desenvolvida internamente;

(iii) Desenvolvimento da capacidade do centro retardatário em absorver e explorar produtivamente os benefícios da tecnologia acumulada (p. ex.: qualificação da força de trabalho).

A partir da formalização, percebe-se que o modelo admite a importância da "imitação" durante o processo de redução do hiato tecnológico, mas explicita também sua contribuição decrescente e a importância crescente da capacidade própria de inovação para o desenvolvimento econômico, argumentos centrais neste estudo, que testa essa modelagem na seção 4 sob a ótica do crescimento regional entre centros metropolitanos.

METODOLOGIA DE TRATAMENTO DOS DADOS

Base de Dados

Para explicar a dinâmica da absorção tecnológica entre os centros metropolitanos enfocados neste estudo será usada, como base de dados principal, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Como base de dados complementar serão usadas estatísticas do United States Patent and Trademark Office (USPTO).

A série histórica é composta por todos os anos em que a PNAD foi realizada nas últimas duas décadas, com exceção do ano de 1988. Assim, a base de dados fica constituída pelos anos de 1981-87, 1989, 1992-93, 1995-99, ajustada em função das mudanças metodológicas desses sub-períodos. Apesar das limitações dessa pesquisa amostral, sua utilização se justifica pela credibilidade, periodicidade e adaptabilidade a estudos de economia urbana.

A construção das variáveis substitutas do modelo baseou-se nos seguintes critérios:

  • para a variável produtividade do trabalho (

    q), substituta da eficiência do nível do produto agregado,

    8 8 Ainda que esta produtividade reflita não apenas o progresso técnico, mas também a simples substituição entre os fatores trabalho e capital. utilizou-se a razão entre a soma dos rendimentos domiciliares do trabalho principal em cada RM, ponderada pelo peso de cada domicílio, e a soma dos trabalhadores ocupados da RM, também ponderada. O resultado encontrado remete, portanto, ao rendimento per capita do trabalho principal de cada unidade metropolitana estudada. Para fins da modelagem, os valores monetários de cada período foram convertidos para reais de agosto de 2001, com base no Índice Geral de Preços da Fundação Getúlio Vargas (IGP-FGV);

    9 9 Fonte: SUMA ECONÔMICA, Agosto, 2001.

  • como variável substituta da difusão e capacidade de absorção de conhecimento relevante (

    T/Tf) — que pode ser definida como o hiato tecnológico invertido

    H —, optou-se pelo uso do somatório do pessoal ocupado em atividades ligadas às áreas de formação tecnológica,

    10 10 Foram selecionadas as seguintes ocupações: engenheiros, arquitetos e especialistas assemelhados; ocupações auxiliares da engenharia e arquitetura; químicos, farmacêuticos, físicos e especialistas assemelhados; ocupações auxiliares da química, farmácia e física; agrônomos, biologistas, veterinários e especialistas assemelhados; matemáticos, estatísticos e analistas de sistemas; outras ocupações técnicas, científicas e assemelhadas. ponderado pelo peso de cada pessoa na amostra, dividido pelo somatório, também ponderado, do pessoal ocupado com formação superior em todas as áreas acadêmicas (ciências humanas, sociais, exatas, biológicas, etc.). O quociente obtido para cada RM estudada foi dividido pelo quociente obtido para a RMSP, de forma a captar a diferença de potencial de geração tecnológica entre as metrópoles emergentes e a metrópole de fronteira tecnológica regional;

  • para expressar a capacitação tecnológica acumulada (

    c) foi utilizada a variável substituta capital humano através da informação disponível para anos de estudo. A média de anos de estudos de cada RM foi ponderada pela população economicamente ativa (PEA). Tal escolha se justifica no sentido de que se pretende medir o potencial da força de trabalho local ofertada;

  • para medir a capacidade de inovação de cada RM (

    n), a variável substituta escolhida foi o número de patentes registradas junto ao USPTO, referência internacional de capacitação inovadora. Com intuito de captar e amenizar as oscilações ao longo da série histórica, aproveitando todas a informações disponíveis, foram incluídas também as informações de patentes dos anos faltantes da PNAD. Assim, para os anos mais próximos às lacunas na série, utilizou-se a média de patentes entre os anos incluídos e excluídos

    11 11 As combinações entre os anos foram: 1988 com 1987, 1990 com 1989, 1991 com 1992 e 1994 com 1993. . Uma vez que os registros de patentes estavam desagregados em âmbito municipal, foram feitas agregações dos municípios componentes da RM, em conformidade com a classificação do IBGE.

