Acessibilidade / Reportar erro

Governos autoritários e câmbio nos países latino-americanos

Resumo

Authoritarian governments and exchange rate policy in Latin American countries. Our aim on this paper is to identify the exchange rate policies used by Authoritarian governments in Latin America during the 170’s and 180’s. The literature shows that the focus of the exchange rate policy was on inflation control, which was not consistent with the evidence. We show on this paper that these governments aimed at a undervalued currency because of the behavior of the external balance of the countries.

exchange rates; Latin America; political institutions


exchange rates; Latin America; political institutions

ARTIGOS

Governos autoritários e câmbio nos países latino-americanos

Cláudio Ribeiro Lucinda; Paulo Roberto Arvate* * Os autores agradecem o financiamento do GV/Pesquisa.

Professores da FGV/EAESP e EESP, Rua Itapeva, 474, São Paulo. E-mails: claudiolucinda@fgvsp.br e parvate@fgvsp.br

ABSTRACT

Authoritarian governments and exchange rate policy in Latin American countries. Our aim on this paper is to identify the exchange rate policies used by Authoritarian governments in Latin America during the 170’s and 180’s. The literature shows that the focus of the exchange rate policy was on inflation control, which was not consistent with the evidence. We show on this paper that these governments aimed at a undervalued currency because of the behavior of the external balance of the countries.

Key-words: exchange rates, Latin America, political institutions.

JEL classification: N16, F41, H19.

1. INTRODUÇÃO

Quando buscamos na literatura que política cambial seria mais condizente com um regime autoritário, descobrimos que a mesma não passaria de uma regra com dupla finalidade: substituir a transparência não encontrada no lado da política e controlar as expectativas inflacionárias.

A tese de que a regra na política cambial substituiria a falta de transparência política vem da comparação que se faz entre o conjunto de decisões tomadas no âmbito da política e a própria regra em si. Em um regime autoritário todas as decisões políticas são tomadas de forma discricionária. Na regra estabelecida isso não funciona: o governo possibilita aos agentes entender qual será o processo de decisão. Daí a idéia de transparência e da possibilidade de substituição de uma coisa inexistente (discricionária) por outra existente (regra).1 1 Leblang (1999) e Broz (2000).

Por um outro lado, certamente a parte relativa ao controle das expectativas e seus efeitos sobre o processo inflacionário não fazem o menor sentido para os países latino-americanos que passaram por experiências de governos autoritários entre os anos 70 e 80. Principalmente porque o controle da inflação nunca foi a preocupação de nenhum regime de governo existente; democrático ou autoritário.2 2 Todos os países que farão parte deste trabalho (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Peru e México) passaram por experiências de períodos autoritários entre os anos 70 e 80. Basta observar que nesse período, por exemplo, a média de inflação alcançada no México foi de 26,36% ao ano e a média de inflação no Brasil foi de 209,05% ao ano.3 3 World Development Indicadors, 2003.

Diante disso, pode-se fazer uma pergunta: existiu outra finalidade na política cambial além daquela de dar transparência política ao regime autoritário? Se existiu, qual seria?

Duas respostas são possíveis em vista do que a literatura nos apresentou: 1) o governo autoritário continuou a ser fiel à proposta do projeto da industrialização substituidora de importações (ISI):4 4 A estratégia da ISI iniciou-se após a Segunda Grande Guerra e terminou definitivamente na década de 80. O Brasil foi o último país latino-americano a romper com esta estratégia quando derrubou grande parte das proteções comerciais (tarifas e restrições quantitativas) entre 1990 e 1991. manteve um câmbio valorizado para atender a interesses de grupos específicos do projeto;5 5 Sobre o projeto de 'industrialização Substituidora de importações', veja Baer e Kerstenetzky (1964), Abreu, Bevilacqua e Pinho (1997), Frieden, Ghezzi e Stein (2000) e Sapelli (2002). 2) o governo autoritário buscou, através de sua força, um câmbio desvalorizado como forma de reagir às crises externas, independente dos efeitos que essa medida teria sobre a inflação.6 6 Essa leitura é possível de ser feita tendo como base a última fase do ciclo do populismo econômico descrito em Dornbusch and Edwards (1989). Veja também Sachs (1989) e Bresser-Pereira(1991).

Diante dessas opções, montamos o objetivo deste trabalho: verificar qual foi à opção de política cambial dos governos autoritários nos países latino-americanos entre as décadas de 70 e 80.

Para atingir esse objetivo, utilizaremos cinco seções fora essa introdução. Na próxima seção apresentaremos um pequeno relato sobre o que foi a ‘industrialização substituidora de importações’ para que fique claro o momento histórico no qual se decidiram as diferentes políticas cambiais. Na terceira seção discutiremos a perspectiva da literatura sobre o que se pode esperar em termos de câmbio como resultado da influência de variáveis econômicas e políticas. Na quarta seção realizaremos testes empíricos para verificarmos qual das opções é a melhor para o nosso conjunto de países. Na quinta seção fecharemos o trabalho com os principais resultados.

2. O PROJETO DA INDUSTRIALIZAÇÃO SUBSTITUIDORA DE IMPORTAÇÕES (ISI)7

Entre a Segunda Guerra mundial e o final dos anos 80, muitos países latino-americanos adotaram uma política industrial voltada para a produção local de bens que até o momento eram importados. Esta política surgiu como resposta à deterioração dos termos de troca dos bens comercializados internacionalmente por esses países. Nesse quadro, não se enxergava qualquer esforço político no sentido de se adotar uma idéia alternativa em termos de crescimento que não passasse pela dinâmica e pujança dos mercados internos. Era impraticável um crescimento sustentado pelas exportações.8 8 Sapelli (2002): "Moreover, since the crisis of the ISI strategy was triggered by deterioration of the terms of trade (TOT) after the Korean War, the intellectual pendulum tilted toward intensifying ISI. This TOT shock was a particularly strong, but came in the context of several such shocks suffered since the late twenties. These TOT shocks had generated a strong opposition to export led growth and a broad measure of support for policies explicitly favoring industrialization, that was ratified in the fifties". ,9 9 O projeto de ISI dos países latino-americanos foi muito diferente daquele adotado nos países asiáticos. No início a estratégia de ambos era a mesma mas depois os países asiáticos adotaram uma estratégia de crescimento puxado pelas exportações. Veja Bruton (1998).

