Acessibilidade / Reportar erro

Exportações e inovação: uma análise para América Latina e Sul-Sudeste da Ásia

Exports and innovation: an analysis for Latin America and South-Southeast Asia

Resumo

The purpose of this study is to compare the performance of Latin America and South-Southeast Asia countries over the past three decades with respect to technological intensity of their exports. The main contribution of this paper is to construct an indicator of technological intensity to allow adequate measurement of the degree of knowledge content of exports from both regions. This indicator was calculated for all sample countries for the period 1983-2008, based on data from Comtrade/WITS and clearly show how Asian countries have a technological intensity of their exports much higher than the Latin American countries.

innovation; learning; exports; technological intensity; productivity


innovation; learning; exports; technological intensity; productivity

Exportações e inovação: uma análise para América Latina e Sul-Sudeste da Ásia

Exports and innovation: an analysis for Latin America and South-Southeast Asia

Marcelo José Braga Nonnenberg* * O autor agradece o excelente trabalho de compilação e preparação dos dados realizado por Allan Amaral Paes de Mesentier e os comentários feitos por Honório Kume. Os erros remanescentes são de responsabilidade do autor, obviamente.

Economista do IPEA. E-mail: marcelo.nonnenberg@ipea.gov.br

ABSTRACT

The purpose of this study is to compare the performance of Latin America and South-Southeast Asia countries over the past three decades with respect to technological intensity of their exports. The main contribution of this paper is to construct an indicator of technological intensity to allow adequate measurement of the degree of knowledge content of exports from both regions. This indicator was calculated for all sample countries for the period 1983-2008, based on data from Comtrade/WITS and clearly show how Asian countries have a technological intensity of their exports much higher than the Latin American countries.

Keywords: innovation; learning; exports; technological intensity; productivity.

JEL Classification: F14.

INTRODUÇÃO

O comércio mundial cresceu a um ritmo bastante acelerado nos últimos 14 anos. Entre 1994 e 2008, em termos reais, as exportações globais cresceram a um ritmo médio anual de 7,8%, ao passo que, entre 1980 e 1993, essa taxa foi de apenas 3,6%, de acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI). Esse crescimento apresenta dois aspectos que merecem ser destacados.

Em primeiro lugar está o grande crescimento das exportações de produtos intensivos em tecnologia (ver UNCTAD, 2002a, cap. 6). Os bens com maior conteúdo tecnológico apresentam, em geral, uma elasticidade renda da demanda bem superior aos demais, sendo natural que o seu consumo global cresça a taxas superiores às observadas nos demais bens. Esse é um dos principais fatores a impulsionar o comércio mundial, pois enquanto a produção é localizada em poucos países, seu consumo é disseminado internacionalmente.

Em segundo lugar, as exportações de produtos relativamente intensivos em conhecimento cresceram mais nos países em desenvolvimento (PED) do que nos países desenvolvidos (PD), ao contrário do que seria de esperar de acordo com o modelo H-O de comércio internacional. O processo de inovação, a transferência internacional de tecnologia e os investimentos diretos externos (IDE) tiveram um papel fundamental nessa alteração dos fluxos globais de comércio, porém esse novo desenho do comércio global apresenta nuances bem acentuadas entre as diversas regiões. O principal destaque nas últimas décadas foi, sem dúvida, o grande crescimento das exportações asiáticas dessa categoria de produtos.

O objetivo deste trabalho é comparar o desempenho dos países da América Latina e do Sul-Sudeste da Ásia nas três últimas décadas com relação à intensidade tecnológica das suas exportações. Nesse período, as exportações desses países asiáticos cresceram a uma velocidade bem maior do que a dos países latino-americanos. E a razão principal para essa diferença de ritmo, como será mostrado adiante, foi o maior aumento da participação de bens intensivos em tecnologia na pauta dos países asiáticos, relativamente aos latino-americanos. A análise das causas desse processo constitui o objeto de um próximo trabalho.

A principal contribuição do presente artigo é construir um indicador de intensidade tecnológica que permita mensurar adequadamente o grau de conteúdo de conhecimento das exportações de ambas as regiões. A base de dados utilizada para os dados de comércio exterior é o Comtrade/World Integrated Trade Solution (WITS). Nos últimos dez anos, a intensidade tecnológica das exportações foi objeto de análise em diversos trabalhos, na esteira do trabalho pioneiro de Lall (2000a). Entretanto, a simples reagregação dos valores de exportação segundo categorias de intensidade tecnológica não constitui uma métrica adequada seja para classificar os países segundo esta variável, seja para realizar estudos econométricos que busquem analisar a sua relação com outras variáveis. Sturgeon e Gereffi (2009) abordam o problema, mas, a nosso ver, não fornecem uma solução satisfatória, concentrando-se naquilo que denominam "cadeias globais de valor".

Basicamente, o índice proposto reflete uma média da intensidade tecnológica das exportações, atribuindo pesos às diferentes categorias, tais como apresentadas mais adiante. A sua grande vantagem está em permitir classificar por meio de um único número a intensidade tecnológica média de um determinado país em um ano específico. Dessa forma, é possível analisar a evolução de cada país, a comparação entre diversos países e a realização de estudos econométricos.

O trabalho está dividido como segue. Na segunda parte serão analisados alguns aspectos teóricos relativos à relação entre exportações e inovação. A seção seguinte apresenta a classificação utilizada para agregar as exportações por intensidade tecnológica. Na quarta, serão analisados os dados globais enquanto a seção seguinte estuda os dados para América Latina e Ásia. A sexta parte apresenta o indicador de intensidade tecnológica das exportações cujos resultados são analisados na sétima seção. As conclusões são apresentadas na última seção.

O PROCESSO DE INOVAÇÃO E AS EXPORTAÇÕES

O processo de inovação possibilita aos países avançar na escala tecnológica, passando a produzir cada vez mais produtos manufaturados intensivos em tecnologia. No caso dos PDs, a inovação é fruto, principalmente (mas não exclusivamente) da geração doméstica de conhecimento. São os seus centros de pesquisa associados ao setor industrial — em outras palavras, o seu sistema nacional de ino­va­ção —, que realizam esforços de pesquisa e desenvolvimento (P&D), incorporando esse conhecimento aos produtos, elevando sua competitividade, como mostram Furman, Porter e Stern (2002). Claro que esses países também absorvem, em maior ou menor grau, conhecimento gerado em outros PDs.

