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A alta recente dos preços das commodities

The recent rise of commodities prices

Resumo

This article suggests some explanations for the steady rise of the commodities prices since 2002. Firstly, it analyses the long and medium term trends of these prices. Secondly, it explores the determinants of the recent rise, which are the macroeconomic conditions of the international economic, the high growth rate of China, and supply shocks that affect the production of some agriculture commodities.

commodities prices; term trends; developing countries


commodities prices; term trends; developing countries

ARTIGOS

A alta recente dos preços das commodities

The recent rise of commodities prices

Daniela Magalhães Prates* * Este artigo centra-se no comportamento dos preços das commodities não-energéticas (isto é, exclui o mercado de petróleo). Agradeço o valioso auxílio do bolsista do CNPQ-PIBIC João Henrique de Melo.

Professora-Doutora do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisadora do Centro de Conjuntura e Política Econômica deste Instituto (CECON-IE), e-mail: daniprates@eco.unicamp.br

ABSTRACT

This article suggests some explanations for the steady rise of the commodities prices since 2002. Firstly, it analyses the long and medium term trends of these prices. Secondly, it explores the determinants of the recent rise, which are the macroeconomic conditions of the international economic, the high growth rate of China, and supply shocks that affect the production of some agriculture commodities.

Key-words: commodities prices; term trends; developing countries.

JEL Classification: F100; O100; O130

INTRODUÇÃO

Em 2002, os preços de diversas commodities elevaram-se a partir dos patamares historicamente baixos atingidos em 2001. Contudo, naquele ano, ainda não se vislumbrava a emergência de um período de alta consistente dos preços. Por um lado, o último período dessa natureza ocorrera há mais de 20 anos, na segunda metade dos anos 70 (interrompendo a relativa estabilidade posterior à guerra da Coréia de 1951/53). A partir de então, os preços das commodities apresentaram alta volatilidade, simultaneamente a uma tendência de queda, que se intensificou na segunda metade dos anos 1990. Por outro lado, a recuperação dos preços foi de início liderada, principalmente, por commodities agrícolas que enfrentaram choques de oferta de origem climática (com destaque para o El Niño). No caso dos preços das commodities metálicas, mais sensíveis às flutuações cíclicas da economia global, a alta foi tímida — devido à frustração das expectativas de uma retomada mais vigorosa do crescimento, que continuou inferior à média da década passada.

Entretanto, ao longo do segundo semestre de 2003, alguns analistas começaram a apostar na emergência de uma nova fase de elevação mais sustentável dos preços das commodities. A alta desses preços superou a previsão da Organização Mundial do Comércio (OMC), de um crescimento de 5,8% em termos nominais (WTO, 2003a). E, enquanto o índice futuro da Reuters-CRB subiu 8,86%, o índice spot subiu 16%.1 1 O Commodities Research Bureau (CRB) calcula um índice geral com a cotação futura de 25 commodities, que é divulgado pela Agência Reuters. Esse instituto também calcula um índice spot, com as cotações à vista dessas mesmas commodities e vários sub-índices. Essa grande diferença entre as tendências das cotações futura e à vista revela que o próprio mercado não esperava uma alta sustentável.2 2 A diferença entre os preços à vista e no mercado futuro é denominada de "base" ou "prêmio", sendo que uma base pequena indica que os dois preços caminham juntos e que as expectativas do mercado apontam para a manutenção da tendência dos preços no mercado à vista. Quando o mercado acredita que o movimento de alta vai continuar, os preços futuros são iguais ou mais altos que os preços à vista. Porém, períodos de variação da base são muito freqüentes e estão associados à dinâmica dos mercados futuros, altamente especulativa. Sobre essa dinâmica e os determinantes das variações da base, que dependem da natureza do ativo subjacente — mercadorias estocáveis, não-estocáveis, ativos financeiros e divisas —, ver Farhi (1998). Ademais, essa alta foi generalizada, atingindo todos os sub-índices CRB: de commodities metálicas, industriais, alimentos etc.

A tendência altista persistiu ao longo de 2004, mas com alguns sobressaltos. Do início de abril ao final julho, tanto o índice futuro quanto o spot iniciaram um lento movimento baixista, para o qual contribuiu, sobretudo, a queda dos preços das commodities agrícolas, associada a melhores condições nas lavouras e a fatores sazonais. Contudo, ambos os índices retomaram o movimento ascendente a partir de agosto, impulsionado pela alta das cotações das commodities metálicas, que persistiu em 2005 e nos primeiros meses de 2006.

Esse contexto suscita duas questões imbricadas: (i) qual a sustentabilidade dessa fase de preços mais elevados das commodities — que tem resultado em melhora dos termos de troca dos países periféricos exportadores desses bens3 3 Sobre os impactos da alta recente dos preços das commodities sobre os termos de troca dos países em desenvolvimento, ver Unctad (2005). (como o Brasil); e (ii) quais são os seus determinantes? Apesar da dificuldade em respondê-las — devido à atualidade do fenômeno e à incerteza que permeia eventos dessa natureza — pretende-se, neste artigo, avançar na compreensão da alta recente dos preços das commodities. Nesse sentido, no primeiro item apresentamos, resumidamente, as tendências de médio e longo prazo desses preços. Em seguida, debruçamo-nos sobre os determinantes dessa alta. Seguem-se algumas considerações finais.

AS TENDÊNCIAS DE MÉDIO E LONGO PRAZOS DOS PREÇOS DAS COMMODITIES

Vários estudos recentes4 4 Ver, por exemplo, Bloch e Sapsford (2000) e Cashin e Mcdermott (2002). atualizaram o estudo de Prebisch (1949) sobre a evolução dos termos de troca das exportações dos países periféricos, a partir da análise da trajetória dos preços das commodities primárias na segunda metade do século XX.5 5 A análise de Prebisch baseou-se em dados do período 1875-1947. Independentemente da metodologia utilizada (tipo de índice de preço ou de deflator), todos endossam a conclusão desse autor, de deterioração dos termos de troca das commodities primárias vis-à-vis aos bens manufaturados. Ademais, essa deterioração foi acompanhada por uma alta volatilidade dos preços.

Quais foram os determinantes dessa dupla tendência, qual seja, de queda e de volatilidade? Um dos fatores ressaltados por Prebisch (1951) continuou presente e até se intensificou na segunda metade do século passado: a menor elasticidade-renda da demanda pelos bens primários vis-à-vis aos bens industrializados. Prebisch apresentou duas explicações para essa diferença: (i) as mudanças no padrão de consumo que acompanham o crescimento da renda resultam numa menor taxa de crescimento da demanda por alimentos e, assim, numa participação decrescente desses bens no consumo final (a chamada Lei de Engel); (ii) no caso das matérias-primas agrícolas, a discrepância entre o crescimento da renda e da demanda decorreria dos efeitos do progresso técnico na indústria do centro, o qual redundaria em menor utilização de insumos por unidade de produto.

Essa última explicação aplica-se, igualmente, às commodities industriais em geral, derivadas de matérias-primas metálicas (aço, ferro, cobre etc). No caso desses bens, a mudança no padrão industrial e tecnológico (fordista para tecnologia de informação) também explica o menor crescimento da demanda relativamente à produção e à renda mundial após os anos 80, por duas vias: menor intensidade na utilização desse tipo de insumo; e impactos das inovações tecnológicas nos padrões de consumo, que resultam em fortes aumentos de gasto em outras categorias de produtos, principalmente bens manufaturados de maior conteúdo tecnológico (caso, por exemplo, dos computadores).