Na realidade, o que se convencionou chamar de política industrial no projeto da ISI era na verdade uma política comercial bastante restritiva. Utilizavam-se todos os instrumentos possíveis, entre eles tarifas e quotas, com a finalidade de fazer com que a demanda interna de manufaturados fosse atendida exclusivamente por produtores domésticos. A proteção doméstica efetiva era tão alta que a produção de qualquer produto ou insumo era competitivo em termos do mercado doméstico.10 10 A proteção efetiva era muito mais alta do que a tarifa isolada para um único produto quando se computa a proteção integral observada na cadeia de produção como um todo. O problema desta escolha foi o custo de tal proteção: preços elevados internamente, mercados concentrados devido à pouca concorrência (muitos produtores operavam abaixo da escala ótima de eficiência) e à ausência de incentivos para investimentos em tecnologia (principalmente em capital humano). Mesmo assim, a proteção interna gerou elevadas taxas de crescimento do produto em decorrência do espaço ocupado pelos produtores domésticos. Os consumidores internos, atendidos antes por produtores internos e externos, passaram a ser atendidos apenas pelos internos. Quando havia a necessidade de se expandir à capacidade produtiva — bens de capital — ou de se suprir a falta de insumos cuja produção não era possível domesticamente, permitia-se a importação. Privilegiavam-se os importadores escolhidos por meio de uma taxa de câmbio valorizada. Tal escolha era altamente discricionária.

Do ponto de vista dos consumidores internos, com essa política comercial restritiva, não fazia a menor diferença qual seria a taxa de câmbio. Se mudanças ocorressem, elas afetariam apenas o grupo de importadores escolhidos pelo governo.

Mesmo nessas condições, o saldo do balanço de pagamentos em transações correntes quase sempre foi deficitário e financiado externamente. Este financiamento foi possível devido à grande oferta de recursos internacionais existente. Esta abundância de recursos vigorou do final da Segunda Guerra até a crise mexicana em 1983.11 11 O México era um produtor de petróleo e pediu a moratória de sua dívida externa. Esta posição unilateral fez com que os credores revissem sua posição de empréstimos aos países em desenvolvimento. Logo após a guerra, em diferentes velocidades, os países que ainda não tinham revisto a sua estratégia da ISI, começaram a fazê-lo. A crise mexicana foi um tiro de misericórdia na ISI. Para se ter uma idéia sobre as diferentes velocidades de ajuste mencionadas, o Brasil, por exemplo, só eliminou suas barreiras comerciais no início dos anos noventa.

Não contando mais com o financiamento externo para o balanço de pagamentos, o que mais nos chamou a atenção no processo de ajuste dos países latino-americanos durante a década de oitenta foi a resposta das exportações de manufaturados às desvalorizações reais do câmbio. Como o setor de manufaturados foi desenvolvido dentro de uma economia pouco competitiva, acreditava-se não ser possível existir uma resposta na exportação desses produtos a uma desvalorização cambial. Para surpresa geral, não foi o que se observou. E isso, em grande parte, foi o que permitiu a esses países enfrentarem a crise externa. De qualquer forma, Pazos (1986) lembrou que:

"the United States and Germany developed their economies under a system of protection and went on to become leading world exports; and, troughout the 20th century, Japan, with a tightly protected market, has been an outstanding exporter". (p. 67)

PERSPECTIVAS TEÓRICAS

Existe um longo caminho trilhado na literatura destacando a influência de variáveis políticas e econômicas no processo de decisão. Entre os diversos trabalhos existentes, Alesina, Cohen e Roubini (1993) demonstraram que ciclos políticos influenciaram os instrumentos de política fiscal e monetária. Especificamente em termos de política cambial, Broz e Frieden (2001) destacaram que as escolhas de um câmbio mais valorizado ou desvalorizado envolvem ponderações econômicas e políticas.

Ponderações econômicas e políticas estariam baseadas numa análise tradicional de custo-benefício. Nas ponderações econômicas, fica claro que na decisão de câmbio existe uma escolha entre a competitividade da economia e a paridade de poder de compra. A escolha por uma política que leve a um câmbio mais valorizado determina dois resultados: um custo maior para a economia percebido na sua perda de competitividade e um benefício dado no custo dos produtos importados para os consumidores residentes. Em sentido oposto, a escolha por um câmbio mais desvalorizado leva a um aumento na competitividade da economia (beneficio) e a um custo maior para os consumidores.

Por sua vez, ponderações políticas aconteceriam devido às diferenças de peso político dos diversos grupos de interesse. Embora não se saiba com clareza as relações entre grupos de interesse, políticos e políticas, esse reconhecimento nos permite considerar a idéia de que "pressões" serão realizadas sobre os tomadores de decisão de forma a beneficiar mais (ou prejudicar menos) os grupos onde esse peso é maior.

Considerados os elementos pertinentes à decisão, vejamos que efeitos as variáveis econômicas e políticas teriam sobre a taxa de câmbio.

3.1. Variáveis econômicas

A oferta de moeda, a renda real e o prêmio de risco estão entre as variáveis econômicas que influenciam a taxa de câmbio. A oferta de moeda doméstica é uma variável importante na determinação da taxa de câmbio em dois dos mais conhecidos modelos: o de preços flexíveis (monetário) e o de preços fixos (no curto prazo).12 12 Existe uma boa resenha sobre esses modelos em Taylor (1995). Veja também Mundell (1963) sobre o modelo monetário. ,13 13 Veja Dornbusch (1976) e Taylor (1995) sobre o modelo de preços fixos no curto prazo. A influência da oferta de moeda é descrita por variações no seu fluxo: à medida que se aumenta a oferta nominal de moeda relativamente ao estoque de moeda externa — tudo o mais constante — tanto no modelo de preços flexíveis quanto no modelo de preços fixos, existiria uma desvalorização da moeda doméstica em relação à externa. No modelo de preços flexíveis a desvalorização será imediata; no modelo de preços fixos, a desvalorização será obtida apenas no longo prazo devido à rigidez inicial dos preços.14 14 Existem outros modelos de determinação do câmbio. Veja Taylor (1995). Como nossa preocupação neste artigo está centralizada em questões relativas à influência de variáveis políticas na determinação do câmbio, usaremos apenas o modelo de preços flexíveis e de preços rígidos no curto prazo para justificar a inclusão de variáveis econômicas. De qualquer forma, outros modelos não prescindem dessas variáveis.

A renda real doméstica é outra variável tradicionalmente utilizada nesses modelos. Seu efeito sobre o câmbio é o oposto daquele descrito para a oferta de moeda. Por exemplo, no modelo de preços flexíveis, um aumento na renda real doméstica — outras variáveis permanecendo constantes — determinaria um aumento na demanda de moeda doméstica. Em atenção a este aumento, residentes domésticos reduziriam seus gastos e os preços cairiam até que o mercado monetário voltasse a se equilibrar. Pela paridade de poder de compra, a queda dos preços domésticos implicaria numa valorização da moeda doméstica em termos da moeda externa.

O prêmio de risco é uma variável utilizada para captar o efeito da eficiência dos mercados. Julgamos necessária sua inclusão no nosso desenvolvimento dada as características dos países naquele momento. Eram fortes as restrições em relação à movimentação de capital. Pretendemos captar o prêmio de risco através do diferencial entre a taxa de juros doméstica e a taxa de juros internacional. Se ele ocorrer, existiria o que tecnicamente se costuma chamar de "condição de paridade juros descoberta". Pelo que se observou na literatura, as causas da não eficiência dos mercados são devidas à intervenção e regulação dos governos, restrições financeiras e imperfeições existentes no mercado de capitais.15 15 Veja Frieden, Ghezzi e Stein (2000) sobre o controle de capital em países latino-americanos. Muitos relatos apontam evidências dessas práticas e, portanto, como decorrência, há uma grande possibilidade de que tenha existido um prêmio de risco. Certamente, o crescimento desse prêmio determinaria uma depreciação na taxa de câmbio. Este movimento ocorreria via redução na demanda por moeda doméstica.16 16 Observe que pela nossa construção a taxa de juros doméstica será endógena.

