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Crescimento clássico e crescimento retardatário: um novo enfoque para políticas de desenvolvimento

Classic growth and laggard growth: a new approach to development policies

RESUMO

O artigo defende a tese de que, diferentemente do que acontece nos países desenvolvidos, em que o crescimento depende dos níveis de poupanças e de inovações tecnológicas, nos países subdesenvolvidos o crescimento está condicionado à disponibilidade de mercado. Em termos de política econômica, isso significa que nos desenvolvidos o esforço deve ser no sentido da criação de poupanças e inovações tecnológicas de nível adequado, enquanto nos subdesenvolvidos o importante é garantir mercado do dinamismo e dimensões necessários à eliminação de seu atraso econômico. O não reconhecimento dessa diferença, resultante de a Economia do Desenvolvimento não ter proposto modelo específico para o crescimento retardatário, tem levado a sérios erros nas políticas de desenvolvimento.

PALAVRAS-CHAVE:
Crescimento clássico; crescimento retardatário; políticas de desenvolvimento

ABSTRACT

The article argues that, unlike what happens in developed countries, where growth depends on the levels of savings and technological innovations, in developing countries growth is subject to market availability. In terms of economic policy, this means that in developed countries the effort should be towards the creation of savings and technological innovations in appropriate level, while in developing countries the important is to ensure market dynamism and dimensions necessary for the elimination of their economic backwardness. Failure to recognize this difference, resulting from the development economics not proposing specific model for the laggard growth, has led to serious errors in development policies.

KEYWORDS:
Classic growth; laggard growth; developmental policies

INTRODUÇÃO

O atual crescimento econômico constitui uma novidade na história da civilização. Até a Revolução Industrial, de fins do século XVIII a começo do século XIX, registravam-se períodos mais ou menos longos de prosperidade, ou de estagnação, nas regiões civilizadas do mundo. O contínuo crescimento econômico como norma é relativamente recente. Ele toma a forma de constante aumento do capital por trabalhador, viabilizado por fluxo ininterrupto de inovações tecnológicas. O resultado final é o gradativo aumento do nível de vida das populações abrangidas.

Ponto importante era se acreditar que o processo abrangeria, gradualmente, toda a população do planeta. Até a Segunda Guerra Mundial supunha-se, de fato, que o livre funcionamento do mecanismo de preços seria suficiente para estender o processo a todo o mundo. Nas regiões mais ricas, o capital era abundante e, portanto, os juros eram baixos. Nas pobres, o capital era escasso e os juros, altos. Ocorreria, em consequência, deslocamento de capitais das primeiras para as segundas, até que os juros se igualassem. Juros iguais significam igual disponibilidade de capital e, portanto, de padrões de vida. Ou seja, o crescimento abrangeria gradualmente todo o planeta, sem que fossem necessárias políticas ou ações especiais para garantir esse resultado.

Após o fim da Segunda Guerra Mundial percebeu-se, em sentido oposto, que o subdesenvolvimento, que abrangia a maior parte da população mundial, tendia a permanecer ou mesmo a se agravar. Surgiu então a Economia do Desenvolvimento, que se propunha identificar as causas de tal situação, oferecendo a forma de corrigi-la. Isso significava, em última análise, distinguir entre o crescimento clássico, que após a Revolução Industrial beneficiou os atuais países desenvolvidos, e o crescimento retardatário, que é o caminho a ser percorrido pelos países subdesenvolvidos para eliminar seu atraso econômico. Constituem ambos o resultado final do aumento do capital por trabalhador, viabilizado por tecnologia em constante progresso. Veremos, contudo, que a simples defasagem temporal entre eles implica fundamental diferença, no que se refere a políticas econômicas. E as diferenças dizem respeito, fundamentalmente, ao papel do mercado nas duas modalidades de crescimento.