Ademais, os avanços tecnológicos tiveram dois impactos adicionais sobre o mercado de commodities, o que contribuiu para a queda dos preços. Em primeiro lugar, do lado da demanda, esses avanços possibilitaram o desenvolvimento de materiais sintéticos, cuja difusão deprimiu a utilização, pela indústria, de commodities agrícolas (especialmente algodão, lã e borracha) e metálicas (também afetadas pelos aperfeiçoamentos nas técnicas de reciclagem). Em segundo lugar, do lado da oferta, o progresso tecnológico resultou num aumento da produtividade na agricultura (novas colheitas, mecanização, revolução verde) e na extração de metais, o que ampliou a produção de commodities num contexto de baixo crescimento da demanda.

É possível citar duas importantes manifestações, estritamente correlacionadas, do menor crescimento da demanda por commodities proporcionalmente à renda, em âmbito mundial — subjacente à tendência de queda dos seus preços relativos. A primeira refere-se ao colapso das importações de produtos primários não-petrolíferos pelos países da OCDE. De acordo com Palma (2004), a participação dos produtos primários não-elaborados nessas importações passou de 46,6% do total em 1963 para somente 11,6% em 2000. Se somarmos a esse grupo os produtos primários elaborados, cuja participação manteve-se praticamente estável, a queda é menor: de 57% para 24% no mesmo período. Como destaca esse autor, uma das principais características do comércio internacional após a 2ª Guerra Mundial foi o ritmo acelerado de mudanças na estrutura de demanda nos mercados mundiais, marcadas por um forte viés desfavorável aos produtos primários não-elaborados.

A segunda manifestação consiste praticamente no "outro lado da moeda": a participação decrescente desses bens nas exportações globais nas décadas de 80 e 90 do século XX. O estudo da Unctad (2002) chega a esse resultado a partir da análise dessas exportações, de acordo com o grau intensidade dos fatores no período 1980-1998.6 6 Essa metodologia resultou na classificação de 225 produtos (da Standard International Trade Classification — SITC, Revisão 2, a três dígitos de desagregação) em cinco categorias: commodities primárias, manufaturas intensivas em trabalho e recursos naturais; manufaturas com baixa intensidade de trabalho qualificado e tecnologia; manufaturas com média intensidade de trabalho qualificado e tecnologia; manufaturas com alta intensidade de trabalho qualificado e tecnologia; e produtos não classificados. A participação decrescente das commodities primárias no total das exportações mundiais (ver Tabela 1) reflete as diferenças expressivas nas taxas de crescimento do comércio em cada modalidade de produto. Enquanto a taxa média de crescimento do comércio mundial no período considerado foi de 8% a.a., a maioria das commodities primárias (ao lado de algumas manufaturas de baixa intensidade tecnológica) teve taxas de crescimento negativas, apresentando, assim, baixo dinamismo no comércio mundial no período 1980-98. As maiores taxas de crescimento (acima da média mundial) foram registradas, exatamente, pelas manufaturas com média e alta intensidades de trabalho qualificado e tecnologia, o que resultou no aumento das suas participações no total das exportações mundiais.7 7 No caso dos bens manufaturados, as altas taxas de crescimento das exportações estão diretamente associadas à expansão das chamadas redes de produção internacionais, no âmbito do processo de globalização produtiva. Os três grupos de produtos com taxas de crescimento no comércio mundial mais elevadas nas duas últimas décadas (partes e componentes para bens eletrônicos e elétricos; produtos trabalho-intensivos, como vestuário; e bens finais com alto conteúdo de P&D) foram os mais afetados por esse processo. Essas redes — que envolvem bens cujo processo produtivo pode ser decomposto em vários segmentos e cuja localização depende da dotação de fatores e dos custos relativos — resultaram na expansão do comércio em diversos produtos — como computadores, telecomunicações e semicondutores — e no crescimento da participação dos países em desenvolvimento no comércio mundial de produtos manufaturados (Unctad, 2002).

A análise baseia-se nos valores das exportações, pois dados desagregados de preços e volume de todos os produtos não são disponíveis. Mas, de acordo com estimativas realizadas pela Unctad (2002),8 8 Ver Anexo 2 do capítulo 3 deste relatório. evidências sugerem que o ranking de produtos não sofreria grandes variações se fossem utilizados preços constantes. Isso quer dizer que, no caso das commodities primárias, que apresentaram uma tendência de queda dos seus preços relativos no período, a perda de participação é o efeito combinado de queda dos preços e das quantidades exportadas.

Contudo, no âmbito dessas commodities, também existem diferenças no potencial de mercado e, assim, de crescimento das exportações. No caso do sub-grupo constituído por alguns alimentos processados e não-processados — como carne e derivados, laticínios, peixe e derivados, vegetais, frutas e frutas secas, temperos e óleos vegetais — os padrões de qualidade, segurança, embalagem e delivery são, em diversos aspectos, mais semelhantes às manufaturas modernas do que aos produtos agrícolas tradicionais. Em relação a esses, tais características implicam maior valor unitário e elasticidade-renda da demanda mais elevada (que pode, inclusive, ultrapassar a unidade). Em termos de dinamismo de mercado, esse subgrupo de produtos teve performance superior à das demais commodities agrícolas primárias (como cereais, cacau, chá e borracha), a qual contribuiu para o crescimento da produção agrícola e de alimentos em vários países, como Brasil, China e Tailândia. Sete desses produtos alimentícios estão entre os produtos agrícolas mais dinâmicos nas duas últimas décadas (Unctad, 2002).9 9 Segundo Dorsch (2006), a demanda por commodities em geral estaria sendo pressionada no século XXI pelo expressivo crescimento populacional diante da oferta limitada de matérias primas.

As políticas comerciais protecionistas dos países centrais, no entanto, restringiram as taxas de crescimento da demanda vis-à-vis à renda mundial e, conseqüentemente, das exportações desse sub-grupo dinâmico de commodities. Essas políticas — que afetam, principalmente, as categorias de commodities primárias e manufaturas de baixa intensidade tecnológica10 10 Essas políticas favoreceram os setores intensivos em trabalho qualificado e tecnologia, nos quais esses países têm vantagem competitiva vis-à-vis aos países em desenvolvimento, cujas exportações se concentram exatamente nas categorias afetadas pelas políticas. — ancoravam-se (e ainda se ancoram) em dois pilares: tarifas escalonadas, crescentes com o grau de processamento dos bens, que desestimulam o processamento das commodities pelos países periféricos; e subsídios agrícolas que, ao estimularem a manutenção ou aumento da produção, deprimem os preços mundiais dos produtos.

No caso da União Européia, esses subsídios restringiram o acesso ao mercado exatamente para os produtos com maior elasticidade-renda da demanda. Também vale lembrar que a Rodada do Uruguai de 1994, além de ter determinado a redução das tarifas principalmente para os produtos industriais (com exceção dos setores têxtil e de vestuário) vis-à-vis aos agrícolas, introduziu as Tariff Rate Quotas (TRQs) — tarifas diferenciadas de acordo com a quantidade importada —, que se concentram exatamente nessas commodities com maior elasticidade-renda da demanda (como frutas e vegetais, carne, cereais, laticínios e sementes oleaginosas).11 11 Ademais, ao não estabelecer regras para uso de prática anti- dumping, essa rodada estimulou o uso dessa prática, que se tornou um importante instrumento de protecionismo.