3.2. Variáveis políticas

Eleições, regime de governo e a fragmentação do legislativo estão entre as variáveis utilizadas para captar a influência de variáveis políticas na determinação da taxa de câmbio.

Klein e Marion (1997), Leblang, (2000), Broz e Frieden (2001) e Bonomo e Terra (2001) mostraram que as eleições têm influencia na determinação da taxa de câmbio.17 17 Veja no apêndice 1 alguns relatos sobre o efeito de eleições na determinação do câmbio em países latino-americanos. Existiria um ciclo associado às eleições claramente definido. Antes delas, governos sinalizariam um ganho de consumo em termos de bens internacionais aos consumidores/votantes por praticarem uma política que levaria a um câmbio valorizado. Depois das mesmas, governos apresentariam a conta desta política por meio de uma desvalorização. Há um benefício explícito de curto prazo nesta escolha em face dos objetivos eleitorais: o que importa ao governo seria o benefício em termos de votos que essa prática traria. Com o objetivo realizado, após as eleições, não valeria mais a pena continuar com uma inconsistência externa.

Esse tipo de argumentação não se aplica ao período da ISI. Com a política comercial montada, antes ou depois das eleições, era irrelevante para os consumidores se a taxa de câmbio estava valorizada para determinar o seu poder de compra em bens internacionais. A demanda dos consumidores domésticos seria atendida apenas pela oferta doméstica. A única coisa que poderia incomodar os consumidores/votantes era a inflação. Como a valorização ou a desvalorização afetava a inflação, a construção de um ciclo eleitoral estaria presa a essa relação.18 18 Dornbusch e Edwards (1989), Sachs e Morales (1988) e Dornbusch e Werner (1994) apresentam boas descrições sobre a história inflacionária de alguns países latino-americanos dentro desse período. Considerando-a, governos poderiam optar por não fazer uma desvalorização cambial antes das eleições. Se a taxa de câmbio antes da eleição era valorizada, seria para evitar que a inflação aumentasse. A desvalorização, ocorrendo após a eleição, teria vínculos com a possibilidade de um déficit em transações correntes ou, talvez, com a falta de financiamento externo. A tentativa de não alimentar a inflação acabaria por determinar o comportamento da taxa de câmbio no momento da eleição. No ambiente de inflação e de restrição comercial que se tinha, a taxa de câmbio condicionada pelo ciclo eleitoral não estaria relacionada a possíveis ganhos de poder de compra dos consumidores domésticos com produtos importados. Estaria associada à inflação.

Buscando na literatura qual seria a influência de um regime de governo sobre a taxa de câmbio (valorizada/desvalorizada), percebemos que não existiria uma relação direta entre eles. Leblang (1999) e Broz (2000) demonstraram que o regime de governo (democrático ou autoritário) possui uma elevada correlação com o regime cambial escolhido (fixo, peg e flutuante).19 19 Observa-se na história dos países latino-americanos que conviveram com inflação uma tentativa de atrelar as movimentações da taxa nominal de câmbio às da inflação para evitar uma valorização real. Veja algumas descrições desse procedimento em Dornbusch e Edwards (1989). Segundo eles, regimes autoritários prefeririam uma taxa nominal de câmbio baseada em uma regra (fixo ou peg) com o intuito de condicionar a política monetária. Com a utilização de uma regra, entenderíamos que seria possível reduzir a discricionariedade da política monetária e não comprometer a estabilidade dos preços. Para Broz e Frieden (2001) o argumento mais competente que justifica esta posição seria o de que a "transparency of a pegged regime it a preferred commitment technology in authoritarian systems." (p. 330)

Como se fossem substitutos um do outro, trocaríamos a transparência política pela transparência de uma regra cambial. De maneira complementar, a regra ajudaria ainda no combate à inflação ao controlar as expectativas.

Em sentido oposto, o regime democrático, que já apresenta transparência nas suas decisões, não necessitaria de uma regra para indicar essa transparência. A sociedade, oposição e imprensa controlariam as ações do governo e a inflação.

Apesar de não trabalharem com a escolha entre regime autoritário e democrático, mas entre ditadura (um dos tipos de autoritarismo) e democracia, Frieden, Ghezzi e Stein (2000) enfatizaram também o objetivo dos governos ditatoriais em controlar a inflação escolhendo uma política com taxa de câmbio fixa. Segundo esses autores, tal escolha estaria relacionada aos objetivos antiinflacionários desses governos que seriam facilmente conquistados por sua força política. No mesmo trabalho, eles estenderam sua análise e lançaram também a possibilidade de ditadores estarem atendendo a grupos de interesse com a sua política cambial: "[...] dictatorships tend to be comparatively more attuned to interest groups, from whom they derive rents, and less to the large population at large, [...]. (p. 21)

Não nos parece que a escolha do câmbio nos períodos autoritários em países latino-americanos tenha ocorrido dessa forma. Isso porque a inflação foi muito alta nesses países e, embora admitamos que os regimes autoritários pudessem escolher um câmbio fixo, esta regra não sinalizaria menos inflação da mesma forma que nem a democracia serviria para manter o controle da mesma.20 20 Veja a descrição de Dornbusch and Edwards (1989) sobre ciclos econômicos do populismo.

Dito isso, baseando-nos no que foi visto na literatura, teríamos duas interpretações possíveis sobre qual foi a escolha cambial de regimes autoritários nesses países: 1) o governo autoritário continuou sendo fiel aos interesses colocados na proposta do ISI: produziu com sua política cambial um câmbio valorizado; 2) o governo autoritário pôde, através de sua força, buscar um câmbio desvalorizado independente dos efeitos que o mesmo teria sobre a inflação (dado que o período foi de inflação alta). Esta opção seria condizente com as crises externas vividas por esses países nos anos finais da ISI.

A tabela a seguir apresenta os momentos em que alguns países selecionados passaram por regimes autoritários e democráticos:21 21 São os mesmo países investigados neste trabalho.

Por fim, chegamos ao vínculo de influência mais difícil de se estabelecer: entre grupos de interesse e câmbio. Se buscarmos o óbvio, que essa influência se materialize através do legislativo, Frieden, Ghezzi e Stein (2000) apresentaram a seguinte interpretação sobre a influência da fragmentação do poder legislativo na determinação do regime cambial de países latino-americanos:22 22 Ames (1995) e Harber e MacCarty (2001) já haviam destacado também o papel secundário e de menor expressão do legislativo na realização de políticas em países latino-americanos. legislativos mais fragmentados indicariam oposições fracas e, portanto, uma maior facilidade do governo para construir uma rápida maioria. Seria mais fácil para o governo manter um câmbio valorizado porque ele teria uma coalizão mínima para rapidamente desvalorizar o câmbio quando desejasse. O governo teria melhores condições de suportar o custo político de uma desvalorização em vista do autoritarismo.