Contudo, no caso dos PEDs, a inovação resulta principalmente da transferência internacional e da difusão doméstica de conhecimento. Gerschenkron (1962) foi o primeiro a apontar a possibilidade de absorção de conhecimento como uma vantagem dos países latecomers. Dificilmente esses países irão desenvolver tecnologia nativa na proporção necessária a estimular o crescimento econômico e as exportações intensivas em tecnologia. É muito mais rápido e mais barato obter conhecimento por meio de transferência de tecnologia. Isso não impede que, ao longo do tempo, os PEDs gerem tecnologia própria, como acontece hoje em dia com diversos países asiáticos. E a transferência de tecnologia tanto pode ser feita através de contratos como por meio de spill-overs tecnológicos, sobretudo no caso de conhecimento tácito. Como mostra Keller (2009), a transferência tácita de tecnologia tanto pode ser feita através de investimentos externos quanto por meio da importação de bens intermediários ou de capital.

Portanto, a transferência internacional de tecnologia para PED depende basicamente da capacidade de absorção de conhecimento, o que reduz o seu custo e estimula o investimento externo em setores mais avançados. Os PEDs dependem dessa capacidade para adaptar e melhorar o conhecimento. Lall (2000b) considera que a capacidade tecnológica doméstica depende de incentivos, mercados de fatores e instituições. Incentivos são a política macroeconômica, a política comercial e políticas industriais, basicamente. Mercados de fatores compreendem qualificação da mão de obra, financiamento para inovação e acesso à informação. E instituições são constituídas pelo sistema educacional, padrões métricos, investimentos em P&D, crédito de longo prazo, entre outros.

Para Pack (2000), o sucesso dos PEDs em elevar sua produtividade industrial, principalmente no caso dos países asiáticos, resultou de três fatores principais. Primeiro, a abertura ao conhecimento externo. Ao contrário, países como Argentina e Índia adotaram, durante muitos anos, uma atitude de suspeição ao conhecimento estrangeiro. Já os países asiáticos sempre desenvolveram um comportamento favorável à absorção de tecnologia externa e ao conhecimento vindo do exterior. Segundo, a capacidade de utilizar os mercados internacionais de tecnologia, realizando transferências de conhecimento por meio de joint ventures, contratos internacionais de transferência etc. Terceiro, os esforços de qualificação da mão de obra local, não apenas no nível fundamental, mas também nos níveis médio e superior.

Keller e Yeaple (2008) mostram a importância do custo de transferência de tecnologia para a internacionalização da produção. Pode-se adotar como um corolário de suas proposições que, quanto menor o custo de transferência de tecnologia entre matriz e filial, maior a parcela de bens intermediários produzidos nas filiais em países emergentes e, portanto, maior o comércio de bens relativamente intensivos em tecnologia. E como o custo de transferência de tecnologia depende fundamentalmente da correta comunicação de instruções, é função da capacidade de absorção de conhecimentos sofisticados. Logo, quanto maior o investimento em inovação e em capacitação da mão de obra nos países emergentes, menor o custo de transferência de tecnologia entre matriz e filial.

Isso posto, qual a relação entre inovação e exportação? A inovação permite aumentar a produtividade e o crescimento das firmas inovadoras. Porém, será verdade que as firmas mais inovadoras e, portanto, mais produtivas irão exportar mais? Ou, ao contrário, as firmas exportadoras irão aumentar sua produtividade? O sentido da causalidade vai da inovação para a exportação ou vice-versa? Bernard e Jensen (1995) inauguraram uma vasta literatura sobre o assunto. Estudando o comportamento das firmas manufatureiras dos Estados Unidos entre 1976 e 1987, verificaram, em primeiro lugar, que as firmas exportadoras são maiores em vendas e emprego, são mais produtivas e pagam salários mais elevados do que as não exportadoras, mesmo quando são adotadas diversas variáveis de controle. Em segundo lugar concluíram que, ao contrário do senso comum, são as "melhores" empresas que se tornam exportadoras e não as exportadoras que se tornam "melhores". Portanto, não faria muito sentido o governo conceder incentivos às exportadoras, pois elas já se beneficiaram de vantagens obtidas no passado.

Posteriormente, Clerides, Lach e Tybout (1998), analisando dados para firmas de Colômbia, México e Marrocos, confirmaram a hipótese de que as empresas mais eficientes tornam-se exportadoras, não havendo assim fundamento para a ideia de que haveria algum ganho de aprendizagem significativo decorrente da atividade exportadora. Bernard e Jensen (1999) confirmam essa relação de causalidade, mostrando que há poucos ganhos para a firma uma vez que ela se torna exportadora. Esses estudos foram corroborados por diversos outros como Aw, Chung e Roberts (2000) e Liu, Tsou e Hammit (1999), sendo que Wagner (2007) fornece uma boa revisão.

Todavia, estudos mais recentes, como Greenaway e Kneller (2007), Damijan e Kostevc (2006), Trofimenko (2008), Andersson e Lööf (2009) e Martins e Yang (2009) mostram que as firmas exportadoras tendem a obter ganhos de produtividade, sobretudo se forem pequenas e pertencentes a PEDs, pois deverão aumentar a inovação com conhecimento adquirido de seus clientes. Por outro lado, Aw, Roberts e Xu (2008, 2009) e Aw, Roberts e Winston (2005) consideram que existe uma forte correlação entre a decisão de exportar, gastos em P&D e crescimento da produtividade. Basicamente, a produtividade aumenta endogenamente em resposta tanto à decisão prévia de exportar quanto dos gastos em P&D. Ao mesmo tempo, quanto maior a produtividade, maior o benefício de exportar e de realizar investimentos em P&D.

O que esses estudos demonstram é que existe uma relação íntima entre inovação e exportação. As empresas mais eficientes apresentam maior tendência a exportar, beneficiam-se da exportação ao obter conhecimento de outras firmas e países, tendem a investir mais em P&D e em qualificação de mão de obra e, por essa razão, possuem maior aptidão a absorver conhecimento de outras fontes. É, assim, importante estabelecer a relação entre exportações e intensidade tecnológica, o que será feito nas próximas seções.

CLASSIFICAÇÃO DE PRODUTOS POR INTENSIDADE TECNOLÓGICA

Conforme assinalado na introdução, o comércio mundial vem crescendo a um ritmo cada vez maior. E boa parte da explicação reside no maior dinamismo dos produtos mais intensivos em conhecimento. Uma boa forma de se verificar este fato é desagregar as exportações por classes de intensidade tecnológica.

No entanto, esse esforço comporta diversas ambiguidades. Medir o conteúdo de conhecimento de um determinado bem é extremamente difícil. Normalmente, o conhecimento é elaborado durante as fases de P&D e representam custos fixos para a empresa responsável. Porém, após algum tempo, dado o forte volume de vendas, esse elevado custo fixo inicial é amortizado e o preço final do produto cai muito rapidamente. São exemplos disso chips de computador e produtos farmacêuticos. Os primeiros chips tinham um custo extremamente alto e uma capacidade de processamento muito inferior aos atuais. Porém, ao longo do tempo, o preço vem caindo e a capacidade de processamento crescendo exponencialmente. No caso dos produtos farmacêuticos, quanto mais distante do momento de aprovação da patente, menor o preço do remédio. Após alguns anos, a patente é quebrada e o preço desaba. Em ambos os casos, como medir a intensidade de conhecimento?

