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As primeiras impressões de Hicks sobre a Teoria Geral

Hicks' first review of the General Theory

Resumo

In this article, we present an interpretation of the Hicks' first review of Keynes's General Theory. First we analyze the influence of Hayek's theory on the work of Hicks. We show how Hicks, reflecting on the Austrian theory of the business cycle, created the concepts of "week" and temporary equilibrium. Then we discuss how the author reformulated these concepts of time and equilibrium to interpret the General Theory.

John Hicks; Keynesian economics


John Hicks; Keynesian economics

As primeiras impressões de Hicks sobre a Teoria Geral

Hicks' first review of the General Theory

Jorge Eduardo de Castro Soromenho

Professor Associado da FEA-USP. E-mail: jecs@usp.br

ABSTRACT

In this article, we present an interpretation of the Hicks' first review of Keynes's General Theory. First we analyze the influence of Hayek's theory on the work of Hicks. We show how Hicks, reflecting on the Austrian theory of the business cycle, created the concepts of "week" and temporary equilibrium. Then we discuss how the author reformulated these concepts of time and equilibrium to interpret the General Theory.

Keywords: John Hicks; Keynesian economics.

JEL Classification: B22.

INTRODUÇÃO

Na Sexta Conferência Europeia da Sociedade Econométrica, realizada em 1936 em Oxford, Hicks, Harrod e Meade apresentaram formalizações da Teoria Geral (GT) de Keynes. Esses trabalhos foram modificados e publicados no ano seguinte.1 1 Para uma exposição da cronologia das diversas formalizações da GT, ver darity e young (1995). O artigo de Hicks decerto ganhou maior notoriedade: Mr Keynes and the Classics (MKC) pode legitimamente ser considerado como o texto fundamental da gênese da estrutura IS-LM que dominaria a macroeconomia nas décadas seguintes. Todavia, antes da apresentação de MKC Hicks já havia feito uma resenha da GT intitulada Mr Keynes's Theory of Employment, que foi publicada no Economic Journal em junho de 1936. Em 1982, esse trabalho foi reimpresso na coletânea de seus principais ensaios de teoria monetária com o título de The General Theory: a First Impression (FI). A nova denominação indica o caráter que Hicks atribuiu, muitos anos depois, à sua resenha: uma avaliação ainda não consolidada do livro de Keynes. Segundo o autor, FI foi redigido em apenas três meses e só teria sido possível fazê-lo num espaço de tempo tão curto devido à familiaridade do autor com o método utilizado por Keynes, que Hicks passaria a denominar de "o método das expectativas".

FI é, na nossa opinião, um texto particularmente importante na história da ciência econômica, pois revela as dificuldades conceituais que surgiram quando se procurou teorizar o funcionamento da economia em curto prazo, a saber, como conceber conceitos de tempo e de equilíbrio adequados a esse propósito.

Neste artigo, apresentamos uma interpretação de FI orientada apenas pela preocupação em entender essas questões conceituais e, principalmente, como Hicks as tratou. O trabalho está organizado da seguinte forma. Na segunda seção, discutimos como Hicks, ao refletir sobre a teoria dos ciclos de Hayek, foi levado a conceber os conceitos de "semana" e equilíbrio temporário. Na terceira seção, mostramos a reformulação desses conceitos de tempo e equilíbrio que o autor considerou necessário efetuar para interpretar a TG. Na quarta seção, sustentamos que a hipótese de rigidez salarial adotada por Hicks em MKC está associada, entre outros fatores, às suas concepção metodológicas. Na quinta seção, apresentamos nossas considerações finais sobre a importância histórica e teórica dos conceitos de tempo e equilíbrio discutidos no artigo.

ANTECEDENTES

A reflexão de Hicks a respeito dos conceitos de equilíbrio e tempo foi fortemente influenciada pela teoria de Hayek (1931) sobre o ciclo econômico. Segundo o próprio autor (Hicks, 1982), Lionel Robbins pediu-lhe que escrevesse um apêndice matemático a Prices and Production (PP). Nesse livro, Hayek compara dois processos de acumulação de capital. O primeiro consiste numa travessia bem-sucedida entre dois estados estacionários financiada por poupança voluntária. Embora o caráter dessa travessia seja pouco claro, é possível considerar, à luz de obra anterior de Hayek (1929), que o autor a concebeu como uma sequência de equilíbrios walrasianos (Soromenho, 2010). O segundo processo é a teoria dos ciclos. Trata-se, basicamente, de uma travessia fracassada, que se inicia, não por mudanças das preferências intertemporais, mas devido à discrepância entre a taxa monetária de juros praticada pelos bancos e a taxa natural wickselliana. Nesse caso, a poupança é forçada e associada aos efeitos redistributivos decorrentes da alta dos preços que se segue à expansão autônoma do crédito. Esta segunda travessia é entendida como um processo de desequilíbrio e não se completa, pois é interrompida por uma crise de sobre investimento.

Hicks não conseguiu formalizar matematicamente essas ideias. Ao refletir sobre as razões de suas dificuldades, considerou que a formalização deveria ser precedida pela concepção de um conceito de equilíbrio que fosse adequado ao tema. Com efeito, na época prevaleciam no pensamento marginalista os conceitos de equilíbrio atemporal (Walras) e o de equilíbrio estacionário (Wicksell, Marshall, etc.) (Hicks, 1933; Kurz & Salvadori, 1995, cap. I). Na literatura tradicional, o equilíbrio de longo prazo tinha, segundo Hicks, o caráter de uma norma e o ciclo deveria ser entendido como um desvio em relação a ela.2 2 Para uma apresentação e discussão dessas teorias, ver Haberler (1941). Ora, a travessia e o ciclo de Hayek não pareciam adequar-se a essa maneira de organizar a reflexão. De fato, primeiro, Hayek não compara o ciclo a um estado estacionário mas sim a uma economia progressiva. A "norma", portanto, não poderia ser a que vigorava na época. Segundo, o estado da economia em cada um dos períodos de tempo que constituem os dois processos não parecia passível de ser apreendido por nenhum conceito de equilíbrio vigente nesses anos.