AS TEORIAS ATUAIS DO CRESCIMENTO ECONÔMICO E A QUESTÃO DO MERCADO

As atuais teorias do crescimento econômico se separam em duas linhas fundamentais: a neoclássica e a do crescimento endógeno. A primeira, deixando a tecnologia fora do modelo e a segunda, incluindo-a. Do ponto de vista de nossa análise, o importante é que ambas deixam de lado o aspecto do mercado. Não que o considerem irrelevante para o crescimento econômico. Aceitam apenas que o aumento do produto cria, automaticamente, o mercado requerido para absorvê-lo. Ou seja, tanto uma quanto outra aceitam a validade da lei de Say.

Say, economista francês do século XIX, afirmava que qualquer aumento da oferta determina aumento igual do mercado. Assim, quando uma empresa põe à venda um produto de valor 100, para trocá-lo por outro de igual valor, está criando ao mesmo tempo oferta e demanda ou mercado de valor 100. A objeção óbvia é que essa tese ignora o papel da moeda. Se o vendedor, em vez de utilizar a moeda recebida, preferir poupá-la, a criação automática de mercado deixa de existir. Apesar disso, a lei de Say continuou a ser implicitamente aceita até os dias de hoje. Tal como demonstra, de forma inequívoca, o fato de o mercado ser ignorado nas teorias atuais do crescimento econômico. Antes de aprofundarmos esse aspecto, cumpre verificar por que as objeções apresentadas à lei de Say não conseguiram invalidá-la. As duas principais vamos encontrar nas análises marxistas e no modelo Harrod-Domar.

No que se refere a Marx, uma primeira objeção resulta do aparelho teórico por ele utilizado. Neste se aceita a teoria do valor-trabalho segundo a qual o valor do trabalho, e portanto o salário, é igual ao necessário para o trabalhador sustentar a si e a sua família. A consequência de salários ao nível de subsistência seria não existir mercado para absorver o rápido aumento do PIB, característico do sistema capitalista. Este estaria, portanto, sujeito a crises periódicas de subconsumo de gravidade crescente, até seu colapso final.

Essa tese perdeu validade com a superação da teoria do valor-trabalho pela do valor utilidade marginal, que negava a necessidade de salários ao nível de subsistência. Permanecia, contudo, outra justificação marxista para uma suposta insuficiência do mercado. Esta se inspirava na situação da Inglaterra que, à época, comandava o processo capitalista. Nela existia grande quantidade de trabalhadores desempregados, situação resultante seja do afluxo da população rural para as cidades observado após o início da Revolução Industrial, seja dos "enclosure acts", que permitiam aos proprietários rurais fecharem áreas, até então abertas ao livre uso da população mais pobre. Segundo a interpretação marxista, essa massa de trabalhadores, ao migrar para os centros urbanos, constituiu um "exército industrial de reserva" que mantinha os salários no nível de subsistência, impedindo o crescimento do mercado no ritmo requerido pelo rápido aumento da oferta. Nesse caso, foi a absorção dos trabalhadores desempregados, determinada pelo acelerado aumento do PIB após a Revolução Industrial, que eliminou o "exército industrial de reserva" desmentindo a previsão marxista.

Harrod, em contribuição pioneira, propôs um modelo para o crescimento econômico. Segundo este, o incremento do PIB é igual ao montante de investimentos multiplicado pela produtividade do capital. Domar completou essa teoria afirmando que, para esse crescimento ser mantido, ele deveria ser apoiado por demanda do tipo sugerido por Keynes. Isto é, resultante do aumento dos investimentos ampliado pelo efeito multiplicador. O modelo Harrod-Domar, nascido dessas duas contribuições, levava, portanto, em conta, no crescimento econômico, tanto o aspecto da oferta quanto o do mercado.

