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Poder de barganha dos sindicatos e negociações coletivas na indústria do Rio Grande do Sul, 1979-1995

Bargaining power of the unions and collective bargaining in the industry of the Rio Grande do Sul, 1979-1995

Resumo

This paper analyses the relationship between bargaining outcomes in seventeen units regarding the manufacturing sector in Rio Grande do Sul, and change in the relevant economic environment from 1979 to 1995. Theories on the determinants of bargaining outcomes are discussed in order to provide a basis for hypothesizing about the specific case. Statistical outcomes suggest that collective bargaining have been basically influenced by unemployment, manufacturing relative prices, the stabilization policies starting in 1986, and, specifically for negotiated minimum wages, change in the official rates of minimum wages.

industrial relations; collective bargaining; trade unions


industrial relations; collective bargaining; trade unions

Poder de barganha dos sindicatos e negociações coletivas na indústria do Rio Grande do Sul, 1979-1995

Bargaining power of the unions and collective bargaining in the industry of the Rio Grande do Sul, 1979-1995

Carlos Henrique Horn

Professor do Departamento de Ciências Econômicas e do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e-mail: horn@ufrgs.br

ABSTRACT

This paper analyses the relationship between bargaining outcomes in seventeen units regarding the manufacturing sector in Rio Grande do Sul, and change in the relevant economic environment from 1979 to 1995. Theories on the determinants of bargaining outcomes are discussed in order to provide a basis for hypothesizing about the specific case. Statistical outcomes suggest that collective bargaining have been basically influenced by unemployment, manufacturing relative prices, the stabilization policies starting in 1986, and, specifically for negotiated minimum wages, change in the official rates of minimum wages.

Keywords: industrial relations, collective bargaining, trade unions.

JEL Classification: J51

No período entre o final das décadas de 1970 e 1980, assistiu-se a uma notável retomada da atividade sindical no Brasil. Uma das conseqüências desse renovado ativismo foi o fortalecimento das negociações coletivas de trabalho. Como bem assinalaram dois observadores da cena trabalhista brasileira, pode-se associar "o notável recrudescimento do ativismo sindical e dos trabalhadores a partir de 1978 (...) [a] um marcado aumento nas negociações diretas — um importante afastamento das relações de trabalho tradicionalmente dominadas pelo Estado no Brasil" (Pastore e Skidmore, 1985, p. 111, a tradução é nossa). Houve, ainda, quem destacasse que nesses anos as negociações coletivas teriam começado a "recuperar-se de uma virtual atrofia" (Córdova, 1989, p. 263, a tradução é nossa).

A hipótese do fortalecimento das negociações coletivas a partir de fins dos anos 1970 pode ser encontrada na literatura sobre a questão da continuidade e mudança no sistema brasileiro de relações de trabalho (Amadeo, 1992; Barbosa de Oliveira, 1994; Córdova, 1989; Gonçalves, 1988, 1994; Jácome Rodrigues, 1995; Moreira Alves, 1989; Pastore e Zylberstajn, 1988; Prado, 1998; Ramalho, 1996; Rodrigues, 1992; Silva, 1992; Souza, 1992; Tavares de Almeida, 1982). Esse fortalecimento é visto como um resultado de mudanças no sistema nacional, de que se destacam (i) um crescente número de cláusulas nos acordos coletivos de trabalho, (ii) uma ampliação do escopo temático das negociações, (iii) uma expansão dos arranjos voluntários em contraste à mediação e arbitragem judiciais, (iv) uma difusão de novas formas de negociação, não previstas no modelo da CLT, e (v) uma alta incidência de greves associadas às negociações até o final dos anos 1980. Evidência sobre um crescente número de cláusulas e a ampliação do escopo temático dos acordos encontra-se em estudos sobre as negociações coletivas (Brandão, 1991; Horn, 1992, 2003a; Pichler, 2002; Prado, 1998; Vasconcellos, 1983).

Tendo essas mudanças no cenário nacional como pano de fundo, discutimos neste artigo os resultados das negociações coletivas de trabalho em unidades selecionadas da indústria gaúcha, entre 1979 e 1995, e os associamos a mudanças no contexto econômico.1 1 Este artigo consiste, em sua maior parte, do capítulo 7 da tese de doutorado do autor, Collective bargaining in Brazilian manufacturing, 1978-95, que resultou de pesquisa sob a supervisão do Prof. Stephen Wood, e que foi submetida a London School of Economics and Political Science (Universidade de Londres). Para realizar a pesquisa, o autor contou com o apoio de bolsa de estudo do CNPq — Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Agradecemos o suporte de Cecilia Schmidt e Eduardo Pontual na análise estatística e os comentários de dois pareceristas anônimos que contribuíram para a melhora da versão final do artigo. Todos ficam, como é o costume, eximidos dos equívocos remanescentes. O artigo apresenta cinco seções, junto com esta introdução. Na seção 2, sistematizamos os resultados das negociações coletivas através de indicadores selecionados.2 2 As unidades de negociação coletiva selecionadas, todas em nível de setor, são as seguintes: Laticínios (Porto Alegre), Panificação (Porto Alegre), Metalúrgicos (Canoas), Metalúrgicos (Novo Hamburgo), Metalúrgicos (São Leopoldo), Metalúrgicos (Porto Alegre), Metalúrgicos (Sapiranga), Químicos (Porto Alegre), Fertilizantes (Porto Alegre), Produtos Farmacêuticos (Porto Alegre), Gráficos (São Leopoldo), Artefatos de Couro (Novo Hamburgo), Calçados (Novo Hamburgo), Calçados (São Leopoldo), Calçados (Campo Bom), Calçados (Sapiranga), e Têxteis (Porto Alegre). No período 1978-95, essas unidades geraram 287 acordos coletivos, os quais formam a base primária de dados dos resultados analisados neste artigo. Na seção 3, fazemos uma síntese de modelos teóricos sobre os determinantes das negociações coletivas a fim de construir um arcabouço para a análise dos resultados nas unidades selecionadas. A análise de correlação e de regressão do conteúdo das negociações e das variáveis explicativas desse conteúdo é apresentada na seção 4. Uma síntese das principais conclusões encerra o artigo na seção 5.