As insuficiências de PP levaram Hicks a procurar sem sucesso nas obras de Pareto e Wicksell elementos que permitissem uma melhor compreensão do que estava em questão. Ao expor suas dificuldades a Hayek, este indicou-lhe um artigo que havia escrito em 1928, no qual, pela primeira vez na história do pensamento econômico, é apresentado o conceito de equilíbrio intertemporal (Milgate, 1979). Embora esse artigo generalize, na opinião de Hicks (1933), a noção de equilíbrio, estendendo-a ao caso de economias não estacionárias e associando-a a previsão perfeita - e, portanto, a compatibilidade de planos -, isso não era suficiente, pois Hayek não teria examinado com suficiente precisão como esse equilíbrio intertemporal poderia ser rompido, o que era uma exigência da teoria do ciclo. O passo seguinte foi-lhe fornecido pela leitura de Risk, Uncertainty and Profit de F. Knight (1921), no qual se mostra que, se existe previsão perfeita, não há espaço lógico para a moeda. Assim, antes de examinar os possíveis efeitos perturbadores da moeda, era necessário compatibilizar incerteza e equilíbrio. Em suma, para tratar da travessia, e por extensão do ciclo, impunha-se conceber um novo conceito de equilíbrio não estacionário que deveria incorporar expectativas e permitir que essas pudessem ser equivocadas.

Do nosso ponto de vista, foi 1935 que Hicks encontrou o conceito de equilíbrio de procurava. Em Wages and Interest (WI) - artigo que, se desconsiderássemos a história da investigação conceitual do autor, poderia parecer dissociado da problemática do ciclo que estava na origem de suas reflexões3 3 Talvez isso explique por que, durante muito tempo, não se atribuiu a devida importância a WI na gênese da estrutura IS-LM; uma notável exceção é Hamouda (1986). -, ele apresenta a noção de "semana", que viria a ser plenamente desenvolvida em Value and Capital (1939) (VC), e o correspondente conceito de equilíbrio temporário de prazo "ultracurto", como ele viria a denominá-lo muitos anos depois (Hicks, 1980, p. 320).

A semana é um período curto de tempo composto de dois subperíodos. Os mercados só abrem nas segundas-feiras; nesse dia dão-se as negociações e estabelecem-se os contratos. As transações de bens e serviços referem-se apenas à semana em questão, e os empréstimos devem ser saldados na segunda-feira seguinte. Nos demais dias da semana, as transações acordadas e as atividades produtivas são efetivadas. Há um equilíbrio walrasiano em cada semana e as transações só ocorrem a preços de equilíbrio. Os agentes formulam planos intertemporais de produção e de consumo com base nos preços correntes e nas suas expectativas exógenas relativas às próximas semanas. A exogeneidade significava, então, o abandono da hipótese de previsão perfeita que caracterizava o equilíbrio intertemporal hayekiano. Em WI o equilíbrio walrasiano do período presente não exige, portanto, que os planos dos indivíduos sejam compatíveis no futuro.

A descoberta fundamental de Hicks foi a de que considerar as expectativas como exógenas permite não só adaptar o equilíbrio geral walrasiano a condições não estacionárias, mas também abrir, em sua opinião, um espaço lógico para a moeda. Na versão original de 1935, a semana hicksiana foi, no entanto, um conceito voltado primordialmente para a discussão da determinação de preços, pois a oferta de trabalho é inelástica e o produto ofertado depende dos estoques passados e dos desejados para as próximas semanas. Assim, o produto vendido é, em grande parte, como diz o autor, "predeterminado", e a demanda por bens não significa demanda por trabalho (Hicks, 1980, p. 325). Em sentido mais amplo e à luz da história da evolução das ideias do autor, a semana objetivava formalizar uma economia sequencial, na qual se atribuía particular importância às relações entre períodos expressas pelos estoques e planos, isto é, às defasagens típicas da literatura sobre ciclos da época.

PRIMEIRA IMPRESSÃO

FI discute basicamente duas questões inter-relacionadas: o método propriamente dito e o que Hicks denomina de "elasticidade da oferta de bens de consumo". A discussão metodológica revela como o autor procurou interpretar a obra de Keynes em termos do conceito de equilíbrio que havia proposto em WI. No entanto, não se trata de mera utilização do equilíbrio temporário para esclarecer os argumentos da GT. Como Hicks pontificou passados quase cinquenta anos (1980), a sua interpretação da obra de Keynes exigia a redefinição dos conceitos de tempo e equilíbrio de WI. Essas redefinições podem ser compreendidas como etapas logicamente necessárias à formalização das ideias de Keynes que viria a ser realizada em MKC. Nesse último trabalho, Hicks praticamente não retorna às questões metodológicas da primeira resenha, o que contribuiu para que alguns comentadores (p. ex. Kohn, 1986) afirmassem que ele teria alterado sua interpretação da GT. Não nos parece ser o caso; do nosso ponto de vista, os dois trabalhos se completam, como procuraremos argumentar.

A discussão do segundo tema, a questão da oferta de bens de consumo, revela uma tensão entre o método que Hicks atribui a Keynes e as teorias do ciclo econômico. É como se as questões que Hayek havia abordado e a forma pela qual ele as discutira ainda constituíssem um obstáculo à aceitação plena do "método das expectativas". Nesse sentido, essa discussão esclarece a tensão entre diferentes estratégias de conceber e formalizar o operar de uma economia monetária que estavam em disputa na época.