Outra dificuldade refere-se à distinção entre tecnologia de produto e tecnologia de processo. O produto pode não apresentar grande inovação quanto às suas qualidades e propriedades, porém resultar de grandes avanços na tecnologia de processo, reduzindo custos de produção. Por exemplo, a soja transgênica é o resultado de enormes investimentos em pesquisa, de forma a encontrar uma semente menos sujeita a pragas e doenças e com menor custo final e maior produtividade. No entanto, a semente selecionada segundo esse processo faz exatamente o que uma semente ordinária faz, isto é, germina e produz grãos de soja. Em outros casos, a inovação é mais aparente no produto. Por exemplo, a cadeia eletroeletrônica vem inovando constantemente ao apresentar produtos diferentes com propriedades distintas.

Um dos primeiros trabalhos a apresentar uma solução satisfatória do ponto de vista metodológico foi o de Lall (2000a). Nele, o autor cria uma classificação de produtos aplicada ao comércio exterior baseada na Standard International Trade Classification (SITC), Revisão 2 (por ser a que permite a maior cobertura temporal), tendo como foco a tecnologia de produtos.

A solução, contudo, irá compreender, sempre, alguma dose de arbitrariedade. Srholec (2007) analisa a hipótese de a especialização de PED em produtos intensivos em tecnologia ser uma "ilusão estatística". Os países asiáticos, por exemplo, podem parecer estar se especializando em produtos intensivos em tecnologia, porém, na verdade, encarregam-se apenas das etapas intensivas em trabalho da cadeia eletroeletrônica, não resultando da ampliação do processo de inovação nesses países. Seus resultados indicam que a exportação de produtos eletrônicos é explicada basicamente pelas importações de componentes eletrônicos.

Portanto, o tipo de classificação utilizada por Lall e outras semelhantes pode levar a resultados enganosos. De toda forma, esses problemas serão abordados ao longo da análise. Essa classificação serviu de base para diversas outras. Mas a que será adotada neste trabalho é, em grande parte, a utilizada pela United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD).1 1 Para um maior detalhamento, veja UNCTAD (2002b). De acordo com essa metodologia, os produtos são classificados em seis categorias básicas, como se observa no Quadro 1.

Essa classificação é feita, igualmente, a partir da nomenclatura SITC, Revisão 2, daqui em diante denominada SITC 2, a 4 dígitos. Os produtos de F a G2 compreendem, basicamente, carvão, petróleo, derivados de petróleo e gás, bem como minérios de urânio, encomendas postais, moedas e ouro, entre outros produtos, e não farão parte da presente análise.

Essa classificação tem, pelo menos, um problema sério. A categoria de produtos de alta intensidade tecnológica proposta por Lall (2000a) incluía, basicamente, produtos eletroeletrônicos, instrumentos e farmacêuticos. Já a classificação da UNCTAD inclui todos os produtos químicos. Esta opção não parece razoável, pois os químicos abrangem desde farmacêuticos (que são intensivos em tecnologia) até tintas, corantes e vernizes, pouco afetados pelo processo de inovação.

A opção tomada neste trabalho foi a de separar a categoria E da UNCTAD em duas, E1 com todos os produtos químicos, e E2, com os demais, da cadeia eletro­eletrônica e instrumentos de precisão. Isso foi feito de forma a permitir uma melhor comparação com outros trabalhos desenvolvidos pela UNCTAD sobre esse assunto.

EVOLUÇÃO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL POR INTENSIDADE TECNOLÓGICA

Tomando por base essa classificação e levando em conta apenas as categorias de A a E, o comércio mundial de produtos primários e o de manufaturados intensivos em trabalho ou recursos naturais caíram de cerca de 40% do total (considerando apenas essas categorias), em 1980, para aproximadamente 29% em 2008.2 2 Os dados do Comtrade/WITS não correspondem a todos os países, uma vez que nem todos informam os dados com a nomenclatura requerida para a classificação. Ao mesmo tempo, a participação das exportações de alta e média intensidade (D, E1 e E2) saltou de 50% para 61% no mesmo período, como se observa na Tabela 1. Portanto, foram eles os principais responsáveis pelo forte crescimento das exportações mundiais.

No entanto, como também está ilustrado nessa tabela, a mudança é muito mais acentuada entre os países de baixa e média renda do que entre os de alta renda. Enquanto nestes a participação dos produtos de alta intensidade aumentou de 53% para 66% nos anos considerados, entre aqueles esse percentual pulou de 16% para 50%. Observa-se, assim, que mesmo entre os países de renda baixa e média os produtos relativamente muito intensivos em tecnologia (D, E1 e E2) correspondem, atualmente, a quase metade de suas exportações.

Porém, será que isso representou, de fato, uma elevação expressiva da participação desses países no comércio de produtos mais sofisticados ou eles representam uma pequena parcela desse fluxo? Os dados da Tabela 2 indicam que o market-share desses países nos produtos mais intensivos em tecnologia já é bastante considerável. Enquanto, em 1980, sua participação era inferior a 8% nas categorias de D a E2, em 2008 esse número alcançou 25% da categoria D, 19% da E1 e 38% da E2. No total das exportações, esse percentual passou de 7% para 33%. É notável também que a participação dos países ricos tenha caído em todas as cinco classes de produtos. Isso sugere, portanto, que essa modificação das participações não decorreu apenas da maior internacionalização da produção e do crescimento mais rápido do comércio de produtos mais sofisticados, mas também de um aumento generalizado da competitividade dos países de menor renda.

Em suma, o comércio mundial cresceu, nos últimos anos, em grande parte, devido ao forte aumento dos produtos de maior intensidade tecnológica e esse aumento resultou, em boa parcela, do aumento da competitividade dos países de menor renda que puderam, sem dúvida, explorar vantagens absolutas de custo, reduzindo os preços desses produtos.

Argumenta-se, também, que o aumento do comércio mundial resulta de uma combinação de dois outros fatores. Em primeiro lugar, o crescimento do comércio de bens intermediários. Esse fenômeno, conhecido por diversos nomes, como outsourcing, delocalization, slicing the value chain, resulta do fato de haver crescido a internacionalização da produção. Firmas que produziam domesticamente boa parte dos insumos utilizados na sua produção passaram a transferir para outros países partes inteiras da cadeia produtiva, importando os insumos num estágio mais avançado de produção. Isso ocorre em todos os setores, mas é bastante conhecido nas indústrias eletrônica, automobilística, de informática, de aviação, de brinquedos etc. (ver Feenstra, 1998; Borga & Zeile, 2004).

