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O legado de Celso Furtado

The legacy of Celso Furtado

RESUMO

Este ensaio recapitula o legado intelectual de Celso Furtado, destacando sua enorme importância para o pensamento econômico. Adota o recurso de comparar Furtado a outro grande economista brasileiro, Mário Henrique Simonsen, ressaltando a superioridade do primeiro em relação ao segundo em diversos aspectos essenciais. Discute, também, a relação de Furtado com Keynes e a tradição econômica keynesiana, de um lado, e com o Marx e o marxismo, de outro. Ressalta, em conclusão, a sua ligação com o nacionalismo e o romantismo, expresso no seu apego ao Brasil.

PALAVRAS-CHAVE:
Celso Furtado; Mário Henrique Simonsen; John Maynard Keynes; economia política; economics; métodos matemáticos em economia; rigor; relevância; marxismo; ultraliberalismo; economia história; ecletismo; nacionalismo; cosmopolitismo

ABSTRACT

This essay reviews Celso Furtado’s intellectual legacy, highlighting his enormous importance for economic thought. It adopts the method of comparing Furtado to another great Brazilian economist, Mário Henrique Simonsen, emphasizing the superiority of the former over the latter in several essential aspects. It also discusses the relation of Furtado to Keynes and the Keynesian economic tradition, on the one hand, and to Marx and Marxism, on the other. It highlights, in conclusion, his links to nationalism and romanticism, expressed in his attachment to Brazil.

KEYWORDS:
Celso Furtado; Mário Henrique Simonsen; John Maynard Keynes; political economy; economics; mathematical methods in economics; rigor; relevance; Marxism; ultraliberalism; economics history; eclecticism; nationalism; cosmopolitanism

Celso Furtado foi o maior economista brasileiro do século XX. Teve, como poucos intelectuais brasileiros, repercussão duradoura para além do Brasil e da América Latina. Não há como ignorar a dívida que tem com ele o pensamento econômico brasileiro e latino-americano, a dívida para com a sua obra teórica e histórica, tão rica e variada, abrangendo economia, teoria do desenvolvimento e do subdesenvolvimento, política econômica e economia política, história econômica brasileira e latino-americana, entre outros temas. Furtado tinha uma mente interdisciplinar e suas contribuições à economia foram sempre alimentadas por ensinamentos de outras disciplinas, pelas ciências sociais, pela história geral, pela ciência política, pela cultura. Na sua correspondência intelectual, publicada em 2021, a busca da interdisciplinaridade e a valorização do institucional foram apontados por Furtado como traços centrais do seu trabalho e da escola a que se filiava, a estruturalista latino-americana.1 1 “Os estruturalistas se caracterizavam pelos métodos que utilizam (privilegiam a macroanálise), valorizam o institucional e buscam a interdisciplinaridade”, assinala ele em carta a Joseph L. Love, de 1982. Celso Furtado, Correspondência Intelectual: 1949-2004. Seleção, introdução e notas de Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2021, p. 330. Parte dessa correspondência de Furtado está voltada para uma avaliação da sua própria obra e da escola estruturalista. Ibid., p. 324-335.

Quem no Brasil poderia rivalizar com Celso Furtado? Talvez Mário Henrique Simonsen, outro grande economista brasileiro, quinze anos mais moço que Furtado. Pode ser interessante recapitular as semelhanças e, sobretudo, as diferenças entre os dois. Afinal, é pelo contraste que se chega ao âmago das coisas. Há um princípio do taoismo que diz que são as contraposições, e só elas, que dão vida aos conceitos, que os conceitos só existem como contrastes. A comparação com o contemporâneo Simonsen pode ajudar a entender as principais características de Furtado como economista e homem público. E levar-nos, também, a perceber com um pouco mais de clareza por que ele ainda ressoa como fonte de ensinamentos e inspiração no século XXI.

Começo então este ensaio com essa comparação, valendo-me de Mário Henrique Simonsen como contraponto para a apresentação do que me parecem ser aspectos centrais do trabalho intelectual de Celso Furtado.2 2 A propósito desse contraste, veja-se por exemplo as entrevistas de Celso Furtado e Mário Henrique Simonsen em Ciro Biderman, Luis Felipe Cozac e José Marcio Rego, Conversas com Economistas Brasileiros. São Paulo: Editora 34, primeira edição 1996, p. 61-88 e 189-212.

ECONOMIA POLÍTICA E ECONOMICS

Furtado estudou e ensinou na França. Passou também por Cambridge, na Inglaterra, escola de Keynes e dominada nessa época pela primeira geração de keynesianos, entre eles Nicholas Kaldor e Joan Robinson. A sua formação intelectual traz fortes influências europeias, portanto. Decisiva também foi a influência do grande economista argentino, Raúl Prebisch. Já Simonsen, embora nunca tenha estudado fora do Brasil, tinha suas raízes fincadas na economia tal como praticada nos Estados Unidos. Isso nos ajuda a começar a entender as diferenças entre os dois.

Em uma frase, Mário Henrique Simonsen praticava Economics (Economia); Celso Furtado, Political Economy (Economia Política). “Economia Política”, o nome original da disciplina, que foi abandonado no século XX, ou no final do século anterior, é provavelmente mais apropriado, tendo em vista a natureza dos desafios com que se defrontam os economistas, e principalmente os macroeconomistas. Furtado costumava dizer que nunca havia sido apresentado a um problema econômico que não fosse, ao mesmo tempo, um problema político.3 3 Esse é um dos aspectos do pensamento de Furtado e dos estruturalistas que ficam nítidos na sua correspondência. Por exemplo, em carta a Riccardo Campa, de 1970, Furtado escrevia: “Os estruturalistas pensam que entre o econômico e o não econômico os limites são fluidos e dependem da posição ideológica do analista. Sendo economistas de formação, eles tendem a valorizar o político e o institucional na análise dos processos econômicos”. Celso Furtado. Correspondência Intelectual, op. cit., p. 334-335.