Outro argumento poderia apoiar uma conclusão oposta a esta em termos de resultado cambial se admitirmos que o legislativo funciona como o descrito por Ricciuti (2004): um legislativo mais dividido levaria a um número maior de interesses a serem atendidos pelo cxecutivo e aumentaria a conta a ser paga.23 23 "If there is a large number of opposition parties, their interests may be divergent, and some of them may engage in bargaining with the coalition who support the government."(p. 369) Traduzindo este argumento em termos de política cambial: uma maior divisão do poder no legislativo levaria a uma barganha maior e a um câmbio mais de acordo com os interesses dos não privilegiados pelo governo na política explícita da ISI. Legislativos mais divididos abririam boas possibilidades para a "oposição" negociar um câmbio que lhe favoreça. Toda a minoria de descontentes com a política cambial da ISI barganharia com o Executivo suas necessidades em termos cambiais: seria um câmbio mais desvalorizado.

Fora dos mecanismos tradicionais de decisão (executivo/legislativo), Frieden, Ghezzi e Stein (2000) mostraram que descontentes existem e que os mesmos gostariam de um câmbio mais desvalorizado. Existem alguns problemas nesse resultado. O primeiro deles é que falta explicar como esses descontentes influenciariam o câmbio fora do mecanismo institucional de decisão (eles poderiam mostrar de que forma estes grupos de interesse influenciaram a decisão da política cambial dentro da ISI). Entre os setores considerados por eles estariam o de manufaturados, insumos e agricultura (a proxy utilizada para representar cada setor foi a sua participação no Produto Interno Bruto). Somente o setor de manufaturados apresentou um efeito significativo. Seu resultado apontou para uma maior desvalorização da taxa de câmbio à medida que se aumentava sua participação na economia. Este é o segundo problema. Na perspectiva da ISI, trata-se de um resultado surpreendente visto que este setor foi o que mais se beneficiou com a restrição comercial: como dissemos, ele cresceu sem competição externa para atender a demanda doméstica. Não fica claro na estrutura da ISI o porquê do setor de manufaturados. "[...] choose more flexible, pro-competitiveness regimes." (p. 24).

Como alguns países latino-americanos passaram por regimes autoritários e nem sempre o Congresso esteve fechado nesse período,24 24 Veja a tabela A.2.1. do apêndice 2: anos em negrito indicam momentos de regime autoritário. passamos a considerar a possibilidade de que o legislativo poderia ser o principal foco dos "descontentes econômicos" dentro da política estabelecida na ISI.

Tentando incorporar um pouco da visão de Frieden, Ghezzi e Stein (2000) sobre descontentes e câmbio, mesmo não se permitindo reivindicações políticas em períodos autoritários, o legislativo poderia estar aberto a reivindicações econômicas. Dois caminhos distintos de influência do legislativo seriam possíveis sobre o câmbio.

No primeiro, quanto mais dividido o legislativo, mais desvalorizado o câmbio. Mesmo minorias na ISI, a maior divisão do legislativo permitiria uma barganha desses grupos com o executivo no sentido dos mesmos obterem um câmbio que os interessava.

No segundo, o legislativo reuniu os grupos contrários à desvalorização em função do seu impacto sobre a inflação. Algo possível de se vislumbrar quando observamos os relatos existentes na literatura sobre o processo inflacionário dos países latino-americanos.25 25 Fica claro na descrição do apêndice 2 que o processo de inflação no Chile e no Brasil foi influenciado pela desvalorização do câmbio. Essas descrições levaram-nos a admitir a existência de grupos contrários a mesma. Assim, nessa lógica, quanto mais dividido o legislativo, mais valorizado o câmbio.

4. ANÁLISE EMPÍRICA

Foi selecionada uma amostra de países latino-americanos para a realização da análise empírica. Além das características já mencionadas, é preciso notar que esses países tiveram:26 26 Especificamente Argentina, Brasil, Bolívia, Chile (o Chile foi excluído da amostra porque o mesmo estava apresentado problemas na instabilidade dos coeficientes. Pela extensão, os testes que levaram a essa decisão não foram colocados no texto por sugestão de um dos pareceristas anônimos. Quem desejar obtê-los, favor entrar em contato com um dos autores), México e Peru. A dificuldade de se obter séries com uma duração temporal razoável em algumas das variáveis acabou por influenciar o tamanho da amostra.

1. Uma grande influência comercial e de investimento externo dos Estados Unidos;27 27 Pode-se a partir disto concluir que a moeda externa de maior influência para estes países da amostra era o dólar. Frieden, Ghezzi e Stein (2000) destacaram que a grande maioria dos países latinoamericanos trabalhou com um câmbio fixo para uma única moeda.

2. Um resultado deficitário em transações correntes na maior parte dos anos;28 28 Dados do Word Development Indicators, 2003.

Em termos de modelagem econométrica, a análise se inicia com uma especificação básica que engloba tanto as variáveis econômicas quanto as variáveis políticas na determinação da taxa de câmbio:

A tabela 2 a seguir apresenta as definições das variáveis e suas respectivas fontes.

Baseando-nos na descrição anterior, esperamos que: o coeficiente b1 tenha um sinal positivo — se a oferta de moeda doméstica crescer mais rapidamente que a oferta de moeda externa o câmbio irá se desvalorizar; o coeficiente tenha b2 sinal negativo — se a renda real doméstica crescer mais que a renda real externa o câmbio irá se valorizar; o coeficiente b3 tenha sinal positivo — se o diferencial de taxa nominal de juros doméstica for superior à taxa nominal de juros externa o câmbio irá se desvalorizar (efeito do prêmio de risco).

A oferta de moeda externa, renda real externa e taxa nominal de juros externa utilizadas na parte empírica deste trabalho serão da economia americana (EUA).

Por um outro lado, nas variáveis políticas, esperamos que: o coeficiente da variável representativa da eleição b4 tenha sinal negativo (valorização) antes das eleições porque os governos podem ter evitado o impacto das desvalorizações sobre a inflação.

Admitindo-se que o legislativo num regime democrático ou autoritário capturou os interesses econômicos dos não-privilegiados na estratégia cambial da ISI ou de grupos que tentaram evitar uma piora de inflação com desvalorizações, não se pode dizer antecipadamente qual deveria ser o sinal esperado do coeficiente b5 : poderia ser positivo (desvalorização) se predominou a idéia de que existiam grupos descontentes com a estratégia de câmbio do ISI no legislativo e, neste caso, quanto maior a divisão (maior os grupos contrários), por questões de barganha, mais o câmbio foi valorizado; de forma oposta, poderia ser negativo (valorização) se predominou grupos de interesses contrários à desvalorização por questões inflacionárias.

