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World investment report 2005: transnational corporations and the internalization of R&D

RESENHA

World Investment Report 2005: Transnational Corporations and the Internalization of R&D

United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD)

United Nations, New York and Geneve, 2005

Os resultados da edição de 2005 do Relatório sobre Investimento Mundial (WIR) da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) podem ser lidos de forma a reforçar a impressão de que os chamados "países em desenvolvimento" (PEDs) formam um grupo cada vez mais heterogêneo.

A Unctad publica o Relatório sobre Investimento Mundial desde 1991. O volume geralmente apresenta duas partes. A primeira, que se repete todos os anos, traz uma análise anual do fluxo internacional de investimento direto estrangeiro (IED) até o dado mais recente (no caso, 2004), apontando tendências mundiais e regionais; a segunda, por sua vez, oferece um estudo aprofundado sobre um tema específico. Neste ano, o tema específico é "Internacionalização do investimento em P&D e Desenvolvimento Econômico". O documento pode ser obtido na íntegra por meio do site da Unctad (

/www.unctad.org/Templates/webflyer.asp?

docid=6087&intItemID=3489&lang=1&mode=toc

Entre os resultados apresentados na primeira parte, o WIR 2005 destaca o aparente fim de um período de três anos de baixa nos fluxos de IED. Assim, em 2004, os influxos (inflows) mundiais aumentaram 2%, especialmente concentrados nos países em desenvolvimento (PEDs), para os quais o aumento foi de expressivos 40%. A China, obviamente, aparece como grande beneficiária entre os PEDs, recebendo um influxo de US$ 60 bilhões. Na seqüência, vêm o Brasil (US$ 18 bi) e o México (US$ 16 bi). Já entre os países desenvolvidos (PDs), o influxo de investimentos caiu 14%, sendo que os principais beneficiários foram os EUA (US$ 96 bi) e o Reino Unido (US$ 78 bi). A participação dos PEDs no influxo de investimentos é de 36%, a maior desde 1997.

Os fluxos mundiais "para fora" (outflows) também aumentaram. Curiosamente, os inflows mundiais não batem com os outflows, devido a problemas de critérios contabilidade (veja a respeito, o Box I.1, página 4). As principais fontes de IED continuam sendo os PDs, em especial os EUA (US$ 229 bi, compare com os influxos desse país!) e o Reino Unido (US$ 65 bi). Entre os PEDs, os principais exportadores de IED são Hong Kong (US$ 40 bi) e Cingapura (US$ 10 bi); o Brasil aparece logo em seguida, com outflows de US$ 9,4 bi.

Para os próximos anos, o relatório é otimista, prevendo manutenção ou aumento do fluxo de IED, acompanhando as previsões também otimistas de continuidade de crescimento econômico global.

A primeira parte traz também algumas novidades. Entre elas, destaca-se uma nova classificação geográfica dos países, decorrente da entrada de novos países na União Européia. Assim, países até então classificados como "desenvolvidos europeus", distribuem-se agora entre "novos países da União Européia" (como Polônia, Hungria e República Checa), "Sudeste Europeu" (como os países dos Bálcãs), e a Comunidade de Estados Independentes (CEI), reunindo a Federação Russa e países que antes formavam a antiga União Soviética, (detalhes estão no Box I.2, da página 6).

Outra novidade é uma lista inédita das cinqüenta maiores companhias transnacionais (TNCs) financeiras. A importância dos investimentos em serviços, em especial dos serviços financeiros, continuou a crescer em 2004. O valor total das fusões e aquisições (F&A) transfronteiriças envolvendo o setor financeiro representou um terço do valor correspondente no setor de serviços, que, por sua vez, respondeu por 63% do valor total das F&A transfronteiriças em 2004.

Já no que se refere ao tema específico, o relatório destaca o movimento no qual as companhias transnacionais (TNCs) estão transferindo sua atividade de pesquisa e desenvolvimento (P&D) para os PEDs. Entre os exemplos desta tendência, está a instalação de mais de setecentos unidades de P&D na China (como a pioneira Motorola, ou a Microsoft), Índia (especialmente de empresas farmacêuticas), sudeste europeu e leste asiático (semicondutores) e mesmo no Brasil (automotivo).