Sucede que a demanda considerada por Keynes e incluída no modelo Harrod-Domar é a monetária, tipicamente de curto prazo, enquanto o crescimento econômico constitui fenômeno de longo prazo. Para ele, a relevante é a demanda real. A demanda monetária é dada pela soma das despesas públicas e privadas. Sua insuficiência pode ser corrigida a curto prazo, mediante injeções monetárias que elevem a despesa total. A demanda real, ou mercado, é medida pelo valor total dos bens que circulam habitualmente na economia. Ou seja, em situação de pleno emprego. Sua insuficiência deve ser corrigida, a prazos médio e longo, através de medidas como por exemplo tarifas protecionistas, que reservem o mercado interno para a produção nacional, ou investimentos em pesquisa e desenvolvimento que, ao baixarem os custos da produção, abrem para ela o mercado externo. O fato de a demanda monetária, formulada por Keynes e utilizada por Domar, ser irrelevante para as teorias do crescimento econômico é confirmado por todas as teorias propostas posteriormente (tanto neoclássicas como do crescimento endógeno) terem deixado de considerá-la.

Uma observação final sobre a persistência da lei de Say. Não resultou ela da validade do argumento originalmente proposto pelo autor, mas de fatos concretos da economia. No último quartel do século XIX, com a rápida absorção dos excedentes de mão de obra decorrente do crescimento acelerado do PIB, os salários passaram a crescer em ritmo igual ao da produtividade do trabalho. Isso significa mercado crescendo, automaticamente, na mesma proporção que a oferta de bens. O que, de acordo com o previsto por Say, tornava o mercado simples subproduto da elevação do PIB podendo, portanto, ser deixado de lado nas teorias do crescimento econômico.

O MERCADO NAS TEORIAS SOBRE O CRESCIMENTO RETARDATÁRIO

Nas análises do crescimento da "mainstream economics", baseadas no crescimento clássico, a questão do mercado pôde ser ignorada. A Economia do Desenvolvimento mostrou, em sentido oposto, que no crescimento retardatário o mercado é de importância fundamental dado que, quando insuficiente, bloqueia o desenvolvimento e, quando suficiente, determina, por si só, o desenvolvimento. Esses dois aspectos serão sucessivamente examinados nas linhas abaixo.

O primeiro deles foi identificado por Rosenstein-Rodan em 1961Rosenstein-Rodan, P.(1961) "Problems of development in Eastern and South Eastern Europe", em B. Okun e R. W. Richardson (orgs) Studies in Economic Development. New York: Holt Rinehart and Winston/. Estudando as economias da região centro-leste da Europa, mostrou que seu crescimento encontrava sério obstáculo na insuficiência de mercado. Isso porque o tamanho mínimo das unidades produtivas, imposto pela tecnologia moderna, era superior ao permitido pela dimensão do mercado interno, único disponível para os países subdesenvolvidos na fase inicial do seu crescimento.

A origem do problema é a seguinte: na medida em que se eleva o porte de uma unidade produtiva, torna-se possível dividir os procedimentos requeridos por seu processo produtivo em tarefas simples. Para estas, é mais fácil a criação de novas tecnologias. Diante disso, ao se alargarem os mercados à disposição dos países desenvolvidos, consequência normal do seu crescimento, eles aproveitam esse fato para aumentar o porte das unidades produtivas, facilitando a criação de novas tecnologias, com a consequente baixa de custos. Para os países em desenvolvimento, que a fim de eliminar seu atraso econômico devem incorporar a tecnologia disponível surge, em função disso, segundo Rosesntein-Rodan, o problema da incompatibilidade entre o tamanho dos mercados à disposição e as dimensões das unidades produtivas, imposto pela moderna tecnologia.

A solução oferecida por ele foi a que se tornou conhecida como teoria do "big push". Ou seja, a criação concomitante de um conjunto de empresas que se proporcionem mutuamente mercado. Solução obviamente, teórica, por exigir massa de poupanças muito acima da que os países subdesenvolvidos são capazes de mobilizar, internamente ou recorrendo ao capital estrangeiro.

As análises posteriores mostraram que o problema da insuficiência do mercado não era tão grave quanto inicialmente se supôs. País subdesenvolvido em busca da eliminação do seu atraso econômico só pode contar, como afirmava Rosenstein-Rodan, com o mercado interno para sua indústria nascente. Este, porém, é constituído de duas partes: o mercado novo criado pelo incremento do PIB e o já existente, atendido por importações. A experiência mostrou que o incompatível com o tamanho mínimo das unidades produtivas é apenas o primeiro. Complementado pelo segundo, ele viabiliza a fase inicial de industrialização, no âmbito do chamado modelo de substituição de importações. O problema de mercado só vai surgir ao se esgotar o estoque de importações substituíveis. Nesse momento, o crescimento econômico só pode continuar se o adicional de mercado, proporcionado pelo incremento do PIB, houver alcançado dimensão capaz de viabilizar, por si só, a criação de novas unidades produtivas do tamanho mínimo tecnologicamente necessário.