Como em Roubini e Sachs (1989), b6 , tem a finalidade de verificar se o regime autoritário enfraquece o resultado isolado vindo do coeficiente b5 . Esperamos que, predominando o regime autoritário, toda a decisão que venha do congresso seja enfraquecida. Por fim, o sinal b7 poderia ser negativo ou positivo. Podemos esperar duas posições de um governo autoritário: continuou sendo fiel aos interesses colocados na proposta inicial do ISI (valorização) ou trabalhou para manter o câmbio observando apenas os problemas que aconteceram na área externa (desvalorização).

Trabalharemos com dados em painel entre os anos de 1970 e 1989. Alguns problemas ocorreram em relação à estacionariedade das séries29 29 Todas as variáveis econômicas, exceto o diferencial da taxa de crescimento dos países (representativa da renda), mostrou-se não-estacionárias. Desta forma, optou-se por incorporar as variáveis em primeira diferença. e à instabilidade dos coeficientes da amostra que foram devidamente resolvidos.30 30 Fomos obrigados a tratar a estacionariedade das séries econômicas (veja apêndice 3) e eliminar o Chile da amostra porque este país estava causando instabilidade no resultado dos coeficientes (para não tornar o trabalho excessivamente longo, por sugestão de um dos pareceristas, retiramos essa análise. Quem desejar recebê-la, pode entrar em contato com os autores). As séries de alguns países eram incompletas, principalmente na série de taxa de juros utilizada para calcular o prêmio de risco.

A literatura identificou a existência de um problema potencial de simultaneidade na determinação das variáveis econômicas: ou seja, o comportamento dos diferenciais da oferta de moeda, do diferencial de taxas de juros e da taxa de câmbio nominal poderia ser determinado simultaneamente.

Para lidar com este problema, optamos pelo Método de Variáveis Instrumentais. Foram utilizadas como instrumentos as variáveis políticas 4ELEIit, GOVTit e FRAGit, bem como as variáveis econômicas mencionadas na seção anterior defasadas em um ano. A especificação que corresponde a esse conjunto de mudanças será:

Os resultados da estimação com este método estão expostos na tabela 3 a seguir. As duas primeiras colunas referem-se à estimação do modelo somente com variáveis econômicas — utilizando duas definições de oferta de moeda, o agregado monetário M1 e o M2 . Incorporamos nas duas últimas colunas as variáveis políticas.

Com a introdução das variáveis políticas na estimativa para a determinação da taxa de câmbio (colunas 3 e 4), vemos que apenas uma variável econômica permaneceu significativa: o diferencial da taxa de juros — correspondente ao prêmio de risco (na verdade inexistente, sempre zero).31 31 Este resultado não foi o esperado pela nossa descrição anterior.

Em relação às variáveis políticas, o primeiro resultado que nos chamou a atenção foi a não significância das eleições (4ELEIit) na determinação da taxa de câmbio. Esperávamos que a eleição levasse a uma valorização do câmbio. Infelizmente não temos uma dummy eleitoral (ELEIit) como proposto em Alesina et alli (1992, 1993) — uma dummy anual mudando o ano de eleição em função de a eleição ter ocorrido no primeiro ou no segundo semestre do ano.32 32 O primeiro ou segundo semestre são vitais para determinar em que ano se considera a eleição. Eleições no segundo semestre são consideradas como produzindo seus efeitos no ano seguinte. 33 Esta descrição pode ser encontrada em Dornbusch and Edwards (1989). O efeito do câmbio sobre a inflação pode ser visto em Dornbusch, Sturzenegger and Wolf (1990). 34 Esta descrição pode ser encontrada em Dornbusch and Edwards (1989). 35 Esta descrição pode ser vista em Sachs and Morales (1988). 36 Em geral, os valores tabulados do teste ADF são pouco confiáveis para amostras pequenas, em parte devido ao baixo poder do teste. 37 Embora não contida na especificação inicial, a variável TC foi incluída neste teste porque utilizamos esta variável nos testes de estabilidade dos coeficientes e riqueza que eliminaram o Chile da amostra. Enfrentamos alguns problemas e, para não repetirmos o teste em conjunto novamente, optamos por incluir esta variável neste momento. TC é o saldo do balanço de pagamentos em transações correntes. 38 Usamos duas variáveis para representar a oferta de moeda: M1 e M2. 39 Segundo Maddala e Wu (1999), esta estatística de teste possui uma distribuição com c 2 2N graus de liberdade. 40 Não utilizamos este procedimento para as outras séries porque para a obtenção de estatísticas do teste de Maddala e Wu (1999) foi utilizada a aproximação de Mackinnon (1991). Uma vez que estas distribuições não são exatas, optamos por utilizar este teste somente para as situações em que outros testes não eram aplicáveis. O banco de dados primário que utilizamos para a construção das variáveis políticas não nos permitiu o levantamento deste tipo de informação. Talvez a não-significância dessa variável tenha sido resultado da não-construção dessa variável mudando a metodologia.

Pelo sinal encontrado na variável — a fragmentação do poder no legislativo (FRAGit) — a tese desenvolvida sobre os descontentes com a política cambial proposta no ISI prevaleceu. Ao que tudo indica, eles fizeram valer suas reivindicações através do legislativo. Era o canal institucional para fazer valê-las porque, como dissemos, mesmo em períodos autoritários, o legislativo funcionou em alguns países e era possível fazer valer reivindicações econômicas. Fazia parte do jogo institucional. Nos períodos autoritários, o legislativo pode não ter funcionado para divergências de interesses políticos, mas certamente pode ter funcionado para divergências de interesses econômicos. Pelo que se observou, quanto maior foi o número de descontentes com os privilégios da política cambial (expresso pela maior fragmentação), maiores foram os pleitos e conseqüente um câmbio mais desvalorizado.

Observamos ainda que, apesar de já considerarmos na construção da variável (FRAGit) a situação de fechamento ou não do legislativo, o regime autoritário enfraqueceu a influência sobre o câmbio vinda do legislativo. O sinal da variável (6FRAGitxGOVTit) e o tamanho do seu coeficiente em relação ao sinal e tamanho do coeficiente da variável (FRAGit) nos dão essa confirmação. Como o coeficiente da variável (6FRAGitxGOVTit) é maior e contrário ao sinal do coeficiente obtido na variável (FRAGit) isoladamente, concluímos que o período autoritário anulou o efeito das decisões vindas do legislativo. Exatamente o que se esperava.

A nossa maior dúvida, colocada ao início desse trabalho, foi dizimada pelo sinal encontrado na variável (GOVTit). Períodos com governos autoritários determinaram um câmbio mais desvalorizado. Apesar do período autoritário retirar a força do legislativo e da estratégia cambial prescrita na ISI, regimes autoritários foram fortes o suficiente para manter o câmbio desvalorizado entre os anos 70 e 80. Não se importavam de forma alguma com as conseqüências inflacionárias e tinham força suficiente para mudar o câmbio de acordo com problemas vindos da área externa.