Os dados do WIR 05 ilustram — com algum recato — essa tendência: a participação dos PDs nos gastos com P&D teria se reduzido de 97% para 91%; mesmo assim, entre os dez países que mais investem em P&D, apenas dois são usualmente classificados como PEDs, a China e a Coréia.

Para mensurar a capacidade dos países em produzir inovações e de se beneficiar delas, o WIR 05 desenhou um Índice de Capacidade de Inovações (UNICI, sigla para Unctad Innovation Capability Index), construído a partir da média aritmética de dois sub-índices: (i) o sub-índice de atividade tecnológica, média ponderada do número de trabalhadores na área de P&D, do número de patentes registradas e do número de publicações científicas, os dois últimos em relação à população; (ii) o sub-índice de capital humano, média ponderada das taxas de alfabetização, e das taxas de matrícula no ensino secundário e terciário por grupo etário.

Conforme o UNICI, com base em dados de 2001, o Brasil se encontra no grupo de países de média capacidade de inovação, na 49ª posição, logo atrás da África do Sul. Comparando com o mesmo índice calculado com dados de 1995, observa-se uma evolução de quinze posições. Entre os países latino-americanos, apenas a Argentina se encontra no grupo de países de alta capacidade de inovação, na 37ª posição, seguida de perto pelo Chile (42ª posição).

Deve-se observar que as posições da China e da Índia não são assim tão favoráveis, ocupando respectivamente as 74ª e 83ª posições no ranking, que vai até a 117ª posição; além disso, ambos países caíram duas posições com relação aos resultados que utilizaram dados de 1995. Para os que estranham essas colocações, o texto do relatório justifica-se dessa forma: "[...] algumas economias (como a Índia) parecem deslocadas, [e] a explicação repousa no uso da população total como deflator; se, por um lado, essa é a forma correta de construir um índice, de outro pode levar a conclusões equivocadas quando um mínimo de massa crítica é importante" (Unctad, 2005, p. 113).

Se a justificativa não satisfizer, o Box III.4, na página 112, compara a metodologia do UNICI com a de outros índices sobre competitividade e inovação, tais como o Rand Index (da RAND Corporation) e o Knowledge Index (do Banco Mundial).

Assim como no caso do fluxo de IED, o relatório acredita que a internacionalização de P&D também deve aumentar nos próximos anos, o que terá algumas implicações para os países envolvidos, tanto no que se refere à regulação nacional como internacional, especialmente em questões sobre direitos de propriedade.

Tomando-se a publicação como um todo, dados e análises sugerem que alguns PEDs mostram-se mais bem sucedidos na atração de IED, especificamente relacionados à P&D, quando comparado a outros. Esta conclusão sugere, ainda que nas entrelinhas, a possibilidade de uma nova "gradação" entre os PEDs.

O tema da "gradação" dos PEDs é complexo e controverso. Um país classificado como PED goza de condições especiais em algumas negociações comerciais multilaterais. O conceito, aliás, está associado à própria razão de ser da Unctad. O organismo existe desde 1964 e, conforme o documento "The Spirit of São Paulo", aprovado durante a XI Conferência da Unctad, realizada em São Paulo, em junho de 2004 (www.unctad.org/en/docs/tdl382_en.pdf), sua criação foi "a expressão da crença de que um esforço cooperativo internacional seria necessário para integrar os países em desenvolvimento na economia mundial" (parágrafo 1). Apesar das transformações mundiais nesses quarenta anos, o documento entende que "os contrastes entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento continuam presentes" na atualidade e que "os efeitos da globalização teriam sido sentidos de forma muito heterogênea entre os países" (parágrafo 3); em especial, preocupava os signatários a situação dos chamados LDCs (países de menor desenvolvimento relativo, parágrafo 4, 6 e 7).

Por outro lado, o documento reconhecia a existência de sinais "encorajadores" de que uma fonte de crescimento global significativa já estava sendo gerada entre os países em desenvolvimento (parágrafo 13).

Olhando em perspectiva, e considerando os dados deste WIR 05, arrisca-se afirmar que os participantes daquela conferência em São Paulo já desconfiavam que, mais dia menos dia, a Unctad terá que debater a criação de novas siglas para diferenciar alguns PEDs dos demais, o que implicaria mudanças não apenas nas conclusões do atual relatório, como também em sua própria missão.

Sérgio Goldbaum

Economista pela USP, mestre e

doutor em economia pela FGV-SP.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2006
  • Data do Fascículo
    Set 2006
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