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Hannah Arendt e a modernidade: esquecimento e redescoberta da política

Hannah Arendt and the modernity: forgetfulness and rediscovery of politics

Resumos

Para Hannah Arendt, a modernidade configura um período histórico de obscurecimento das determinações políticas democráticas, pois, onde a política não foi reduzida ao plano da violência, como no caso dos fenômenos totalitários, ela foi reduzida ao plano da administração burocrática dos interesses econômicos da sociedade. Neste artigo, pretendo discutir a constituição argumentativa desse diagnóstico, referindo-o à sua raiz de inspiração, isto é, as críticas de Nietzsche e Heidegger à modernidade. Finalmente, procuro demonstrar que Arendt não se limitou a uma concepção negativa das possibilidades políticas modernas, pois vislumbrou nos modernos eventos revolucionários a possibilidade de uma revitalização da política em suas determinações democráticas originárias, dado que aí se restabeleceram os laços entre a ação política, a liberdade e a felicidade pública.

Arendt; modernidade; política; Nietzsche; Heidegger


Hannah Arendt views Modernity as the epoch of the forgetfulness of politics in its democratic determinations, since the political and the public sphere were either totally reduced to the specter of violence and terror, as it happened in the case of totalitarian regimes, or totally absorbed by the bureaucratic administration of society's economic interests. In this article I intend to discuss the main arguments that constitute her critical diagnosis of Modernity, retracing them to their inspirational origins, that is, Nietzsche's and Heidegger's critical assessments of Modernity. Finally, I try to demonstrate that Arendt has balanced her critical understanding of politics in the Modern age, since she has viewed Modern revolutionary phenomena as aiming towards a revitalization of the old ties between political action, freedom and public happiness.

Arendt; modernity; politics; Nietzsche; Heidegger


Hannah Arendt e a modernidade: esquecimento e redescoberta da política1 1 O presente artigo foi apresentado, em formato reduzido, no Colóquio de Filosofia Política organizado pelo Departamento de Filosofia da UFPR, ocorrido entre 15 e 19 de abril de 2000, e no Colóquio Hannah Arendt organizado pela Pós-Graduação em Filosofia da Unicamp, entre 5 e 6 de junho de 2000. Para uma discussão mais ampla das teses defendidas no presente texto, refiro o meu livro: O pensamento à sombra da ruptura: política e filosofia no pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

Hannah Arendt and the modernity: forgetfulness and rediscovery of politics

André Duarte2 2 Departamento de Filosofia – UFPR – 80060-000 – Curitiba – PR.

RESUMO

Para Hannah Arendt, a modernidade configura um período histórico de obscurecimento das determinações políticas democráticas, pois, onde a política não foi reduzida ao plano da violência, como no caso dos fenômenos totalitários, ela foi reduzida ao plano da administração burocrática dos interesses econômicos da sociedade. Neste artigo, pretendo discutir a constituição argumentativa desse diagnóstico, referindo-o à sua raiz de inspiração, isto é, as críticas de Nietzsche e Heidegger à modernidade. Finalmente, procuro demonstrar que Arendt não se limitou a uma concepção negativa das possibilidades políticas modernas, pois vislumbrou nos modernos eventos revolucionários a possibilidade de uma revitalização da política em suas determinações democráticas originárias, dado que aí se restabeleceram os laços entre a ação política, a liberdade e a felicidade pública.

PALAVRAS-CHAVE: Arendt; modernidade; política; Nietzsche; Heidegger.

ABSTRACT

Hannah Arendt views Modernity as the epoch of the forgetfulness of politics in its democratic determinations, since the political and the public sphere were either totally reduced to the specter of violence and terror, as it happened in the case of totalitarian regimes, or totally absorbed by the bureaucratic administration of society's economic interests. In this article I intend to discuss the main arguments that constitute her critical diagnosis of Modernity, retracing them to their inspirational origins, that is, Nietzsche's and Heidegger's critical assessments of Modernity. Finally, I try to demonstrate that Arendt has balanced her critical understanding of politics in the Modern age, since she has viewed Modern revolutionary phenomena as aiming towards a revitalization of the old ties between political action, freedom and public happiness.