INDICADORES DE RESULTADOS DAS NEGOCIAÇÕES COLETIVAS NA INDÚSTRIA GAÚCHA

Para analisar os resultados das negociações coletivas, construímos vários indicadores para capturar as mudanças (i) no escopo temático dos acordos coletivos, (ii) na relação entre o conteúdo normativo desses acordos e a legislação do trabalho e (iii) no conteúdo dos acordos ao longo do tempo independentemente de sua relação com as normas estatais do trabalho.3 3 Para um detalhamento sobre os indicadores de escopo temático dos acordos, ver Horn (2004). Sobre a comparação entre as normas coletivas e as normas estatais, ver Horn (2003b). Já para os indicadores de mudança no conteúdo normativo independentemente da relação entre a norma coletiva e a estatal, ver Horn (2006). Com o objetivo de analisar os fatores explicativos das mudanças no conteúdo das negociações coletivas, selecionamos os quatro indicadores principais que aparecem no Quadro 1.


A variável Δ ADICE mensura a variação anual no número médio de cláusulas substantivas adicionais que beneficiam os empregados. Normas substantivas são aquelas que governam diretamente a relação de emprego e foram definidas por contraste com as normas de procedimento, as quais governam indiretamente a relação de emprego, ao regularem os processos de formulação, mudança e cumprimento das regras. Trata-se de uma dicotomia clássica dos estudos sobre sistemas de relações de trabalho e regulação da relação de emprego (Bamber e Córdova, 1993; Dunlop, 1993; Flanders, 1970; Windmuller, 1987; Wood et al., 1975). Classificamos uma norma coletiva substantiva como adicional se esta norma não encontrar paralelo na legislação estatal do trabalho.

Um aumento no número de cláusulas substantivas adicionais (ou seja, um valor positivo para Δ ADICE) indica, por conseguinte, um fortalecimento das negociações coletivas como método de regulação da relação de emprego sob um contexto de legislação estatal mais ou menos extensa. Esse indicador é especialmente relevante para a análise dos resultados dessas negociações em sistemas nacionais de relações de trabalho caracterizados por forte regulação estatal da relação de emprego, como é o caso do Brasil. No caso em análise, a relação é tal que, quanto maior o número de cláusulas adicionais, mais importante se mostra a negociação coletiva na fixação de regras que não possuem correspondência exata na legislação estatal.

A variável ΔSUBST mensura a variação anual no número médio de cláusulas substantivas que apresentaram alteração em seu conteúdo normativo, independentemente da relação entre o conteúdo normativo dessas cláusulas e a legislação reguladora. A variável indica a diferença entre o número de cláusulas com variação favorável e o número de cláusulas com variação desfavorável aos trabalhadores entre dois anos sucessivos. As cláusulas cujo conteúdo não exibe alteração são consideradas neutras para a mensuração de ΔSUBST. Assim, os valores positivos de ΔSUBST significam que o número de cláusulas substantivas que experimentam mudança favorável aos empregados é maior do que o número de cláusulas que experimentam mudança desfavorável, e vice-versa. Anos sucessivos com valores positivos de ΔSUBST, conseqüentemente, refletem um período de expansão dos direitos de empregados através de processos de negociação coletiva.

As variáveis Δ%SALMINREAL e Δ%SALREALNEG mensuram o desempenho dos salários reais negociados. A variável Δ%SALMINREAL resulta da comparação, em cada unidade de negociação, entre a variação nos pisos salariais negociados nas datas-base e a variação no custo de vida (medido pelo IPC-IEPE), sendo calculada como a média aritmética simples dessas diferenças. Portanto, valores positivos de Δ%SALMINREAL indicam que o poder de compra dos pisos salariais negociados é maior na data-base corrente do que na anterior, e vice-versa.

A variável Δ%SALREALNEG, por sua vez, resulta da comparação anual entre o reajuste negociado dos salários nominais, conforme as cláusulas de reajuste salarial, produtividade, aumento real e assemelhadas, e a variação no custo de vida (medido pelo IPC-IEPE), sendo igualmente calculada como a média aritmética simples dessas diferenças. No caso de haver mais de uma taxa de reajuste negociado em uma unidade singular de barganha, a comparação baseia-se na taxa mais elevada, normalmente aquela que corresponde ao ajuste dos menores salários. O significado dos valores positivos de Δ%SALREALNEG é similar ao dos valores positivos de Δ%SALMINREAL: eles indicam um aumento no poder de compra dos salários em geral nas datas-base correntes em comparação às datas-base imediatamente anteriores.

Os padrões de mudança nos resultados das negociações coletivas entre 1979 e 1995 mostram que, com exceção do ano de 1995, as variáveis ΔADICE e ΔSUBST apresentaram sinais positivos para todos os anos examinados. Além disso, seus comportamentos assemelham-se fortemente. Já as variáveis Δ%SALMINREAL e Δ%SALREALNEG alternaram anos de sinal positivo com anos de sinal negativo. Seus comportamentos não se mostram tão próximos como o que ocorre entre ΔADICE e ΔSUBST, nem próximos ao comportamento dessas duas variáveis.