Daí derivam diferenças importantes de método e instrumental. Mário Henrique Simonsen também foi, à sua maneira, um economista político, voltado para a prática, tendo sido como Celso Furtado ministro de Estado. Mas Simonsen recorria com frequência à economia matemática e à econometria, seguindo tendência liderada pelos departamentos de economia das universidades norte-americanas. Em Furtado, raramente aparecem equações e modelos. Nesse ponto, como em outros, ele seguia a tradição de Keynes e dos keynesianos de Cambridge, mais reticentes e céticos em relação à utilidade ou confiabilidade dos modelos econômicos e da econometria.

ESPRIT DE SOUPLESSE E ESPRIT DE GÉOMÉTRIE

A matemática é uma linguagem que tem, sem dúvida, grande utilidade. A sua aplicação permitiu mudanças revolucionárias na história das ciências. É difícil e frequentemente impossível substituí-la para determinados propósitos científicos.

Daí não segue, evidentemente, que ela tudo pode e deva reinar inconteste em todos os campos do conhecimento. Nas ciências sociais ou humanas em especial a matematização tem limites estreitos - e a economia, quer se queira quer não, é necessariamente uma delas. Por isso mesmo, nas mãos de dogmáticos, a quantificação e a formalização facilmente se transformam em camisas de força para o pensamento e a pesquisa. A tentativa de aplicar a matemática a todas as questões naufraga rapidamente em muitas áreas.

Um viés, bem insidioso, é o de só admitir como objetos válidos de investigação aqueles que se mostrem suscetíveis à quantificação e a um tratamento formal. Isso tende a empobrecer a disciplina e a levá-la rapidamente ao beco sem saída da irrelevância - risco que economistas como Furtado têm sempre presente. De fato, a exclusão de temas que resistem à formalização implica desconsiderar um sem-número de questões econômicas de interesse central para a sociedade. Lembra aquela piada antiga sobre um bêbado que procurava à noite um relógio perdido na rua, mas limitava a busca ao redor dos postes de iluminação. Questionado, respondeu, sensatamente: “Ora, porque aqui tenho luz!”.

A busca do rigor não pode se dar com a supressão do realismo e da relevância e com a atenção exclusiva a problemas passíveis de tratamento formal. Para não sacrificar realismo e relevância torna-se frequentemente necessário renunciar à aplicação de modelos matemáticos. Isso não significa, ressalte-se, que a análise, por não ser matemática, não possa e não deva ser rigorosa. Significa apenas que há outras formas de rigor, mais compatíveis com o respeito pelo realismo e a relevância. Por exemplo, o cuidado no uso das fontes, estatísticas e outras. Ou, ainda, o rigor na argumentação, o cuidado nas inferências e nas deduções. O rigor que se alcança por essas vias é certamente um rigor de natureza diferente, não alcança os critérios da análise formal-matemática. Não deixa, porém, de demandar treinamento e esforços especiais e constitui, como é sabido, exigência indispensável nas ciências sociais, ciências que, por sua própria natureza, podem recorrer com menos frequência e intensidade a técnicas de quantificação e formalização.

A dicotomia ou antagonismo entre rigor e relevância, entre formalização e realismo tem raízes antigas e reaparece sob diferentes roupagens ao longo da história do pensamento. Retomando uma distinção de Pascal, poderíamos dizer que o economista, como todo cientista social, precisa mais de esprit de souplesse do que de esprit de géométrie, precisa mais da sutileza de espírito do que da rigidez geométrica.4 4 Blaise Pascal, Pensées. Primeira edição: 1670. Paris: Librairie Générale de France, 1972, p. 1-3. De que valem o rigor e a suposta precisão do raciocínio formal se eles nos distanciam da realidade, com sua riqueza, suas ambivalências e suas incertezas?

FURTADO E A TRADIÇÃO KEYNESIANA

É notável, observo de passagem, o baixo grau de formalização matemática na principal obra teórica de Keynes - A Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda. E Keynes também se mostrava cético em relação à econometria, que dava os seus primeiros passos na década de 1930. A sua célebre controvérsia com Jan Tinbergen, um dos pioneiros na aplicação de métodos estatísticos à economia, é um exemplo notável do seu ceticismo e merece ser lida ainda hoje.5 5 Ver The Collected Writings of John Maynard Keynes, vol. XIV, The General Theory and After, Part II: Defence and Development. Londres: MacMillan & Cambridge University Press, 1973, p. 285-320. Para uma interessante reavaliação do debate Keynes-Tinbergen, ver Don Patinkin, “Keynes and Econometrics”, republicado em Don Patinkin, Anticipations of the General Theory and Other Essays on Keynes. Chicago: The University of Chicago Press, 1982, p. 227-230. Esse ceticismo persistiu na primeira geração de keynesianos. Joan Robinson, por quem Furtado foi influenciado, costumava lamentar que a economia se transformara em um ramo (não muito sofisticado) da matemática aplicada.6 6 “Latter-day practicioners [of economics]”, escreveu ela com seu habitual estilo sarcástico, “take refuge in building up more and more elaborate mathematical manipulations and get more and more annoyed at anyone asking them what it is that they are supposed to be manipulating”. Joan Robinson, Economic Philosophy. Harmondsworth, Middlesex: Penguin Books, 1962, p. 122.

Furtado segue um estilo de investigação e exposição que economistas mais tradicionais tendem a desprezar e até a estigmatizar. O seu instrumento principal é a palavra, ou seja, a retórica e a persuasão. Furtado não trabalhava com supostas certezas, com verdades seguras, mas com o que é plausível como aproximação da realidade. Com interpretações abertas, não com deduções fechadas.