A Estimação de Dados em Painel

Objetivando identificar um possível processo de catching up das regiões metropolitanas emergentes, fez-se uma adaptação da metodologia de Abramovitz (1986). Tal metodologia fundamenta-se, basicamente, na análise da correlação entre o nível de produtividade inicial e sua respectiva taxa de crescimento, além de avaliar a convergência dos padrões técnicos entre as regiões pelos critérios da média e do coeficiente de variação.

O passo seguinte consistiu na estimação de um painel, baseado no modelo apresentado na seção 2. A análise de dados em painel (ou longitudinal) envolve, resumidamente, uma avaliação conjunta de dados em cortes transversais (cross section) observados também no tempo (séries temporais). As principais vantagens deste tipo de estimação são controle da heterogeneidade individual, aumento da eficiência pelo maior número de observações (aumento dos graus de liberdade e redução da colinearidade), incorporação da análise temporal (mais adequada para estudar dinâmicas de ajustamento) e, por fim, melhoria da especificação dos modelos. Em contrapartida, as limitações estão relacionadas aos problemas de abrangência, cobertura e sistematicidade dos dados, que se tornam mais complexos neste tipo de estimação (Baltagi, 1996:37).

Foi utilizado o método dos Mínimos Quadrados Generalizados (GLS — Generalized Least Squares) ou Modelo de Efeitos Aleatórios. Neste método, os termos constantes de cada indivíduo são aleatoriamente distribuídos ao longo de cada cross section componente do painel. Os interceptos abrigam um grupo de perturbações análogas aos erros, a não ser pelo fato de que, para cada grupo, existe apenas uma regressão em cada período (Greene, 2000:567-9). Admite-se que tais perturbações interferem na variável dependente, mas não estão incluídas explicitamente na modelagem.

Genericamente, o método apresenta a seguinte equação:

onde:

yit = variável dependente relacionada com cada corte transversal e cada período;

a = constante;

b T = coeficiente da variável independente;

xit = variável independente relacionada com cada corte transversal e cada período;

ui = termo aleatório relacionado com a observação, constante no tempo;

e it = erro relacionado com cada corte transversal e cada período.

TESTE DA HIPÓTESE DE CATCHING UP PARA AS REGIÕES METROPOLITANAS BRASILEIRAS DE SEGUNDO NÍVEL

Teste da hipótese de Abramovitz

Segundo a hipótese de catching up de Abramovitz (1986), o patamar de desenvolvimento de um país, localizado na fronteira tecnológica, estaria diretamente relacionado ao seu elevado estoque inicial de capital, condicionando o crescimento da produtividade às novas descobertas tecnológicas. Já nos países abaixo da fronteira, onde o estoque inicial de capital é menor, a melhora nos níveis de produtividade é potencialmente mais elástica e envolve menores custos, uma vez que pode ser inicialmente alcançada através da "imitação" de tecnologias já existentes. O autor testou essa hipótese para dezesseis países ao longo dos séculos XIX e XX, encontrando uma relação inversa entre o nível inicial e a taxa de crescimento da produtividade do trabalho.

Ao repetir este mesmo exercício, com o intuito de testar a existência de catching up das três RMs brasileiras de segundo nível (RMBH, RMC e RMPA) em relação à RMSP, procura-se medir a tendência à convergência ou divergência tecnológica, ao longo dos últimos vinte anos, entre as áreas urbano-industriais emergentes do "polígono" e o centro da economia nacional. A RMSP é definida como pólo industrial de fronteira em razão de sua liderança e pujança econômica desde a primeira metade do século XX (Silva, 1976).

As Tabelas 1 e 2 trazem os índices de produtividade do trabalho das RMs estudadas, tomando a produtividade da RMSP como 100. Os valores demonstram uma clara liderança desta última, ainda que, nos anos de 1984 e 1985, a RMPA tenha conseguido ultrapassá-la. Os dados indicam, também, relativa estabilidade no ordenamento hierárquico entre as quatro regiões, onde São Paulo aparece como a RM com maior nível de produtividade do trabalho nas duas décadas, seguida, respectivamente, pelas RMs sulinas e por Belo Horizonte.