Entre os BRICs (Brasil, Rússia Índia e China), com os maiores mercados internos do mundo, somente a China (e possivelmente a Índia) alcançou esse resultado. Ela manteve taxas de crescimento entre 7% e 9%, mesmo depois de a crise de 2008 ter reduzido substancialmente seu mercado externo. Pode-se, assim, aceitar como de validade geral a tese de Rosenstein-Rodan, segundo a qual o tamanho mínimo tecnologicamente necessário das unidades produtivas constitui um obstáculo a ser vencido no crescimento retardatário.

O segundo aspecto, ou seja da suficiência do mercado como determinante do crescimento, foi identificado pelo Banco MundialBanco Mundial (1993) The East Asian Miracle: Economic Growth and Public Policy, New York: Oxford University Press. no seu relatório "The East Asian Miracle", de 1993. Ao estudar a experiência bem-sucedida dos países asiáticos mostra ele que, ao contrário do aceito pela literatura especializada, não é o aumento de poupanças que precede o crescimento econômico, mas este que antecipa a elevação de poupanças. Segundo esse relatório, na existência de "oportunidades de investimento" as poupanças sobem automaticamente. Ora, "oportunidades de investimento " é sinônimo de mercado. Portanto, no crescimento retardatário o simples surgimento de mercado gera as poupanças necessárias para atendê-lo.

A experiência brasileira confirma o papel básico do mercado no crescimento retardatário. Assim, quando na crise dos anos 1930 o país se viu impossibilitado, pelo declínio de sua receita em divisas, de importar artigos manufaturados, teve início no país rápido incremento do setor industrial destinado a substituir importações. E não se pode identificar, no caso, quaisquer medidas específicas do governo para alargar a disponibilidade de poupanças. Estas se elevaram espontaneamente diante do surgimento de um mercado interno (ou "oportunidades de investimento") no setor manufatureiro.

A conclusão da análise acima é que, como a tecnologia requerida já existe e se acha à disposição dos países subdesenvolvidos, e as poupanças se elevam endogenamente na existência de mercado, o crescimento retardatário depende exclusivamente da suficiência do mercado. Ou ainda, se no crescimento clássico as políticas econômicas devem ter como objetivo garantir progresso tecnológico e poupanças de nível adequado, no crescimento retardatário elas devem proporcionar mercado das dimensões requeridas pelo tamanho mínimo das unidades produtivas e pela eliminação do atraso econômico.

Outro ponto importante é que, conforme demonstra a experiência dos bem-sucedidos países asiáticos, as exportações devem ser comandadas, nessa fase, por manufaturas de tecnologia avançada (veículos automotores, bens de capital, produtos de informática etc.). Isso por dois motivos. Em primeiro lugar, porque as "commodities", tanto agrícolas quando industriais, se caracterizam por baixa elasticidade-renda de demanda. Isso significa que o mercado para elas tende a crescer menos do que o PIB dos seus países importadores, não tendo, portanto, condições de constituir a base de políticas cujo objetivo final é eliminar o atraso econômico dos exportadores.

Em segundo lugar, porque os produtos de tecnologia avançada registram elevado valor adicionado por trabalhador. O que significa que uma economia retardatária, para eliminar seu atraso econômico, deve registrar no setor produtivo parcela significativa desses setores. Ou, na prática, equivalente à registrada nas economias desenvolvidas.