Finalmente, é importante mencionar mais dois fatores que contribuíram para a maior suscetibilidade dos preços das commodities às flutuações cíclicas da economia mundial e para a tendência de deterioração dos seus termos de troca até o final do século passado. Por um lado, como destacou Prebisch (1949), devido à maior flexibilidade salarial nos países periféricos — decorrente do menor grau de sindicalização dos trabalhadores e da abundância de oferta — e à posição subordinada da agricultura na cadeia produtiva, os ganhos de produtividade na produção de commodities resultam em queda dos preços, e não em aumento da remuneração dos fatores de produção (salário e lucros), como observado na produção de bens manufaturados nos países centrais.

Por um lado, as diferentes estruturas de mercado da produção desses bens e dos produtos industrializados. Também contribui parta a maior vulnerabilidade dos preços das commodities às flutuações cíclicas da demanda mundial. Isso porque, enquanto a produção desses produtos é dominada por oligopólios com poder de formar preços — seja em função da diferenciação de produtos, seja do controle da oferta —, nos mercados de commodities (por definição, produtos homogêneos) predominavam, de forma geral, estruturas competitivas, sendo seus produtores considerados tomadores de preços. Assim, nesses mercados os desequilíbrios entre oferta e demanda ajustados, principalmente, via variação dos preços e não das quantidades (caso dos produtos industrializados).12 12 Prebisch (1949) também enfatizou os impactos diferenciados das flutuações cíclicas sobre os preços dos bens agrícolas e manufaturados, mas os associou à maior flexibilidade salarial na periferia, devido ao menor grau de sindicalização dos trabalhadores e à posição subordinada da agricultura na cadeia produtiva.

Contudo, essas diferenças nas estruturas de mercado e, assim, na capacidade de formar preços, estão diminuindo. Hoje o mercado internacional de várias commodities tanto agrícolas quanto metálicas também se caracteriza por uma estrutura oligopolista, ancorada no alto grau de concentração da produção em vários estágios da cadeia de valor. No caso da indústria de metais não-ferrosos (cobre, alumínio), a própria tendência de queda dos preços nas décadas de 80 e 90 estimulou a concentração da atividade extrativa em poucas empresas (The Economist, 1999). A concentração no ramo de metais ferrosos (siderurgia e metalurgia) também aumentou nos últimos anos (Miller e Coy, 2004).13 13 De acordo com esses autores, o poder de mercado da indústria metalúrgica atualmente é significativo e tem contribuído para a alta do preço do aço desde 2003. No âmbito das commodities agrícolas, vale citar a produção e distribuição de soja e derivados, também controlada por grandes empresas multinacionais (como Cargill e Bunge).

O CICLO ATUAL: PRINCIPAIS TENDÊNCIAS

Antes de analisarmos os determinantes da alta recente dos preços das commodities, é importante retomar e ilustrar suas principais características. A convergência entre a evolução dos preços nos mercados futuro e à vista, mencionada na Introdução, fica evidente no Gráfico 1.14 14 Todos os gráficos dos índices CRB estão atualizados até 31 de dezembro de 2004. Pode-se notar que, no período de alta desses preços nos anos 70, movimento semelhante foi observado.


Já a alta dos preços à vista em meados da década de 90 — associada à recuperação econômica dos Estados Unidos e ao sobreaquecimento da economia chinesa15 15 Alguns analistas têm feito paralelos entre o contexto atual e aquele de dez anos atrás, uma vez que esses dois fatores também estão presentes hoje, sendo dois importantes determinantes da alta recente dos preços das commodities, como ressaltaremos a seguir. Ver Roach (2004). — teve vida curta. O descolamento entre as duas cotações naquele momento — quando as cotações futuras ficaram abaixo dos preços à vista, ou seja, a base ficou negativa — indicava que o mercado não apostava numa alta sustentável desses preços; pelo contrário, as expectativas eram de queda das cotações no curto prazo, as quais acabaram se confirmando. Ao longo da segunda metade da década de 90, os preços das commodities apresentaram deflação decorrente do excesso de oferta em vários mercados, associado em parte aos avanços tecnológicos na agricultura e na extração de metais (IMF, 2006) — o que induziu "liquidações" que deprimiram ainda mais os preços, assim como a queda da demanda dos países do leste e sudeste asiático após a crise de 1997/98.

Uma segunda característica importante da alta recente (assim como a dos anos 70) foi sua abrangência: ela atingiu as mais dersas modalidades de commodities (ver gráfico 2) — metais não-preciosos,16 16 Sucatas de cobre, aço, chumbo, zinco e latão. metais preciosos,17 17 No caso dos metais preciosos, o aumento da procura no período 2002-2004 esteve associado às tensões geopolíticas (ataque de 11 de setembro, guerra no Iraque), ao aumento da aversão ao risco a partir do segundo trimestre de 2002 e à desvalorização do dólar, que fomentou a demanda por ouro enquanto reserva de valor (IMF, 2003a). matérias primas industriais18 18 Esse índice é mais amplo do que o índice de metais, envolvendo, além das sucatas de metais, borracha, algodão, resina, gordura, pedaços de lã e tecidos para uso industrial. e agrícolas (grãos e óleos vegetais), e alimentos19 19 O índice de alimentos ( foodstuffs) envolve carnes suína e bovina, manteiga, óleo de soja, cacau, milho, açúcar e trigo. —, cujos preços sofrem influência de diferentes fatores (caso, por exemplo, do impacto dos choques agrícolas sobre os preços dos alimentos).20 20 A alta de preços também tem sido observada no mercado de petróleo e de semi-condutores. Sobre o comportamento desses dois mercados, ver IMF (2004 e 2006). Contudo, a partir de abril de 2004, algumas dessas modalidades passaram a apresentar um desempenho divergente. Enquanto as cotações dos grãos e óleos e dos alimentos iniciaram um movimento baixista, as matérias-primas industriais e, principalmente, commodities metálicas, mantiveram sua trajetória ascendente, contrariando as apostas de vários analistas numa inversão dessa trajetória no primeiro semestre de 2004. Ademais, o índice de commodities soft passou a crescer, impulsionado pela alta das cotações do açúcar e do café (ver Quadro 1).



Assim, é importante investigar os determinantes comuns, subjacentes à alta de preços em todos mercados. Dentre esses determinantes, dois se destacam: as condições macroeconômicas globais (seção 2.1) e o chamado "efeito-China" (seção 2.2). Já os choques de oferta (ver Quadro 1) afetaram, essencialmente, as commodities agrícolas.

Condições macroeconômicas globais

O ritmo da economia global tem influência fundamental sobre os preços das commodities. Os períodos de expansão são, em geral, acompanhados por alta dos preços relativos desses bens;21 21 Preços das commodities deflacionados por um índice de preço de bens industriais dos países industriais. Ver WTO (2003a). enquanto os de retração, por declínio desses preços. Isso porque as matérias-primas agrícolas e os metais são insumos da produção industrial, de oferta relativamente rígida no curto prazo. Assim, apresentam em geral um comportamento pró-cíclico e constituem indicadores da recuperação industrial. A alta correlação entre os preços das commodities e o PIB global foi confirmada por um estudo econométrico realizado pela OMC em seu relatório anual de 2003 (WTO, 2003a), cujos resultados estão sintetizados na Tabela 2.

Na recuperação econômica global em curso desde 2002, o mesmo processo tem sido observado (The Economist, 2003). Ao lado dos fatores mencionados acima, a lenta resposta dos produtores aos sinais de recuperação econômica global — diante das incertezas envolvidas, relacionadas à guerra do Iraque e à epidemia asiática (SARS), bem como à recuperação menor, que a antecipada, da atividade econômica em 2003 (IMF, 2003b) — resultou num nível de estoques muito baixo, o qual reforçou o movimento de alta pró-cíclica dos preços (IMF, 2004). Ademais, essas incertezas desestimularam investimentos nos sistemas de estocagem e transporte, pressionando os seus respectivos custos e, assim, as cotações das commodities (The Economist, 2004a).