Seria de esperar, portanto, que a participação de bens intermediários no comércio global houvesse crescido, em razão da maior internacionalização da produção. De fato, diversos trabalhos têm feito essa afirmativa (ver UNCTAD, 2002; Feenstra, 1998; Hummels, Ishii and Yi, 2001). No entanto, ao menos nos últimos 30 anos, a composição estrutural do comércio mundial tem ficado relativamente constante, em especial, a de bens intermediários.

O Gráfico 1 apresenta esses dados para o período 1979-2008. Os dados são retirados da base do Comtrade, utilizando uma classificação Broad Economic Categories (BEC) do WITS, que permite reagrupar as classificações utilizadas, seja com base no Sistema Harmonizado, seja com base na Classificação Internacional Padrão de Comércio, em suas várias versões, em sete categorias básicas, com algumas subdivisões, que foram posteriormente reagrupadas nas categorias descritas no gráfico.


Como se observa, os percentuais de participação de bens intermediários não se alteram substancialmente ao longo do período em análise, permanecendo um pouco abaixo de 50%, prevalecendo esta situação mesmo quando se retiram os alimentos e bebidas. As únicas mudanças mais importantes são a redução do percentual de combustíveis e lubrificantes entre 1979 e 1986, devido à queda dos preços do petróleo, e o aumento concomitante dos percentuais de bens de consumo e de bens de capital. Não cabe aqui uma análise mais detalhada da questão, mas é possível que, examinando-se apenas a cadeia de produtos eletrônicos, por exemplo, o panorama seja outro.

É certo também que esses resultados dependem da classificação utilizada, que envolve algum grau de arbitrariedade. É possível que alguns produtos classificados como bens de capital sejam, de fato, partes e componentes e, portanto, bens intermediários. Por outro lado, alguns trabalhos (Hummels, Ishii andYi, 2001) utilizam outro conceito. Em vez de medir a participação de bens intermediários, procuram medir a intensidade do componente importado sobre a produção, ou sobre a produção destinada à exportação, e aí encontram resultados positivos, ou seja, aumento do componente importado. De toda forma, os dados acima mostram que a hipótese de aumento do comércio global devido à elevação dos processos de outsourcing deve ser vista com bastante cuidado.

Em segundo lugar, considera-se também que aumentou muito a participação do comércio intrafirma, realizado no interior de empresas multinacionais (EMNs). Esse fenômeno seria associado ao anterior, na medida em que boa parte dos processos de outsourcing reflete o comércio intrafirma. Entretanto, é bastante difícil encontrar dados para medir esse processo. Os Estados Unidos apresentam uma decomposição da sua conta-corrente onde é possível encontrar tanto exportações quanto importações intrafirma, isto é, transações realizadas entre matrizes residentes nos Estados Unidos com filiais fora do país e aquelas realizadas entre matrizes sediadas fora do país com filiais residentes dentro do país.

Com base nesses dados, foi construída uma série de exportações intrafirma, representando a soma das exportações realizadas por filiais estrangeiras nos Estados Unidos a suas matrizes no exterior com as exportações realizadas por matrizes norte-americanas a suas filiais no exterior. Analogamente, construiu-se a série para as importações intrafirma, ambas para o período 1982-2007. Os dados indicam que tanto a participação das exportações quanto a das importações intrafirma caíram desde o início da década de 1990. É bem possível que isso seja devido ao fato de a maior internacionalização da produção estar se dando com base em empresas não diretamente ligadas ao mesmo grupo empresarial e sim com fornecedores independentes nos diversos países. Mas é também sinal de que não deve ter havido um aumento expressivo do comércio envolvendo matrizes e filiais de EMN no comércio mundial, como é muitas vezes aventado.

EVOLUÇÃO DAS EXPORTAÇÕES DA ÁSIA E AMÉRICA LATINA

O presente trabalho está focado nas principais economias latino-americanas e nas do Sul-Sudeste da Ásia, daqui por diante denominadas simplesmente AMLAT e ÁSIA. Essa opção se justifica por se tratar de economias com alguma base industrial e que tiveram, em variados momentos de sua história recente, políticas industriais com reflexos sobre as exportações de manufaturados.

A Tabela 3 apresenta as taxas de crescimento médias anuais das exportações para os países analisados, no período 1983-2008. Observa-se, em primeiro lugar, que a taxa de crescimento para o período completo é significativamente maior na Ásia do que na AMLAT. Em segundo lugar, nota-se também que, apesar de essas taxas terem se elevado fortemente em ambas as regiões do primeiro para o segundo subperíodo, as diferenças continuaram marcantes. No entanto, na ÁSIA verifica-se uma alteração da composição por países bastante significativa. Entre 1983 e 2000, quase todos os países apresentaram taxas de crescimento superiores a 9%, à exceção de Hong Kong e Indonésia. Já entre 2001 e 2008 as diferenças foram muito maiores. Hong Kong teve taxa negativa e Taiwan e Filipinas tiveram crescimento relativamente modesto. Ao mesmo tempo, a taxa de crescimento das exportações da China alcançou impressionantes 24% e a da Índia, 20%.

Chama a atenção também que, no segundo período, excluindo-se a China, a maioria dos países asiáticos obteve taxas de crescimento inferiores às da AMLAT, que foram substancialmente superiores às observadas no período anterior. Isso se deve, basicamente, ao forte aumento dos preços das commodities no mesmo período. Entre dezembro de 2001 e dezembro de 2008, os preços das commodities, de acordo com o índice Commodity Research Bureau (CRB), aumentaram 49%. E esse aumento teve um impacto muito maior nos países latino-americanos do que nos asiáticos, dada a diferença entre as suas composições, como será visto adiante.

Como será visto a seguir, as exportações asiáticas cresceram a taxas sensivelmente maiores devido ao maior peso das exportações relativamente intensivas em tecnologia. Nesse momento, apenas descreveremos as estatísticas, evidenciando a importância das exportações das diferentes categorias. Contudo, é possível adiantar alguns resultados. No caso da Ásia, a proximidade com o Japão exerceu um caráter fundamental, pois sua expansão industrial e tecnológica viabilizou o modelo de desenvolvimento conhecido na literatura como gansos voadores, proposto por Akamatsu (1962). Os países da região foram sucessivamente aproveitando suas vantagens de custo para absorver etapas da produção, primeiro os Tigres (Taiwan, Coreia do Sul, Hong Kong e Cingapura) e, a seguir, Indonésia, Filipinas, Malásia, Tailândia e China.

Novamente será utilizada a classificação de mercadorias por intensidade tecnológica apresentada na seção anterior.