Em suas primeiras impressões, Hicks considera que a GT constitui uma ruptura metodológica na carreira de Keynes. No Tratado, Keynes ainda estaria sob a influência das teorias tradicionais dos ciclos de negócio, nas quais, recordemos, o equilíbrio de longo prazo descrevia as condições "normais" da economia e as diversas fases dos ciclos eram compreendidas como desvios em relação a essa norma; na GT, o quadro seria diferente:

The present theory breaks away from the whole of this range of ideas. It is no longer that ordinary economic theory can give a correct analysis of even normal conditions; the things it leaves out of account are too important. But if there is no norm which we have understood, it is useless to discuss deviations from it. The changing progressing, fluctuating economy has to be studied on its own, and cannot usefully be referred to the norm of a static state. (Hicks, 1936, p. 85)

Hicks, como se pode constatar na citação, não considera que o abandono dessa norma implique que as flutuações econômicas deixem de ser objeto de estudo. Há uma evidente relutância do autor em descartar a temática que se encontrava na origem de suas reflexões sobre o conceito de equilíbrio, muito embora a própria reformulação conceitual em curso implicasse uma mudança fundamental de percepção sobre o funcionamento das economias monetárias. Com efeito, a partir dos trabalhos de Keynes e do próprio Hicks, o ciclo perderia a posição privilegiada que, de certo modo, ocupara na literatura econômica para dar lugar à questão da possibilidade de desemprego persistente.4 4 Essa relutância, aliás, permaneceria em VC, visto que o livro termina com um capítulo sobre os ciclos que está totalmente dissociado do restante da obra, como observou Oskar Morgenstern (1941, pp. 87, 88).

Embora o autor ainda se refira a flutuações, é possível afirmar que, na sua interpretação, o curto prazo da GT adquire autonomia, no sentido de que o estado da economia nesse período de tempo deixa de ser concebido como um tipo de desequilíbrio que necessariamente resulta numa trajetória cíclica ou tendencial em relação a um equilíbrio de longo prazo. A análise de longo prazo deixa de subordinar, portanto, os estudos sobre o comportamento da economia em condições não estacionárias: o curto prazo adquire o estatuto de um objeto teórico independente do antigo conceito de equilíbrio estacionário.

O enfoque inovador da GT teria sido possível devido à hipótese de expectativas exógenas. Hicks considera, portanto, que a solução de Keynes para definir um equilíbrio de curto prazo seria equivalente à que havia sido proposta em WI. O método das expectativas permitiria conceber uma situação econômica não estacionária e na qual existe desemprego como um estado de equilíbrio. Consequentemente, tornava-se possível utilizar os recursos já conhecidos da análise do equilíbrio estacionário, em especial a estática comparativa, para discutir o comportamento global da economia no curto prazo:

The point of the method is that it reintroduces determinateness into a process of change. The output of goods and the employment of labour, together with the whole price-system, are determined over any short period, once the stock of goods (goods of all kinds including capital goods) existing at the beginning of the period, is given, and once people's expectations of future marked conditions are given too. Further, we can deduce, by ordinary economic reasoning, what the outputs, employment and prices would be if expectations were different, capital equipment different, tastes different, and so on. (Hicks, 1936, p. 87)

O que o autor faz, portanto, é atribuir a Keynes uma mudança de postura metodológica. Keynes teria abandonado o longo prazo marshaliano em favor de um conceito de equilíbrio de curto prazo e identifica semelhanças entre as suas investigações metodológicas e as de Keynes. De fato, Hicks, sob a influência de Hayek, havia transitado do equilíbrio estacionário para o conceito de equilíbrio temporário. Mas, uma interpretação da GT orientada pelo conceito de equilíbrio temporário coloca imédiatamente dois problemas: primeiro, definir quais são as expectativas que podem ser consideradas exógenas; segundo, identificar qual seria o período de tempo adequado à análise de Keynes. O primeiro problema foi discutido por Hicks na resenha de 1936 e o segundo, em IS-LM an explanation de 1980. Apesar dos dois problemas terem sido tratados em momentos diferentes de carreira do autor, eles estão intimamente relacionados, pois o último trabalho é um esclarecimento a respeito do que ele, Hicks, considerava estar em questão na época de FI e de MKC.

Na GT, Keynes distingue entre expectativas de curto e de longo prazo. As expectativas de longo prazo são cruciais para determinar o investimento e, portanto, o equilíbrio de curto prazo. Como inexiste base racional para formular estimativas a respeito de um futuro distante e incerto, é adequado tratá-las como exógenas. Assim, uma variação dessas expectativas possui, segundo Hicks, o mesmo estatuto de uma mudança de preferências ou de tecnologia, e a análise dos efeitos das alterações das perspectivas de longo prazo poderia ser feita, então, médiante a aplicação das técnicas conhecidas de estática comparativa.

As expectativas de curto prazo referem-se às receitas correntes. Na teoria de Keynes, é com base nessas expectativas que os empresários decidem o volume de produção e o nível de emprego. Por conseguinte, as decisões de produção dependem da demanda agregada esperada, a qual, em princípio, pode ser ou não igual à demanda que de fato corresponde ao nível de emprego resultante dessas expectativas. No primeiro caso, o mercado de produto encontra-se em equilíbrio; no segundo, não.

Se tratarmos as expectativas de curto prazo como variáveis exógenas, a produção do período corrente é um dado. Obviamente, isso não descarta a possibilidade de uma análise de equilíbrio. Não obstante, seria um equilíbrio pouco significativo, no sentido de que a compreensão do estado da economia exigiria considerações a respeito dos períodos de tempo passados, nos quais essas expectativas foram formuladas. Então, de certo modo, voltaríamos ao contexto da análise sequencial típica da teoria dos ciclos, ou seja, ao contexto de WI, e o curto prazo perderia a autonomia que Keynes lhe atribuíra.