Contudo, são os preços das commodities metálicas que apresentam a maior correlação com a atividade industrial global (ver Tabela 2). Isso porque a oferta desses bens reage de forma muito mais lenta ao aumento da demanda, relativamente às commodities agrícolas. Nesse aspecto — capacidade de ajuste da oferta decorrente das especificidades das condições de produção — o mercado de commodities metálicas se assemelha mais ao mercado de petróleo do que ao de matérias-primas agrícolas (IMF, 2006).

Na fase recente de alta dos preços das commodities, a maior correlação entre os preços dos metais e o PIB global foi mais uma vez observada. Em 2002 já se observa um aumento da demanda por esses bens, com exceção dos metais não ferrosos. Porém, a alta mais sustentável da demanda e dos preços somente ocorreu no segundo semestre de 2003,22 22 De acordo com o índice de preços de commodities do FMI, a contribuição da alta de preços das commodities metálicas para a valorização do índice geral entre julho de 2003 e março de 2004 (de 25%) foi a maior de todas: a alta de 38,5% foi responsável por 46,7% dessa valorização (IMF, 2004). impulsionada pela recuperação da economia mundial (ver Gráficos 2 e 3). Em 2004, a tendência altista manteve-se, mas com alguns sobressaltos — em maio e outubro —, provocados pelos receios, por parte dos investidores,23 23 Na segunda quinzena de outubro, esses receios levaram fundos de investimento de perfil mais especulativo a venderem suas posições nos mercados de derivativos, o que provocou queda nas cotações futuras de diversas commodities metálicas. de uma retração das economias mundial (dada a trajetória do preço do petróleo) e chinesa.24 24 Medidas de política econômica das autoridades chinesas estiveram subjacentes aos receios dos investidores: no início de 2004, foram adotadas medidas restritivas para desacelerar o ritmo da atividade econômica e, no final, de outubro a taxa de juros de curto prazo foi elevada.


Todavia, esses receios não se confirmaram. Pelo contrário, em 2004 e 2005 o crescimento econômico mundial e da China mantiveram-se pujantes (5,3% e 4,8%, segundo o FMI), contribuindo para sustentar a demanda (ver Gráfico 3) e elevar ainda mais os preços dos metais (ver Gráfico 2). Ademais, os preços de algumas commodities metálicas foram pressionados por fatores específicos ou conjunturais, dentre os quais: gargalos de oferta (The Economist, 2004e); a alta do preço do petróleo, que elevou os custos da produção e os preços do alumínio e do aço, intensivos em energia; greves trabalhistas nas minas de cobre no Chile e nos Estados Unidos, que afetaram a produção desse metal (IMF, 2006). Já a combinação de preços-chave na economia mundial, analisada a seguir, e o efeito-China (ver item 2.2) constituem determinantes mais gerais, ao lado do crescimento econômico global, da trajetória altista dos preços das commodities metálicas desde 2002.

A evolução e patamares atuais dos preços-chave da economia mundial — o preço do US$ e a taxa de juros básica nessa moeda — também desempenharam um papel fundamental na alta recente dos preços das commodities.

Por um lado, a desvalorização do dólar em relação ao euro e ao iene até o primeiro semestre de 2005, ao resultar em preços mais baixos das commodities (cotados em dólar) para os países europeus e o Japão, fomentou a demanda por esses bens no contexto de recuperação do crescimento industrial (The Economist, 2003; e Miller e Coy, 2004). Ademais, é importante lembrar que, exatamente pelo fato de os preços internacionais desses bens serem denominados na moedachave, mudanças no valor dessa moeda tendem a contaminar esses preços: períodos de desvalorização do dólar tendem a ser acompanhados por uma tendência de alta das cotações internacionais e vice-versa.25 25 Todavia, existem exceções. Por exemplo, na primeira metade dos anos 90, apesar da desvalorização do dólar, os preços das commodities apresentaram uma tendência baixista, a qual esteve associada alguns dos fatores estruturais destacados no item 1. Sobre a relação entre as variações da taxa de câmbio do dólar e os preços das commodities, ver Shumeister (2000).

De acordo com alguns analistas (Bentley, 2004a e 2004b), os investidores também adquiriram commodities no mercado futuro como uma alternativa de reserva de valor no período de depreciação do dólar. A partir de então, a incerteza em relação à taxa de câmbio da moeda-chave (dada a manutenção dos desequilíbrios globais) pode ter sustentado esse tipo de demanda (IMF, 2006). Contudo, vale ponderar que no momento atual, dada a existência do euro e a aquisição de volumes expressivos de dólar pelos países asiáticos, esse tipo de demanda não deve ter sido tão expressivo. Já a alta dos preços das commodities na segunda metade dos anos 70 esteve diretamente associada à demanda por esses bens enquanto reserva de valor para a riqueza global. Naquele momento, além de desvalorizado, o dólar enfrentava um questionamento do seu papel de moeda-chave do sistema monetário internacional.

Por outro lado, o contexto de taxas de juros historicamente baixas nos Estados Unidos e nos demais países centrais e de ampla liquidez internacional, vigente desde o final de 2002, fomentou compras por parte de hedge funds e aplicações especulativas nos fundos de commodities. A busca de oportunidades de investimento lucrativas foi sancionada pelos bancos de investimento globais mediante a oferta de novos fundos de commodities, que receberam volumes elevados de recursos.26 26 Num primeiro momento essas aplicações também foram estimuladas pelas perdas desses fundos com a deflação da bolha no mercado acionário americano. O mesmo movimento especulativo tem sido observado no mercado futuro de petróleo ( The Economist, 2004b). Ou seja, ao que tudo indica, se formou uma bolha especulativa no mercado futuro de commodities (The Economist, 2003) — propício a esse tipo de fenômeno, dada sua alta liquidez —, a qual alimentou a alta dos preços à vista que, por sua vez, reforçou a alta dos preços futuros.27 27 Vale lembrar que esse contexto fomentou o surgimento de outras bolhas — no mercado imobiliário de vários países centrais e nos mercados de ativos dos países emergentes. Esse círculo vicioso também foi impulsionado por compras estratégicas de fundos de investimento — associadas, num primeiro momento, à aposta na recuperação econômica global e, num segundo momento, à busca de diversificação dos portfólios e/ou de hedge contra a inflação (Leff, 2004; IMF, 2006) —, bem como pelas chamadas operações de carry-trade.28 28 A rentabilidade dessas aplicações tem sido muito elevada. Por exemplo, a Pimco, maior gestora mundial de fundos de renda fixa, possui um fundo de commodities que se valorizou 50% entre o final de 2003 e 2004 ( www.valoronline.com.br). Mesmo que as condições monetárias nos Estados Unidos não sejam mais tão favoráveis — dada a alta da taxa de juros básica (a Fed Fund Rate) desde meados de 2004 —, a política monetária na Europa e no Japão manteve-se frouxa desde então, contribuindo para sustentar a demanda especulativa por commodities.29 29 De acordo com previsões do Barclays Capital, o montante de recursos aplicados nos mercados de commodities por parte de grandes fundos de investimento deve atingir US$ 110 bilhões no final de 2006, contra US$ 70 bi em 2005, US$ 45 bi em 2004 e apenas US$ 15 bi em 2003 (Dorsch, 2006). No primeiro trimestre de 2006, as aplicações dos fundos de investimento na Bolsa de Metais de Londres (principal mercado futuro de commodities metálicas) mantiveram-se elevadas, exercendo pressões adicionais sobre os preços de vários metais. Todavia, o aumento da aversão ao risco em maio desse ano, associado às incertezas em relação à política monetária norte-americana, levou vários desses fundos a desmontarem suas posições nesses mercados, provocando forte volatilidade dos preços ( www.valoronline.com.br).