Palavras têm algumas vantagens em comparação com números, equações e gráficos. Elas são flexíveis, mais abertas à ambiguidade e à indeterminação sempre presentes na vida real - a ambiguidade e à indeterminação que tanta angústia causam aos que querem se apegar ao incontestável e ao seguro. O apego à matemática e suas fórmulas pode ser uma das formas que toma o medo humano, humano demais, do incerto, do imprevisível.

Os economistas tradicionais, os praticantes convictos da mainstream Economics não costumam disfarçar o seu desprezo pelos economistas meramente “literários”. O aparato matemático e econométrico torna-se nas suas mãos um instrumento de exclusão e intimidação. Pretende-se erguê-lo em barreira à entrada na disciplina, um muro que deixaria de fora os que resistem a, ou se mostram incapazes de praticar os modelos formais. Com arrogância, chega-se a questionar a condição de cientistas e até a inteligência dos economistas “literários”. A não uti­li­zação de modelos formais seria o resultado de falta de adequado treinamento acadêmico.

Sintomaticamente, Eugênio Gudin, antepassado intelectual de Mário Henrique Simonsen, disse certa vez ao jovem Furtado que ele estava na profissão errada e deveria abandonar a economia em favor da literatura para a qual tinha indisfarçável inclinação.7 7 Em sua autobiografia, Furtado conta que Gudin “me disse um dia, em tom de reprimenda: ‘Você apela demasiadamente para a imaginação em suas análises. Devia ter sido romancista, e não economista’”. Celso Furtado, Obra Autobiográfica: A Fantasia Organizada. A Fantasia Desfeita. Os Ares do Mundo. São Paulo: Companhia da Letras, 2014, p. 89. Uma estudiosa dos aspectos literários da obra de Furtado conjectura que ele possa ter recebido a recriminação de Gudin como elogio, pois sempre acreditara que a imaginação e a reinvenção é que permitiam captar as peculiaridades dos processos históricos. Elisa Krüger, “Celso Furtado: um economista com lentes de literato”. Estudos Avançados, vol. 34, n. 100, setembro-dezembro 2020, p. 263. O comentário era maldosamente ambivalente. Por um lado, Gudin reconhecia a habilidade retórica do jovem economista; por outro, atribuía-lhe um talento de ficcionista, colocando em dúvida a veracidade ou seriedade dos seus escritos. Furtado, felizmente, ignorou o comentário e não se deixou abater ou desviar pela recomendação capciosa de Gudin.

Em trabalho recente, Furtado chegou a ser caracterizado como “economista romântico”, imbuído de sentimentos, emocionalmente ligado à própria terra e sempre inclinado a apoiar-se na imaginação e na criatividade.8 8 Jonas Rama & John Battaile Hall, “Celso Furtado as ‘Romantic Economist’ from Brazil’s Sertão”. Revista de Economia Política, vol. 39, n. 4 (157), outubro-dezembro 2019. Esse trabalho segue de certa maneira trilha semelhante ao comentário de Gudin, evitando, porém, qualquer conotação negativa. Argumenta, ao contrário, que o romantismo é uma vantagem apreciável para o exercício da economia, disciplina desnecessariamente enfraquecida, sustentam os autores, pela sua filiação ao humanismo iluminista. Diferentemente do que em geral se pensa, essa filiação constituiria um fator limitador, por carregar “um viés excessivamente racionalista” e dificultar a percepção de uma realidade econômica sempre historicamente condicionada e marcada por situações dinâmicas.9 9 Ibid., p. 659.

Não sei se tem cabimento o rótulo de “economista romântico”. Talvez seja um pouco extravagante e possa até ser usado pelos seus adversários para desqualificar Furtado. Mas creio que capta um aspecto central da personalidade do nosso grande economista. A ninguém ocorreria aproximar Mário Henrique Simonsen, por exemplo, do romantismo. Simonsen era cético, descrente por temperamento. Furtado, por sua vez, se aproxima de fato do romantismo por dois lados adjacentes do seu temperamento. Pela sua forma, não raro, apaixonada de escrever, em especial quando fala do Brasil. Mas, também, e justamente, por seu nacionalismo. Como sabemos, nacionalismo e romantismo andam juntos não só na história brasileira, mas também na de muitas outras nações. O romantismo e o nacionalismo europeus, notadamente, surgiram juntos na primeira metade do século XIX e são indissociáveis no seu impulso inicial da reação ao universalismo racionalista do século XVIII.10 10 A esse respeito ver, por exemplo, os ensaios de Isaiah Berlin sobre romantismo e nacionalismo na era moderna. Isaiah Berlin, Estudos sobre a Humanidade: Uma Antologia de Ensaios. Edição: Harry Hardy e Roger Hausheer. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 558-608.

ECONOMIA HISTÓRICA E ECLETISMO

Sendo não-matemática, a economia de Celso Furtado não deixava, porém, de ser analítica. Ao contrário, um dos pontos fortes de Furtado é a sua extraordinária capacidade de abstração e de identificação dos movimentos de longo prazo da economia. Por exemplo, Formação Econômica do BrasilFurtado, Celso (1959) Formação Econômica do Brasil. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura., obra decisiva para o estudo da história econômica brasileira, não é, na verdade, um livro de “história econômica”, mas antes de “economia histórica” - no estilo da Historical Economics de Charles Kindleberger.11 11 Charles, Kindleberger. Historical Economics: Art or Science? Berkeley: University of California Press, 1991. E o mesmo se pode dizer de grande parte das obras de mais fôlego que escreveu Furtado. Era o que ele costumava ressaltar, explicando que um traço essencial de alguns dos seus principais livros, Formação Econômica do BrasilFurtado, Celso (1959) Formação Econômica do Brasil. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura., Formação Econômica da América LatinaFurtado, Celso (1969) Formação Econômica da América Latina. Rio de Janeiro: Lia Editora., entre outros, era a “combinação da análise econômica com uma perspectiva histórica”.12 12 Trecho da citada carta a Joseph L. Love. Celso Furtado, Correspondência Intelectual, op. cit., p. 329.