No painel A do Gráfico 2, para AMLAT, é possível observar que as mercadorias classificadas no grupo A, ou seja, produtos primários, respondem pela maior parte das exportações em praticamente todos os anos. Mais do que isso, apresentam o mais rápido crescimento desde 2003, devido, principalmente, à forte alta dos preços. Em segundo lugar aparecem os bens de média intensidade tecnológica, com forte crescimento sobretudo na década de 1990. Esse aumento é devido, basicamente, às exportações do Brasil e da Argentina de material de transporte, isto é, autoveículos e seus componentes. Os bens da categoria E2 surgem apenas no terceiro lugar, com um peso cada vez menor, o mesmo acontecendo com as demais categorias.


Com relação aos bens primários, como será visto no Gráfico 3, há uma relativa diversificação, com praticamente todos os países contribuindo de forma significativa para as exportações dessa categoria. Destacam-se Brasil, Chile, Argentina, México e Peru, vindo os demais bem atrás. Note-se o forte aumento das exportações de Brasil e Chile na primeira década do atual século, graças à elevação dos preços de diversas commodities, principalmente metais. Na categoria dos bens de média intensidade tecnológica, onde estão máquinas e equipamentos e autoveí­culos, México, Brasil e Argentina concentram praticamente a totalidade das exportações. No caso do México, boa parte dessas exportações está relacionada às indústrias maquiladoras, que montam bens produzidos nos Estados Unidos. As exportações brasileiras experimentaram um forte crescimento a partir de 2003, pulando de cerca de US$ 10 bilhões, na média do período 1997-2002, para US$ 32 bilhões em 2008.


A situação nos países da ÁSIA é totalmente distinta. Os bens da cadeia eletroeletrônica (E2) não apenas apresentam o maior crescimento como constituem também a mais importante categoria, muito à frente dos demais. Os bens de média intensidade (D), que vinham em terceiro lugar até 2005, suplantam os da categoria B nesse ano, assumindo a segunda posição. Os produtos primários, por sua vez, disputam a última colocação com os da categoria C desde meados da década de 1990.

A análise por países, no entanto, revela a enorme preponderância da China nos produtos mais intensivos em tecnologia e também nos intensivos em recursos, importantes para a região. O Gráfico 4 ilustra as exportações das categorias B, D e E2 para os países asiáticos. A China é responsável pela quase totalidade das exportações da categoria B. Nas categorias D e E2, ainda que seu peso seja relativamente menor, ainda é o principal exportador. Na categoria D, a China é seguida, bem atrás, pela Coreia e, após, por Cingapura, Tailândia e Taiwan. Já na categoria E2, a posição de liderança da China é ainda mais nítida, com Cingapura e Coreia em segundo e terceiro lugares, respectivamente. Chama a atenção, também, o fato de as exportações dos demais países desses produtos terem estagnado ou mesmo decaído nos últimos anos.


Esse fato sugere que os determinantes do crescimento das exportações de produtos intensivos em tecnologia da China operaram diversamente nos demais países, na primeira década do século XXI. Note-se que até o ano de 2000 as exportações chinesas estavam no mesmo patamar das dos demais países. É fato que Malásia, Filipinas, Indonésia e Tailândia não conseguiram, até o presente, construir um sistema nacional de inovação que permita um forte aumento das exportações desses produtos (Rasiah, 2009). No entanto, Coreia, Taiwan e Cingapura possuem uma base industrial relativamente mais desenvolvida que a China e produzem bens da cadeia eletrônica há muito mais tempo.

Hobday (2000) analisa as condições em que a indústria eletrônica se desenvolveu nos países do Leste e do Sudeste da Ásia e nota que Coreia e Taiwan criaram estruturas industriais interligadas com grandes EMNs para a produção de produtos eletrônicos desde a década de 1960. Esse sistema, originalmente conhecido como original equipment manufacture (OEM), permitia a montagem e, posteriormente, a inclusão de novas etapas do processo produtivo, seguindo especificações e equipamentos fornecidos pelas multinacionais do setor. Posteriormente, nas décadas de 1980 e 1990, esse sistema se aprofundou, com o desenvolvimento de own design and manufacture (ODM) e own brand and manufacture (OBM), por meio dos quais esses países passaram a projetar, produzir e criar marcas próprias de produtos eletrônicos. Na Coreia esse processo foi mais intenso, com o desenvolvimento de grandes corporações como Samsung e LG, baseadas em chaebols mas também em Taiwan, onde há o predomínio de pequenas e médias empresas. A partir desse ponto, em geral, as relações com as grandes multinacionais passaram a envolver principalmente a distribuição e, no caso das ODMs, o aproveitamento das marcas.

A China, ao contrário, ainda está bem atrás nesse processo, não tendo passado das OEMs. É verdade que, cada vez mais, a China vem também produzindo partes, peças e componentes da cadeia eletrônica. Dessa forma, ela já ultrapassou, em muitos casos, a fase de simples montagem de produtos finais à base de componentes equipamentos importados, ao contrário do que ainda acreditam alguns autores. Koopman, Wang e Wei (2008), por exemplo, citam outros trabalhos que indicam que, no caso da produção do iPod da Apple em 2006, dos US$ 150 de valor final de venda do produto, apenas US$ 4 representavam o valor agregado na China. Ela estaria, portanto, importando praticamente todos os componentes de produtos eletrônicos, realizando a montagem e exportando-os com baixo conteúdo doméstico. Esses autores, utilizando dados da matriz de insumo-produto da China, concluem que, em setores relativamente intensivos em conhecimento, como eletrônicos e computadores, o conteúdo doméstico da produção é muito reduzido, ao contrário de setores mais intensivos em trabalho.

Entretanto, como ilustra o Gráfico 5, desde 2004 a China vem obtendo saldos positivos no comércio dos produtos da categoria E2, que inclui não apenas os produtos finais, como também partes, peças e componentes. E os saldos positivos vêm se ampliando inclusive nessas últimas categorias. Esses dados sugerem que o quadro descrito acima está se alterando muito rapidamente. Contudo, a China ainda não atingiu o atual estágio de Coreia, Taiwan e Cingapura no que se refere ao domínio das tecnologias e desenvolvimento de marcas.3 3 Ver também Lall e Albaladejo (2003). Por isso mesmo, é surpreendente o seu desempenho tão superior ao desses três países no que se refere ao crescimento das exportações.


A Tabela 4 apresenta as taxas médias anuais de crescimento das exportações dos países asiáticos para a categoria E2 para dois subperíodos, 1990-2000 e 2002--2008. Como é possível verificar, o aumento das exportações sofreu forte desaceleração para quase todos os países da região, à exceção de China, Coreia e Cingapura. No caso da Coreia, a taxa de 14% é devida, basicamente, ao excepcional crescimento observado entre 2003 e 2004, tendo também desacelerado a partir de então. Esses dados reforçam o ponto de que o crescimento das exportações chinesas deve ser explicado num contexto diferente, obedecendo a outros determinantes.