A Tabela 1 apresenta os coeficientes de correlação de Pearson (r) entre as variáveis de resultado das negociações. De acordo com as estatísticas desta tabela, as variáveis ΔADICE e ΔSUBST estão fortemente correlacionadas, o que evidencia os padrões similares no comportamento dos resultados de negociações por elas mensurados. Há também uma relação positiva e significante (ao nível 0,1) entre ΔADICE e Δ%SALREALNEG e entre ΔSUBST e Δ%SALREALNEG. Por fim, a variável Δ%SALMINREAL mostra-se positivamente correlacionada com Δ%SALREALNEG ao nível de significância 0,1, o que sugere algum grau de similaridade entre seus comportamentos.

A Tabela 2 mostra a magnitude anual de cada um dos indicadores de resultado como uma proporção de suas respectivas médias para a totalidade do período 1979-95. Assim, se essa magnitude é maior do que 1, o ritmo de mudança favorável aos empregados terá sido maior no ano considerado vis-à-vis a média do período. No caso da variável Δ%SALREALNEG, cuja média foi negativa (1,7 p.p.), adotamos o módulo desse resultado para fins de comparação. Por conseguinte, na comparação entre o resultado anual e a média, as magnitudes positivas indicam um aumento nos salários reais negociados, e vice-versa.

As estatísticas da Tabela 2 sugerem uma periodização dos resultados das negociações coletivas entre 1979 e 1995. Assim, a mudança nos resultados foi particularmente favorável aos trabalhadores entre 1979 e 1981 e entre 1985 e 1989. Nesses dois períodos, (i) as magnitudes de ΔADICE e ΔSUBST foram superiores à unidade em praticamente todos os anos, e (ii) as variações nos salários reais negociados (piso salarial e salários em geral) foram positivas na maioria dos anos. Entretanto, nos períodos 1982-84 e 1990-95, o desempenho anual foi normalmente inferior ao médio, além de se observarem variações negativas nos salários reais negociados na maioria dos anos.

Havendo sistematizado os diferentes padrões de comportamento dos resultados das negociações coletivas, nosso objetivo agora é o de examinar os fatores que teriam ocasionado esses resultados. Para tanto, na próxima seção, apresentamos uma revisão de modelos teóricos sobre os resultados das negociações coletivas de trabalho a fim de sistematizar hipóteses sobre os determinantes dos resultados das negociações nas unidades da indústria gaúcha, cujas estatísticas são discutidas em seguida na seção 4.

TEORIAS SOBRE OS DETERMINANTES DOS RESULTADOS DE NEGOCIAÇÕES COLETIVAS DE TRABALHO

Um arcabouço teórico geral para explicar os resultados das negociações coletivas pode ser encontrado na literatura sobre relações de trabalho, onde uma relação básica associa a mudança nesses resultados a mudanças nos contextos em que os agentes da negociação interagem. As teorias sobre os determinantes dos resultados das negociações coletivas, inclusive aquelas centradas no conceito de poder de barganha, geralmente adotam essa relação básica como seu ponto de partida. As diferenças entre as teorias decorrem, em parte, dos diferentes contextos julgados relevantes e, em cada contexto, dos aspectos a que se atribui maior poder explicativo dos resultados.

No seu clássico Industrial Relations Systems, Dunlop (1993) aborda os resultados da interação entre os atores em um sistema de relações de trabalho — a hierarquia dos administradores de empresas, a hierarquia dos trabalhadores e as agências especializadas — como uma rede de regras. As cláusulas dos acordos coletivos constituem um dos vários tipos de regras. A interação entre os atores é conduzida dentro de um contexto (ou ambiente) mais amplo. Mais precisamente, há três contextos relevantes na abordagem de Dunlop: as características tecnológicas do local de trabalho e da comunidade de trabalho; os mercados de produto e de fator e as restrições orçamentárias com que se deparam os agentes; e o locus e distribuição do poder na sociedade em geral (Dunlop, 1993, pp. 48-51). Para esse autor, os "contextos são decisivos para determinar as regras estabelecidas pelos atores" (Dunlop, 1993, p. 48, a tradução é nossa). A definição dos contextos específicos relevantes para explicar as regras depende dos espaços próprios de interação entre os atores reais. Além disso, as regras mudam com o passar do tempo em resposta às mudanças ocorridas nesses contextos, na hierarquia dos atores, no consenso dos atores acerca do sistema (ideologia) e nas relações que os atores estabelecem entre si.

Chamberlain e Kuhn (1965) relacionam os resultados das negociações coletivas ao poder de barganha dos agentes. A partir de Hicks (1968), esses autores definem o poder de barganha como "a capacidade de assegurar um acordo com outro agente nos seus próprios termos" (Chamberlain e Kuhn, 1965, p. 170, a tradução é nossa). O poder de barganha de um agente da negociação depende basicamente dos custos pecuniários e não-pecuniários de concordar ou discordar do outro agente. Esses custos são afetados por fatores ambientais e não-ambientais. Os principais fatores ambientais compreendem as condições econômicas, a opinião pública e a influência do governo sobre as negociações coletivas. Já os principais fatores não-ambientais são as táticas adotadas por sindicatos e administradores de empresas e a natureza das reivindicações.

Kochan e Wheeler (1975) e Kochan e Block (1977) apresentam modelos teóricos e resultados de pesquisas empíricas acerca do impacto dos fatores ambientais sobre as negociações coletivas. O arcabouço conceitual de Kochan e Wheeler assemelha-se a um típico modelo de estrutura, conduta e desempenho. Segundo os autores, as características do contexto afetam os resultados das negociações coletivas não apenas de modo direto, mas também indiretamente através dos seus efeitos sobre as características organizacionais dos sindicatos e da administração das empresas e sobre o próprio processo de negociações. Formulam a hipótese geral de que os "resultados favoráveis aos sindicatos são uma função do seu poder de barganha" (Kochan e Wheeler, 1975, p. 52, a tradução é nossa). O foco de sua análise, por conseguinte, dirige-se às fontes específicas — ambientais e organizacionais — do poder de barganha dos sindicatos. Os fatores ambientais compreendem três classes amplas — legal, econômica e política — dentro das quais se agrupam os fatores específicos que exercem um impacto sobre o poder de barganha.