Houve até tentativas, talvez não tão bem-sucedidas, de formalizar matematicamente a análise contida na obra de Furtado.13 13 Ver, por exemplo, Eliana A. Cardoso. “Celso Furtado revisitado: o pós-guerra”, Revista Brasileira de Economia. v. 40, n. 1, 1979. Disponível em: https://econpapers.repec.org/RePEc:fgv:epgrbe:v:33:y:1979:i:4:a:236. A dificuldade de fazê-lo deriva provavelmente das limitações naturais da matemática para dar conta de processos históricos com todas as suas dimensões e sutilezas. Formalizar, também nesse caso, é empobrecer. O que se ganha aparentemente em rigor, perde-se com sobra em realismo e riqueza.

E a Tinbergen e seus sucessores de continuar tentando, a cada insucesso, “afogar suas mágoas na aritmética”, como ironizava Keynes.14 14 John Maynard Keynes, “Professor Tinbergen’s Method”. The Economic Journal, September 1939. Republicado em The Collected Writings of John Maynard Keynes, vol. XIV, op. cit., p. 318. Tinbergen, observava Keynes, tinha uma tendência curiosa de excluir fatos matematicamente inconvenientes. Na Teoria Geral, referiu-se aos “métodos simbólicos pseudomatemáticos (...) que permitem ao autor perder de vista as complexidades e interdependências do mundo real num labirinto de símbolos pretensiosos e inúteis”. John Maynard Keynes, The General Theory of Employment, Interest and Money. Primeira edição: 1936. Londres: The MacMillan Press, 1973, p. 297 e 298. “Fica a suspeita”, acrescentava, “de que a escolha dos fatores [a ser considerados] é influenciada (como é de fato natural) pelas estatísticas que estão disponíveis, e que muitos fatores vitais são ignorados por serem estatisticamente intratáveis ou inacessíveis”.15 15 Ibid., p. 287.

MARXISMO E ULTRALIBERALISMO

Há um traço comum entre Furtado e Simonsen que merece ser destacado. Nenhum dos dois era dado a posições extremas e ambos tendiam ao ecletismo. Simonsen estava mais próximo do que nos Estados Unidos se chama às vezes da saltwater economics (“economia de água salgada”, tal como ensinada em Harvard, MIT e outras universidades situadas na costa Leste ou Oeste) do que da freshwater economics (“de água doce”, ensinada em Chicago e outras universidades situadas à beira dos Grandes Lagos). Ou seja: não era um ultraliberal, mas um liberal moderado, que incorporava elementos da tradição keynesiana e reconhecia a importância da intervenção estatal na economia.

Devo dizer, aliás, que são raros os economistas ultraliberais entre nós. O brasileiro tende normalmente ao ecletismo e resiste à radicalização. Um economista brasileiro ultraliberal, entretanto, tornou-se célebre recentemente. Permita-me, leitor, abrir um pequeno parêntese sobre este economista. No início dos anos 1980, quando retornava incauto de um encontro da Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia (Anpec), viajei por acaso ao lado do então jovem Paulo Guedes. Ele voltara há poucos anos da Universidade de Chicago, sobrecarregado de ideias e convicções. Na Anpec, ele tivera o infortúnio de participar de uma mesa de debates com Maria da Conceição Tavares que, com o seu modo avassalador, descascou o bambu em cima do Chicago boy. Foi medonho. No avião, Guedes lambia as feridas e desabafava comigo: “Esse pessoal está completamente defasado. Antes de ir para os Estados Unidos, eu também pensava que Celso Furtado era importante. Cheguei lá e vi que não é!”. Não poderia imaginar que o economista que me brindava com essa observação curiosa deteria, quarenta anos depois, todas as alavancas da economia em suas mãos, com as consequências que vimos.

Mas fecho esse parêntese pitoresco e volto à comparação entre Mário Henrique Simonsen e Celso Furtado. Assim como Simonsen não era ultraliberal, Furtado, por sua vez, não era marxista, ainda que tenha sido influenciado por Marx e autores marxistas. Ele deixou isso claro em entrevista a Rosa Maria Vieira, publicada pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas, na qual recapitulou a sua formação intelectual e discutiu os pensadores, não só economistas, mas de outras áreas, que foram para ele fontes de aprendizado e inspiração.16 16 Rosa Maria Vieira, “Entrevista com Celso Furtado”. História Oral, v. 7, 2004. Disponível em: https://revista.historiaoral.org.br/index.php/rho/article/view/74. Todos os que estudaram a sociedade moderna, observou Furtado, foram influenciados por Marx. “Entretanto, o marxismo nunca me seduziu, propriamente, como uma doutrina. A grande sedução do marxismo estava na sua macroeconomia, que era pioneira: poder olhar a sociedade como um todo. Mas, quando eu cheguei a ela, já tinha passado por Keynes, cuja macroeconomia era mais sofisticada.”17 17 Ibid., p. 39.