KEYWORDS: Arendt; modernity; politics; Nietzsche; Heidegger.

Decorridos 25 anos da morte de Hannah Arendt, seu pensamento político e filosófico conserva toda a originalidade, pertinência e seu caráter profundamente desconcertante, desafiando os rótulos e classificações forjados no calor dos debates ideológicos ou no furor dos modismos teóricos do momento. Não casualmente, seu pensamento permanece alheio às oposições tradicionais entre direita e esquerda e entre liberalismo e conservadorismo, bem como às denominações cunhadas por seus intérpretes a cada vez que seu pensamento é solicitado a participar dos debates políticos contemporâneos, nos quais Arendt é definida como neo-iluminista3 3 Ver Delruelle, 1993; Bernestein, 1986; Benhabib, 1988. , neo-aristotélica4 4 Ver Habermas, 1977; Fuss, 1979. antimodernista5 5 Ver, entre outros, Kateb, 1984; Lasch, 1983; O'Sullivan, 1976; Wolin, 1990. e pós-moderna6 6 Para uma aproximação entre Arendt e Foucault, ver Bernauer, 1995. Para uma aproximação entre Arendt e Lyotard, ver Ingram, 1988; Clarke, 1994; Linden, 1989. Para uma interpretação que ressalta o viés nietzschiano do pensamento de Arendt, ver Honig, 1993b. Para uma interpretação que ressalta o viés heideggeriano do pensamento de Arendt, ver Villa, 1996; Taminiaux, 1992. . Tal independência de pensamento resulta da capacidade arendtiana de abordar velhos e novos dilemas políticos sob um prisma sempre inusitado e provocativo, que se afasta das posições teóricas consagradas para redefinir o âmbito dos próprios problemas e, assim, sugerir novas alternativas de questionamento.

A originalidade da perspectiva teórica arendtiana revela-se claramente em suas críticas às difíceis condições que a modernidade e o mundo contemporâneo reservaram para o exercício da política em suas determinações democráticas essenciais, assunto que se encontra no centro do presente artigo. Para Arendt, o traço marcante da modernidade é o esquecimento da política, seja em razão do crescente emprego dos meios tecnológicos da violência, aspecto em relação ao qual os totalitarismos de esquerda e de direita constituem instâncias-limite, seja por causa da transformação estrutural da esfera pública em mero espaço de trocas econômicas de uma sociedade de operários e consumidores, caracterização que a autora julgara pertinente tanto para as modernas sociedades capitalistas e democráticas quanto para os diferentes modelos do socialismo existente. Arendt elabora uma crítica da modernidade marcada pela desconfiança em relação ao marxismo e ao liberalismo político, buscando suas fontes de inspiração nas avaliações contundentes propostas por Nietzsche e Heidegger. Como a política jamais esteve no centro das preocupações filosóficas desses autores, deve-se concluir que Hannah Arendt não se limitou à mera repetição do já pensado por eles, mas, em sua apropriação das críticas de Heidegger e de Nietzsche a respeito da modernidade, logrou também pensar algo novo, ultrapassando assim as limitações de suas filosofias no que diz respeito à compreensão das determinações essencialmente democráticas do político.

Apesar da tonalidade sombria e pessimista que marca o diagnóstico arendtiano a respeito da modernidade, em cujo centro se encontram as suas análises críticas do fenômeno totalitário e das sociedades de consumo de massa, a autora jamais abandonou a tarefa de pensar e repensar a política. Muito pelo contrário, ela concentrou sua atenção nos fenômenos revolucionários modernos e contemporâneos, nos quais vislumbrou uma possível superação das catástrofes do nosso presente, a despeito de tais eventos políticos terem sido sufocados antes mesmo que pudessem cumprir a instituição de uma política centrada na ação livre e concertada de uma pluralidade de agentes. Nos eventos revolucionários modernos, que vêm se repetindo desde o final do século XVIII até o presente, Hannah Arendt enxergou uma instância privilegiada de repetição da política em suas determinações democráticas originárias, greco-romanas. Tais manifestações políticas modernas se encontram aquém da hiperpolitização totalitária e além da despolitização liberal, pois transcendem aquelas formas de organização da coisa pública nas quais a política sucumbe à violência terrorista sancionada pelo Estado ou se esmaece em meio à rotina da administração dos interesses privados.