Convém nos determos um pouco mais nessa questão. Como assinalamos na seção anterior, na semana hicksiana as expectativas referem-se aos preços das semanas seguintes e não aos da semana corrente. Os preços correntes determinados inequivocamente no dia das negociações, e, portanto, os agentes os conhecem antes das atividades da semana serem levadas a cabo. Esses preços e os esperados permitem obter a produção ótima e o nível de emprego do período presente, assim como as demandas, ofertas e produções planejadas para o futuro. Mas isso não equivale a afirmar que a demanda corrente determina o nível de produto e o volume de emprego, como era o caso na GT. Na semana hicksiana, a oferta de produto corrente depende principalmente pelos estoques existentes e desejados. Nesse quadro, não há motivos para sustentar que um eventual aumento da demanda corrente eleve o nível de emprego, pois no modelo de semana de Hicks é a variação dos estoques que elimina as discrepâncias entre a demanda e a produção corrente. Ou seja, o equilíbrio entre a oferta e a demanda não significa necessariamente um ajuste da produção e do nível de emprego corrente às condições de demanda. Assim, as relações entre demanda e produção da semana corrente remetem necessariamente e de forma crucial ao que ocorre emoutros períodos, passados e futuros. É necessário investigar como esses períodos de tempo se relacionam, o que atribui particular importância à ideia de plano. O quadro de análise é simplesmente distinto daquele adequado à teoria keynesiana. Em ambos os casos, a hipótese de exogeneidade de expectativas abre a possibilidade de formular conceitos de equilíbrio distintos do estacionário: o de curto prazo, de Keynes e o de curtíssimo prazo hicksiano. Todavia, esses conceitos são diferentes e atendem a propósitos distintos. Na verdade, o conceito de Hicks foi um instrumento concebido originalmente para viabilizar uma análise sequencial, para o exame de uma trajetória composta de diversos curtos períodos, que era justamente o que Keynes teria procurado evitar.

Em suma, se desejarmos evitar a análise sequencial, as expectativas de curto prazo keynesianas devem ser endógenas. No entanto, isto ainda não é suficiente. Endogeneidade de expectativas não significa previsão perfeita. Porém, se admitirmos a hipótese de expectativas equivocadas, a situação seria de desequilíbrio e, novamente, o curto prazo seria um período insuficiente para discutir as relações entre demanda e nível de emprego. Em princípio, isso não constitui um obstáculo intransponível à formalização do pensamento de Keynes. Os modelos dinâmicos keynesianos nos quais o mercado de produto encontra-se em desequilíbrio pressupõem expectativas equivocadas.5 5 Ver, por exemplo, Flasche, Reiner e Semmler (1997). numa perspectiva histórica, no entanto, a admissão de desequilíbrio significava retornar ao tema do processo de equilibração de uma economia monetária, que constituía o cerne das teorias do ciclo. Logo, se quiséssemos conceber o curto prazo como uma situação de equilíbrio na qual se determina o nível de emprego, as expectativas de curto prazo deveriam ser corretas.

O modo como Hicks interpretou, no artigo de 1936, o tratamento dispensado por Keynes às expectativas de curto prazo é um ponto que tem sido objeto de discussão na literatura. Segundo Kohn,

Keynes was less than clear on whether short-period expectations were to be taken as given exogenously like long-period expectations, or whether they were to be taken as being correct equilibrium expectations [...] Hicks, in his review of the General Theory (1936-1982, p. 87), clearly understood the former. (Kohn, 1986, p. 1210 e nota 22)

Não nos parece, no entanto, que essa interpretação seja correta. Em 1936, Hicks afirmava:

Long-term expectations are therefore best regarded as independent variables; but short-term expectations are more closely connected with current receipts. Mr Keynes therefore determines to neglect any possible divergence between short-term expectations and current prices. (Hicks, 1936, p. 89)

Hicks contrasta claramente a exogeneidade das expectativas de longo prazo com o tratamento dispensado às de curto prazo. Se ele considerasse que ambas eram exógenas na GT não haveria porque salientar esse contraste.

Em IS-LM an explanation, Hicks voltaria ao tema. Os seus comentários esclarecem o que estava em questão no tocante às expectativas e como isso se relacionava com o conceito de tempo:

It is at once shown, on the "week" interpretation, that current output is largely predetermined; while, if the price of output is fixed, current demand may be greater or less than current output (stocks being decumulated or accumulated). How, then, is current input to be determined? We can only make it determinate, as function of current demand, if we can bring ourselves to introduce some rule, according to which the extend of excess demand (or supply) in the current period will affect the employment that is offered, again in the current period. If we have such a rule, we can complete the circle, and show, in the current period, effective demand and employment simultaneously determined [...] But one can hardly get a plausible rule while confining attention to what happens within a single period. So it would seem that the proper place for such a proceeding is in sequential models, composed of a succession of periods, in each of which the relevant parameters have to be determined. (Hicks, 1980, pp. 325, 326)

Segundo Hicks (1980, p. 326, nota 5), essa análise sequencial foi exatamente o que ele procurou fazer nos capítulos 7-10 de Capital and Growth (1965). Mas, para formalizar a GT, o quadro era distinto, tendo em vista a autonomia que se procurava atribuir ao curto prazo. No entanto, há um preço a pagar pela estratégia de modelagem de Keynes-Hicks: a dinâmica intraperíodo e as questões a ela associadas, que eram parte considerável da agenda das teorias dos ciclos, devem ser irrelevantes. Uma forma de desconsiderar essa dinâmica é, obviamente, supor que as expectativas de curto prazo são corretas e vigora o equilíbrio. Em 1980, Hicks resumia suas conclusões a respeito do tema:

If one is to make sense of the IS-LM model, while paying proper attention to time, one must, I think, insist on two things: (1) that the period in question is a relatively long period, a year rather than a week; and (2) that, because the behaviour of the economy over that year is to be determined by propensities, and suchlike data, it must be assumed to be, in an appropriate sense, in equilibrium. (Hicks, 1980, p. 326)

O segundo tema discutido em FI foi a questão da elasticidade da oferta de bens de consumo. Segundo Hicks, a distinção entre expectativas de curto e de longo prazo per-mite a Keynes classificar as indústrias em dois setores: o de bens de investimento, no qual as decisões de produção dependeriam crucialmente das expectativas de longo prazo; e o de bens de consumo, cuja produção seria determinada pelas receitas correntes esperadas. Hicks examina, então, o que ocorre caso haja uma melhora das perspectivas de longo prazo numa economia na qual existe desemprego e os salários nominais são fixos. Sob essas condições, a produção de bens de capital e, por conseguinte, a renda dos indivíduos engajados nas atividades desse setor deve aumentar. Como a demanda de bens de consumo depende parcialmente das rendas desses indivíduos, a alteração das expectativas de longo prazo deve afetar de algum modo as indústrias do segundo setor.

O que está em questão, portanto, é o tema do multiplicador. Segundo o argumento keynesiano, a produção de bens de consumo pode aumentar, pois existe desemprego. Para Hicks isso seria apenas uma hipótese, que ele denomina da "alta elasticidade da oferta de bens consumo", cuja plausibilidade deveria ser demonstrada:

So long as this assumption is justified, the argument is, on the whole, acceptable; and there is no doubt that it is often justified. But it is surely not true that is justified whenever there is a large degree of unemployment Mr Keynes's "involuntary unemployment" for the unemployment may be concentrated in the capital goods trades, and it is surely odd to assume away the difficulties of industrial transference. (Hicks, 1936, p. 91)

Se a "elasticidade da oferta de bens de consumo" não for suficientemente elevada, argumenta Hicks, o resultado natural seria uma elevação dos preços e da taxa de juros (mesmo na presença de desemprego e salários rígidos), refreando a expansão generalizada da atividade econômica. Keynes teria "aparentemente" descartado essa alternativa ao supor que a taxa de juros é determinada no mercado monetário. No entanto, para Hicks isso não era suficiente: se a absorção dos trabalhadores que perderam o emprego no primeiro setor pelas indústrias de bens de consumo não for possível, a elevação da demanda de bens de consumo deveria aumentar os preços, rendas nominais e, por conseguinte, a demanda de moeda e a taxa de juros. Logo, a não ser que a oferta de moeda fosse perfeitamente elástica, a expansão da atividade cessaria. O autor acrescenta:

I do not think that this differs at all essentially from what has been said by earlier writers [em nota, Hicks cita

PP

]; they would, however, begin by assuming the supply of money not indefinitely expansible, and so proceed straight to a rise in the rate of interest. But they would admit, on their second thoughts, that if the supply of money were to be indefinitely expanded, the rate of interest could be kept down, and the inflation proceed without limit. (Hicks, 1936, pp. 93, 94)

Ou seja, o curso de eventos admitido implicitamente na teoria de Keynes pode não se verificar, dependendo de uma série de particularidades da economia, da ação e reação dos agentes, do funcionamento do sistema monetário, da mobilidade e adaptação da mão de obra etc.

As objeções de Hicks, que ele discutiu com Keynes por correspondência (Keynes, 1973, pp. 70-79), refletem o modo de pensar das teorias do ciclo. A dificuldade de realocar trabalhadores desempregados é, inclusive, um argumento tipicamente hayekiano, pois essa era a explicação de Hayek para a existência de desemprego mesmo em situações de excesso de demanda de bens de consumo. Independentemente do mérito das objeções, o que importa é identificar o seu caráter metodológico. Hicks questiona a validade de desconsiderar a dinâmica intraperíodo. O método de Keynes exige que ela seja irrelevante: o multiplicador deve cumprir "mecanicamente" o seu papel, de modo a garantir que a análise seja de equilíbrio com referência ao período de tempo em questão e que a demanda determine o nível de emprego.

Hicks tem dúvidas a respeito da validade da aplicação desse método para discutir o desemprego, mas, em FI, ele claramente visualiza a potencialidade do conceito de equilíbrio que atribui a Keynes. Assim, embora o "método das expectativas" já tivesse sido concebido por ele mesmo como um instrumento destinado a viabilizar a análise sequencial, na leitura que Hicks faz da GT esse método adquire outro caráter, pois desloca a análise sequencial a favor de um conceito de equilíbrio de curto prazo, e, ao fazê-lo, abre espaço para um tratamento dos problemas do desemprego médiante os recursos da teoria econômica de equilíbrio da época. Hicks concluía da seguinte forma a sua primeira impressão sobre o método:

The technique of this work is, on the whole, conservative: more conservative than in the Treatise. It is the technique of Marshall, but it is applied to problems never tackled by Marshall and his contemporaries. (Hicks, 1936, p. 99)