O objetivo de Kochan e Block é o de apresentar "um arcabouço geral para conceituar, mensurar e analisar os determinantes dos resultados das negociações coletivas no setor privado da indústria norte-americana" (Kochan e Block, 1977, p. 432, a tradução é nossa). A hipótese geral é que os resultados das negociações são uma função do poder de barganha relativo dos agentes da negociação. As fontes desse poder compreendem os fatores ambientais, as características institucionais dos agentes e a estrutura das negociações coletivas. A pesquisa realizada pelos autores enfoca aquelas variáveis que explicam as diferenças intersetoriais nos resultados das negociações coletivas. De modo semelhante ao que fizeram Kochan e Wheeler, os fatores ambientais são agrupados nas áreas da economia, da política e da lei. Entretanto, para o propósito da análise empírica que realizam, os autores descartam os fatores legais, em virtude de serem uma constante para os diferentes setores da indústria, e os fatores políticos devido à dificuldade de mensurá-los num largo espectro geográfico de unidades de barganha.

No seu arcabouço conceitual para o estudo das negociações coletivas, Kochan (1980) assume os resultados das negociações como uma variável dependente. Esses resultados teriam como determinantes o contexto externo e as variáveis intervenientes associadas à estrutura das negociações, a características organizacionais dos sindicatos e a características da ação negocial da administração das empresas. Em comparação com os modelos anteriores, Kochan expande as classes de fatores ambientais a fim de incluir os contextos social, tecnológico e demográfico, além das políticas públicas, aos contextos econômico e político. E assume que esses contextos exercem um impacto sobre os resultados das negociações coletivas, tanto diretamente, quanto indiretamente através das variáveis intervenientes.

Mishel (1986) apresenta uma tentativa de "explicar e mensurar as diferenças no poder de barganha dos sindicatos entre setores industriais num ponto do tempo" (p. 90, a tradução é nossa). O resultado específico que busca explicar é a remuneração associada à ação sindical (union earnings). As diferenças de remuneração entre os setores industriais são assumidas como uma conseqüência das diferenças no poder de barganha dos sindicatos. Esse poder depende das características ambientais que influenciam a capacidade dos empregadores de fazer concessões aos sindicatos ("capacidade de pagar"), das características dos agentes e da estrutura da negociação coletiva. As características ambientais são agrupadas em (i) fatores que permitem às empresas "repassar os custos do trabalho", tais como a lucratividade e o grau de concentração industrial, (ii) fatores que permitem aos empregadores "absorver os custos do trabalho", tal como o crescimento da produtividade, e (iii) características não-pecuniárias do processo de trabalho e da demanda de trabalho.

Leap e Grigsby (1986) também se baseiam no conceito de poder de barganha para explicar os resultados das negociações coletivas. Tendo como objetivo construir um modelo compreensivo para explicar o poder nas negociações coletivas de trabalho, os autores fazem uma distinção entre poder de barganha potencial e poder de barganha ativado. O poder de barganha potencial é determinado por três grupos de fatores: (i) fatores sobre os quais os agentes da negociação não exercem qualquer controle, tais como as condições econômicas e os contextos social e político, (ii) fatores sobre os quais os agentes da negociação podem exercer algum controle no longo prazo, tais como a certificação dos sindicatos e a organização gerencial, e (iii) fatores que os agentes podem controlar no curto prazo, tais como as políticas salariais dos empregadores e a composição da equipe de negociadores. Em geral, os fatores não-controláveis compreendem as condições ambientais, ao passo que os assim chamados fatores controláveis abarcam variáveis institucionais. Essas fontes determinam os limites do poder de barganha potencial, o qual pode ser inteira ou parcialmente exercido pelos agentes (poder ativado) em sua tentativa de influenciar os resultados das negociações coletivas.

Martin (1992) também trata da balança de poder entre a administração das empresas e os sindicatos. De acordo com esse autor, "os resultados do processo [de negociação coletiva] são determinados pelo poder latente dos agentes da negociação e por seu sucesso em traduzir o poder latente em poder de barganha" (Martin, 1992, p. 14, a tradução é nossa). O contexto relevante em que sindicatos e empresas interagem compreende condições econômicas, tecnológicas, políticas, sociais e jurídicas.

Amadeo e Camargo (1989) desenvolvem um modelo para explicar as variações no nível geral dos salários nominais na economia brasileira. Hipoteticamente, essa variável é afetada pelas normas legais de indexação dos salários e pelo poder de barganha dos sindicatos e dos empregadores. O poder de barganha depende da capacidade das empresas de evitar que um aumento nos salários nominais se transforme em aumento nos custos a preços constantes, assim como da capacidade de mobilização dos sindicatos. A capacidade dos sindicatos de mobilizar os trabalhadores depende de fatores econômicos, sobretudo o custo da despedida para os empregados e o grau de insatisfação com os salários reais, e fatores políticos.

Com base nesses diferentes modelos teóricos sobre os determinantes dos resultados das negociações coletivas de trabalho, procuramos definir um conjunto de variáveis para a análise dos resultados observados nas unidades da indústria do Rio Grande do Sul, tal como se desenvolve na próxima seção.

DETERMINANTES DOS RESULTADOS DAS NEGOCIAÇÕES COLETIVAS NA INDÚSTRIA DO RIO GRANDE DO SUL

Arcabouço de análise dos resultados das negociações coletivas na indústria do Rio Grande do Sul

Os resultados das negociações coletivas nas unidades da indústria gaúcha compreendem as quatro variáveis sistematizadas na seção 2. Uma inspeção sobre seus padrões de mudança sugere algum grau de associação entre essas variáveis e (i) o ciclo da economia brasileira e (ii) as políticas de estabilização conduzidas pelo governo entre 1986 e 1995. Seguindo esta linha de abordagem, a Figura 1 ilustra um arcabouço de análise para explicar os resultados das negociações coletivas nas unidades selecionadas como uma função de mudanças nas condições da economia brasileira.