Embora se mantivesse afastado do marxismo no que diz respeito à interpretação geral da história, em especial pela não aceitação do que ele chamou de “teoria cataclísmica” da história em Marx, Furtado ressaltava a grande afinidade do estruturalismo latino-americano com o marxismo do ponto de vista da análise dos processos históricos.18 18 Ver, por exemplo, as cartas a Riccardo Campa, de 1970, publicadas em Celso Furtado. Correspondência Intelectual, op. cit., p. 333 e 335. Ele nutria, como se vê, grande respeito pela contribuição de Marx e dos marxistas à análise dos problemas econômicos e sociais. Diferentemente de Keynes, nunca lhe ocorreria se referir à obra magna de Marx, O Capital, como “um livro-texto obsoleto” - comentário que só confirma, diga-se de passagem, que os grandes homens também são capazes de dizer grandes bobagens.19 19 Segundo Keynes, O Capital era um “obsolete economic textbook [that is] not only scientifically erroneous but without interest or application to the modern world”. John Maynard Keynes, “Soviet Russia”. Nation and Athenaeum, 17, 19, 24 October 1925.

Furtado e Simonsen se situam, portanto, no vasto campo intermediário entre ultraliberalismo e marxismo. O primeiro, digamos, na centro-esquerda; o segundo, na centro-direita. A grande diferença entre os dois, porém, é de outra ordem. Simonsen era de uma inteligência fora do comum, mas faltava a ele um atributo que sobra em Furtado - criatividade. Simonsen foi, primordialmente, um divulgador da economia ensinada nos Estados Unidos, que aplicava com maestria à discussão dos problemas brasileiros. A sua principal contribuição original à macroeconomia talvez tenha sido a investigação da correção monetária e da “realimentação inflacionária”, que está na origem do que viria a ser conhecido como “inflação inercial” e do método de desindexação utilizado com sucesso no Plano Real - a Unidade Real de Valor (URV).20 20 Ver, por exemplo, Mário Henrique Simonsen, Inflação: Gradualismo x Tratamento de Choque. Rio de Janeiro: Apec, 1970. Sobre o pioneirismo das contribuições de Simonsen para a teoria da realimentação inflacionária ver Valdir Ramalho, “Simonsen: pioneiro da visão inercial de inflação”. Revista Brasileira de Economia, v. 57, n. 1, 2003. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rbe/article/view/837.

Abro aqui outro breve parêntese para notar que não foi casual o fato de terem sido economistas brasileiros, começando com Simonsen, os responsáveis pela análise pioneira da indexação e da realimentação inflacionária.21 21 Nessa discussão, destacaram-se, além do próprio Simonsen, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Yoshiaki Nakano, Pérsio Arida, André Lara Resende e Francisco Lopes, entre outros. Ver, por exemplo, Luiz Carlos Bresser-Pereira, “A descoberta da inflação inercial”. Revista de Economia Contemporânea, 14 (1), 2010. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1415-98482010000100008/. No Brasil, o instituto da correção monetária - isto é, a indexação a índices gerais de preços, calculados por diferentes instituições no país, dos preços internos, salários, câmbio, contratos financeiros e impostos - teve na economia brasileira um alcance sem paralelo, mesmo entre as economias submetidas a inflações elevadas por longo período. Nesses outros países, notadamente na América Latina, o convívio com a inflação alta se deu pela dolarização dos preços e salários, e não pela instituição de um sistema de correção monetária como o brasileiro. A generalização da correção monetária permitiu, no Brasil, que a moeda nacional não fosse substituída pela moeda estrangeira, a despeito da inflação alta por décadas a fio, praticamente sem interrupção.

IMAGINAÇÃO E CORAGEM

Volto a Furtado. Em contraste com Simonsen e outros economistas brasileiros de corte tradicional, Furtado foi, repito, essencialmente um pensador original, que trouxe contribuições variadas para a teoria e a história do desenvolvimento - em especial, do subdesenvolvimento econômico -, contribuições que marcaram época não só no Brasil, mas no restante da América Latina e do mundo. Como notou Rosa Maria Vieira, na apresentação da entrevista acima citada, a obra de Furtado transforma, por vias teóricas originais, o subdesenvolvimento em categoria de reflexão científica, podendo ser vista como marco fundamental do pensamento econômico do século XX.22 22 Rosa Maria Vieira, op. cit., p. 22. Nas palavras modestas do próprio Furtado, na carta já referida a Joseph L. Love, uma das suas ideias que vieram a ter “alguma significação no pensamento latino-americano” foi a “caracterização do subdesenvolvimento como uma conformação estrutural que tende a reproduzir-se”. Celso Furtado, Correspondência Intelectual, op. cit., p. 329. Simonsen é praticamente conhecido somente no Brasil, ao passo que a obra de Furtado se tornou referência internacional.

Não por acaso, Furtado atribuía papel central, na atividade científica, a duas qualidades normalmente associadas à arte ou à atividade política e nem sempre lembradas por estudiosos da metodologia da ciência - imaginação e coragem. Esses dois ingredientes, dizia ele, tem que ser combinados na busca do incerto. E acrescentava, com aquele distanciamento em relação à academia que costuma caracterizar as mentes realmente criadoras: “A ciência é construída por aqueles que são capazes de ultrapassar os limites definidos pelo mundo universitário”.23 23 Celso Furtado, O Capitalismo Global, São Paulo: Paz & Terra: 1998, p. 10.

NACIONALISMO E COSMOPOLITISMO

Retomo por um instante o tema do nacionalismo que abordei de raspão acima. Tanto Furtado como Simonsen foram internacionalistas, no sentido de serem intelectuais abertos ao mundo e ao desenrolar das discussões científicas na área da economia e em áreas correlatas.