A referência ao método marshalliano não deve ser interpretada em oposição ao walrasianismo que orientava a pesquisa de Hicks. Não se trata disso. O comentário de Hicks deve ser avaliado no contexto das diferentes estratégias de modelagem que se delineavam na época. Para Hicks, a análise do Tratado e, principalmente, a tentativa hayekiana de reformular a teoria de equilíbrio geral, de sorte que ela pudesse ser utilizada para discutir economias monetárias não estacionárias, pareciam ser mais inovadoras do que o uso do "método marshalliano" para o estudo do desemprego. Todavia, qualificar o método de Keynes de conservador parece surpreendente à luz da história do pensamento econômico e dos próprios comentários de Hicks no artigo de 1936. Raras vezes um método "conservador" foi tão revolucionário na ciência. Como explicar essa aparente contradição? O que o autor destaca é a adaptação de um conceito amplamente conhecido na profissão, o curto prazo marshalliano, para a discussão de questões que estavam sendo tratadas na teoria monetária e dos ciclos com métodos novos e ainda não consolidados e que, afinal, acabariam eclipsados pela força da abordagem de Keynes.6 6 Uma tentativa de ressuscitar a análise sequencial desses anos foi empreendida por Kohn (1981), inspirado nos trabalhos de Robertson. Ora, essa adaptação faz toda a diferença, pois constitui a formulação de novos conceitos de tempo e equilíbrio aplicáveis à economia como um todo que, ao permitirem utilizar técnicas já conhecidas, geraram um agenda de pesquisa dotada de, digamos, "vantagens comparativas".

Os novos conceitos de tempo e equilíbrio impunham uma reformulação do próprio conceito de longo prazo. Na interpretação de Hicks da GT, o curto prazo tem um passado, expresso pelos estoques existentes, e um futuro. Mas esse futuro não é mais o estado estacionário, a norma da teoria clássica que, segundo Hicks, Keynes descarta. Também não se trata de algo semelhante ao longo prazo das teorias modernas de crescimento(Solow, por exemplo). É simplesmente um longo prazo definido em função de expectativas exógenas e voláteis sobre um futuro distante.

definidos os conceitos de tempo e de equilíbrio, abria-se a possibilidade de efetuar um tratamento matemático da GT semelhante ao que Hicks havia proposto em WI, sob inspiração walrasiana. A semelhança não deve, contudo, ocultar as diferenças cruciais. Os conceitos de semana e de curto prazo são distintos. Consequentemente, também o são os de equilíbrio temporário e de curto prazo. No entanto, essas diferenças não significam que devamos desconsiderar a importância de WI e do walrasianismo para a formalização das ideias de Keynes que viria a ser empreendida em MKC.7 7 Em resposta a um artigo de Coddington (1979), Hicks procurou esclarecer como foi levado a conceber o modelo IS-LM: " It is recognized by Coddington that I had done some relevant work, even before the General Theory appeared He alludes to my paper on Money and to the fact that Value and Capital must already have begun to be written (which of course is correct) But he does not allude to the paper on Wages and Interest , I had that behind me, in print, before I read a page of the General Theory It may thus be understood that my first reaction, [...] was to regard it as a relative of the theory I was myself trying to construct [] It has not been generally noticed that the device by which I made my IS-LM diagram is similar to that which I used in Value and Capital, chapter 5, for collapsing a three-way exchange on to a single figure So it also was a product of my Walrasianism" (Hicks, pp. 1979: 209, 210).

UMA OBSERVAÇÃO SOBRE MKC

MKC, como o próprio título indica, não objetivava apenas formalizar as ideias de Keynes, mas igualmente contrapô-las aos "clássicos". No entanto, cabe indagar qual é o significado de "teoria clássica" nesse contexto. Não se trata, evidentemente, dos "verdadeiros clássicos" tal como Hicks os concebia, pois, conforme vimos, o modo que eles compreendiam o operar da economia simplesmente não encontra respaldo no método do equilíbrio de curto prazo de Keynes-Hicks. De fato, o abandono do conceito de equilíbrio de longo prazo como norma é fatal para uma representação fidedigna do pensamento clássico.

Essas diferenças metodológicas estabelecem, então, uma incomensurabilidade entre a matriz teórica vigente e a que naqueles anos começava a se constituir por influência de Keynes e Hicks. O que podia ser feito, então, era uma tradução ou interpretação das teses clássicas nos termos dos novos conceitos. Ora, isso, de certo modo, era semelhante ao que Keynes tinha feito com o seu construto "teoria clássica" no segundo capítulo da GT. Hicks, no entanto, rejeita de imédiato esse construto. A "teoria clássica" de Keynes teria sido concebida tendo por referência a obra de Pigou, que Hicks considera tão inovadora e distante do pensamento clássico quanto a própria GT. A principal objeção que Hicks faz a Pigou e, por extensão, ao conceito de "teoria clássica" de Keynes, diz respeito à tentativa de discutir a determinação do emprego e dos salários em termos reais, ou seja, desconsiderando totalmente as questões monetárias e, em particular, as relações entre salário monetário e nível de emprego.

diante de uma objeção desse tipo, Keynes argumentaria, segundo Hicks, que simplesmente inexistiria uma teoria monetária clássica do emprego. O autor aceita com relutância esse argumento e se propõe, então, a construí-la:

In these circumstances, it seems worth while to try to construct a typical '"classical" theory, built on an earlier and cruder model than Professor Pigou's. If we can construct such a theory, and show that it does give results which have in fact been commonly taken for granted, but which do not agree with Mr Keynes's conclusions, then we shall at last have a satisfactory basis of comparison. We may hope to be able to isolate Mr Keynes's innovations, and so to discover what are the real issues in dispute. (Hicks, 1937, p. 102)

Hicks adota, portanto, a estratégia retórica8 8 No sentido da arte de convencer e persuadir (Arida, 1996). de Keynes, elaborando uma "teoria clássica" orientada pelos conceitos de equilíbrio e tempo utilizados na obra de Keynes e que haviam sido esmiuçados em FI. Mas não se trata apenas de elaborar um construto "teoria clássica" mais adequado do que o de Keynes: Hicks propõe um modelo no qual essa teoria e a de Keynes possam ser comparadas. Há uma pretensão de generalizar que se torna possível pela utilização de uma mesma estrutura formal para discutir os clássicos e Keynes.