5. CONCLUSÕES

Leblang (1999) e Broz (2000) mostraram a preferência de regimes autoritários por uma regra de política cambial com dupla finalidade: substituir a transparência não encontrada na política e controlar as expectativas inflacionárias dos agentes. Certamente governos de regime autoritários ou democráticos nos países latino-americanos entre os anos 70 e 80 não tiveram como estratégia combater a inflação, o que reduz a importância deste argumento para a compreensão da política cambial dos mesmos. Tomando por base a industrialização substituidora de importações (ISI) — a grande maioria dos regimes autoritários dos países latino-americanos esteve inserida nesse contexto — percebemos que a escolha de governos autoritários estaria entre duas opções possíveis: um câmbio mais valorizado para manter os privilégios de alguns com importações ou um câmbio mais desvalorizado ditados pelas crises externas (independente dos efeitos internos em termos de inflação). Os resultados empíricos desse trabalho mostraram que governos autoritários tiveram preferência por um câmbio mais desvalorizado. Sem dúvida, eles privilegiaram as crises externas ao combate da inflação.

Mais dois resultados foram possíveis de obtermos a partir de nossos testes empíricos. O primeiro deles é que uma maior divisão no legislativo levou a um câmbio mais desvalorizado. Pelo nosso entendimento, quanto mais dividido foi o legislativo, mais as minorias de grupos perdedores da estratégia maior da ISI barganharam com o executivo para fazer valer um câmbio desvalorizado. Essa idéia de que legislativos mais divididos favorecem a barganha das minorias foi retirada de Ricciuti (2004). A idéia de possíveis descontentes com a política cambial da ISI foi retirada do resultado controverso de Frieden, Ghezzi e Stein (2000). Controverso por dois motivos: eles não apresentaram o mecanismo institucional segundo o qual o setor manufatureiro reivindicava um câmbio mais desvalorizado (montaram como proxy do setor a sua participação relativa em termos de Produto Interno Bruto e não mostraram como isso se relacionava com a estrutura de poder constituído) e não fazia o menor sentido na estratégia da ISI o setor manufatureiro reivindicar câmbio mais competitivo se ele era o maior beneficiário da estratégia montada na ISI (existia uma forte restrição comercial para ele atender a demanda interna com elevada lucratividade).

O segundo resultado importante é o da eliminação do resultado vindo do legislativo em períodos autoritários. Pode parecer estranho a princípio considerar a influência do poder do legislativo sobre o câmbio em governos autoritários, mas a experiência histórica indica que em tais períodos muitas vezes o legislativo funcionou. Sendo assim, nosso entendimento é de que em períodos autoritários ainda é possível fazer reivindicações econômicas no âmbito do legislativo. Muito embora, admitamos, não foi possível fazer reivindicações políticas.

Por fim, não conseguimos obter qualquer significância da influência do ciclo eleitoral sobre o câmbio. Muitos trabalhos, entre eles os Klein e Marion (1997), Leblang, (2000), Broz e Frieden (2001) e Bonomo e Terra (2001) já tinham demonstrado essa influência. Talvez a falta de significância dessa variável esteja associada a problemas na construção da mesma. Trabalhamos com dados anuais e o ano de eleição entrou com uma dummy de valor um no ano eleitoral e zero nos demais anos. O nosso banco de dados não possuía informações sobre o semestre exato da eleição. Se essa informação existisse, poderíamos ter mudado a construção da dummy como Alesina et alli (1992, 1993) fizeram: eles consideraram eleições ocorridas do segundo semestre como mudanças apenas no ano seguinte.

Submetido: março 2005; aceito: junho 2005.

  • no Chile, ao final do governo Frei (1970), a Unidade Popular (UP), que levou ao poder o presidente Allende (governo de centro-esquerda), terminou com o crawling peg existente da taxa de câmbio por julgar que as desvalorizações alimentavam a inflação;

  • também no Chile, em agosto de 1972, a UP, temendo perder as eleições para as províncias (1973), diante do quadro caótico das reservas internacionais (saindo de US$ 320 milhões em 1970 para US$ 95 milhões em 1972) e uma taxa de câmbio em patamar valorizado devido à inflação interna, resolveu efetuar uma desvalorização (como havia um câmbio para exportação e outro para importação, o câmbio da importação foi mais desvalorizado do que o da exportação);

  • no Brasil, segundo relato de Baer (2001), "Logo após vencer as eleições de 15 de novembro (1986, nossa menção), porém, o governo brasileiro anunciou outro extraordinário programa de ajuste, rapidamente chamado de Cruzado II, cujo foco era um alinhamento de preços e produtos de consumo da ‘classe média’ e aumento dos impostos que incidiam sobre eles. Os preços dos automóveis foram aumentados em 80%; as tarifas dos serviços públicos, em 35%; combustíveis, em 60%; cigarros e bebidas alcoólicas, em 100%; açúcar, em 60%; leite e laticínios, em 100%; restituíram-se as minidesvalorizações cambiais e laçaram-se novos incentivos fiscais para poupadores, medidas estas que visavam esfriar o consumo. Infelizmente, como avisaram muitos economistas na época, os aumento dos preços tendiam a desviar os gastos em vez de estimular a poupança". (p. 165 e 166)

  • na Bolívia, a instabilidade política do período que vai de 1979 a 1985 (várias mudanças de governo) permitiu uma sobrevalorização real do câmbio e um ágio forte no mercado paralelo chegou a 1.400%, que só foi contornado com uma política de câmbio compatível com as necessidades da restrição externa a partir da eleição de Suazo.

Tivemos alguns cuidados iniciais no processo de estimação. Em vista de alguns países da região passarem por processos inflacionários crônicos e/ou hiperinflações abertas, tanto a variável nEit quanto as variáveis (InMit – InM*it), (InYit – InY*it) e (InIit – InI*it) poderiam apresentar problemas de não estacionariedade. Se isto foi verdade, é importante ter certeza sobre a ordem de integração das séries.

Uma vez que trabalhamos com dados em painel, e a duração temporal da amostra era relativamente curta — 20 anos (1970/89) —

Os resultados podem ser vistos na tabela a seguir:

Duas séries rejeitaram a hipótese da existência de raiz unitária: (InYit – InY*it) e TC. As outras, por sua vez, foram integradas de ordem 1. Em relação à variável (InIit – InI*it), resolvemos realizar testes sobre a sua estacionariedade em separado. Utilizamos o procedimento proposto por Maddala e Wu (1999) para a análise de raízes unitárias em séries de dados em painel. Este procedimento baseia-se na combinação dos níveis de significância do teste de raiz unitária para cada uma das unidades de cross-section na variável em painel, com o uso da seguinte estatística de teste:

em que pi representa o p-valor associado com a estatística de teste para a i-ésima unidade de cross-section;

A vantagem desta formulação é que ela é aplicável para qualquer tipo de teste de raiz unitária no qual seja possível a obtenção de valores de significância para a estatística de teste. No caso em questão, foi utilizado o teste ADF aumentado, com duas defasagens na equação de teste além de constante e tendência. Os valores de significância para os testes de raiz unitária foram aproximados por Mackinnon (1991), e os resultados obtidos estão expostos na tabela A.3.2 a seguir:

Como as demais variáveis, (InIit – InI*it) a variável, não foi estacionária.