Da crítica ao totalitarismo à crítica da modernidade

Desde sua primeira grande obra, As origens do totalitarismo, Arendt descobrira que a política estava em vias de desaparecer no mundo contemporâneo, uma conclusão bastante plausível para uma pensadora que constituiu as bases de sua reflexão política na tentativa de compreender o totalitarismo. Os resultados de sua análise são célebres e conhecidos, podendo ser resumidos nos seguintes termos: o totalitarismo constituiu uma forma de dominação sem precedentes históricos. Em sua investigação, Arendt demonstrou que, sob condições totalitárias, a política se vê transformada em um complexo sistema de disseminação da violência e do terror sob a égide do Partido único, e, especialmente, de sua polícia secreta, instituição que se torna o verdadeiro ramo executivo do governo, estando inteiramente sujeita à vontade do Líder. Este decide sobre quais categorias sociais incidirão os conceitos de inimigo objetivo ou de socialmente indesejável, tipologias que designam aqueles cuja mera existência implica discordância para com a ideologia totalitária, merecendo ser sistematicamente exterminados, independentemente do que quer que pensem, falem ou façam. A arbitrariedade com que se escolhem e se punem os que são considerados inimigos do regime totalitário abole radicalmente a liberdade humana como nenhuma tirania fora capaz antes. Nas tiranias, ainda era necessário ser pelo menos um inimigo presumido do regime para ser punido por ele, ao passo em que no totalitarismo "o inocente e o culpado são igualmente indesejáveis" (1978, p.5). Com o advento do totalitarismo, a própria alternativa de classificação das formas de governo deixou de ser aquela entre governos regidos pela lei e governos ilegais, fundindo-se aí arbitrariedade e legalidade: como instrumento direto da aplicação da lei pela violência e pelo terror, a polícia secreta é a própria lei. Em outros termos, essa forma de dominação sem precedentes não deixa de pautar sua ação pelas leis que promulga, isto é, não governa para além dos limites da lei, mesmo se elas são descumpridas com freqüência. Mais importante do que a fragilidade e maleabilidade dos estatutos legais instituídos pelo regime é o fato de que o totalitarismo altera radicalmente o próprio conceito de lei, ao compreendê-la quanto as leis da Natureza ou da História prescritas pela ideologia. As leis positivas deixam de ser restrições e proibições de certas condutas particulares para se tornarem instrumento de transformação e criação da realidade, de acordo com a interpretação da ideologia pelo líder totalitário. O terror aplicado pela polícia secreta nos campos de concentração nada mais é do que o resultado da aplicação imediata, no corpo dos indivíduos, das leis ideológicas fundamentais: "O terror é a legalidade quando a lei é a lei do movimento de alguma força sobre-humana, seja a Natureza ou a História" (ibidem, p.576)7 7 Para uma análise detalhada da interpretação arendtiana do totalitarismo, ver Canovan, 1992, e Lafer, 1988. .