Um ponto importante de MKC para o tema que discutimos, é que, mesmo no caso da teoria clássica, Hicks admite a existência de desemprego involuntário. O seu modelo clássico tem pouco a ver com a versão apresentada nos atuais livros texto, como ressalta de Vroey:

Rereading Hicks's article leads to a somewhat surprising result. It turns out that his SI-LL model, as he coined it, does not square with the subsequent IS-LM models found in macroeconomics textbook at the heyday of Keynesian economics.[...] First, in Hicks's account, involuntary unemployment or non-market clearance exists in both the classical and the Keynesian models. [...] Second, [...] monetary expansion has real effects in the classical model, whereas this is not necessarily so in the Keynesian model. In contrast, in the textbook account the inefficiency of monetary expansion [...] is the hallmark of the classical model [...] (de Vroey, 2000, pp. 293, 294)

9 9 Ver também de Vroey (1999).

A hipótese crucial que permite conciliar as teorias clássica e keynesiana de Hicks com o desemprego é, evidentemente, a rigidez de salários monetários. Posteriormente, o autor afirmou que deveria ter sido mais enfático a respeito da importância dessa hipótese que, aliás, já havia sido mencionada nas suas primeiras impressões. Contudo, não é a exogeneidade de salários o que mais chama a atenção no artigo de 1937 e sim a ausência quase total de considerações sobre o mercado de trabalho.

Hicks, ao contrário de Champernowne (1936), Leontief (1936), Vinner (1936) e tantos outros, não discute qual seria a oferta de trabalho adequada à teoria de Keynes. O salário monetário é suposto exógeno em ambos os modelos e ponto-final. A esse respeito de Vroey (2000, p. 298) afirma: "[t]his lack of specification of the state of the labor market is perplexing". De fato essa omissão causa perplexidade, principalmente se levarmos em conta que se trata de um autor que havia dedicado boa parte de sua carreira à discussão do mercado de trabalho (Hicks, 1932).

De Vroey assinala que uma pista para entender essa omissão pode ser encontrada em VC. Com efeito, nessa obra Hicks destaca três motivos que explicariam a existência de preços monetários rígidos: a legislação, a ação de monopólios e a noção de preço justo. No caso específico dos salários nominais, as considerações éticas teriam um papel preponderante (Hicks, 1939, p. 268). Assim, a determinação da remuneração da mão de obra dependeria de elementos difíceis de serem discutidos no âmbito da teoria pura.

Os argumentos de VC ajudam a entender por que o salário monetário é suposto exógeno tanto no modelo clássico quanto no keynesiano, mas não são suficientes para explicar os motivos que levaram o autor a desconsiderar qualquer processo de ajuste dessa variável ao longo do tempo. Seria de supor que um autor fortemente influenciado pelo walrasianismo consideraria a possibilidade do salário nominal variar no tempo em função do excesso de oferta. No entanto, em MKC Hicks nem sequer menciona uma oferta de trabalho que permitiria definir formalmente uma situação de excesso de oferta e um eventual processo de ajuste.

Esse fato intrigante para o leitor moderno é, contudo, coerente com o particular walrasianismo do autor no início de sua carreira. Ingrao e Israel observaram com pertinência que a questão do ajuste de preços ao longo do tempo em função de excessos de demanda simplesmente não se colocava para Hicks:

We cannot fail to point out an apparent singularity in Hicks's conceptual apparatus. Although he introduced a particular "static" analysis of stability, he showed absolutely no interest in tâtonnement or, in general, in the adjustment of prices to equilibrium. We say "apparent" because in his construction of successive temporary equilibria it was, in fact, quite consistent to eliminate adjustment to equilibrium from the field of research by confining it solely to the "Monday" of the "week". As we have already seen, it is not easy to reconcile the two views, and Hicks dismissed the problem of possible exchange at false prices in a note to ninth chapter, where he declared it to be largely irrelevant. When Samuelson criticized the conditions of stability studied in

Value and Capital

, Hicks rejected the substance of his criticisms: the dynamics of temporary equilibria with expectations seemed more important to him than the mechanical dynamics of tâtonnement around the equilibrium points. (Ingrao & Israel, 1990, p. 242)

De fato, como dissemos, no modelo da semana Hicks não discute como o equilíbrio da segunda feira é obtido. Ele apenas postula que a economia opera em condições de equilíbrio temporário. Para interpretar a GT num contexto parecido com o do equilíbrio temporário, era necessário descartar a hipótese de equilíbrio no mercado de trabalho, mas no artigo de 1937 a ausência de market-clearing nesse mercado não gera nenhum desdobramento. Na verdade, trata-se de uma postura metodológica: assim como Hicks abandonou o processo de equilibração que Hayek procurava investigar na sua teoria dos ciclos, privilegiando uma análise de equilíbrio de curtíssimo prazo, ele não julgou conveniente examinar, no contexto keynesiano, as consequências do desequilíbrio do mercado de trabalho.

Logo, devemos acrescentar mais uma característica ao conceito de equilíbrio de longo prazo implícito na formalização das teorias de Keynes e dos clássicos efetuada por Hicks. Dissemos anteriormente que esse equilíbrio não correspondia à norma clássica e muito menos ao equilíbrio das modernas teorias de crescimento. Agora podemos afirmar que esse equilíbrio de longo prazo tampouco tem a ver com o equilíbrio (de médio prazo) clássico dos modelos dinâmicos de flexibilidade imperfeita de salários de cunho walrasiano utilizados posteriormente para interpretar a teoria de Keynes (Flasche, Reiner & Semmler, 1997, cap. II). Não obstante, o ambiente walrasiano no qual Hicks colocava a discussão, abria conceitualmente a possibilidade de se investigar um processo de ajuste dos salários ao longo de tempo. Com efeito, a exogeneidade dos salários nominais e o contexto walrasiano implicam que o desemprego pode ser compreendido como um processo de desequilíbrio, embora Hicks não explorasse esse tema que, sob a influência decisiva de Patinkin (1949), vira a ser predominante na literatura keynesiana da segunda metade do século XX (Johnson, 1961).