ASPECTOS METODOLÓGICOS

Apesar de esta análise ilustrar com alguma nitidez a supremacia dos países asiáticos na exportação de bens relativamente intensivos em tecnologia sobre os latino-americanos, é desejável buscar uma métrica um pouco mais sólida. Com esse objetivo, foi criado um índice sintético, que atribui pesos crescentes às categorias mais intensivas em tecnologia.

Hausman, Hwang e Rodrik (2007) elaboraram um índice de especialização das exportações baseado nos dados de exportação e renda per capita de cada país. Na verdade, os autores buscaram construir uma escala de exportações em termos da produtividade revelada de cada país. Os resultados indicam que esse índice prediz bem o crescimento futuro da renda de cada país.

O índice de especialização indicado acima não se baseia necessariamente na intensidade tecnológica das exportações, mas na produtividade revelada. Assim, considera-se que existe uma relação média entre cesta de produtos exportados e renda per capita. O objetivo no presente artigo é diverso. Busca-se construir um índice que esteja diretamente relacionado ao processo de inovação revelado pela intensidade tecnológica das exportações de cada economia. Inicialmente, foi imaginado um índice atribuindo-se pesos de 1 a 6 às categorias de A a E2. Contudo, um índice assim apresentaria algumas ambiguidades. Por exemplo, imagine-se um país X com 50% das exportações na categoria A e 50% na categoria E2; ao mesmo tempo, imagine-se outro país Y com 100% das exportações na categoria C. Com os pesos variando de 1 a 6, ambos os países teriam a mesma pontuação final. No entanto, é razoável imaginar que um país que tenha metade das suas exportações na categoria E2, ainda que o restante seja de bens primários, deva possuir um nível de desenvolvimento tecnológico superior ao do outro, que concentra suas exportações em bens de baixa intensidade tecnológica.

Buscou-se, assim, definir um índice que privilegiasse mais do que proporcionalmente as categorias mais intensivas em tecnologia. Por analogia ao índice de Hirschmann-Herfindahl, foi construído um índice de intensidade tecnológica da seguinte forma:

IT = 2Z

sendo Z = 0, 1, 2, ...5 e 0 = A; 1 = B; 2 = C; 3 = E1; 4 = D; 5 = E2.

Dessa forma, um país hipotético que exporte apenas produtos primários teria um índice IT = 1, enquanto outro que exporte apenas produtos da categoria E2 teria um índice IT = 32. Evidentemente, esse índice possui uma forte dose de arbitrariedade, assim como qualquer outro índice que se construa nessas bases. É preciso lembrar também que não há nenhuma possibilidade de atribuir propriedades cardinais a esse índice. Portanto, um valor de 8 não significa que as exportações desse país possuam o dobro de intensidade do que outro cujo índice seja 4, mas simplesmente que um está à frente do outro.

A categoria E1 recebeu peso inferior à D por se considerar que os produtos químicos são menos intensivos em tecnologia do que os componentes da categoria D, ou seja, máquinas e equipamentos, material elétrico e autoveículos. Como sempre, ao se lidar com essas classificações, prevalece uma boa dose de arbitrariedade.

INTENSIDADE TECNOLÓGICA E CRESCIMENTO DAS EXPORTAÇÕES

Com base nos dados do Comtrade/WITS, foram construídos índices para todos os países da amostra4 4 Nem todos os países possuem dados para todos os anos. para o período 1984-2008. Para cada uma das regiões foi encontrada uma média ponderada pelo peso das exportações (Tabela 5).

A utilização de formatação condicional facilita a visualização e permite verificar rapidamente a superioridade da ÁSIA sobre a AMLAT. Nota-se, em primeiro lugar, o crescimento constante da intensidade média nos países asiáticos. O indicador passa de cerca de 8 na primeira metade da década de 1980 para mais de 15 nos anos mais recentes. Dentre esses países, Cingapura é o que apresenta, de longe, os mais altos resultados, chegando a mais de 22 desde meados da década de 1990.

Em segundo lugar aparecem as Filipinas. Esse caso é interessante, pois no início do período em análise o índice do país era de apenas 3,6, próximo ao da Índia e bem inferior aos de Malásia, Hong Kong, Cingapura e Coreia. Esse aumento se deve ao salto observado nas exportações da categoria E2 entre 1996 e 2000, basicamente de microcircuitos eletrônicos e, em segundo lugar, computadores. O forte aumento das exportações de produtos intensivos em tecnologia, nas Filipinas, deve ser creditado, em boa parte, às reformas econômicas implementadas entre 1986 e 1994, principalmente as reformas tarifária e de liberalização de investimentos externos, como apontam Lamberte (1994) e Austria e Medalla (1996), que incentivaram investimentos externos na indústria eletrônica e de vestuário, entre outras, principalmente originários do Japão, Hong Kong e Taiwan.

Por outro lado, um dos países mais ricos da região, Hong Kong, apresenta um desempenho sofrível. Seu indicador praticamente não se altera entre o início e o fim do período, chegando mesmo a cair abaixo de 10 entre 2002 e 2004. Na verdade, isso reflete uma mudança mais profunda da economia de Hong Kong, principalmente após a reintegração à República Popular da China como Região Administrativa Especial em 1997. Desde o início da década de 1990, Hong Kong vem se transformando numa economia de serviços, relocalizando diversas atividades industriais, principalmente intensivas em trabalho, para a China continental. Dessa forma, suas exportações domésticas totais começam a declinar rapidamente a partir de 1994 (1996 no caso de produtos eletrônicos), o que só foi reforçado pela apreciação real da taxa de câmbio na década de 1990, devido à decisão de manter a paridade do dólar de Hong Kong com o dólar dos Estados Unidos.

No caso dos países da América Latina, a evolução é semelhante mas os níveis de intensidade tecnológica são bem inferiores no início e no fim do período. Destacam-se três grupos de países. Em primeiro lugar, um grupo de apenas um país, o México. Esse país tem uma posição e uma evolução muito marcada pela forte presença das chamadas indústrias maquiladoras, que exportam exclusivamente para os Estados Unidos e se situam próximas à fronteira com esse país. Isso explica a forte intensidade tecnológica de suas exportações. Cerca de 85% das exportações mexicanas destinam-se ao mercado dos Estados Unidos e mais de 40% são constituídas de produtos das cadeias eletro eletrônica, de telecomunicações e veículos automotores.