A tarefa de traduzir esse arcabouço genérico em modelos para análise empírica consiste em definir um conjunto de variáveis explicativas dos resultados. Os estudos teóricos e empíricos revisados na seção precedente listam variáveis de contexto que exerceriam impacto sobre as negociações coletivas de trabalho. Há dois aspectos preliminares a considerar sobre o conjunto de variáveis sugeridas por esses estudos quando o objetivo é analisar a mudança intertemporal nos resultados de negociações coletivas conduzidas em nível setorial cuja abrangência regional é menor do que a da economia nacional.

Em primeiro lugar, algumas variáveis parecem adequadas para uma análise das diferenças nos resultados das negociações entre indústrias num ponto do tempo (análise cross-section), como na abordagem de Mishel (1986), mas não para uma análise longitudinal da mudança no conteúdo dos acordos coletivos quando as variáveis de resultado consistem de médias de vários setores. Este é o caso com fatores tal como a "escala mínima eficiente". Algo semelhante ocorre em relação a variáveis da teoria do poder de barganha de Martin (1992). Fatores como "durabilidade do produto", "grau de interdependência dos estágios do processo de produção" e "ciclo de vida do produto", por exemplo, parecem fazer sentido numa análise das diferenças nos resultados entre firmas, o que não é o caso aqui.

Em segundo lugar, deparamo-nos com o problema da inexistência de dados, no todo ou em alguns anos da série, para determinadas variáveis. Este é o caso, por exemplo, de variáveis como "grau de concentração" e "grau de compromisso individual para com a força de trabalho".

Em conseqüência, chegamos a um conjunto de 11 variáveis explicativas que buscam capturar mudanças no contexto da economia brasileira que teriam afetado o desempenho das negociações trabalhistas. Essas variáveis estão listadas na Figura 2, junto a informações sobre sua dimensão espacial e a fonte dos dados. Consideramos, além dessas variáveis, que os resultados das negociações coletivas foram afetados pelas políticas de estabilização conduzidas pelo governo federal no período 1986-95 e que, para o caso específico dos pisos salariais, os resultados sofreram o impacto das variações nos salários mínimos oficiais. A Figura 2, portanto, expõe um modelo para a análise dos resultados das negociações coletivas na indústria gaúcha. Uma análise estatística da associação entre essas variáveis e os resultados das negociações é apresentada nas subseções 4.2 e 4.3.


Correlação

A Tabela 3 mostra os coeficientes de correlação de Pearson (r) entre as variáveis independentes, com exceção das políticas de estabilização, e os resultados das negociações coletivas. A variável "variação no produto" aparece duas vezes, pois uma defasagem de um ano (t-1) foi considerada sob a hipótese de que a transmissão das mudanças no nível de produção ao cenário das negociações coletivas envolve maior transcurso de tempo. Discutimos os resultados separadamente para as variáveis que refletem o contexto macroeconômico e para as variáveis mais diretamente associadas ao nível de setor industrial, além de um comentário sobre as variações no salário mínimo oficial real.

Condições macroeconômicas

Os sinais dos coeficientes de correlação entre os resultados das negociações coletivas e as variáveis que mensuram as condições macroeconômicas são via de regra os esperados. Assim, a correlação entre "desemprego" e os resultados das negociações é negativo, ainda que apenas o coeficiente para ΔSUBST seja estatisticamente significante (ao nível 0,1). As correlações que envolvem "taxa de câmbio real" e "alíquota de importações" — variáveis que refletem o grau de exposição do mercado interno à concorrência de produtos importados — e os resultados das negociações são positivas, com exceção do coeficiente para "alíquota de importações" e Δ%SALMINREAL. A única correlação estatisticamente significante (ao nível 0,1) é verificada entre a "taxa de câmbio real" e Δ%SALREALNEG. A correlação negativa entre "inflação" e os resultados da negociação, ainda que não seja forte, nem estatisticamente significante, é uma exceção relevante à conformidade entre os resultados dos coeficientes e as hipóteses teóricas. Por fim, embora os sinais dos coeficientes sejam em geral os esperados, são poucos os casos estatisticamente significantes de associação entre as variáveis macroeconômicas e os resultados das negociações coletivas.

Variáveis setoriais

As variáveis que mensuram o desempenho econômico do setor industrial parecem exibir uma melhor performance explicativa. Os sinais dos coeficientes são os esperados para a grande maioria dos casos. Assim, a variável "variação no produto" (em t) correlaciona-se positivamente com os resultados das negociações coletivas. A correlação é mais forte e estatisticamente significante com os resultados das negociações salariais (aos níveis 0,01 para Δ%SALREALNEG e 0,05 para Δ%SALMINREAL). Se a variação no produto da indústria em t-1 é levada em conta, a correlação torna-se estatisticamente significante para ΔADICE (ao nível 0,1), mas os resultados para as negociações salariais pioram. Esses coeficientes podem indicar que o desempenho corrente da atividade produtiva é mais relevante do que o do passado próximo para a barganha salarial, mas que alguma defasagem temporal ocorre antes que as variações na magnitude da produção se transmitam aos resultados gerais das cláusulas substantivas.