  • ABREU, M. P., BEVILACQUA,A. S., PINHO, D.M. (1997). "Import Substitution and Growth in Brazil, 1890s-1970s". Article presented on Paipa Meeting, Colombia.
  • ALESINA, A. COHEN, G.D., ROUBINI, N. (1992). "Macroeconomics policy and elections in OECD democracies". Economics and Politics 5, 1-30.
  • ALESINA, A. COHEN, G. D., ROUBINI, N.(1993). "Electoral business cycles in industrial democracies". European Journal of Political Economy 9, 1-25.
  • AMES,B. (1995). "Electoral Strategy under open-list proportional representation". American Journal of Political Science 39(2).
  • BAER, W. (2001). The Brazilian Economy. Growth and Development Praeger, 5th edition.
  • BAER, W., KERSTENETZKY, I. (1964). "Import Substitution and Industrialization in Brazil". American Economic Review, volume 54, number 3.
  • BANERJEE, A.(1999). "Panel Data Unit Roots and Cointegration: An Overview". Oxford Bulletin of Economics and Statistics, special issue 607-629.
  • BONOMO, M., TERRA, M. C.(2001). "The Political Economy of Exchange Rate Policy in Brazil: 1964-1997". Textos para discussão EPGE-FGV nş 341.
  • BROZ, J.L.(2000). "Political system transparency and monetary commitment regimes". Presented at Annual Meeting American Political Science Association.
  • BROZ, J.L., FRIEDEN, J.A. (2001). "The Political Economy of International Monetary Relations". Annual Review Political Science, volume 4.
  • DORNBUSCH, R. (1976). "Expectations, and Exchange Rate Dynamics". Journal of Political Economy December.
  • DORNBUSCH, R., EDWARDS, S. (1989). "Macroeconomic populism in Latin America". NBER working paper number 2986.
  • DORNBUSCH, R., STURZENEGGER,WOLF, H. (1990). "Extreme Inflation: dynamics and stabilization". Brookings Papers on Economic Activity, volume 1, Issue 2.
  • DORNBUSCH, R., WERNER, A. (1994). "Mexico: Stabilization, Reform and no Growth". Brookings Papers on Economic Activity, vol. 1.
  • FRIEDEN, J., GHEZZI, P., STEIN, E. (2000). "Politics and Exchange Rates in Latin America". Research Network Working Paper #R-421. Inter-American Development Bank.
  • HERMAN, V.M. (1971). "Party Systems and Government Stability". American Political Science Review, volume 65.
  • KLEIN, M., MARION, N. (1997). "Explaining the duration of exchange-rate pegs". Journal Development Economics, volume 54.
  • LEBLANG, D. (1999). "Democratic political institutions and exchange rate commitments in developing worlds". International Studies Quarterly, volume 43.
  • LEBLANG, D. (2000). "To devalue or defend: the political economy of exchange rate policy". Presented at Annual Meeting American Political Science Association.
  • MACKINNON, J. (1991). "Critical values for cointegration tests", chapter 13 in Long-Run Economic Relationships: Readings in Cointegration, eds. R. F. Engle and C. W. J. Granger. Oxford: Oxford University Press.
  • MADDALA, G. S., WU, S. (1999). "A comparative study of unit root tests with panel data and a new simple test". Oxford Bulletin of Economics and Statistics, special issue 631-652.
  • PAZOS, F. (1986). "Have Import Substitution Policies either Precipitated or Aggravated the debt crises?" Journal of Interamerican Studies and World Affairs, volume 27,nş4.
  • RICCIUTI, R. (2004). "Political fragmentation and fiscal outcomes". Public Choice 118.
  • ROUBINI, N., Sachs, J. (1989). "Political and economic determinants of the budget deficits in industrial democracies". European Economic Review, 33, 903:938.
  • SACHS, J., MORALES, J. A. (1988). Bolivias Economic Crisis. NBER working paper number 2620.
  • SANTOS, W. G. dos (2002). Votos e partidos almanaque de dados eleitorais: Brasil e outros países FGV Editora e FAPERJ.
  • SAPELLI, C. (2002). "The political economics of import substitution industrialization". Working paper PUC-Chile
  • TAYLOR, M. (1995). "The Economics of Exchange Rates". Journal of Economic Literature Volume XXXIII.

Apêndice 1:  Algumas descrições encontradas na literatura sobre a influência das eleições na determinação da taxa de câmbio

Apêndice 2:  Fragmentação do pode no legislativo em períodos autoritários e democráticos