Argentina, Brasil e Colômbia, apesar de serem principalmente exportadores de produtos primários ou intensivos em recursos naturais ou trabalho, apresentam uma parcela não desprezível de exportações classificadas nas categorias B, C e D. No caso da Venezuela, cerca de 80% das suas exportações são constituídas de petróleo. Porém, o restante, que são os dados analisados neste trabalho, apresenta uma grande presença de ferro e aço, metais não ferrosos e produtos químicos orgânicos. Os demais, ou seja, Uruguai, Paraguai, Chile, Peru, Bolívia e Equador, são basicamente exportadores de produtos primários.

Agora, com base em um indicador de intensidade tecnológica, é possível avaliar se, como afirmado no início do trabalho, existe relação positiva entre crescimento e intensidade tecnológica das exportações para esse grupo de países. O Gráfico 6 permite fazer essa avaliação. Para o período 1984-2000 há de fato uma relação positiva entre ambas as variáveis. Os países latino-americanos apresentam simultaneamente um baixo crescimento das exportações e baixa intensidade tecnológica, ao passo que os asiáticos estão bem acima e à direita no gráfico. Brasil e México são as exceções entre os latinos e China e Hong Kong destacam-se com taxas de crescimento das exportações muito distantes do padrão médio. O índice de correlação é de 0,31, quando se consideram todos os países; ao se excluirem China e Hong Kong, aumenta para 0,58.


A situação modifica-se bastante no período 2002-2008. Os países com menor intensidade tecnológica de suas exportações, em média, foram os que apresentaram o maior crescimento. Isso é devido tanto a um aumento das taxas de crescimento dos países da AMLAT quanto da redução das taxas dos países asiáticos. China e Hong Kong continuam a se portar como outliers da mesma forma que no período precedente. O grau de correlação é de –0,42 com todos os países e –0,70 excluindo-se os dois mencionados. Obviamente, a principal razão para essa mudança de comportamento foi o forte aumento dos preços das commodities, a partir de 2004, que causou uma grande expansão das exportações de produtos primários, com grande impacto sobre os países da AMLAT.

Para o período completo, de 1984 a 2008, a correlação ainda é positiva, de 0,05 e, ao se excluírem os dois países asiáticos, sobe para 0,17. Portanto, ainda é possível afirmar a existência de influência positiva entre crescimento e intensidade tecnológica das exportações. O impacto do aumento dos preços de produtos primários é transitório e deve cessar junto com o término do ciclo de fortes aumentos desses preços. Esses dados reforçam a tese de que aumentar a intensidade tecnológica dos produtos exportados constitui estratégia fundamental para garantir um maior dinamismo às exportações. Para isso, é preciso investigar quais fatores podem estimular a produção e a competitividade de produtos mais intensivos em tecnologia.

CONCLUSÕES

O artigo buscou avaliar a relação entre crescimento e intensidade tecnológica das exportações de PEDs, em especial da AMLAT e do Sul-Sudeste da ÁSIA. A tese defendida aqui é que o maior dinamismo das exportações dos países asiáticos ante os latino-americanos nos últimos 30 anos foi fruto da maior presença de bens intensivos em conhecimento na Ásia. Neste trabalho não se buscou responder por que os países asiáticos desenvolveram mais as indústrias relativamente intensivas em tecnologia do que os latino-americanos, o que será feito em próximo artigo.

De todo modo, no caso de PEDs, a capacidade de absorção de conhecimento deve ser um dos fatores mais importantes. De forma geral, os estudos mostram que nenhum dos países asiáticos, que mais avançaram na escala tecnológica, tiveram grande contribuição de esforços domésticos de geração de conhecimento, preferindo sempre absorver inovações desenvolvidas nos países mais ricos. No entanto, absorção de conhecimento requer capacidade para tal, o que não se faz sem um nível relativamente elevado de qualificação da mão de obra local.

Inicialmente se mostrou, com base em dados do Comtrade/WITS, adotando-se uma classificação modificada a partir da adotada pela UNCTAD, como as exportações dos países da ÁSIA apresentam uma participação muito maior de bens mais intensivos em conhecimento do que os da AMLAT. Mais especificamente, nos países da AMLAT, as exportações de produtos primários, em primeiro lugar, e os de média intensidade tecnológica, em segundo lugar, correspondem à maior parcela das exportações e foram os que tiveram mais rápido crescimento. No caso dos países asiáticos, as exportações de produtos de alta intensidade tecnológica aparecem em primeiro lugar tanto em termos de valor quanto em termos de taxa de crescimento.

Em seguida, foi desenvolvido um indicador único de intensidade tecnológica que permita condensar toda a informação gerada pela classificação. Os valores vão de 1 a 32 e são positivamente correlacionados com a intensidade. Esse indicador foi calculado para todos os países da amostra para o período 1983-2008, sempre com base nos dados do Comtrade/WITS, e mostram claramente como os países asiáticos possuem uma intensidade tecnológica de suas exportações muito superior aos latino-americanos. Finalmente, esse indicador foi correlacionado com a taxa de crescimento médio das exportações em dois períodos: 1983-2000 e 2001-2008. No primeiro período observa-se uma relação positiva entre as duas variáveis, sendo que China e Hong Kong constituem-se em dois outliers. No segundo período essa relação torna-se negativa devido à forte elevação dos preços das commodities, elevando as taxas de crescimento de produtos primários ou intensivos em recursos.

Ainda assim, verifica-se que o crescimento a longo prazo das exportações depende de maneira significativa do aumento da intensidade tecnológica de seus produtos. Embora essa questão fuja ao escopo do presente artigo, merece ser lembrado que os preços dos bens de maior intensidade tecnológica apresentam nítida tendência de queda. E, ainda assim, os valores exportados dessas categorias de bens mantiveram-se em forte alta nos últimos dez anos, evidenciando que o crescimento em volume foi ainda maior.

A próxima etapa da pesquisa será buscar os fatores que permitiram aos países asiáticos desenvolver a produção de bens intensivos em conhecimento de forma cada vez mais competitiva, ao passo que os latino-americanos ficaram basicamente concentrados em produtos primários/intensivos em recursos naturais ou humanos.

Submetido: 16/novembr/2010

Aprovado: 15/junho/2011.