A correlação entre "preços relativos" e os resultados das negociações coletivas mostra-se ainda mais interessante. Os coeficientes indicam uma associação mais forte entre a variação nos preços relativos da indústria e os resultados das negociações, sendo estatisticamente significantes para ΔSUBST (ao nível 0,1), Δ%SALMINREAL (ao nível 0,05) e Δ%SALREALNEG (ao nível 0,01). Já a correlação entre "variação no nível de emprego" e os resultados das negociações também mostra os sinais esperados para os coeficientes, embora seja estatisticamente significante apenas para ΔADICE (ao nível 0,1).

As variáveis "grau de ocupação da capacidade de produção", "razão entre custos do trabalho e custo total de produção" e "lucratividade" mostram-se mais problemáticas. Os sinais dos coeficientes para as variáveis "grau de ocupação da capacidade" e "razão entre custos do trabalho e custo total de produção" são os esperados, com as exceções de Δ%SALREALNEG e "grau de ocupação" e Δ%SALMINREAL e "custos do trabalho", porém não apresentam significância estatística aos níveis usuais. Quanto à variável "lucratividade", o sinal não é o esperado na correlação com os resultados das negociações salariais e as correlações com ΔADICE e ΔSUBST, ainda que compatíveis com as hipóteses teóricas, são fracas.

Por fim, a correlação entre "variação na produtividade" e os resultados das negociações mostra um sinal negativo para ΔADICE, ΔSUBST e Δ%SALMINREAL. Essa correlação inversa não corresponde ao esperado. Devemos observar, todavia, que as hipóteses para a associação entre produtividade e negociações coletivas não estão livres de ambigüidades. De um lado, o aumento na produtividade amplia a capacidade das empresas de absorver os custos do trabalho e, em conseqüência, também o espaço para os sindicatos extraírem concessões. De outro lado, ceteris paribus, o aumento na produtividade afeta negativamente a demanda de trabalho, enfraquecendo o poder de barganha dos sindicatos. Os resultados da Tabela 3 sugerem que este pode ter sido o caso nas unidades de barganha deste estudo. O crescimento da produtividade industrial brasileira acelerou-se nos anos 1990, quando as condições do mercado de trabalho se deterioraram. Nos anos 1980, quando os resultados das negociações foram mais favoráveis aos sindicatos, a variação na produtividade industrial média chegou a ser negativa em alguns anos.

Variação no salário mínimo oficial real

Uma variável que captura a política governamental para os pisos de remuneração dos assalariados também foi incorporada na análise. Como esperado, a correlação entre a variação anual no salário mínimo oficial real e Δ%SALMINREAL é forte e estatisticamente significante (ao nível 0,01), oferecendo evidência para a hipótese de que os salários mínimos negociados são consideravelmente influenciados pela taxa oficial.

Regressão

Os resultados das negociações coletivas foram associados a diferentes combinações das variáveis explicativas. As políticas de estabilização foram incorporadas como uma variável dummy. O reduzido número de observações sugere cautela na interpretação dos resultados da análise de regressão. Ao relatar esses resultados, nossa atenção recai sobre os sinais das relações. Os modelos discutidos a seguir apresentam algumas diferenças entre si quanto às variáveis explicativas. Não obstante, as políticas de estabilização, o desemprego e os preços relativos aparecem, em geral, como fatores importantes na explicação dos resultados das negociações coletivas na indústria de transformação gaúcha entre 1979 e 1995. Os modelos são apresentados segundo cada uma das quatro variáveis que mensuram os resultados das negociações.

Variação anual no número médio de cláusulas substantivas adicionais que beneficiam os empregados ( Δ ADICE)

A Tabela 4 apresenta dois modelos para o indicador da variação anual no número médio de cláusulas substantivas adicionais que beneficiam os empregados (ΔADICE).

Modelo 1

No modelo 1, os sinais dos coeficientes para as variáveis "desemprego", "taxa de câmbio real" e "preços relativos" são os esperados. A variável "desemprego" capta o estado geral do mercado de trabalho. Quanto maior for a taxa de desemprego, mais fraca é a posição dos sindicatos nas negociações coletivas. O modelo 1 indica que o crescimento no número de cláusulas substantivas adicionais em favor dos empregados entre 1979 e 1995 teria sido menor nos anos de maior desemprego.

O impacto da taxa de câmbio real e dos preços relativos industriais sobre ΔADICE pode ser relacionado à capacidade das empresas de repassar um aumento nos custos de produção na forma de maiores preços. As restrições a repassar os custos aos preços são normalmente menores em economias com menor grau de competição no mercado interno e alta inflação. Uma alta inflação caracterizou a economia brasileira em praticamente todos os anos entre 1979 e 1995. Maiores taxas de câmbio real significam que as importações se tornam mais caras, enfraquecendo a concorrência de preços no mercado interno. E maiores preços relativos industriais podem refletir maiores facilidades para as empresas industriais repassarem seus custos. Isto pode reduzir a resistência empresarial em fazer concessões nas negociações coletivas com o fim de evitar conflitos com os sindicatos.

Ainda sobre o modelo 1, não parece haver qualquer motivo específico para associar o sinal positivo da dummy "Plano Bresser" (1987) e o sinal negativo da dummy "Plano Verão" (1989) a impactos diretos desses planos de estabilização sobre a negociação de cláusulas substantivas adicionais. Por vias transversas, todavia, é provável que os coeficientes tenham capturado, isto sim, as conseqüências do processo constituinte e da Constituição Federal (CF) promulgada em 1988 sobre ΔADICE. A Constituição ampliou alguns direitos dos assalariados. Um exemplo dessa ampliação é o aumento no adicional de hora extra de 25% (regra anterior, conforme a CLT) para 50% (nova regra, conforme a CF). Com os debates em marcha no Congresso Constituinte, os agentes da negociação podem ter antecipado, nos acordos coletivos de 1987, as normas com maior probabilidade de serem inseridas na CF. Com isso, aquelas cláusulas que, antes da nova Constituição, incorporavam direitos dos empregados mais amplos do que os prescritos na legislação pertinente foram classificadas como cláusulas adicionais, tendo havido grande expansão em seu número em 1987 (ΔADICE igual a 2,7 vezes a média do período 1979-95), o que pode explicar o sinal positivo da dummy "Plano Bresser". Porém, uma vez aprovada a Constituição ao final de 1988, algumas dessas cláusulas podem ter deixado de pertencer à categoria das cláusulas adicionais, tornando-se, por exemplo, cláusulas com regras iguais às da nova legislação, de modo que, em 1989, ΔADICE equivaleu a apenas 0,28 da média do período 1979-95. O sinal negativo da dummy "Plano Verão" pode meramente refletir esse ajuste.