Estimações de tendência da taxa anual de crescimento, realizadas através do método de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO), e apresentadas na Tabela 3, indicam a consolidação da posição de liderança da RMSP, que apresentou as maiores taxas de crescimento para todos os sub-períodos propostos. Ou seja, estes dados mostram que a taxa de crescimento da participação da metrópole paulista na produtividade é maior que a das metrópoles de segundo nível, acentuando o hiato tecnológico existente entre elas.

Os valores modestos dos coeficientes de variação da participação na produtividade do trabalho por RM indicam, por sua vez, certa estabilidade nos níveis relativos de produtividade ao longo das duas décadas analisadas, embora a RMSP seja a mais estável. Tal fato poderia ser explicado pelo elevado nível de participação inicial da produtividade desse centro. Todavia, ainda que a participação da produtividade do trabalho das regiões emergentes tenha variado um pouco mais, esta variabilidade não indica a reversão da condição de atraso relativo de tais centros emergentes em contraposição ao centro primaz.

Para comprovar a convergência ou divergência tecnológica entre países, Abramovitz (1986) sugere a comparação das médias e dos coeficientes de variação da produtividade do trabalho ao longo da série histórica, captando a dinâmica desta variável no tempo para o conjunto dos países ou regiões. A Tabela 4 reproduz esse exercício para as regiões enfocadas neste estudo. Chama atenção a trajetória ascendente da média da participação na produtividade das RMs emergentes até o ano de 1985, quando começa a recuar, estabilizando-se em torno dos oitenta pontos durante da década de 90. Tal fenômeno pode estar relacionado com o fato de que, no início da década de 80, a desconcentração industrial de São Paulo experimentou um de seus períodos mais intensos, caminhando para um arrefecimento posterior (Diniz, 1993).

Outro fato importante é que estes resultados confirmam que a RMSP se distanciou das RMs emergentes em seu conjunto, visto que estas registraram, no agregado, uma perda relativa de participação na produtividade do trabalho superior a três pontos entre os dois períodos extremos da análise. De fato, o coeficiente de variação apresenta uma visível alta quando se comparam estes mesmos períodos. Apesar de não seguir uma tendência uniforme, a trajetória de razoável crescimento deste indicador (especialmente na década de 90) se choca com a idéia de redução do hiato tecnológico entre as RMs do centro-sul brasileiro.

A Tabela 5 apresenta os testes de correlação entre o nível inicial e as taxas de crescimento da participação na produtividade do trabalho dos quatro centros metropolitanos analisados. Tomou-se como referência o primeiro ano da análise (1981), correlacionando as taxas médias de crescimento anual de forma cumulativa. Um resultado negativo para este tipo de análise confirma a hipótese de catching up, sendo que, neste caso, as regiões com maior nível inicial de produtividade devem apresentar as menores taxas de crescimento e vice-versa.

Os resultados obtidos apontam para uma redução na disparidade tecnológica durante quase toda a década de 80, embora o cálculo da correlação acumulada, nesse período, tenha ficado bem próximo de zero, indicando inércia na redução do hiato regional. Este resultado confirma a hipótese, já citada anteriormente, de que a desconcentração industrial da metrópole paulista se deu de forma bem mais contundente durante aquele período.

A correlação dessas variáveis nos anos 90 confirma os resultados estatísticos já apresentados, que mostram que as RMs do polígono tendem a divergir do nível tecnológico observado na RMSP ao longo dessa última década. Os efeitos da desaceleração do processo de polarização reversa, combinados com os resultados da abertura comercial, da estabilidade monetária e da estagnação econômica — fatores marcantes da última década — têm-se mostrado negativos para a competitividade das metrópoles de segunda linha, emperrando o processo de convergência da produtividade.

Há de se mencionar que os valores da produtividade do trabalho para a RMSP são certamente alavancados pela alta concentração do setor de serviços modernos na região. O pioneirismo industrial desse centro, possivelmente, foi responsável pelo efeito de arraste do setor secundário sobre o terciário, possibilitando que este último viesse a ocupar posição de liderança no crescimento do produto metropolitano (Lemos et al, 2003a).