Finalmente, é importante mencionar outra importante implicação do baixo patamar das taxas de juros: a redução do custo de carregamento dos estoques de commodities, estimulando sua acumulação, seja para fins produtivos, seja para especulação.

O efeito-China

O excepcional crescimento econômico da China tem sido apontado como um dos principais determinantes da alta dos preços das commodities após 2002 (The Economist, 2003; Bentley, 2003; Roach, 2004; IMF, 2004; The Economist, 2004a; Unctad, 2005).30 30 Ademais, o crescimento de outros países asiáticos, como a Índia — e, mais recentemente, a recuperação econômica do Japão, segunda maior economia do mundo, altamente dependente de matérias-primas importadas — também tem elevado a demanda por commodities, contribuindo para a alta dos preços (Dorsch, 2006). Sobre o crescimento da Índia, ver: Unctad (2005). Esse crescimento, liderado por setores intensivos em commodities metálicas e industriais — automotivo, metalúrgico e de construção civil (The Economist, 2004a, 2004d) — pressionou a demanda por esses bens, ao mesmo tempo em que o crescimento populacional fomentou a compra externa de alimentos e demais commodities agrícolas.31 31 Jenkins e Edwards (2005) discutem os links entre a demanda chinesa, os preços das commodities e a redução da pobreza na Ásia e na América Latina. Já Kaplinsky (2005) discute os efeitos dessa demanda sobre a tendência secular de deterioração dos termos de troca das commodities.

Os dados desagregados das importações chinesas nos últimos anos corroboram essa hipótese. Como indica o Gráfico 4, o crescimento das compras externas da China entre 2001 e 2002 e, principalmente, entre 2003 e 2004, atingiu um amplo espectro de produtos. Além de algumas commodities metálicas (como minérios e ferro e aço), o crescimento das importações de vários bens manufaturados foi bem superior à média. Já o Gráfico 5 sintetiza a evolução das importações chinesas das principais commodities entre 2000 e 2004, revelando o aumento progressivo dessas importações, que abrangem commodities metálicas e agrícolas. Em 2003, os números são surpreendentes. As importações chinesas cresceram 40% e foram responsáveis por 26,5% da demanda global de aço, 19,8% da de cobre e 19% da de alumínio (IMF, 2004).



Além do crescimento econômico doméstico, outros fatores contribuem para explicar o aumento das importações de commodities agrícolas e metálicas pela China após 2001, dentre os quais seu ingresso na OMC em dezembro deste ano,32 32 Vários estudos foram desenvolvidos com o objetivo de avaliar os impactos potenciais do ingresso da China na OMC sobre o comércio mundial. O principal foco desses estudos é a "ameaça" que o aumento das exportações chinesas de bens manufaturados (de menor custo e preço) representaria para a produção doméstica e, assim, para os empregos e as exportações dos países desenvolvidos e, principalmente, em desenvolvimento. Em relação aos efeitos desse ingresso sobre as importações chinesas, a previsão era de que os maiores beneficiários seriam os países desenvolvidos — principais fontes dessas importações — e, em seguida, os países do leste asiático. Já a África e a América Latina não seriam grandes beneficiárias. Ou seja, esses estudos não projetavam um impacto expressivo da liberalização comercial da China sobre as exportações de commodities, concentradas nos países em desenvolvimento. Ver Shafaeddin (2002) e Li (2002). o qual constitui uma mudança estrutural com impactos significativos, ao menos num primeiro momento, sobre o comércio internacional (tanto de commodities quanto de bens industrializados), dado o peso desse país nesse comércio: em 2001, a China era a sexta potência comercial, sendo responsável por 6,3% das exportações e 3,8% das importações mundiais; já em 2003, esse último percentual passou para 5,5%, tornando a China a terceira principal importadora mundial (já sua participação nas exportações ficou praticamente estável, em 6%), posição mantida em 2004 e 2005.33 33 Há 20 anos, essa participação era de somente 1% (IMF, 2004).

Para se tornar membro dessa organização, após 15 anos de negociação, a China comprometeu-se a acelerar seu processo de liberalização comercial — em curso desde o início dos anos 80 — no período 2002-06, mediante a redução das barreiras tarifárias e não-tarifárias sobre bens e serviços importados, incluindo: no âmbito do setor agrícola, redução das tarifas simultaneamente à ampliação das quotas; no caso dos produtos industriais, redução das tarifas da média de 17% em 2001 para 8,9% em 2005, redução dos picos tarifários e supressão de todas as quotas e licenças de importação.34 34 O acordo de ingresso na OMC também envolveu a abertura do setor de serviços aos investimentos estrangeiros diretos (até então restritos a alguns setores industriais e ao imobiliário) e a assinatura do acordo de propriedade intelectual da OMC. Ver Lemoine (2002).

No âmbito das commodities agrícolas, a ampliação anual das quotas de importação até 2006 foi generalizada e expressiva (ver Tabela 3). Dada a escassez de terra arável e o aumento da demanda por alimentos e commodities agrícolas, em função do crescimento populacional, a redução da proteção do setor agrícola com a entrada na OMC impulsionou as importações desses bens.

Ademais, a redução das tarifas sobre as importações de óleo vegetal e alimentos processados destinadas a consumo interno (que eram elevadas até então) atuou no mesmo sentido35 35 Shafaeddin (2002) previu um efeito positivo da liberalização comercial chinesa sobre as exportações de alimentos da América Latina. (ver Tabela 4). Também vale mencionar o aumento expressivo das importações de soja — de 3,8 milhões de toneladas em 1998-99 para 11,1 milhões em 2000-01, impulsionado pela quebra da safra chinesa no verão de 2001 (Unctad; Cyclope, 2003).

No caso das importações de ferro e de aço — que aumentaram expressivamente em 2002, 2003 e 2004 (ver Gráfico 5) — a redução das tarifas também deve ter impulsionado as importações destinadas ao consumo interno (denominadas importações ordinárias), já que esses bens eram tarifados, ao contrário do minério-de-ferro (ver Tabela 4). Contudo, esse aumento também deve estar relacionado à crise energética nesse país, que certamente deslocou a demanda de importações em direção às commodities metálicas processadas, cuja produção é mais intensiva em energia.

Em relação às demais commodities metálicas, os efeitos da liberalização comercial após 2002 não devem ter sido tão expressivos. Isso porque, apesar das tarifas nominais serem elevadas para alguns bens até 2001 (ver Tabela 4), estas incidiam somente sobre as importações ordinárias, cuja participação no total é pequena. A maior parte das compras externas desses bens é realizada pelas empresas "maquiladoras" envolvidas na produção destinada à exportação (o chamado comércio d'assemblage), as quais usufruíam e ainda usufruem de preferências tarifárias no âmbito de um regime aduaneiro especial. Aliás, é a existência de dois regimes aduaneiros — aquele que incide sobre as importações destinadas ao mercado interno e aquele que rege as importações de bens destinados ao mercado externo após sua transformação e/ou montagem na China (Dées, 2002) — que explica a diferença entre as tarifas nominais e as efetivamente coletadas.36 36 O nível médio de tarifas aduaneiras passou de 41,3% em 1992 para 16,8% em 1998-2001, mas as exceções tarifárias, que beneficiam as importações d'assemblage continuaram importantes (Lemoine e Kesenci-Ünal, 2002). O ingresso na OMC não significou a unificação dos dois regimes tarifários existentes, mas a redução progressiva das diferenças entre eles.