EXPERIÊNCIAS CONCRETAS DE DESENVOLVIMENTO E A QUESTÃO DO MERCADO

As experiências de desenvolvimento demonstram que o sucesso ou insucesso das políticas econômicas dependem dos resultados obtidos na garantia de mercado de nível adequado. Ou, especificamente, do sucesso ou insucesso na eliminação dos obstáculos colocados pelo tamanho mínimo das unidades produtivas e pela insuficiência global de mercado.

A literatura sobre o desenvolvimento oferece dois casos básicos de política econômica que demonstram o papel fundamental do mercado: o da América Latina e o dos países asiáticos. A América Latina, durante todo o período que se estendeu da Segunda Guerra Mundial a 1980, teve crescimento acelerado com base no modelo de substituição de importações, ou seja, no mercado interno. Esgotado o estoque de importações substituíveis, ela entrou em semiestagnação. No caso do Brasil, que vinha crescendo à média anual de 7%, essa percentagem caiu para menos de 3%. O problema resultou (a) de o mercado adicional proporcionado pelo crescimento vegetativo do PIB não ter sido suficiente para viabilizar novas unidades produtivas do tamanho mínimo tecnologicamente necessário e (b) de essa insufi­ciência não ser compensada pelo recurso ao mercado externo.

O sucesso dos países asiáticos, em sentido oposto, mostra como políticas de desenvolvimento, corretamente conduzidas em termos de mercado, evitam esse resultado. Ou seja, como, esgotadas as oportunidades de substituição de importações, a insuficiência do mercado interno pode ser compensada, sem maiores dificuldades, através das exportações. Estas não só proporcionaram a esses países o mercado requerido pelo tamanho mínimo das unidades produtivas, como para o PIB crescer no ritmo exigido pela eliminação do atraso econômico Na sua fase de substituição de importações, os países asiáticos condicionaram a manutenção das vantagens proporcionadas a empresas nacionais, ao alcance por elas de níveis internacionais de competitividade. Diante disso, esses países passaram, sem maiores dificuldades, de um crescimento baseado no mercado interno para outro em que o mercado externo tem papel fundamental.

Ou seja, as dificuldades decorrentes do tamanho mínimo das unidades produtivas e do esgotamento do mercado representado pelas importações substituíveis foi solucionado pela complementação com exportações, do insuficiente mercado interno. Em casos como os da Coreia do Sul e Taiwan, o atraso econômico foi praticamente eliminado. Em outros países da área, o processo se acha em rápido andamento. Ponto a ser sublinhado é que essas exportações se concentraram em bens de tecnologia avançada e alto valor adicionado por trabalhador, atividades que devem ter peso significativo na economia para que um país atinja o pleno desenvolvimento.

A América Latina, diferentemente, nada fez na fase de substituição de importações para conferir competitividade internacional a suas unidades produtivas. A política econômica foi conduzida na suposição de ser possível alcançar o pleno desenvolvimento com base exclusivamente no mercado interno. Quando muito se aceitou que, para atingir esse resultado, a integração econômica da região seria necessária. Esta criaria um grande mercado interno supranacional, de dimensão supostamente suficiente para levar a região ao pleno desenvolvimento. Com base nessa convicção, foi criada a Área Latino-Americana de Livre Comércio - ALALC, que teve a adesão de boa parte do países da região. A experiência mostrou a inviabilidade dessa solução, com o colapso da ALALC em pouco mais de três anos.

MERCADO E POLÍTICAS DE CRESCIMENTO NO BRASIL

Cabe preliminarmente lembrar que, confirmando o papel central do mercado no crescimento retardatário, as análises da experiência histórica brasileira apontam o mercado como base do processo. Foram os chamados "ciclos econômicos", designados pelos sucessivos mercados em que se baseou o crescimento do país. Numa primeira fase, quando era altíssimo o custo dos transportes, o mercado explorado foi o de produtos de elevado valor por volume e peso. Tivemos, assim, os ciclos do pau-brasil, do açúcar (produto à época de alto valor) e o ouro. Com a baixa do custo de transporte, passaram a ser explorados produtos de baixo valor por volume e peso. Foi o ciclo do café.