  • AKAMATSU, K. A historical pattern of economic growth in developing countries. Journal of Developing Economies, v. 1, n. 1 p. 3-25, March-August, 1962.
  • ANDERSSON, M. E LÖÖF, H. Learning by exporting revisited: the role of intensity and persistence. Scandinavian Journal of Economics, v. 114, n. 4, p. 893-916, 2009.
  • AUSTRIA, M. S.; MEDALLA, E. M. A study on the trade and investment policies of developing countries: the case of the Philippines. Mar. 1996 (Discussion Paper Series, n. 96-03).
  • AW, B. Y.; CHUNG, S.; ROBERTS, M. Productivity and turnover in the export market: micro-level evidence from Taiwan and the Republic of Korea. World Bank Economic Review, v. 14, n. 1, p. 65-90, 1996.
  • ______.; ROBERTS, M.; WINSTON, T. The complementary role of exports and R&D investments as sources of productivity growth Cambridge, MA, Nov. 2005 (NBER Working Paper Series, n. 11.774).
  • ______.; ______.; XU, D. R&D investments, exporting and the evolution of firm productivity. American Economic Review: Papers and Proceedings, v. 98, n. 2, p. 451-456, 2008.
  • ______. R&D investments, exporting and productivity dynamics Cambridge, MA, January 2009 (NBER Working Paper Series, n. 14.670).
  • BERNARD, A. B.; JENSEN, J. B. Exporters, jobs, and wages in U.S. manufacturing: 1976-1987. Brookings Papers on Economic Activity, p. 67-112, 118-19, 1995. Microeconomics.
  • ______. Exceptional exporter performance: cause, effect, or both? Journal of International Economics, v. 47, p. 1-25, 1999.
  • BORGA, M.; ZEILE, W. J. International fragmentation of production and the intrafirm trade of U.S. multinational companies Washington, DC: Bureau of Economic Analysis, Jan. 2004 (Working Paper, n. 2004-02).
  • CLERIDES, S.; LACH, S.; TYBOUT, J. Is learning by exporting important? Micro-dynamic evidence from Colombia, Mexico and Morocco. Quarterly Journal of Economics, v. 113, p. 903-948, 1998.
  • DAMIJAN, J.; KOSTEVC, C. R. T. Learning by exporting: continuous productivity improvements or capacity utilization effects? Evidence from Slovenian firms. Review of World Economics, v. 142, n. 3, p. 599-614, 2006.
  • FEENSTRA, R. C. Integration of trade and disintegration of production in the global economy. Journal of Economic Perspectives, v. 12, n. 4, p. 31-50, 1998.
  • FURMAN, J.; PORTER, M.; STERN, S. The determinants of national innovative capacity. Research Policy, v. 31, Issue 6, p. 899-933, Aug. 2002.
  • GERSCHENKRON, A. Economic development in historical perspective Cambridge, MA: Harvard University Press, 1962.
  • GREENAWAY, D.; KNELLER, R. Exporting and productivity in the United Kingdom. Oxford Review of Economic Policy, v. 20, p. 358-371, 2004.
  • ______. Industry differences in the effect of export market entry: learning by exporting? Review of World Economics, v. 143, n. 3, p. 416-432, 2007.
  • HAUSMAN, RICARDO; HWANG, JASON; RODRIK, DANI. What You Export Matters, Journal of Economic Growth, v. 12, p.1-25, 2007.
  • HOBDAY, M. East versus South East Asian Systems. In: KIM, L.; NELSON, R. Technology, learning and innovation: experiences of newly industrializing economies. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.
  • HUMMELS, D. ISHII, J.; YI, K.-M. The nature and growth of vertical specialization in world trade. Journal of International Economics, v. 54, n. 1, p. 75-96, 2001.
  • KELLER, W. International trade, foreign direct investment and technology spillovers Cambridge, MA, Oct. 2009 (NBER Working Paper, n. 15.442).
  • ______.; YEAPLE, S. Global production and trade in the knowledge economy Cambridge, MA, Dec. 2008 (NBER Working Paper, n. 14.626).
  • KOOPMAN, R.; WANG, Z.; WEI, S.-J. How much of Chinese exports is really made in China? Assessing domestic value-added when processing trade is pervasive Cambridge, MA: Jun. 2008 (NBER Working Paper, n. 14.109).
  • LALL, S. The technological structure and performance of developing country manufactured exports, 1985/1998. Oxford Development Studies, v. 28, n. 3, p. 337-369, 2000a.
  • ______. Technological change and industrialization in the Asian newly industrializing economies: achievements and challenges. In: KIM, L.; NELSON, R. Technology, learning and innovation: experiences of newly industrializing economies. Cambridge: Cambridge University Press, 2000b. 377 p.
  • LALL, S. e ALBALADEJO, M. China's Competitive Performance: A Threat to East Asian Manufactured Exports? QEH Working Paper number 10, October 2003
  • LAMBERTE, M. B. Managing surges in capital inflows; the Philippine case. Philippine Institute for Development Studies, Dec. 1994 (Discussion Paper Series, n. 94-20).
  • LIU, J. T.; TSOU, M. W.; HAMMIT, J. Export activity and productivity: evidence from the Taiwan electronics industry. Weltwirtschaftliches Archiv, v. 35, p. 675-691, 1999.
  • MARTINS, P.; YANG, Y. The impact of exporting on firm productivity: a meta analysis of the learning by exporting hypothesis. Review of World Economics, v. 145, p. 431-445, 2009.
  • PACK, H. Research and development in the industrial development process. In: KIM, L.; NELSON, R. Technology, learning and innovation: experiences of newly industrializing economies. Cambridge: Cambridge University Press, 2000. 377 p.
  • RASIAH, R. Expansion and slowdown in Southeast Asian electronics manufacturing. Journal of the Asia Pacific Economy, v. 14, n. 2, p. 123-137, May 2009.
  • SRHOLEC, M. High tech exports from developing countries: a symptom of technology spurts or statistical illusion? _Review of World Economics, Kiel, v. 143, n. 2, 2007.
  • STURGEON, T.; GEREFFI, G. Measuring success in the global economy: international trade, industrial upgrading and business function outsourcing in global value chains. Transnational Corporations, v. 18, n. 2, Aug. 2009.
  • TROFIMENKO, N. Learning by exporting: does it matter where one learns? Evidence from Colombian manufacturing firms. Economic Development and Cultural Change, v. 56, p. 871-894, Jul. 2008.
  • WAGNER, J. Exports and productivity: a survey of the evidence from firm-level data. World Economy, v. 30, p. 60-82, Jan. 2007.
  • UNCTAD. World Investment Report New York and Geneva: United Nations, 2002a.
  • ______. Trade and Development Report New York and Geneva: United Nations, 2002b.
  • *
    O autor agradece o excelente trabalho de compilação e preparação dos dados realizado por Allan Amaral Paes de Mesentier e os comentários feitos por Honório Kume. Os erros remanescentes são de responsabilidade do autor, obviamente.
  • 1
    Para um maior detalhamento, veja UNCTAD (2002b).
  • 2
    Os dados do Comtrade/WITS não correspondem a todos os países, uma vez que nem todos informam os dados com a nomenclatura requerida para a classificação.
  • 3
    Ver também Lall e Albaladejo (2003).
  • 4
    Nem todos os países possuem dados para todos os anos.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      16 Nov 2010
    • Aceito
      15 Jun 2011
    Centro de Economia Política Rua Araripina, 106, CEP 05603-030 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 3816-6053 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: cecilia.heise@bjpe.org.br