No âmbito do comércio d'assemblage,37 37 Esse comércio intrafirma explica, em grande parte, o alto peso das exportações e importações no PIB da China (23% e 21%, respectivamente, em 2000), um país de dimensões continentais. Em 1980, a participação das exportações no PIB era de somente 6%. Sobre a evolução das exportações chinesas desde então, ver Lemoine e Kesenci-Ünal (2002). predominam as filiais das empresas transnacionais (japonesas, dos NICs de primeira geração38 38 Além do Japão, os NICs ( New Industrialized Countries) de primeira geração — Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura e Hong Kong — também transferiram as etapas finais do seu processo produtivo mais intensivas em trabalho não-qualificado (essencialmente, as fases de montagem), a partir do final dos anos 80, para os países da região que ofereciam mão-de-obra mais barata, como a China e os chamados NICs de segunda geração (Tailândia, Malásia, Indonésia e Filipinas) (Unctad, 2002). e americanas) instaladas na China, cuja participação nesse campo passou de 56% em 1994 para 75% em 2000. Ou seja, a dinâmica das importações chinesas de commodities metálicas para uso industrial, subordina-se, em grande parte, às estratégias das matrizes que lideram as redes de produção regionais e globais — responsáveis pela parcela mais dinâmica do comércio exterior chinês —, as quais envolvem um volume elevado de importações de peças e componentes, bem como de matérias-primas.

Vale ressaltar que as empresas "maquiladoras" dominam a maior parte das importações chinesas, e não somente as de commodities. Suas compras externas cresceram a taxas muito mais elevadas do que as importações voltadas para o mercado interno ao longo da década de 90, atingindo uma participação de quase 50% no total das importações em 1999. Em 2002, o crescimento de 21% das importações continuou sendo determinado muito mais pela demanda das empresas exportadoras (30%)39 39 Do total das importações chinesas, uma porcentagem superior a 40% é reexportada. do que do mercado interno (14%) (Lemoine e Kesenci-Ünal, 2002).40 40 A divergência na evolução dos dois tipos de comércio intensifica-se após a crise asiática de 1997/98 — que afetou mais a demanda por produtos originalmente chineses — resultando em aumento do peso do comércio de montagem, cujo saldo não foi muito afetado pela crise (Dées, 2002). O estudo dessa autora mostra uma maior sensibilidade do comércio ordinário às variações de preço relativo e à demanda mundial, relativamente ao comércio dominado pelas montadoras. Dées (2002) também estima os impacto de uma apreciação real da taxa de câmbio chinesa, que seria supostamente provocada pelo seu ingresso na OMC. A conclusão é que o principal beneficiário seria o comércio de montagem, menos sensível às variações de preço relativo, que usufruiria importações mais baratas e menores custos salariais. Já o comércio ordinário sofreria maior impacto da concorrência estrangeira.

Em suma, um conjunto de fatores conjunturais e estruturais explica o crescimento das importações chinesas de commodities, o qual pressionou os preços desses bens cuja oferta no curto prazo é relativamente inelástica. Alguns desses fatores — como o ingresso da China na OMC e o processo de industrialização e urbanização em curso, que pressionou a própria oferta interna de recursos naturais — devem contribuir para sustentar as importações desse país num patamar mais elevado no médio prazo. Contudo, eles não implicam repetição por vários anos de taxas de crescimento tão elevadas dessas importações. Ademais, as compras externas de um amplo e diversificado espectro de commodities pela China estão subordinadas às estratégias das empresas transnacionais, cujas decisões de produção e exportação são condicionadas pela conjuntura macroeconômica mundial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise realizada nas seções precedentes sugere que a alta dos preços das commodities no período 2002-2005 esteve associada a uma sobreposição de fatores — recuperação econômica global, desvalorização do dólar, bolha especulativa fomentada pelas taxas de juros baixas, crescimento econômico da China — cuja importância relativa é de difícil dimensionamento. Ao que tudo indica, a singularidade do ciclo atual reside exatamente nessa sobreposição. Por exemplo, os impactos do aumento da demanda chinesa por commodities não teriam sido tão intensos numa situação de estagnação econômica global, da mesma forma que a emergência de uma bolha especulativa nos mercados futuros desses bens seria menos provável num contexto de taxas de juros básicas mais elevadas nos países centrais. Essa sobreposição de fatores — alguns de natureza mais estrutural, outros conjunturais — torna ainda mais difícil avaliar a sustentabilidade desta trajetória altista ou mesmo da manutenção dos preços das commodities nos patamares vigentes no início de 2006. Todavia, é possível levantar algumas hipóteses sobre e evolução dos principais condicionantes dessa trajetória: o efeito-China e as condições macroeconômicas globais.

Como ressaltam o IMF (2004) e a Unctad (2005), apesar das taxas de crescimento da China e de seu comércio exterior serem parecidas com as observadas na maior parte dos países asiáticos (Japão e NICs) em etapas semelhantes de integração, a emergência e consolidação desse país como potência econômica em âmbito mundial provavelmente representará um "choque" muito mais expressivo sobre a oferta global de bens e fatores, com efeitos heterogêneos sobre os diferentes mercados e países.41 41 Sobre as possíveis implicações da emergência da China enquanto potência econômica sobre a economia mundial nas próximas décadas, ver também Li (2003). O estudo realizado pelo Unctad (2005) mostra os impactos positivos desse processo sobre a demanda de alimentos e matérias-primas e, assim, sobre os termos de troca dos países em desenvolvimento exportadores desses bens; e o estudo do IMF (2004)42 42 No capítulo 2 do World Economic OutlookGlobal Trade Analysis Project estima que esses impactos perdurarão até 2020. Ou seja, o efeito-China pode resultar numa mudança de patamar dos preços relativos das commodities. Contudo, essa mudança não exclui a possibilidade de que esses preços retomem a tendência histórica de deterioração a partir de um patamar mais elevado.

Por um lado, é importante fazer algumas ressalvas sobre o impacto da integração comercial da China sobre o comércio internacional e, especificamente, sobre o mercado internacional de commodities: o impacto da liberalização comercial é, em grande parte, once and for all, devendo se diluir no médio e longo prazo; o próprio processo de desenvolvimento resultará numa menor elasticidade renda da demanda chinesa por esses bens; como advertido por vários analistas (como Roach e o Economist), os setores industriais chineses com excesso de capacidade e queda da eficiência do investimento são exatamente aqueles intensivos em commodities metálicas (metalurgia, automobilística, construção civil); finalmente, dada a concentração das compras externas de commodities nas filiais das empresas transnacionais instaladas neste país, pode-se deduzir que o boom de importações chinesas desses bens também está associado à recuperação econômica sincronizada dos países centrais e do sudeste asiático e ao patamar extremamente baixo das taxas de juros básicas que, como mencionado, estimula a formação de estoques, seja para fins produtivos, seja para especulação.

Por outro lado, dois dos fatores subjacentes à tendência histórica de deterioração dos termos de troca mencionados na seção 1 continuam presentes: o protecionismo agrícola nos países centrais e as diferenças nas elasticidades-renda da demanda por commodities e bens manufaturados. Enquanto são bastante incertos os desdobramentos da rodada atual da OMC (Rodada de Doha) em termos de redução desse protecionismo diante dos conflitos de interesse envolvidos, o primeiro fator tem uma natureza estrutural. Segundo a OMC, a tendência de declínio da participação dos setores extrativo e agrícola no comércio internacional persistiu nos últimos anos, a despeito da dimensão da demanda chinesa. Mesmo que a concentração da produção de várias commodities metálicas em poucos oligopólios (mencionada no item 1) aumente a capacidade de racionamento da sua oferta e atenue a queda dos preços num contexto de reversão cíclica da economia global, é pouco provável que ela seja capaz de compensar as demais tendências de longo prazo.