A partir de 1930 tivemos o modelo de substituição de importações, baseado no mercado interno de manufaturas. Esse modelo teve como base a escassez cambial resultante inicialmente da queda no preço do café, corolário da Grande Depressão, seguida pela dificuldade de importações decorrente da Segunda Guerra Mundial. O colapso do modelo de substituição de importações ocorreu em 1980.

A CEPAL diagnosticou corretamente o problema, ao apontar como sua causa a insuficiência de mercado decorrente do fim das oportunidades de substituir importações. Como, todavia, foi incapaz de demonstrar o papel básico do mercado no crescimento retardatário, a política econômica brasileira passou a ser comandada pelas indicações da "mainstream economics" baseada na experiência de crescimento clássico. A proposta neoliberal consagrada no Consenso de Washington foi considerada como o caminho a ser seguido.

Para a "mainstream economics", o constante incremento do PIB após a Revolução Industrial foi proporcionado pelo rápido progresso tecnológico, que viabilizou o aumento do capital por trabalhador, com a consequente elevação do produto per capita. E, como nos países subdesenvolvidos a tecnologia já se acha disponível, todo o esforço deveria, segundo ela, se concentrar na elevação das poupanças, de origem interna ou externa. Tal é a visão que comanda hoje a política econômica brasileira.

Foi, assim, o não reconhecimento do papel central do mercado no crescimento retardatário que levou à da atual semiestagnação brasileira. Propõem-se, para corrigi-la, investimentos em infraestrutura e em setores produtivos. Com isso, são ignorados dois fatos básicos. O primeiro, sublinhado na literatura especializada, é de os investimentos em infraestrutura "permitirem", mas não "determinarem", o crescimento. O segundo, referido na literatura econômica geral, é de que ninguém investe se não houver, como no caso brasileiro, mercado para os bens produzidos. Ou seja, ignorou-se o fato de que as medidas recomendáveis, ao se esgotarem as oportunidades de substituir importação, não só para o Brasil como para todos os subdesenvolvidos, são as destinadas a abrir o mercado externo à indústria e serviços localizados no país.

O que não será fácil para o Brasil por três motivos: (a) a fase mais apropriada para essa política, isto é, a de substituição de importações, não foi aproveitada; (b) de acordo com a experiência dos países asiáticos, os setores a serem patrocinados são os de tecnologia avançada, que reclamam grande esforço prévio de pesquisa e desenvolvimento (c) erros de política econômica permitiram que esses setores fossem monopolizados por empresas multinacionais, com total exclusão das brasileiras.

Em algumas economias de pequeno e médio porte da América Latina, a exportação de "commodities", sobretudo agrícolas e minerais, tem permitido contornar provisoriamente o problema da insuficiência do mercado interno. A experiência asiática mostra, todavia, que uma solução definitiva para o problema do subdesenvolvimento depende da viabilização de setores de tecnologia avançada, o que não está acontecendo nesses países.

A economia brasileira, ao ignorar a centralidade do mercado no crescimento retardatário, caminha hoje no sentido oposto do desejável. Ou seja, para uma crescente especialização em "commodities" agrícolas e industriais, atividades de baixo valor adicionado por trabalhador e demanda de lento crescimento a prazos médio e longo, que lhe garantirão, na melhor das hipóteses, um semidesenvolvimento.