Tal cenário vai ao encontro de proposições sugeridas pela literatura que trata da "Nova Divisão Internacional do Trabalho". Para Nabuco (1989), o final do século XX é marcado pela redefinição do papel do setor terciário, que passa a comandar a esfera produtiva a partir de centros altamente especializados em serviços. Assim, as áreas periféricas do capitalismo acolheriam o processo de produção, enquanto as decisões gerenciais da indústria continuariam sendo comandadas pelos centros tradicionais. Deste modo, o processo de desconcentração industrial em São Paulo incluiria apenas os setores efetivamente ligados à produção, sendo que os fluxos de serviços altamente rentáveis, relacionados às decisões produtivas e à integração entre o local e o global, permaneceriam neste núcleo (Compans, 1999).

Para Diniz e Gonçalves (2000), a migração efetiva de plantas industriais registradas durante o processo de polarização reversa só foi relevante nos setores industriais mais poluentes ou menos sofisticados (como os setores tradicionais de cimento, vestuário, calçados, têxtil, dentre outros), enquanto que no chamado "núcleo duro" da indústria o surgimento de novos investimentos foi bem mais significativo do que a re-localização substitutiva dos mesmos.

Analisando separadamente o entorno de cada RM estudada, a RMBH é essencialmente caracterizada por um complexo industrial relacionado à produção de bens ligados ao núcleo mínero-metalúrgico, que progrediu na hierarquia industrial para a metal-mecânica com a instalação da FIAT Automóveis na década de 70, a qual induziu o desenvolvimento e integração dos elos das indústrias automotiva e mecânica na região.

A RMC, aproveitando-se de sua proximidade geográfica com São Paulo, vem ampliando sua participação nos setores industriais de material elétrico, eletrônico e de transportes, este, fortalecido recentemente, com a instalação de montadoras de automóveis. Entretanto, a base industrial regional permanece fortemente ligada à agroindústria, pilar inicial de sua industrialização.

Por sua vez, a RMPA mantém significativa participação nos setores tradicionais da indústria, sobretudo calçadista, vestuário e alimentos. Ao longo dos anos, entretanto, pôde contar com importantes ações governamentais no sentido de promover o pólo petroquímico e apresentou uma considerável evolução no setor da mecânica, especialmente de bens de capital.

Já a RMSP continua concentrando as maiores fatias da produção nacional nos setores ligados à metal-mecânica. Os elevados níveis de sofisticação e integração neste segmento constituem ambientes propícios para a geração e difusão do progresso técnico, possibilitando a re-alimentação do dinamismo econômico metropolitano (BDMG, 2002).

A Tabela 6 traz informações sobre a participação, no mercado nacional, dos setores da indústria de bens de capital, por unidade federativa em 2000. A liderança irrefutável do estado de São Paulo, na quase totalidade dessas categorias, reafirma sua condição de fronteira tecnológica, uma vez que concentra as indústrias mais importantes do ponto de vista da geração e incorporação de inovações. Ainda que estes dados não estejam disponíveis no âmbito das RMs, eles são esclarecedores por revelar que, se houve perda de participação relativa da RMSP nos setores constituintes do "núcleo duro" da indústria, esta perda favoreceu a indústria do interior do estado, enquanto a participação das RMs emergentes, no sentido de atrair tais investimentos, permaneceu limitada.

Outro indicativo da vantagem competitiva de São Paulo, no tocante à atração de investimentos em setores sofisticados da indústria, relaciona-se à solidez das instituições de fomento nessa região. Segundo Diniz e Gonçalves (2000:6), apenas em 1998, a Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) destinou recursos às instituições de pesquisa, espalhadas pelo estado, superiores aos recursos concedidos pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para todo o país. Tal fato já evidencia quão concentrado encontra-se o processo de desenvolvimento tecnológico no Brasil.

Teste do modelo de catching up

Os dados a seguir descrevem as variáveis utilizadas como componentes explicativos do nosso modelo de catching up para as RMs em análise, bem como o hiato de conhecimento (H) relacionado à capacidade de imitação, à capacidade de inovação (n) e à capacitação tecnológica acumulada (c), medida pela qualificação da força de trabalho.