Em relação à conjuntura macroeconômica global, a sustentabilidade do cenário atual favorável, em termos de crescimento e inflação, é bastante incerta diante dos vários riscos envolvidos, com destaque para os desequilíbrios externos (déficit em transações correntes) e internos (bolha imobiliária) crescentes da economia norte-americana e seus desdobramentos sobre as taxas de juros (curta e longa) e a cotação do dólar. Na realidade, a própria alta dos preços das commodities constitui um desses riscos, devido aos seus potenciais efeitos inflacionários, os quais podem influenciar tanto a gestão da política monetária pelo Federal Reserve (Fed) como a evolução das taxas de juros de longo prazo. Uma alta mais rápida e intensa da taxa de juros básica americana pode induzir uma desova de estoques de commodities, com efeitos depressivos sobre os preços. Ademais, essa alta implicaria desaquecimento da economia americana, com efeitos negativos sobre o crescimento da China — dada a sua forte dependência das importações dos Estados Unidos — e, assim, sobre a demanda mundial de commodities. Mais uma vez, vale recorrer à história: a fase ascendente do ciclo dos anos 70 reverteu-se quando o choque de juros promovido pelo Fed em 1979 encareceu o custo de carregamento de estoques de commodities.

Finalmente, mesmo que essa alta não se concretize, uma mudança súbita nas expectativas dos investidores — inerente à dinâmica dos mercados financeiros — pode desinflar a bolha de commodities, interrompendo o círculo vicioso de alta nos mercados futuro e à vista. Ademais, o estouro da bolha também pode ser provocado pela dinâmica dos mercados à vista: preços elevados tanto estimulam o aumento da produção quanto deprimem a demanda, o que pode resultar, num segundo momento, em deflação. Nas palavras da The Economist (2004d): every bull market contains the seeds of its destruction.

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Submetido: fevereiro 2005; aceito: julho 2006.