Nenhum dos dois padecia, entretanto, do que Euclides da Cunha chamou de “cosmopolitismo”, definido por ele como “o regime colonial do espírito”.24 24 O cosmopolitismo, escreveu Euclides, é “essa espécie de regime colonial do espírito que transforma o filho de um país num emigrado virtual, vivendo, estéril, no ambiente fictício de uma civilização de empréstimo”. Euclides da Cunha, Contrastes e Confrontos. Primeira edição: 1907. Porto: Livraria Chardron, sexta edição, 1923, p. 178. Nenhum dos dois compartilhava o complexo de inferioridade tão característico de grande parte das camadas dirigentes nacionais. Com a diferença, já indicada acima, de que Simonsen, mais cético quanto ao Brasil, não tinha proximidade com o nacionalismo, ao passo que Furtado era, nitidamente, um pensador ancorado nas tradições do nacionalismo brasileiro. Ele próprio escreveu que “a classificação que me parece corresponder a meu próprio pensamento é ‘nacionalista reformista’”.25 25 Em carta já citada a Riccardo Campa. Celso Furtado, Correspondência Intelectual, op. cit., p. 333. Um nacionalista, volto a frisar, progressista e aberto ao diálogo internacional e às influências estrangeiras, mas nacionalista, sem dúvida, e isso de várias maneiras - a começar pela compreensão do valor especial que tem ou poderá vir a ter o Brasil no mundo.

Furtado, ao longo de toda a vida, e apesar das decepções e retrocessos que vivenciou, nunca deixou de ser um intelectual apegado às suas raízes nacionais e, também, regionais. Manteve, apesar de tudo, a sua fé no País. E aí está uma das suas grandes qualidades. Afinal, é fácil acreditar no consagrado e viver tranquilamente nessa crença, sem risco de ser atormentado por dúvidas e angústias. O desafio mesmo é crer no inacabado, na “construção interrompida” do Brasil, para lançar mão uma expressão dele.26 26 Celso Furtado, Brasil: A Construção Interrompida. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1992. “Fé que não duvida é fé morta”, dizia Unamuno.27 27 Miguel de Unamuno, A Agonia do Cristianismo. São Paulo: Edições Cultura, 1941, p. 51. A fé de Furtado no Brasil é desse tipo. Não a confiança serena de quem está com a vida ganha, mas a luta incessante de quem tem um futuro por construir.

O interesse de Furtado por outras culturas e a sua longa vivência no exterior, inclusive no período de exílio durante a ditadura militar, não o impediram de manter conexões profundas com o Brasil, e dentro do Brasil com o Nordeste brasileiro. Paraibano, sertanejo, Furtado fez jus à célebre definição de Euclides: “O sertanejo é antes de tudo um forte”.28 28 Euclides da Cunha, Os Sertões. Primeira edição: 1901. Edição crítica e organização Walnice Nogueira Galvão. São Paulo: SESC, 2016, p. 115. Resiliência, persistência também estão entre as qualidades deste grande economista e intelectual brasileiro.

O LEGADO DE CELSO FURTADO

Acrescento mais algumas palavras, a título de conclusão, sobre o legado de Celso Furtado para o Brasil. É difícil, claro, retratá-lo em um ensaio curto, tão profundas e variadas foram, como já assinalei, as suas contribuições teóricas e práticas para o país. O que apresentei aqui apenas tangencia, apenas dá uma ideia geral de quem foi e é Furtado para nós. O culto da personalidade nunca é admissível, mas se há uma figura no pensamento social brasileiro que poderia suscitar tal culto esta é certamente a de Celso Furtado.

O seu legado é amplo e duradouro. Podemos admitir que estará conosco ainda por muito tempo. Continuará enquanto viver entre nós a pretensão de transformar o Brasil na grande nação que pode ser - justa, independente, dinâmica e aberta ao mundo. O Brasil pode não ter sido até agora tão bem-sucedido enquanto nação e coletividade, mas foi capaz de gerar individualidades extraordinárias, entre quais Furtado se destaca nitidamente. Enquanto houver brasileiros como ele, que acreditam insistentemente, a despeito das decepções e retrocessos, não só no nosso desenvolvimento nacional, como também na nossa capacidade de dar um aporte original e positivo para a civilização mundial, o seu legado persistirá e nos ajudará a pensar o passado, o presente e o futuro do país.

O Brasil, por todos os seus atributos, tem potencial para ser uma grande nação, para deixar a sua marca indelével na trajetória humana na Terra. Furtado foi uma prova viva, entre muitas outras, da força e da originalidade da cultura nacional, da capacidade que temos de gerar nossa própria civilização brasileira. Continuemos, pois, a lutar por ela e a seguir o exemplo e a inspiração que ele nos deixou.