Modelo 2

Quando as variáveis "variação no produto em t-1" e "grau de ocupação da capacidade de produção" são incorporadas ao modelo, a variável dummy "Plano Bresser" deixa de ser estatisticamente significante aos níveis usuais. A variação no produto mensura fluxos reais — em contraste com variáveis monetárias como a taxa de câmbio real e os preços relativos —, refletindo o estado da demanda pelo produto da indústria em geral. O sinal positivo do coeficiente é o esperado. A defasagem de um ano sugere que a transmissão das mudanças nas condições gerais do mercado do produto aos resultados das negociações coletivas não ocorre de modo concomitante no tempo.

O sinal negativo do coeficiente do grau de ocupação da capacidade, entretanto, contradiz a lógica geral de que uma aceleração no ritmo da atividade econômica (normalmente associada a maiores taxas de ocupação da capacidade) dá origem a melhores resultados das negociações coletivas do ponto de vista dos sindicatos.4 4 Uma sugestão apresentada por parecerista anônimo é que o sinal negativo para o coeficiente do grau de ocupação da capacidade decorreria da maior dificuldade de absorção de custos pelas empresas quando diminui sua capacidade ociosa. Um exame adicional sobre o comportamento da taxa de investimento e seu impacto no grau de ocupação da capacidade numa economia caracterizada por ciclos curtos, como é o caso da economia brasileira a partir de fins dos anos 1970, talvez ajude a lançar alguma luz sobre este ponto.

Variação anual global no número médio de cláusulas substantivas com mudança de conteúdo normativo (diferença entre a mudança favorável aos empregados e a mudança favorável aos empregadores) ( Δ SUBST)

A variável ΔSUBST apreende a mudança no conteúdo normativo das cláusulas que regulam diretamente a relação de emprego, independentemente da relação entre esse conteúdo e a legislação trabalhista. Valores positivos de ΔSUBST equivalem a uma variação no número de cláusulas cuja mudança de conteúdo favorece os empregados (líquido da variação no número de cláusulas cuja mudança de conteúdo favorece os empregadores). Nos casos extremos, essa variação pode abranger tanto o ajuste de cláusulas novas favoráveis quanto a supressão de cláusulas existentes desfavoráveis, havendo uma gama de outras possíveis situações.

A Tabela 5 mostra os resultados da regressão para a variável ΔSUBST. Apenas as variáveis explicativas "desemprego" e a dummy "Planos Collor" (1990-91) são estatisticamente significantes (ao nível 0,05). O sinal negativo do coeficiente para "desemprego" é o esperado. A mudança favorável aos trabalhadores no conteúdo normativo dos acordos coletivos, a exemplo do que também ocorre com ΔADICE, está associada a menores taxas de desemprego.

O sinal negativo para a dummy "Planos Collor" (1990-91) mostra que, do ponto de vista dos sindicatos, a direção da mudança no conteúdo normativo dos acordos coletivos piorou sensivelmente nos anos de 1990 e 1991. Esse biênio testemunhou o início de um padrão de resultados das negociações coletivas que, à exceção de 1993, se estendeu pelos anos subseqüentes. As políticas de estabilização do governo Collor, que conduziram a uma profunda recessão da atividade econômica, tiveram um impacto negativo sobre um contexto relevante para as negociações coletivas, o que foi captado na análise de regressão. Além disso, em linha com as reformas estruturais prescritas no Consenso de Washington, o governo Collor promoveu uma maior abertura comercial da economia brasileira, através de corte nas alíquotas dos impostos de importação, e acelerou o processo de privatização das empresas estatais. Finalmente, o governo Collor procurou fortalecer as correntes sindicais adversárias da ala mais militante do sindicalismo brasileiro unida sob a bandeira da CUT e indicou um de seus líderes para ser o ministro do Trabalho.

Média anual da variação no salário mínimo real negociado ( Δ %SALMINREAL)

A variável Δ%SALMINREAL mensura a média anual da variação no salário mínimo real negociado, considerando as várias unidades de negociação na posição correspondente ao mês de cada data-base. Os resultados exibidos na Tabela 6 explicam as variações no piso salarial real negociado em função das variações no salário mínimo oficial real e dos Planos Collor. As demais variáveis que hipoteticamente exercem influência sobre a barganha de pisos salariais não apresentaram significância estatística aos níveis usuais. Isto sugere que a negociação dos pisos salariais é fortemente dependente da política governamental para o salário mínimo. As taxas oficiais ou suas variações parecem prover uma referência decisiva para as taxas negociadas. Maiores taxas oficiais normalmente resultam em maiores pisos salariais negociados. Por fim, de modo similar ao que ocorre com ΔSUBST, há evidência de que o governo Collor exerceu uma influência negativa, do ponto de vista dos sindicatos, sobre a fixação dos salários mínimos nos acordos coletivos de trabalho.5 5 Assinale-se, ainda, que o Plano Collor I promoveu forte ajuste para baixo do salário mínimo oficial real em doze meses. Assim, a comparação do salário mínimo oficial de maio de 1990 com a alta do custo de vida nos doze meses precedentes medida pelo IPC-IEPE resulta numa variação de -27,12%. A variação nominal no salário mínimo foi de 45,1359 vezes no período de doze meses.