Nas linhas abaixo APÊNDICE SUGESTÃO PARA UM MODELO BÁSICO DE CRESCIMENTO RETARDATÁRIO Como vimos acima, teorizações e o exame de fatos históricos nos permitem concluir que a diferença fundamental entre os crescimentos clássico e retardatário está em que, no primeiro, o fundamental é o aspecto da oferta e, no segundo, o da demanda ou mercado. Levando em conta esse fato, pode-se propor o seguinte modelo de crescimento retardatário, no qual a elevação do produto depende exclusivamente do mercado: dQ/dt = dD/dt + mMt + dE/dt Onde Q é o produto, D a demanda global, ou seja, a soma da remuneração dos agentes econômicos (salários, lucros e tributos), M o estoque de importações substituíveis, m a parcela destas efetivamente substituída cada ano, t o tempo e E as exportações. Algumas observações se fazem necessárias: dD/dt é o aumento vegetativo do mercado proporcionado pelo incremento do PIB no ano anterior. Ou seja, dD/dt é igual a dQ/dt - 1. A suposição de que o aumento de Q só se reflita em elevação da demanda D no ano seguinte é, reconhecidamente, uma simplificação. É óbvio, por outro lado, que a adoção de tarifa protecionista torna imediatamente disponível, para as empresas nacionais, mercado de tamanho M. No entanto, restrições como a capacidade da iniciativa privada nacional, insuficiência de infraestrutura, carência dos insumos requeridos, elevação limitada da taxa de poupanças etc. fazem com que, cada ano, apenas a percentagem m seja, de fato, aproveitada. O mercado externo E, em país subdesenvolvido, é representado por produtos primários, minerais e vegetais. Do ponto de vista dessas economias ele é praticamente ilimitado, podendo proporcionar crescimento permanente de Q. O modelo de substituição de importações significa, assim, uma opção pelo setor manufatureiro, implementada através de medidas protecionistas. Opção que se justifica por ser o valor adicionado por trabalhador, nessa atividade, superior ao registrado no setor de "commodities". No crescimento retardatário o PIB deve, como primeira condição do seu sucesso, crescer anualmente no ritmo requerido para viabilizar a criação de novas unidades produtivas do tamanho T, tecnologicamente necessário. Ou seja, dQ/dt ≥ T. A definição de T é mais complexa. Tanto pode se supor, em modelo simplificado, que somente um bem é produzido como, alternativamente, que ele representa um conjunto de atividades que devem ser criadas concomitantemente. Temos, assim, como condição básica do crescimento retardatário: dQ/dt = dD/d t + mMt + dE/dt ≥ T Esse modelo básico pode ser modificado para exprimir, no crescimento retardatário, seja a fase de substituição de importações, seja a fase exportadora. Na fase de substituição de importações se supõe que as exportações estejam estagnadas, não oferecendo contribuição significativa para o desenvolvimento. Ou ainda que, na política econômica do país, sua contribuição seja considerada irrelevante, podendo, portanto, ser ignorada. Teríamos assim: dQ/dt = dD/d t + mMt ≥ T Esgotadas as oportunidades de substituir importações, a continuidade do crescimento retardatário vai depender da exportação de manufaturas. Ou seja, de que o aumento destas, somadas ao crescimento vegetativo do mercado (dD/dt), igualem ou superem T viabilizando a continuidade do crescimento. Ou seja: dQ/dt = dD/ dt + dE/dt ≥ T Existe, finalmente, a possibilidade teórica de que o PIB do país tenha atingido tais dimensões, que seu mero crescimento vegetativo supere T. Teríamos assim: dQ/dt = dD/ dt ≥ T Segundo vimos anteriormente, a China constitui o caso único em que essa condição foi atendida. Mostramos, igualmente, que o fracasso das políticas de desenvolvimento da América Latina se deveu ao erro de se supor que o mesmo valia para ela. A segunda condição para o sucesso do crescimento retardatário é que ele proporcione a eliminação do atraso econômico dos países subdesenvolvidos. Supondo-se que Qd seja o PIB dos países desenvolvidos, isto significa que: dQ/dt = dD/d t + mMt + dE/dt > dQd/dt se apresenta uma primeira sugestão para modelo de crescimento econômico centrado na disponibilidade de mercado

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Banco Mundial (1993) The East Asian Miracle: Economic Growth and Public Policy, New York: Oxford University Press.
  • Rosenstein-Rodan, P.(1961) "Problems of development in Eastern and South Eastern Europe", em B. Okun e R. W. Richardson (orgs) Studies in Economic Development. New York: Holt Rinehart and Winston/
  • 1
    JEL Classification: O1.