* * *

Ao concluir este ensaio, fico com uma ponta de nostalgia por um tempo que não vivi, por uma época em que o pensamento econômico brasileiro mostrava grande criatividade. Uma vez, manifestei ao próprio Furtado esse sentimento. E ele, com leve sorriso irônico: “Nem todos podem viver um Renascimento”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • 1
    “Os estruturalistas se caracterizavam pelos métodos que utilizam (privilegiam a macroanálise), valorizam o institucional e buscam a interdisciplinaridade”, assinala ele em carta a Joseph L. Love, de 1982. Celso Furtado, Correspondência Intelectual: 1949-2004Furtado, Celso (2021) Correspondência Intelectual: 1949-2004. Seleção, introdução e notas de Rosa Freire d’Aguiar... Seleção, introdução e notas de Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2021, p. 330. Parte dessa correspondência de Furtado está voltada para uma avaliação da sua própria obra e da escola estruturalista. Ibid., p. 324-335.
  • 2
    A propósito desse contraste, veja-se por exemplo as entrevistas de Celso Furtado e Mário Henrique Simonsen em Ciro Biderman, Luis Felipe Cozac e José Marcio Rego, Conversas com Economistas BrasileirosBiderman, Ciro; Cozac, Luis Felipe & Rego, José Marcio (1996) Conversas com Economistas Brasileiros. São Paulo: Editora 34. . São Paulo: Editora 34, primeira edição 1996, p. 61-88 e 189-212.
  • 3
    Esse é um dos aspectos do pensamento de Furtado e dos estruturalistas que ficam nítidos na sua correspondência. Por exemplo, em carta a Riccardo Campa, de 1970, Furtado escrevia: “Os estruturalistas pensam que entre o econômico e o não econômico os limites são fluidos e dependem da posição ideológica do analista. Sendo economistas de formação, eles tendem a valorizar o político e o institucional na análise dos processos econômicos”. Celso Furtado. Correspondência Intelectual, op. cit., p. 334-335.
  • 4
    Blaise Pascal, PenséesPascal, Blaise (1972) Pensées. Primeira edição: 1670. Paris: Librairie Générale de France, 1972.. Primeira edição: 1670. Paris: Librairie Générale de France, 1972, p. 1-3.
  • 5
    Ver The Collected Writings of John Maynard KeynesKeynes, John Maynard (1973) The Collected Writings of John Maynard Keynes, vol. XIV, The General Theory and After, Part II: Defence and Development. Londres: MacMillan & Cambridge University Press., vol. XIV, The General Theory and After, Part II: Defence and Development. Londres: MacMillan & Cambridge University Press, 1973, p. 285-320. Para uma interessante reavaliação do debate Keynes-Tinbergen, ver Don Patinkin, “Keynes and Econometrics”, republicado em Don Patinkin, Anticipations of the General Theory and Other Essays on KeynesPatinkin, Don (1982) Anticipations of the General Theory and Other Essays on Keynes. Chicago: The University of Chicago Press.. Chicago: The University of Chicago Press, 1982, p. 227-230.
  • 6
    “Latter-day practicioners [of economics]”, escreveu ela com seu habitual estilo sarcástico, “take refuge in building up more and more elaborate mathematical manipulations and get more and more annoyed at anyone asking them what it is that they are supposed to be manipulating”. Joan Robinson, Economic Philosophy. Harmondsworth, Middlesex: Penguin Books, 1962Robinson, Joan (1962) Economic Philosophy. Harmondsworth, Middlesex: Penguin Books., p. 122.
  • 7
    Em sua autobiografia, Furtado conta que Gudin “me disse um dia, em tom de reprimenda: ‘Você apela demasiadamente para a imaginação em suas análises. Devia ter sido romancista, e não economista’”. Celso Furtado, Obra Autobiográfica: A Fantasia OrganizadaFurtado, Celso (2014) Obra Autobiográfica: A Fantasia Organizada. A Fantasia Desfeita. Os Ares do Mundo. São Paulo: Companhia da Letras.. A Fantasia Desfeita. Os Ares do Mundo. São Paulo: Companhia da Letras, 2014, p. 89. Uma estudiosa dos aspectos literários da obra de Furtado conjectura que ele possa ter recebido a recriminação de Gudin como elogio, pois sempre acreditara que a imaginação e a reinvenção é que permitiam captar as peculiaridades dos processos históricos. Elisa Krüger, “Celso Furtado: um economista com lentes de literato”Krüger, Elisa (2020) “Celso Furtado: um economista com lentes de literato”. Estudos Avançados, vol. 34, n. 100, setembro/dezembro.. Estudos Avançados, vol. 34, n. 100, setembro-dezembro 2020, p. 263.
  • 8
    Jonas Rama & John Battaile Hall, “Celso Furtado as ‘Romantic Economist’ from Brazil’s Sertão”Rama, Jonas & Hall, John Battaile (2019) “Celso Furtado as ‘Romantic Economist’ from Brazil’s Sertão”. Revista de Economia Política, vol. 39, n. 4 (157).. Revista de Economia Política, vol. 39, n. 4 (157), outubro-dezembro 2019.
  • 9
    Ibid., p. 659.
  • 10
    A esse respeito ver, por exemplo, os ensaios de Isaiah Berlin sobre romantismo e nacionalismo na era moderna. Isaiah Berlin, Estudos sobre a Humanidade: Uma Antologia de Ensaios. Edição: Harry Hardy e Roger Hausheer. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 558-608.
  • 11
    Charles, Kindleberger. Historical Economics: Art or Science? Berkeley: University of California Press, 1991Kindleberger, Charles (1991) Historical Economics: Art or Science? Berkeley and Los Angeles: University of California Press. .
  • 12
    Trecho da citada carta a Joseph L. Love. Celso Furtado, Correspondência Intelectual, op. cit., p. 329.
  • 13
    Ver, por exemplo, Eliana A. Cardoso. “Celso Furtado revisitado: o pós-guerraCardoso, Eliana A. (1979) “Celso Furtado revisitado: o pós-guerra”. Revista Brasileira de Economia, v. 40, n. 1, 1979. Disponível em: https://econpapers.repec.org/RePEc:fgv:epgrbe:v:33:y:1979:i:4:a:236.
    https://econpapers.repec.org/RePEc:fgv:e...
    ”, Revista Brasileira de Economia. v. 40, n. 1, 1979. Disponível em: https://econpapers.repec.org/RePEc:fgv:epgrbe:v:33:y:1979:i:4:a:236.
  • 14