Entretanto, o aspecto mais importante para o desenvolvimento da presente discussão diz respeito à investigação arendtiana dos elementos sócio-históricos que pressagiaram o processo de formação e desenvolvimento dos regimes totalitários. Nos volumes sobre o "Anti-semitismo" e o "Imperialismo", Arendt discutiu a decadência e o esfacelamento do Estado-nação e do seu princípio básico, o da igualdade de todos diante das leis, em meio às terríveis condições sociais geradas pela Primeira Guerra Mundial. Tais análises demonstraram o vácuo institucional criado com a desestabilização da estrutura de classes sociais vigorantes até então e com a destruição do próprio sistema político que as amalgamava, fatores que contribuíram para a crescente superfluidade dos seres humanos em um quadro social de desemprego generalizado, inflação descontrolada, destruição tecnológica e vasto deslocamento geográfico de populações inteiras. Foi nesse contexto dramático que milhões de pessoas se viram privadas de um lugar próprio no mundo, de uma função social que lhes permitisse manter a dignidade e, por fim, da própria cidadania, isto é, do direito a ter direitos, visto que se encontraram desprovidas de um Estado que lhes definisse um estatuto legal e lhes protegesse. As minorias de apátridas e refugiados anunciaram o próprio colapso da idéia de direitos humanos e o trágico destino de indivíduos que, por não contarem com a proteção das leis ou de qualquer acordo político sancionado por um Estado, viram-se reduzidos ao estatuto de meros seres humanos, aspecto que prefigurou sua posterior destruição física nos campos de concentração nazistas e nos intermináveis expurgos da burocracia stalinista.

Ora, tal análise crítica acerca das origens do Estado totalitário parecia sugerir que, em suas reflexões posteriores, Arendt tornar-se-ia uma partidária confessa do liberalismo político e do chamado Estado de bemestar social, considerando-os como as únicas alternativas políticas viáveis à catástrofe totalitária. Para espanto e incompreensão de muitos intérpretes, no entanto, a pensadora que estabelecera a comparação estrutural entre o nazismo e o stalinismo, a qual, ao menos à primeira vista, parecia adequar-se perfeitamente às exigências ideológicas da guerra fria, recusava-se agora, em A condição humana, a extrair o que parecia ser a conseqüência fundamental de sua crítica anterior ao fascismo de direita e de esquerda. Em vez de associar seu pensamento às tendências do liberalismo político contemporâneo, Arendt apresentou naquela obra uma crítica vigorosa da modernidade e do Estado de bem-estar social, afirmando que as condições de possibilidade do exercício da política no presente haviam atingido seu máximo grau de obscurecimento. Uma vez concluída a análise da absoluta descaracterização da política pelo terror totalitário, Arendt voltou sua atenção para as sociedades democráticas e liberais, nas quais, segundo ela, a política transformara-se em administração burocrática das necessidades sociais. Se no primeiro caso a liberdade fora totalmente aniquilada, no caso das democracias representativas, fundadas no sistema de partidos políticos, ela tenderia a se restringir ao mínimo, na medida em que o espaço público transformarase em um mercado de trocas econômicas destinadas à manutenção das necessidades vitais da sociedade.

A indignação dos críticos para com um tal veredicto se fez notar nas freqüentes acusações de que a avaliação arendtiana a respeito da moderna democracia parlamentar seria insuficiente, quando não absolutamente incorreta. Segundo George Kateb, por exemplo, Arendt jamais teria compreendido que a democracia parlamentar não é apenas mais uma forma de governo entre outras, mas um "sistema político genuinamente distinto, dotado de reivindicações morais especiais", diferenciando-se das ditaduras em razão da legitimidade que lhe é concedida. A despeito de seus desvios e deformações, pensa Kateb (1983, p.20-1), apenas a democracia representativa poderia garantir as condições para a resistência em relação às atrocidades políticas do mundo moderno. Assumindo uma posição ainda mais crítica, Sheldon Wolin afirmou que o pensamento arendtiano não era apenas insuficiente em sua avaliação da democracia representativa e da modernidade, mas, sim, que ele era até mesmo antidemocrático, pois buscara inspiração em fontes teóricas antidemocráticas e antimodernas. A despeito de considerar que já As origens do totalitarismo era uma obra deficiente em relação ao exame da democracia, Wolin (1990, p.169-70 ss.) acentua ainda mais sua crítica ao afirmar que "havia muito pouco em As Origens... que pudesse ter preparado o leitor para a visão arcaica de uma 'nova comunidade política' inspirada pela versão do Helenismo pré-socrático associado a Nietzsche e Heidegger", a qual fora apresentada em A condição humana. Em suma, todo o problema residiria no apego arendtiano à visão pessimista e catastrófica de certos teóricos alemães que, insatisfeitos com as mazelas e desvios acidentais do presente e da modernidade, sonharam com um modelo de política fundado no retorno conservador a um passado arcaico e idílico, no qual se restauraria a antiga coesão ético-política entre o povo e suas lideranças. Para seus críticos, o pensamento de Arendt teria se desviado do reto caminho por causa da influência do conservadorismo político da Existenzphilosophie, tradição de pensamento na qual ela recebera o fundamental de sua formação teórica (Jay, 1986, p.239 ss.). Ao menos em parte, esse argumento também está presente na crítica mais moderada proposta por Seyla Benhabib, segundo a qual uma ambigüidade fundamental permearia o pensamento arendtiano em seu "modernismo relutante", cindido entre o reconhecimento parcial dos avanços políticos e filosóficos da modernidade e a sua crítica severa do presente, em nome de um passado político idealizado por uma tradição conservadora: "embora Hannah Arendt, a judia perseguida e apátrida, seja uma modernista filosófica e política, Arendt, a estudante de Martin Heidegger, é a teórica antimoderna da Grecofilia, isto é, da polis e de sua glória perdida" (1996, p.xxiv-xxv).