APÊNDICE

SUGESTÃO PARA UM MODELO BÁSICO DE CRESCIMENTO RETARDATÁRIO

Como vimos acima, teorizações e o exame de fatos históricos nos permitem concluir que a diferença fundamental entre os crescimentos clássico e retardatário está em que, no primeiro, o fundamental é o aspecto da oferta e, no segundo, o da demanda ou mercado. Levando em conta esse fato, pode-se propor o seguinte modelo de crescimento retardatário, no qual a elevação do produto depende exclusivamente do mercado:

dQ/dt = dD/dt + mMt + dE/dt

Onde Q é o produto, D a demanda global, ou seja, a soma da remuneração dos agentes econômicos (salários, lucros e tributos), M o estoque de importações substituíveis, m a parcela destas efetivamente substituída cada ano, t o tempo e E as exportações. Algumas observações se fazem necessárias: dD/dt é o aumento vegetativo do mercado proporcionado pelo incremento do PIB no ano anterior. Ou seja, dD/dt é igual a dQ/dt - 1. A suposição de que o aumento de Q só se reflita em elevação da demanda D no ano seguinte é, reconhecidamente, uma simplificação.

É óbvio, por outro lado, que a adoção de tarifa protecionista torna imediatamente disponível, para as empresas nacionais, mercado de tamanho M. No entanto, restrições como a capacidade da iniciativa privada nacional, insuficiência de infraestrutura, carência dos insumos requeridos, elevação limitada da taxa de poupanças etc. fazem com que, cada ano, apenas a percentagem m seja, de fato, aproveitada. O mercado externo E, em país subdesenvolvido, é representado por produtos primários, minerais e vegetais. Do ponto de vista dessas economias ele é praticamente ilimitado, podendo proporcionar crescimento permanente de Q. O modelo de substituição de importações significa, assim, uma opção pelo setor manufatureiro, implementada através de medidas protecionistas. Opção que se justifica por ser o valor adicionado por trabalhador, nessa atividade, superior ao registrado no setor de "commodities".

No crescimento retardatário o PIB deve, como primeira condição do seu sucesso, crescer anualmente no ritmo requerido para viabilizar a criação de novas unidades produtivas do tamanho T, tecnologicamente necessário. Ou seja, dQ/dt ≥ T.

A definição de T é mais complexa. Tanto pode se supor, em modelo simplificado, que somente um bem é produzido como, alternativamente, que ele representa um conjunto de atividades que devem ser criadas concomitantemente. Temos, assim, como condição básica do crescimento retardatário:

dQ/dt = dD/d t + mMt + dE/dt ≥ T

Esse modelo básico pode ser modificado para exprimir, no crescimento retardatário, seja a fase de substituição de importações, seja a fase exportadora. Na fase de substituição de importações se supõe que as exportações estejam estagnadas, não oferecendo contribuição significativa para o desenvolvimento. Ou ainda que, na política econômica do país, sua contribuição seja considerada irrelevante, podendo, portanto, ser ignorada. Teríamos assim:

dQ/dt = dD/d t + mMt ≥ T

Esgotadas as oportunidades de substituir importações, a continuidade do crescimento retardatário vai depender da exportação de manufaturas. Ou seja, de que o aumento destas, somadas ao crescimento vegetativo do mercado (dD/dt), igualem ou superem T viabilizando a continuidade do crescimento. Ou seja:

dQ/dt = dD/ dt + dE/dt ≥ T

Existe, finalmente, a possibilidade teórica de que o PIB do país tenha atingido tais dimensões, que seu mero crescimento vegetativo supere T. Teríamos assim:

dQ/dt = dD/ dt ≥ T

Segundo vimos anteriormente, a China constitui o caso único em que essa condição foi atendida. Mostramos, igualmente, que o fracasso das políticas de desenvolvimento da América Latina se deveu ao erro de se supor que o mesmo valia para ela.

A segunda condição para o sucesso do crescimento retardatário é que ele proporcione a eliminação do atraso econômico dos países subdesenvolvidos. Supondo-se que Qd seja o PIB dos países desenvolvidos, isto significa que:

dQ/dt = dD/d t + mMt + dE/dt > dQd/dt

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2016

Histórico

  • Recebido
    15 Maio 2015
  • Aceito
    07 Jul 2015
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