Acessibilidade / Reportar erro

Cinco décadas de questão social e os grandes desafios do crescimento sustentado

RESENHA

Cinco Décadas de Questão Social e os Grandes Desafios do Crescimento Sustentado

João Paulo dos Reis Velloso e Roberto Cavalcanti de Albuquerque (orgs.)

Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2005

Em setembro de 2004, por ocasião das comemorações dos quarenta anos da criação do Ipea, foi realizado um minifórum em complemento ao XVI Fórum Nacional, ocorrido em maio do mesmo ano. Este volume é a compilação dos artigos e comentários apresentados neste encontro. São dois os grandes temas de discussão: cinco décadas de questão social no Brasil e os grandes desafios do crescimento sustentado.

A primeira parte inicia com a apresentação do Ministro do Planejamento Guido Mantega, que tem como propósito responder à pergunta de como o governo Lula tem enfrentado a questão social no Brasil. A resposta é essencialmente baseada no argumento de que o principal instrumento capaz de resolver a questão social é o crescimento sustentado. Para tanto, são necessários fundamentos econômicos sólidos (sustentabilidade da dívida pública, redução da vulnerabilidade externa e estabilidade de preços). Esta visão é dividida virtualmente com todos os demais autores dos artigos apresentados nesta primeira parte do livro. Mas, também com os demais autores, Mantega acredita que este não é um resultado suficiente para garantir o desenvolvimento social do país. São também necessárias ações governamentais para que o crescimento gere empregos, como políticas de crédito para pequenas e médias empresas, para agricultura familiar e também expandir as políticas sociais como o Bolsa Família.

Ricardo Santiago, gerente de operações do Banco Interamericano de Desenvolvimento e ex-presidente do Ipea, destaca o esforço conjunto do BID e do Brasil para combater a pobreza e a desigualdade. O autor apresenta as principais estratégias do BID para promover o desenvolvimento social que se concentra nas áreas de pobreza, equidade, formação de capital humano e melhora nas condições da população nas cidades.

Roberto Cavalcanti de Albuquerque traça um grande panorama econômico-social brasileiro no século XX, no qual conclui que houve um grande progresso social neste período ao analisar diversos indicadores demográficos, econômicos e sociais. O autor mostra que o Brasil em 1900 tinha um IDH classificado como muito baixo e evoluiu para uma classificação médio-alto em 2001. Mostra também que, embora a partir de 1950 a dinâmica econômica regional tenha sido bastante distinta (sudeste e nordeste perdem participação no PIB, enquanto as regiões sul, centro-oeste e norte ganham participação), houve convergência de indicadores regionais.

Sonia Rocha, José Pastore e Nelson do Valle Silva e Marcelo Neri apresentam resultados que indicam a mesma tendência de melhora dos indicadores sociais nas últimas décadas. Sonia Rocha mostra em seu artigo a expressiva queda da pobreza nos últimos trinta anos. A incidência da pobreza considerando a renda cai de 68,4% em 1970 para 20,7% em 2002. Mesmo quando não se considera apenas a renda, a autora diz que há melhora nas condições de vida dos pobres por maior acesso aos serviços públicos e ao crédito e devido à redução dos preços ao consumidor dos bens duráveis. José Pastore e Nelson do Valle Silva mostram que a mobilidade social foi intensa no período entre 1973 e 1996, com a ampliação da chamada camada média. Argumentam que a intensa mobilidade social é compatível com a persistente desigualdade no país, pois a maioria percorreu uma distância social curta. Marcelo Neri usa a geração do presidente Lula como exemplo das mudanças sociais ocorridas no país nos últimos cinqüenta anos. A geração que nasceu na década de quarenta e completou cinqüenta anos em 2000 sofreu grandes mudanças: quando jovens, na década de 70, apenas 29% moravam em áreas urbanas, 72,6% eram alfabetizados e apenas 9% tinham automóveis; ao completar 50 anos, 82% moravam em áreas urbanas, 78,3% eram alfabetizados e 39% tinham automóveis.

O artigo de Amélia Cohn discute a política de transferência de renda como política de combate à pobreza e promoção da cidadania. Usando como exemplo o Bolsa Família, Cohn diz que o programa não deve ser entendido como um programa cujo fim último é a transferência de renda e a condicionalidade, mas como um programa de emancipação e inserção social. Segundo a autora, somente desta maneira políticas de transferência são políticas transformadoras e promotoras do desenvolvimento social.