    John Maynard Keynes, “Professor Tinbergen’s Method”. The Economic Journal, September 1939. Republicado em The Collected Writings of John Maynard KeynesKeynes, John Maynard (1973) The Collected Writings of John Maynard Keynes, vol. XIV, The General Theory and After, Part II: Defence and Development. Londres: MacMillan & Cambridge University Press., vol. XIV, op. cit., p. 318. Tinbergen, observava Keynes, tinha uma tendência curiosa de excluir fatos matematicamente inconvenientes. Na Teoria Geral, referiu-se aos “métodos simbólicos pseudomatemáticos (...) que permitem ao autor perder de vista as complexidades e interdependências do mundo real num labirinto de símbolos pretensiosos e inúteis”. John Maynard Keynes, The General Theory of Employment, Interest and MoneyKeynes, John Maynard (1936) The General Theory of Employment, Interest and Money. Primeira edição: 1936. Londres: The MacMillan Press, 1973.. Primeira edição: 1936. Londres: The MacMillan Press, 1973, p. 297 e 298.
  • 15
    Ibid., p. 287.
  • 16
    Rosa Maria Vieira, “Entrevista com Celso Furtado”. História Oral, v. 7, 2004Vieira, Rosa Maria (2004) “Entrevista com Celso Furtado”. História Oral, v. 7, 2004. Disponível em: https://revista.historiaoral.org.br/index.php/rho/article/view/74.
    https://revista.historiaoral.org.br/inde...
    . Disponível em: https://revista.historiaoral.org.br/index.php/rho/article/view/74.
  • 17
    Ibid., p. 39.
  • 18
    Ver, por exemplo, as cartas a Riccardo Campa, de 1970, publicadas em Celso Furtado. Correspondência Intelectual, op. cit., p. 333 e 335.
  • 19
    Segundo Keynes, O Capital era um “obsolete economic textbook [that is] not only scientifically erroneous but without interest or application to the modern world”. John Maynard Keynes, “Soviet Russia”. Nation and AthenaeumKeynes, John Maynard (1925) “Soviet Russia”. Nation and Athenaeum, 17, 19 e 24 October 1925., 17, 19, 24 October 1925.
  • 20
    Ver, por exemplo, Mário Henrique Simonsen, Inflação: Gradualismo x Tratamento de Choque. Rio de Janeiro: Apec, 1970Simonsen, Mário Henrique (1970) Inflação: Gradualismo x Tratamento de Choque. Rio de Janeiro: Apec.. Sobre o pioneirismo das contribuições de Simonsen para a teoria da realimentação inflacionária ver Valdir Ramalho, “Simonsen: pioneiro da visão inercial de inflação”Ramalho, Valdir (2003) “Simonsen: pioneiro da visão inercial de inflação”, Revista Brasileira de Economia, v. 57, n. 1. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rbe/article/view/837.
    https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/ind...
    . Revista Brasileira de Economia, v. 57, n. 1, 2003. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rbe/article/view/837.
  • 21
    Nessa discussão, destacaram-se, além do próprio Simonsen, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Yoshiaki Nakano, Pérsio Arida, André Lara Resende e Francisco Lopes, entre outros. Ver, por exemplo, Luiz Carlos Bresser-Pereira, “A descoberta da inflação inercial”. Revista de Economia Contemporânea, 14 (1), 2010Bresser-Pereira, Luiz Carlos (2010) “A descoberta da inflação inercial”. Revista de Economia Contemporânea, 14 (1). Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1415-98482010000100008/.
    https://doi.org/10.1590/S1415-9848201000...
    . Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1415-98482010000100008/.
  • 22
    Rosa Maria Vieira, op. cit., p. 22. Nas palavras modestas do próprio Furtado, na carta já referida a Joseph L. Love, uma das suas ideias que vieram a ter “alguma significação no pensamento latino-americano” foi a “caracterização do subdesenvolvimento como uma conformação estrutural que tende a reproduzir-se”. Celso Furtado, Correspondência Intelectual, op. cit., p. 329.
  • 23
    Celso Furtado, O Capitalismo Global, São Paulo: Paz & Terra: 1998Furtado, Celso (1998) O Capitalismo Global. São Paulo: Paz & Terra., p. 10.
  • 24
    O cosmopolitismo, escreveu Euclides, é “essa espécie de regime colonial do espírito que transforma o filho de um país num emigrado virtual, vivendo, estéril, no ambiente fictício de uma civilização de empréstimo”. Euclides da Cunha, Contrastes e ConfrontosCunha, Euclides da (1923) Contrastes e Confrontos. Primeira edição: 1907, Porto: Livraria Chardron, sexta edição, 1923.. Primeira edição: 1907. Porto: Livraria Chardron, sexta edição, 1923, p. 178.
  • 25
    Em carta já citada a Riccardo Campa. Celso Furtado, Correspondência Intelectual, op. cit., p. 333.
  • 26
    Celso Furtado, Brasil: A Construção Interrompida. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1992.
  • 27
    Miguel de Unamuno, A Agonia do Cristianismo. São Paulo: Edições Cultura, 1941Unamuno, Miguel de. A (1941) Agonia do Cristianismo. São Paulo: Edições Cultura. , p. 51.
  • 28
    Euclides da Cunha, Os Sertões. Primeira edição: 1901Cunha, Euclides da (1901) Os Sertões. Primeira edição: 1901, São Paulo: SESC, 2016, edição crítica e organização Walnice Nogueira Galvão.. Edição crítica e organização Walnice Nogueira Galvão. São Paulo: SESC, 2016, p. 115.
  • *
    O autor agradece as sugestões de José Marcio Rego e Alexandre Barbosa.
  • **
    O autor foi titular da Cátedra Celso Furtado do Colégio de Altos Estudos da Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2021Furtado, Celso (2021) Correspondência Intelectual: 1949-2004. Seleção, introdução e notas de Rosa Freire d’Aguiar..-2022. Foi, também, vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017, e diretor executivo do FMI pelo Brasil e outros países em Washington, D.C., de 2007 a 2015. Este ensaio é uma versão revista de texto preparado para a Cátedra Celso Furtado.
  • JEL Classification: A0; B5, C0; E0; F0, N0; P5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2024

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2023
  • Aceito
    01 Set 2023
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