  • BENTLEY, A. (2004a). Commodity investor "wild 'for weak dollar.' Reuters, Feb. 18, 2004a;"
  • *
    Este artigo centra-se no comportamento dos preços das commodities não-energéticas (isto é, exclui o mercado de petróleo). Agradeço o valioso auxílio do bolsista do CNPQ-PIBIC João Henrique de Melo.
  • 1
    O
    Commodities Research Bureau (CRB) calcula um índice geral com a cotação futura de 25 commodities, que é divulgado pela Agência Reuters. Esse instituto também calcula um índice
    spot, com as cotações à vista dessas mesmas commodities e vários sub-índices.
  • 2
    A diferença entre os preços à vista e no mercado futuro é denominada de "base" ou "prêmio", sendo que uma base pequena indica que os dois preços caminham juntos e que as expectativas do mercado apontam para a manutenção da tendência dos preços no mercado à vista. Quando o mercado acredita que o movimento de alta vai continuar, os preços futuros são iguais ou mais altos que os preços à vista. Porém, períodos de variação da base são muito freqüentes e estão associados à dinâmica dos mercados futuros, altamente especulativa. Sobre essa dinâmica e os determinantes das variações da base, que dependem da natureza do ativo subjacente — mercadorias estocáveis, não-estocáveis, ativos financeiros e divisas —, ver Farhi (1998).
  • 3
    Sobre os impactos da alta recente dos preços das commodities sobre os termos de troca dos países em desenvolvimento, ver Unctad (2005).
  • 4
    Ver, por exemplo, Bloch e Sapsford (2000) e Cashin e Mcdermott (2002).
  • 5
    A análise de Prebisch baseou-se em dados do período 1875-1947.
  • 6
    Essa metodologia resultou na classificação de 225 produtos (da
    Standard International Trade Classification — SITC, Revisão 2, a três dígitos de desagregação) em cinco categorias: commodities primárias, manufaturas intensivas em trabalho e recursos naturais; manufaturas com baixa intensidade de trabalho qualificado e tecnologia; manufaturas com média intensidade de trabalho qualificado e tecnologia; manufaturas com alta intensidade de trabalho qualificado e tecnologia; e produtos não classificados.
  • 7
    No caso dos bens manufaturados, as altas taxas de crescimento das exportações estão diretamente associadas à expansão das chamadas redes de produção internacionais, no âmbito do processo de globalização produtiva. Os três grupos de produtos com taxas de crescimento no comércio mundial mais elevadas nas duas últimas décadas (partes e componentes para bens eletrônicos e elétricos; produtos trabalho-intensivos, como vestuário; e bens finais com alto conteúdo de P&D) foram os mais afetados por esse processo. Essas redes — que envolvem bens cujo processo produtivo pode ser decomposto em vários segmentos e cuja localização depende da dotação de fatores e dos custos relativos — resultaram na expansão do comércio em diversos produtos — como computadores, telecomunicações e semicondutores — e no crescimento da participação dos países em desenvolvimento no comércio mundial de produtos manufaturados (Unctad, 2002).
  • 8
    Ver Anexo 2 do capítulo 3 deste relatório.
  • 9
    Segundo Dorsch (2006), a demanda por commodities em geral estaria sendo pressionada no século XXI pelo expressivo crescimento populacional diante da oferta limitada de matérias primas.
  • 10
    Essas políticas favoreceram os setores intensivos em trabalho qualificado e tecnologia, nos quais esses países têm vantagem competitiva
    vis-à-vis aos países em desenvolvimento, cujas exportações se concentram exatamente nas categorias afetadas pelas políticas.
  • 11
    Ademais, ao não estabelecer regras para uso de prática anti-
    dumping, essa rodada estimulou o uso dessa prática, que se tornou um importante instrumento de protecionismo.
  • 12
    Prebisch (1949) também enfatizou os impactos diferenciados das flutuações cíclicas sobre os preços dos bens agrícolas e manufaturados, mas os associou à maior flexibilidade salarial na periferia, devido ao menor grau de sindicalização dos trabalhadores e à posição subordinada da agricultura na cadeia produtiva.
  • 13
    De acordo com esses autores, o poder de mercado da indústria metalúrgica atualmente é significativo e tem contribuído para a alta do preço do aço desde 2003.
  • 14
    Todos os gráficos dos índices CRB estão atualizados até 31 de dezembro de 2004.
  • 15
    Alguns analistas têm feito paralelos entre o contexto atual e aquele de dez anos atrás, uma vez que esses dois fatores também estão presentes hoje, sendo dois importantes determinantes da alta recente dos preços das commodities, como ressaltaremos a seguir. Ver Roach (2004).
  • 16
    Sucatas de cobre, aço, chumbo, zinco e latão.
  • 17
    No caso dos metais preciosos, o aumento da procura no período 2002-2004 esteve associado às tensões geopolíticas (ataque de 11 de setembro, guerra no Iraque), ao aumento da aversão ao risco a partir do segundo trimestre de 2002 e à desvalorização do dólar, que fomentou a demanda por ouro enquanto reserva de valor (IMF, 2003a).
  • 18
    Esse índice é mais amplo do que o índice de metais, envolvendo, além das sucatas de metais, borracha, algodão, resina, gordura, pedaços de lã e tecidos para uso industrial.
  • 19
    O índice de alimentos (
    foodstuffs) envolve carnes suína e bovina, manteiga, óleo de soja, cacau, milho, açúcar e trigo.
  • 20
    A alta de preços também tem sido observada no mercado de petróleo e de semi-condutores. Sobre o comportamento desses dois mercados, ver IMF (2004 e 2006).
  • 21
    Preços das commodities deflacionados por um índice de preço de bens industriais dos países industriais. Ver WTO (2003a).
  • 22
    De acordo com o índice de preços de commodities do FMI, a contribuição da alta de preços das commodities metálicas para a valorização do índice geral entre julho de 2003 e março de 2004 (de 25%) foi a maior de todas: a alta de 38,5% foi responsável por 46,7% dessa valorização (IMF, 2004).
  • 23
    Na segunda quinzena de outubro, esses receios levaram fundos de investimento de perfil mais especulativo a venderem suas posições nos mercados de derivativos, o que provocou queda nas cotações futuras de diversas commodities metálicas.
  • 24
    Medidas de política econômica das autoridades chinesas estiveram subjacentes aos receios dos investidores: no início de 2004, foram adotadas medidas restritivas para desacelerar o ritmo da atividade econômica e, no final, de outubro a taxa de juros de curto prazo foi elevada.
  • 25
    Todavia, existem exceções. Por exemplo, na primeira metade dos anos 90, apesar da desvalorização do dólar, os preços das commodities apresentaram uma tendência baixista, a qual esteve associada alguns dos fatores estruturais destacados no item 1. Sobre a relação entre as variações da taxa de câmbio do dólar e os preços das commodities, ver Shumeister (2000).
  • 26
    Num primeiro momento essas aplicações também foram estimuladas pelas perdas desses fundos com a deflação da bolha no mercado acionário americano. O mesmo movimento especulativo tem sido observado no mercado futuro de petróleo (
    The Economist, 2004b).
  • 27
    Vale lembrar que esse contexto fomentou o surgimento de outras bolhas — no mercado imobiliário de vários países centrais e nos mercados de ativos dos países emergentes.
  • 28
    A rentabilidade dessas aplicações tem sido muito elevada. Por exemplo, a Pimco, maior gestora mundial de fundos de renda fixa, possui um fundo de commodities que se valorizou 50% entre o final de 2003 e 2004 (
  • 29
    De acordo com previsões do Barclays Capital, o montante de recursos aplicados nos mercados de commodities por parte de grandes fundos de investimento deve atingir US$ 110 bilhões no final de 2006, contra US$ 70 bi em 2005, US$ 45 bi em 2004 e apenas US$ 15 bi em 2003 (Dorsch, 2006). No primeiro trimestre de 2006, as aplicações dos fundos de investimento na Bolsa de Metais de Londres (principal mercado futuro de commodities metálicas) mantiveram-se elevadas, exercendo pressões adicionais sobre os preços de vários metais. Todavia, o aumento da aversão ao risco em maio desse ano, associado às incertezas em relação à política monetária norte-americana, levou vários desses fundos a desmontarem suas posições nesses mercados, provocando forte volatilidade dos preços (
  • 30
    Ademais, o crescimento de outros países asiáticos, como a Índia — e, mais recentemente, a recuperação econômica do Japão, segunda maior economia do mundo, altamente dependente de matérias-primas importadas — também tem elevado a demanda por commodities, contribuindo para a alta dos preços (Dorsch, 2006). Sobre o crescimento da Índia, ver: Unctad (2005).
  • 31
    Jenkins e Edwards (2005) discutem os
    links entre a demanda chinesa, os preços das commodities e a redução da pobreza na Ásia e na América Latina. Já Kaplinsky (2005) discute os efeitos dessa demanda sobre a tendência secular de deterioração dos termos de troca das commodities.
  • 32
    Vários estudos foram desenvolvidos com o objetivo de avaliar os impactos potenciais do ingresso da China na OMC sobre o comércio mundial. O principal foco desses estudos é a "ameaça" que o aumento das exportações chinesas de bens manufaturados (de menor custo e preço) representaria para a produção doméstica e, assim, para os empregos e as exportações dos países desenvolvidos e, principalmente, em desenvolvimento. Em relação aos efeitos desse ingresso sobre as importações chinesas, a previsão era de que os maiores beneficiários seriam os países desenvolvidos — principais fontes dessas importações — e, em seguida, os países do leste asiático. Já a África e a América Latina não seriam grandes beneficiárias. Ou seja, esses estudos não projetavam um impacto expressivo da liberalização comercial da China sobre as exportações de commodities, concentradas nos países em desenvolvimento. Ver Shafaeddin (2002) e Li (2002).
  • 33
    Há 20 anos, essa participação era de somente 1% (IMF, 2004).
  • 34
    O acordo de ingresso na OMC também envolveu a abertura do setor de serviços aos investimentos estrangeiros diretos (até então restritos a alguns setores industriais e ao imobiliário) e a assinatura do acordo de propriedade intelectual da OMC. Ver Lemoine (2002).
  • 35
    Shafaeddin (2002) previu um efeito positivo da liberalização comercial chinesa sobre as exportações de alimentos da América Latina.
  • 36
    O nível médio de tarifas aduaneiras passou de 41,3% em 1992 para 16,8% em 1998-2001, mas as exceções tarifárias, que beneficiam as importações
    d'assemblage continuaram importantes (Lemoine e Kesenci-Ünal, 2002). O ingresso na OMC não significou a unificação dos dois regimes tarifários existentes, mas a redução progressiva das diferenças entre eles.
  • 37
    Esse comércio intrafirma explica, em grande parte, o alto peso das exportações e importações no PIB da China (23% e 21%, respectivamente, em 2000), um país de dimensões continentais. Em 1980, a participação das exportações no PIB era de somente 6%. Sobre a evolução das exportações chinesas desde então, ver Lemoine e Kesenci-Ünal (2002).
  • 38
    Além do Japão, os NICs (
    New Industrialized Countries) de primeira geração — Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura e Hong Kong — também transferiram as etapas finais do seu processo produtivo mais intensivas em trabalho não-qualificado (essencialmente, as fases de montagem), a partir do final dos anos 80, para os países da região que ofereciam mão-de-obra mais barata, como a China e os chamados NICs de segunda geração (Tailândia, Malásia, Indonésia e Filipinas) (Unctad, 2002).
  • 39
    Do total das importações chinesas, uma porcentagem superior a 40% é reexportada.
  • 40
    A divergência na evolução dos dois tipos de comércio intensifica-se após a crise asiática de 1997/98 — que afetou mais a demanda por produtos originalmente chineses — resultando em aumento do peso do comércio de montagem, cujo saldo não foi muito afetado pela crise (Dées, 2002). O estudo dessa autora mostra uma maior sensibilidade do comércio ordinário às variações de preço relativo e à demanda mundial, relativamente ao comércio dominado pelas montadoras. Dées (2002) também estima os impacto de uma apreciação real da taxa de câmbio chinesa, que seria supostamente provocada pelo seu ingresso na OMC. A conclusão é que o principal beneficiário seria o comércio de montagem, menos sensível às variações de preço relativo, que usufruiria importações mais baratas e menores custos salariais. Já o comércio ordinário sofreria maior impacto da concorrência estrangeira.
  • 41
    Sobre as possíveis implicações da emergência da China enquanto potência econômica sobre a economia mundial nas próximas décadas, ver também Li (2003).
  • 42
    No capítulo 2 do
    World Economic OutlookGlobal Trade Analysis Project
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2007

    Histórico

    • Aceito
      Jul 2006
    • Recebido
      Fev 2005
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