As Tabelas 7 e 8 trazem a distribuição percentual dos empregos ligados às áreas de formação tecnológica, relacionada a H, para as décadas de 80 e 90, entre as RMs brasileiras, conforme classificação apresentada na seção 3. É nítido o distanciamento da RMSP com relação às demais RMs do país, visto que essa metrópole manteve uma participação em torno de 40% no número de profissionais e técnicos ligados à área tecnológica entre todas as RMs do país ao longo das décadas analisadas. Os números para as demais RMs também são estáveis, apontando Belo Horizonte com ligeira vantagem em relação às outras regiões emergentes. Deve ser destacado, também, que o agregado das "demais regiões" mantém uma participação mais próxima à RMSP, resultado que, em grande medida, deve estar associado ao desempenho da metrópole do Rio de Janeiro.

A análise da distribuição relativa desta variável oferece uma boa noção acerca da concentração dos profissionais ligados à inovação dentre as RMs brasileiras. Todavia, merece ressalva o fato de que neste indicador, em especial, o número absoluto também é elucidativo, visto que quanto maior o número de profissionais integrados regionalmente, maiores os ganhos de escala advindos da sinergia entre esses agentes.

Passando às Tabelas 9 e 10, tem-se uma dimensão dos resultados provocados pelo investimento desequilibrado inter-regionalmente na geração de conhecimento, originário da variável n. O número de patentes registradas junto ao USPTO confirma a supremacia paulista no tocante à inovação técnica. A participação relativa da RMSP no total de patentes registradas pelo país, nas últimas décadas, nunca foi inferior a um terço e registrou ganho de aproximadamente 15% entre as médias das duas últimas décadas. Em contrapartida, as demais RMs tiveram pouca participação no total de patentes do país, demonstrando um potencial de geração tecnológica praticamente estável e pouco significativo.

Considerando-se que o país, como um todo, se encontra em posição de atraso tecnológico em comparação aos países desenvolvidos e possui pequena capacidade de reversão dessa realidade, relativamente à apresentada pelos "Tigres Asiáticos", pode-se concluir que a posição das RMs emergentes é ainda mais delicada, exigindo medidas efetivas de esforço tecnológico (Albuquerque, 1999).

Por fim, a análise de capacitação da força de trabalho, medida através do número médio de anos de estudo da População Economicamente Ativa (PEA), expressa pela variável c, mostra um cenário de disparidade menos acentuada entre a RMSP e as RMs emergentes (Tabelas 11 e 12). Chama atenção a performance da metrópole gaúcha ao longo da década de 80, quando a qualificação média de sua força de trabalho foi superior à paulista. Contudo, com o passar dos anos, o centro metropolitano primaz, mais uma vez, confirmou a tendência de distanciamento em relação aos demais no que se refere às variáveis qualitativas até aqui abordadas.

Ainda com base nas Tabelas 11 e 12, é possível observar a RMBH novamente em desvantagem, não apenas em relação à RMSP, mas também em relação às RMs do Sul. Até 1999, esta foi a única, entre as quatros RMs, a registrar média de anos de estudo abaixo de 7, deixando transparecer que os "gargalos" de conhecimento e capital humano, a serem contornados por essa metrópole são ainda maiores, a julgar por sua performance neste e em outros indicadores.

O Quadro 1 traz o resultado do modelo estimado. A estimação de dados em painel foi estruturada agrupando-se as várias cross section que compõem o estudo, de forma a captar a variação dos efeitos dos componentes explicativos entre as RMs ao longo da série histórica. Optou-se pela estimação que usa o Teste de White para Covariância Consistente (White Heteroskedasticity Consistent Covariance) de forma a minimizar os efeitos heterocedásticos no modelo.12 12 O método computacional usado foi o Eviews.


As variáveis de produtividade do trabalho, número médio de anos de estudo e hiato de capacitação técnica foram logaritmadas de forma a reduzir o desvio padrão dos coeficientes, homogeneizando as unidades. O teste de hipótese para efeito de grupo foi altamente significativo, apresentando um resultado de 404,76 contra o valor tabelado de 4,17 da Distribuição F, indicada nesse teste. Rejeitou-se, assim, com significância de 1%, a hipótese de que os efeitos explicativos da variável sejam os mesmos para todos os anos da amostra, o que corrobora o poder explicativo do painel.