Média anual da variação no salário real negociado ( Δ %SALREALNEG)

A variável Δ%SALREALNEG mensura a média anual da variação no salário real ajustado nas diferentes unidades de negociação, que é considerado, sobretudo em economias de alta inflação, o mais relevante tópico das negociações coletivas. A variável resulta da comparação entre o reajuste geral no nível dos salários monetários na data-base, conforme as cláusulas de reajuste salarial, produtividade, aumento real e similares, e a variação no custo de vida nos doze meses anteriores ao da data-base. Os resultados da análise de regressão mostrados na Tabela 7 indicam que o desempenho do salário real negociado foi fortemente influenciado pelos preços relativos da indústria e pelas políticas de estabilização.

Este modelo sugere duas conclusões principais. A primeira conclusão é que a barganha salarial dependeu fortemente da maior liberdade relativa das empresas industriais de fixarem seus preços em resposta a aumentos nos custos de produção, tal como indicado pelo sinal do coeficiente para "preços relativos". A segunda conclusão refere-se às políticas de estabilização: nos anos em que o governo logrou sucesso em converter os salários nominais com base na média de seu poder aquisitivo passado — o que ocorreu nos Planos Cruzado (1986), Collor (1990-91) e Real (1994), mas não nos Planos Bresser (1987) e Verão (1989) —, a política de estabilização parece ter sido um dos principais fatores explicativos dos salários reais negociados.

CONCLUSÃO

Neste artigo, analisamos os determinantes dos resultados das negociações coletivas de trabalho em unidades selecionadas da indústria de transformação gaúcha entre 1979 e 1995. Os resultados dessas negociações foram mensurados através de quatro diferentes indicadores. Um arcabouço geral para a análise desses resultados foi construído com base em teorias sobre a determinação dos resultados das negociações coletivas. Esse arcabouço deu origem a um modelo geral segundo o qual os resultados das negociações são explicados por mudanças nas condições macroeconômicas, nas condições dos mercados de produto e trabalho, nas características dos sistemas operacionais das empresas industriais, nas políticas de estabilização conduzidas pelo governo brasileiro entre 1986 e 1995 e na política do governo para o salário mínimo oficial.

A maior parte das variáveis hipoteticamente relevantes para as negociações coletivas mostrou, na análise empírica, a correlação esperada, ainda que apenas alguns dos coeficientes de correlação tenham apresentado significância estatística. Os resultados da análise de regressão para cada um dos indicadores sugerem que, entre 1979 e 1995, as negociações coletivas na indústria gaúcha foram basicamente influenciadas (i) pelas condições gerais do mercado de trabalho, captadas pela taxa de desemprego, (ii) pela capacidade das empresas de fixar seus preços, apreendida pelo comportamento dos preços da indústria em relação ao dos preços em geral, e (iii) pelas políticas de estabilização levadas a cabo a partir de 1986. Além disso, os pisos salariais negociados foram fortemente afetados pela taxa oficial do salário mínimo.

Submetido: Agosto 2005; Aprovado: Abril 2007.

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  • 1
    Este artigo consiste, em sua maior parte, do capítulo 7 da tese de doutorado do autor,
    Collective bargaining in Brazilian manufacturing, 1978-95, que resultou de pesquisa sob a supervisão do Prof. Stephen Wood, e que foi submetida a
    London School of Economics and Political Science (Universidade de Londres). Para realizar a pesquisa, o autor contou com o apoio de bolsa de estudo do CNPq — Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Agradecemos o suporte de Cecilia Schmidt e Eduardo Pontual na análise estatística e os comentários de dois pareceristas anônimos que contribuíram para a melhora da versão final do artigo. Todos ficam, como é o costume, eximidos dos equívocos remanescentes.
  • 2
    As unidades de negociação coletiva selecionadas, todas em nível de setor, são as seguintes: Laticínios (Porto Alegre), Panificação (Porto Alegre), Metalúrgicos (Canoas), Metalúrgicos (Novo Hamburgo), Metalúrgicos (São Leopoldo), Metalúrgicos (Porto Alegre), Metalúrgicos (Sapiranga), Químicos (Porto Alegre), Fertilizantes (Porto Alegre), Produtos Farmacêuticos (Porto Alegre), Gráficos (São Leopoldo), Artefatos de Couro (Novo Hamburgo), Calçados (Novo Hamburgo), Calçados (São Leopoldo), Calçados (Campo Bom), Calçados (Sapiranga), e Têxteis (Porto Alegre). No período 1978-95, essas unidades geraram 287 acordos coletivos, os quais formam a base primária de dados dos resultados analisados neste artigo.
  • 3
    Para um detalhamento sobre os indicadores de escopo temático dos acordos, ver Horn (2004). Sobre a comparação entre as normas coletivas e as normas estatais, ver Horn (2003b). Já para os indicadores de mudança no conteúdo normativo independentemente da relação entre a norma coletiva e a estatal, ver Horn (2006).
  • 4
    Uma sugestão apresentada por parecerista anônimo é que o sinal negativo para o coeficiente do grau de ocupação da capacidade decorreria da maior dificuldade de absorção de custos pelas empresas quando diminui sua capacidade ociosa.
  • 5
    Assinale-se, ainda, que o Plano Collor I promoveu forte ajuste para baixo do salário mínimo oficial real em doze meses. Assim, a comparação do salário mínimo oficial de maio de 1990 com a alta do custo de vida nos doze meses precedentes medida pelo IPC-IEPE resulta numa variação de -27,12%. A variação nominal no salário mínimo foi de 45,1359 vezes no período de doze meses.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Ago 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2008

    Histórico

    • Recebido
      Ago 2005
    • Aceito
      Abr 2007
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