Apêndice 3:  Estudo sobre a estacionariedade das séries econômicas

  • *
    Os autores agradecem o financiamento do GV/Pesquisa.
  • 1
    Leblang (1999) e Broz (2000).
  • 2
    Todos os países que farão parte deste trabalho (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Peru e México) passaram por experiências de períodos autoritários entre os anos 70 e 80.
  • 3
    World Development Indicadors, 2003.
  • 4
    A estratégia da ISI iniciou-se após a Segunda Grande Guerra e terminou definitivamente na década de 80. O Brasil foi o último país latino-americano a romper com esta estratégia quando derrubou grande parte das proteções comerciais (tarifas e restrições quantitativas) entre 1990 e 1991.
  • 5
    Sobre o projeto de 'industrialização Substituidora de importações', veja Baer e Kerstenetzky (1964), Abreu, Bevilacqua e Pinho (1997), Frieden, Ghezzi e Stein (2000) e Sapelli (2002).
  • 6
    Essa leitura é possível de ser feita tendo como base a última fase do ciclo do populismo econômico descrito em Dornbusch and Edwards (1989). Veja também Sachs (1989) e Bresser-Pereira(1991).
  • 8
    Sapelli (2002): "Moreover, since the crisis of the ISI strategy was triggered by deterioration of the terms of trade (TOT) after the Korean War, the intellectual pendulum tilted toward intensifying ISI. This TOT shock was a particularly strong, but came in the context of several such shocks suffered since the late twenties. These TOT shocks had generated a strong opposition to export led growth and a broad measure of support for policies explicitly favoring industrialization, that was ratified in the fifties".
  • 9
    O projeto de ISI dos países latino-americanos foi muito diferente daquele adotado nos países asiáticos. No início a estratégia de ambos era a mesma mas depois os países asiáticos adotaram uma estratégia de crescimento puxado pelas exportações. Veja Bruton (1998).
  • 10
    A proteção efetiva era muito mais alta do que a tarifa isolada para um único produto quando se computa a proteção integral observada na cadeia de produção como um todo.
  • 11
    O México era um produtor de petróleo e pediu a moratória de sua dívida externa. Esta posição unilateral fez com que os credores revissem sua posição de empréstimos aos países em desenvolvimento.
  • 12
    Existe uma boa resenha sobre esses modelos em Taylor (1995). Veja também Mundell (1963) sobre o modelo monetário.
  • 13
    Veja Dornbusch (1976) e Taylor (1995) sobre o modelo de preços fixos no curto prazo.
  • 14
    Existem outros modelos de determinação do câmbio. Veja Taylor (1995). Como nossa preocupação neste artigo está centralizada em questões relativas à influência de variáveis políticas na determinação do câmbio, usaremos apenas o modelo de preços flexíveis e de preços rígidos no curto prazo para justificar a inclusão de variáveis econômicas. De qualquer forma, outros modelos não prescindem dessas variáveis.
  • 15
    Veja Frieden, Ghezzi e Stein (2000) sobre o controle de capital em países latino-americanos.
  • 16
    Observe que pela nossa construção a taxa de juros doméstica será endógena.
  • 17
    Veja no
    apêndice 1 Apêndice 1: Algumas descrições encontradas na literatura sobre a influência das eleições na determinação da taxa de câmbio alguns relatos sobre o efeito de eleições na determinação do câmbio em países latino-americanos.
  • 18
    Dornbusch e Edwards (1989), Sachs e Morales (1988) e Dornbusch e Werner (1994) apresentam boas descrições sobre a história inflacionária de alguns países latino-americanos dentro desse período.
  • 19
    Observa-se na história dos países latino-americanos que conviveram com inflação uma tentativa de atrelar as movimentações da taxa nominal de câmbio às da inflação para evitar uma valorização real. Veja algumas descrições desse procedimento em Dornbusch e Edwards (1989).
  • 20
    Veja a descrição de Dornbusch and Edwards (1989) sobre ciclos econômicos do populismo.
  • 21
    São os mesmo países investigados neste trabalho.
  • 22
    Ames (1995) e Harber e MacCarty (2001) já haviam destacado também o papel secundário e de menor expressão do legislativo na realização de políticas em países latino-americanos.
  • 23
    "If there is a large number of opposition parties, their interests may be divergent, and some of them may engage in bargaining with the coalition who support the government."(p. 369)
  • 24
    Veja a
    apêndice 2 Apêndice 2: Fragmentação do pode no legislativo em períodos autoritários e democráticos : anos em negrito indicam momentos de regime autoritário.
  • 25
    Fica claro na descrição do
    apêndice 2 Apêndice 2: Fragmentação do pode no legislativo em períodos autoritários e democráticos que o processo de inflação no Chile e no Brasil foi influenciado pela desvalorização do câmbio. Essas descrições levaram-nos a admitir a existência de grupos contrários a mesma.
  • 26
    Especificamente Argentina, Brasil, Bolívia, Chile (o Chile foi excluído da amostra porque o mesmo estava apresentado problemas na instabilidade dos coeficientes. Pela extensão, os testes que levaram a essa decisão não foram colocados no texto por sugestão de um dos pareceristas anônimos. Quem desejar obtê-los, favor entrar em contato com um dos autores), México e Peru. A dificuldade de se obter séries com uma duração temporal razoável em algumas das variáveis acabou por influenciar o tamanho da amostra.
  • 27
    Pode-se a partir disto concluir que a moeda externa de maior influência para estes países da amostra era o dólar. Frieden, Ghezzi e Stein (2000) destacaram que a grande maioria dos países latinoamericanos trabalhou com um câmbio fixo para uma única moeda.
  • 28
    Dados do Word Development Indicators, 2003.
  • 29
    Todas as variáveis econômicas, exceto o diferencial da taxa de crescimento dos países (representativa da renda), mostrou-se não-estacionárias. Desta forma, optou-se por incorporar as variáveis em primeira diferença.
  • 30
    Fomos obrigados a tratar a estacionariedade das séries econômicas (veja
    apêndice 3 Apêndice 3: Estudo sobre a estacionariedade das séries econômicas ) e eliminar o Chile da amostra porque este país estava causando instabilidade no resultado dos coeficientes (para não tornar o trabalho excessivamente longo, por sugestão de um dos pareceristas, retiramos essa análise. Quem desejar recebê-la, pode entrar em contato com os autores).
  • 31
    Este resultado não foi o esperado pela nossa descrição anterior.
  • 32
    O primeiro ou segundo semestre são vitais para determinar em que ano se considera a eleição. Eleições no segundo semestre são consideradas como produzindo seus efeitos no ano seguinte.
    3333 Esta descrição pode ser encontrada em Dornbusch and Edwards (1989). O efeito do câmbio sobre a inflação pode ser visto em Dornbusch, Sturzenegger and Wolf (1990).
    3434 Esta descrição pode ser encontrada em Dornbusch and Edwards (1989).
    3535 Esta descrição pode ser vista em Sachs and Morales (1988).
    3636 o procedimento técnico mais adequado nestes casos foi aplicar os testes de raiz unitária para dados em painel. A tabela abaixo mostra os resultados do teste de raiz unitária para dados em painel desenvolvido por Im, Pesharam e Shin (descritos em Banerjee,1999). Eles foram realizados apenas para três variáveis econômicas porque a variável (InIit – InI*it) não apresentou dados para todos os anos em alguns dos países da amostra. Em geral, os valores tabulados do teste ADF são pouco confiáveis para amostras pequenas, em parte devido ao baixo poder do teste.
    3737,38 Embora não contida na especificação inicial, a variável TC foi incluída neste teste porque utilizamos esta variável nos testes de estabilidade dos coeficientes e riqueza que eliminaram o Chile da amostra. Enfrentamos alguns problemas e, para não repetirmos o teste em conjunto novamente, optamos por incluir esta variável neste momento. TC é o saldo do balanço de pagamentos em transações correntes.
    3837,38 Usamos duas variáveis para representar a oferta de moeda: M1 e M2.
    3939N representa o número de unidades de cross-section. Segundo Maddala e Wu (1999), esta estatística de teste possui uma distribuição com c
    2 2N graus de liberdade.
    4040 Não utilizamos este procedimento para as outras séries porque para a obtenção de estatísticas do teste de Maddala e Wu (1999) foi utilizada a aproximação de Mackinnon (1991). Uma vez que estas distribuições não são exatas, optamos por utilizar este teste somente para as situações em que outros testes não eram aplicáveis.
  • 33
  • 34
  • 35
  • 36
    o procedimento técnico mais adequado nestes casos foi aplicar os testes de raiz unitária para dados em painel. A tabela abaixo mostra os resultados do teste de raiz unitária para dados em painel desenvolvido por Im, Pesharam e Shin (descritos em Banerjee,1999). Eles foram realizados apenas para três variáveis econômicas porque a variável (In
    Iit – In
    I*it) não apresentou dados para todos os anos em alguns dos países da amostra.
  • 37
    ,
    38
  • 39
    N representa o número de unidades de cross-section.
  • 40
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Ago 2006
    • Data do Fascículo
      Set 2006

    Histórico

    • Aceito
      Jun 2005
    • Recebido
      Mar 2005
    Centro de Economia Política Rua Araripina, 106, CEP 05603-030 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 3816-6053 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: cecilia.heise@bjpe.org.br