CONCLUSÃO

Conceitos de tempo e equilíbrio ocupam um espaço importante na história da teoria econômica. Como afirma Grandmont (1987, p. 297), é trivial constatar que, no mundo real, as transações e outras ações econômicas dão-se sequencialmente no tempo. Sendo o tempo um pressuposto ontológico da economia, as teorias lidam implícita ou explicitamente com a temporalidade.

Pode-se afirmar - com o exagero inevitável das generalizações - que, do período clássico até os anos 1920, as dificuldades de tratar com os problemas inerentes ao tempo foram, de certo modo, contornadas pelos conceitos de economia atemporal ou estacionária. Na economia atemporal de Walras, as ações e os efeitos são supostos simultâneos; no estado estacionário de Wicksell, entre outros, não são examinadas as consequências das previsões e da acumulação de capital como processo no tempo. Todavia, as teorias monetárias e dos ciclos exigiram pela própria natureza do seu objeto, a construção de novos conceitos de tempo. A economia intertemporal e a travessia de Hayek, o "dia" de Robertson (1933, 1934), a "semana" de Hicks e o curto prazo do keynesianismo inscrevem-se nesse contexto. De um ponto de vista da história da ciência é possível conjecturar que prevaleceram aqueles conceitos de tempo que melhor se compatibilizaram com os de equilíbrio. Parece haver dois motivos para isso. Primeiro, como assinalado por Hicks, a conjunção de novos conceitos de tempo e de equilíbrio permitiu o uso das técnicas então conhecidas. Segundo, conforme Arida (1981, p. 14), na sociedade atomizada o "escopo de toda ação individual é sempre restrito por outras ações"; embora esse processo seja vivido como desequilíbrio, ele tem sido captado por meio de conceitos de equilíbrio generalizados que objetivam "tornar patente o processo mútuo de restrições e dependência interindividual". Assim, é possível sustentar, ainda com Arida, que "a sociabilidade capitalista só é representável com a ajuda de algum conceito de equilíbrio".

A semana e o equilíbrio temporário, por um lado, e a análise de curto prazo de Keynes-Hicks, por outro, foram, durante longo tempo, estratégias de formalização cruciais nos programas de equilíbrio geral e na macroeconomia, respectivamente.

Submetido: 19/janeiro/2011

Aprovado: 16/ agosto/2013.

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  • 10
    não basta, no entanto, assinalar a importância de diversos aspectos intrinsecamente associados ao tempo, como, por exemplo, o de que os agentes devem tomar no presente decisões dirigidas a um futuro incerto. Para a teorização, é imperioso ir além das noções e do senso comum. É necessário conceber conceitos no sentido assinalado por Granger (1955, p. 23), a saber, instrumentos que organizam a reflexão.
  • 11
    não obstante, os conceitos não são apenas "feixes de possibilidades", para usar uma expressão de Granger, que geram agendas progressivas de pesquisa. Eles também constituem obstáculos, na medida em que conformam o pensamento. É possível conjecturar, inclusive, que, no fazer da teoria, os conceitos, uma vez estabelecidos, fazem parte constituinte de um regime de verdade e disciplinar, no sentido de Foucault (1980, p. 131): são instrumentos que permitem identificar proposições falsas e verdadeiras ou, se preferirmos, estabelecem critérios de demarcação. E é exatamente esse duplo caráter do conceito que torna a investigação das suas origens, quando são feitas opções cruciais, particularmente significativa para a história da ciência.
  • 1
    Para uma exposição da cronologia das diversas formalizações da
    GT, ver darity e young (1995).
  • 2
    Para uma apresentação e discussão dessas teorias, ver Haberler (1941).
  • 3
    Talvez isso explique por que, durante muito tempo, não se atribuiu a devida importância a
    WI na gênese da estrutura IS-LM; uma notável exceção é Hamouda (1986).
  • 4
    Essa relutância, aliás, permaneceria em
    VC, visto que o livro termina com um capítulo sobre os ciclos que está totalmente dissociado do restante da obra, como observou Oskar Morgenstern (1941, pp. 87, 88).
  • 5
    Ver, por exemplo, Flasche, Reiner e Semmler (1997).
  • 6
    Uma tentativa de ressuscitar a análise sequencial desses anos foi empreendida por Kohn (1981), inspirado nos trabalhos de Robertson.
  • 7
    Em resposta a um artigo de Coddington (1979), Hicks procurou esclarecer como foi levado a conceber o modelo IS-LM: "
    It is recognized by Coddington that I had done some relevant work, even before the General Theory appeared He alludes to my paper on Money
    and to the fact that Value and Capital
    must already have begun to be written (which of course is correct) But he does not allude to the paper on Wages and Interest
    , I had that behind me, in print, before I read a page of the General Theory
    It may thus be understood that my first reaction, [...]
    was to regard it as a relative of the theory I was myself trying to construct []
    It has not been generally noticed that the device by which I made my IS-LM diagram is similar to that which I used in Value and Capital, chapter 5, for collapsing a three-way exchange on to a single figure So it also was a product of my Walrasianism" (Hicks, pp. 1979: 209, 210).
  • 8
    No sentido da arte de convencer e persuadir (Arida, 1996).
  • 9
    Ver também de Vroey (1999).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Ago 2014
    • Data do Fascículo
      Jun 2014

    Histórico

    • Aceito
      16 Ago 2013
    • Recebido
      19 Jan 2011
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