O teste de Lagrange (LM) foi estimado em 5,75, resultado satisfatório a 5% de significância, o que nos leva a aceitar a hipótese de aleatoriedade nas observações. Já o teste de Hausman, que compara os ajustes entre os modelos de Efeitos Fixos e Aleatórios, foi estimado em 0,38,13 13 Os resultados do modelo de efeitos fixos foram subtraídos dos resultados do modelo de efeitos variáveis, invertendo-se a formulação original. Tal artifício foi proposto para que o resultado do teste se tornasse positivo, conforme é usual. enquanto que o valor tabelado do Qui-quadrado, usual neste teste, é de 7,81. Tal resultado não significativo indica que os erros do modelo são não-correlacionados. Assim, a literatura sugere a utilização do método dos Mínimos Quadrados Generalizados (GLS) ou Efeitos Aleatórios em detrimento do método dos Mínimos Quadrados com Variáveis Dummy (LSDV) ou Efeitos Fixos.

O ajuste econométrico mais adequado para o modelo foi o GLS ponderado pelos efeitos da cross section (GLS Transformed Regression). Neste ajuste, o teste de Durbin-Watson para autocorrelação foi de 2,45, indicando uma indeterminação quanto ao diagnóstico desse problema. Entretanto, pela própria característica de eficiência dos modelos em painel, a dimensão desse problema é reduzida (Baltagi, 1996).

O poder de explicação das variáveis selecionadas para a regressão se mostra altamente satisfatório, com o R2 ajustado superior a 94%. As significâncias dos coeficientes das variáveis independentes também são satisfatórias com intervalo de confiança de 95% (t-statistic > 1,96).

Os três coeficientes apresentam sinais positivos, como esperado pelo modelo teórico. A capacitação tecnológica local (ln c) e o esforço interno de inovação (n) explicam parte substantiva das diferenças de nível de produtividade urbana (ln q) das quatro regiões metropolitanas durante os anos analisados. O coeficiente da variável do hiato tecnológico invertido (ln H), relacionado à taxa de difusão, explica uma parcela menos substantiva das diferenças de (ln q). Assim, a maior vantagem de catching up das regiões emergentes pela via de menor esforço, a difusão tecnológica, é a menos importante para explicar a evolução das diferenças dos níveis de produtividade urbana metropolitana das RMs estudadas nas últimas décadas.

Este resultado é consistente com o teste negativo da hipótese Abramovitz do catching up e reforça a necessidade de adoção, nas RMs emergentes, de políticas de incentivo à pesquisa e capacitação da força de trabalho. Tais políticas tecnológicas ativas permitiriam a obtenção de melhores níveis de produtividade urbana e, assim, de taxas de crescimento sustentado dessas RMs, de tal forma a possibilitar o processo de catching up.

A comprovação das hipóteses do modelo de Fagerberg (1988) reafirma as vantagens comparativas atribuídas a RMSP no tocante à concentração de indústrias de alta tecnologia. Percebe-se que o diferencial de produtividade do trabalho entre as RMs estudadas é explicado, também, pela menor capacidade técnica das áreas emergentes, e não apenas pelo insipiente processo de difusão (imitação) diagnosticado com os testes de Abramovitz (1986).

É possível detectar pelo menos um dos componentes que integram os efeitos aleatórios do modelo. Uma análise dos interceptos de cada ano deixa transparecer uma relação direta entre o nível de atividade econômica e o nível da produtividade do trabalho. Para a segunda metade da década de 80, percebe-se valores negativos entre as constantes anuais, com exceção de 1986, ano em que o crescimento econômico foi claramente influenciado pelos efeitos positivos do Plano Cruzado.

Os efeitos da abertura comercial e da recessão dos anos posteriores a 1989 estão refletidos no sinal negativo dos coeficientes, que perduraram até o ano de 1995, quando a atividade econômica foi beneficiada pela a estabilidade econômica alcançada com o Plano Real. Todavia, o desaquecimento da economia, no final da década de 90, fez com que os coeficientes, mais uma vez, se tornassem negativos em 1998.