A segunda parte do livro, que discute os grandes desafios do crescimento sustentado, é aberta com um texto de João Paulo dos Reis Velloso que se pergunta se desta vez haverá crescimento sustentado no país. Argumenta que as condições macro e microeconômicas são fundamentais para o crescimento rápido e prolongado, mas que o desafio é como impulsionar o crescimento sustentado uma vez que, por um lado, não há receita pronta para tanto e, por outro, perdemos o know how depois de tantos anos de baixo crescimento. Segundo o autor, deve-se criar uma dinâmica econômica favorável ao crescimento sustentável baseada na demanda interna, colocar a inovação no centro da política industrial e buscar a definição do espaço internacional do Brasil, com aumento da participação no fluxo de comércio de forma sustentável no longo prazo.

Francisco Eduardo Pires de Souza levanta a hipótese de que o baixo nível de investimento observado nos últimos 25 anos não explica o baixo crescimento da economia brasileira. Para o autor há evidência de que a causalidade é no sentido inverso: o baixo crescimento levou à redução dos níveis de investimento. Entretanto, não é claro que haverá aumento do investimento assim que a economia voltar a crescer em ritmo maior. Isso porque os custos dos investimentos ainda são relativamente altos no Brasil e têm aumentado nos últimos anos.

João Furtado se pergunta como fazer para que as políticas de inovação se tornem um motor do crescimento e desenvolvimento. Para isso, analisa os principais setores da indústria brasileira. As duas grandes "fortalezas industriais brasileiras", a metalmecânica e a agroindústria, estão em momento bastante fértil de desenvolvimento, embora na metalmecânica a inovação se dê eminentemente dentro da empresa e a agroindústria seja mais dependente das instituições extra-empresa (institutos de pesquisa e infra-estrutura de armazenagem, transporte e beneficiamento). A maior fragilidade tecnológica do país hoje é no setor de eletroeletrônica, onde há grande espaço para políticas públicas adequadas que incentivem a inovação.

Antonio Barros de Castro sugere que é possível crescermos a taxas elevadas sem colocar em risco o equilíbrio macroeconômico. Para tanto contribuem positivamente a nova família de políticas macroeconômicas associadas à desvalorização de 1999, a política fiscal restritiva e importante reposicionamento da economia brasileira nos últimos anos, como a inclusão das exportações na estratégia empresarial e o apoio dos órgãos públicos na busca de soluções aos problemas enfrentados pelo setor privado (política industrial, tecnológica e comercial). Renato Fragelli Cardoso reconhece que os resultados positivos observados em 2004 são fruto de políticas macroeconômicas responsáveis, mas aponta os fatores microeconômicos como sendo aqueles fundamentais para gerar crescimento sustentável. As reformas microeconômicas são, na visão do autor, fundamentais para elevar a taxa de crescimento do patamar atual próximo de 4% para os necessários 7% ao ano.

O artigo de Mark Roland Thomas e Vinod Thomas reconhece que é mais fácil iniciar uma arrancada para o crescimento que sustentar um período longo de crescimento. Isso se deve ao fato de que o crescimento contínuo da produtividade, fundamental para o crescimento sustentado, é dependente das instituições e da história de cada país. Os autores apontam que o Brasil precisa de reformas, como a reforma política, mas que deve primordialmente aproveitar melhor suas oportunidades de crescimento. Por exemplo, o país conta com centros de excelência de pesquisa agrícola e genética e grande biodiversidade, que poderiam ser melhor aproveitados em uma estratégia de crescimento sustentável. A segunda parte termina com considerações de Paulo Mansur Levy sobre as apresentações anteriores.

Este volume consolida o pensamento atual sobre duas grandes questões da economia brasileira: a questão social e como criar condições para o crescimento sustentável. Sem dúvida é peça fundamental para todos aqueles que querem entender melhor os desafios do Brasil de hoje.

Adriana Schor

Professora da Fundação

Getúlio Vargas, São Paulo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Ago 2006
  • Data do Fascículo
    Set 2006
Centro de Economia Política Rua Araripina, 106, CEP 05603-030 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 3816-6053 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cecilia.heise@bjpe.org.br