De forma geral, pode-se afirmar que os contrastes regionais relacionados às capacidades tecnológica e da força de trabalho, claramente percebidos entre as RMs aqui abordadas, são decisivos para a intensificação da divergência nas taxas de evolução do nível de produtividade do trabalho metropolitano. A não realização do catching up pode ainda estar sendo influenciada pelo desempenho macroeconômico, que se soma aos fatores estruturais para a concentração regional das atividades industriais de ponta no centro-sul do Brasil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Inúmeros foram os esforços empreendidos no sentido de reverter a condição de atraso tecnológico da indústria brasileira nos últimos quarenta anos. Contudo, a falta de recursos que vem atingido os setores de ciência e tecnologia contribuiu para a redução dos incentivos institucionais, num estágio em que as desigualdades regionais são ainda contundentes.

O instrumental analítico, proposto neste artigo, sugere uma interpretação de que o processo de reversão da polarização diagnosticado no Brasil tem sido um fenômeno ligado, em grande medida, à migração dos setores tradicionais da indústria, favorecidos por economias de aglomeração geradas, sobretudo, a partir de incentivos estatais, de infra-estrutura urbana e transportes, dentre outros.

O estudo verifica, ainda, que as variáveis de tecnologia, inovação e qualificação da força de trabalho funcionam como fator de atração de empresas de ponta para a RMSP. A insuficiência das capacidades tecnológicas das metrópoles de segundo nível pode representar um fator decisivo na possibilidade destas regiões em atrair os segmentos mais sofisticados da indústria.

A nítida concentração espacial das capacidades sociais da economia brasileira se configura como impedimento estrutural para um desenvolvimento econômico que seja mais dinâmico e menos desigual.

Submetido: Abril 2004; aceito: Abril 2005.

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  • SUMA ECONÔMICA (2001), n. 280, v. agosto, p. 17.
  • 1
    O conceito de
    catching up empregado compreende a capacidade de centros secundários de absorver técnicas e conhecimentos gerados nos centros líderes, de forma a permitir que aqueles "alcancem" os níveis de produtividade destes e, portanto, reduzam o hiato tecnológico (e de desenvolvimento econômico) que os separa.
  • 2
    Tradução extraída de Azzoni (1986:25).
  • 3
    Para Azzoni, essa "dimensão regional" seria delimitada por um raio de aproximadamente 150 quilômetros em torno da RMSP.
  • 4
    A expansão industrial compreenderia a região geográfica, excluindo a RMSP, delimitada pelo polígono com os seguintes vértices: Belo Horizonte, Uberlândia, Londrina/Maringá, Porto Alegre, Florianópolis, São José dos Campos.
  • 5
    Configura uma AIR uma microrregião homogênea com mais de 10.000 empregos formais na indústria.
  • 6
    Kaldor (1966) prevê que uma região só atinge o estágio pleno de desenvolvimento econômico a partir do momento em que é capaz de exportar bens de capital.
  • 7
    O argumento encontra-se mais detalhado na seção 4 do presente artigo.
  • 8
    Ainda que esta produtividade reflita não apenas o progresso técnico, mas também a simples substituição entre os fatores trabalho e capital.
  • 9
    Fonte: SUMA ECONÔMICA, Agosto, 2001.
  • 10
    Foram selecionadas as seguintes ocupações: engenheiros, arquitetos e especialistas assemelhados; ocupações auxiliares da engenharia e arquitetura; químicos, farmacêuticos, físicos e especialistas assemelhados; ocupações auxiliares da química, farmácia e física; agrônomos, biologistas, veterinários e especialistas assemelhados; matemáticos, estatísticos e analistas de sistemas; outras ocupações técnicas, científicas e assemelhadas.
  • 11
    As combinações entre os anos foram: 1988 com 1987, 1990 com 1989, 1991 com 1992 e 1994 com 1993.
  • 12
    O método computacional usado foi o Eviews.
  • 13
    Os resultados do modelo de efeitos fixos foram subtraídos dos resultados do modelo de efeitos variáveis, invertendo-se a formulação original. Tal artifício foi proposto para que o resultado do teste se tornasse positivo, conforme é usual.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Mar 2006

    Histórico

    • Aceito
      Abr 2005
    • Recebido
      Abr 2004
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