Ao estabelecerem uma relação de necessidade entre a crítica ao horror totalitário e a defesa incondicional da democracia representativa e de seus fundamentos políticos (liberalismo) e filosóficos (Aufklärung), os críticos perderam de vista a originalidade e o alcance da crítica arendtiana à modernidade e à democracia parlamentar, reduzindo seu pensamento, de maneira simplista, à posição de epígono do pensamento político reacionário. A fim de escapar a essa armadilha e avaliar a natureza de suas críticas à democracia liberal e ao presente, convém prestar atenção a uma observação decisiva, contida já na sua análise do totalitarismo. Para Arendt, os regimes totalitários expuseram duas fragilidades centrais dos regimes democráticos parlamentares: a crença de que o povo "na sua maioria particip[a] ativamente do governo" e a de que as massas neutras e desarticuladas constituem apenas o "silencioso pano de fundo para a vida política da nação" (1978, p.400). Como veremos mais adiante, a trágica descoberta desses pontos frágeis haveria de ressoar em sua crítica posterior às democracias parlamentares, as quais seriam preteridas pela autora em favor de novas formas de organização da coisa pública, que estimulassem maior interesse e garantissem a participação política por parte dos cidadãos. Uma vez assumido esse ponto de vista teórico, era apenas natural que sua crítica ao horror totalitário não a levasse a comprometer seu pensamento político com a defesa cega do liberalismo político e da democracia parlamentar, antídotos inadequados, pois estimulantes de algumas das condições a partir das quais se constituiu a dominação totalitária, tais como a apatia política, o isolamento dos cidadãos e a restrição da liberdade ao instante do voto, entre outras. A despeito de nada parecer mais certo e evidente, sobretudo em um tempo marcado pelo espectro do totalitarismo e de duas guerras em escala mundial, do que distinguir e separar liberdade e política, afirmando que a liberdade desaparece ali mesmo onde a política se inicia, Arendt recusa as correntes políticas liberais porque elas tendem a pensar as relações entre política e liberdade a partir da concepção de que quanto menor for o espaço destinado à política, tanto maior será o espaço da liberdade. Para Arendt (1979, p.195), o que se enfatiza nessa fórmula é uma liberdade pensada sempre em termos da "liberdade em relação à política"8 8 Tradução modificada. , destinada exclusivamente ao crescimento e desenvolvimento econômico privado.

Além disso, mesmo em As origens do totalitarismo a sua desconfiança crítica em relação ao presente e à modernidade já se fazia notar, particularmente em sua crítica ao espraiamento das massas constituídas pelo processo de isolamento e atomização dos indivíduos, o qual torna impossível a ação política. Tal observação crítica não dizia respeito apenas à Alemanha de Hitler e à União Soviética de Stalin, mas retrocedia até o século XIX e abarcava todo o continente europeu, visto que o termo massas se referia genericamente a todas aquelas "pessoas que, seja por causa de seu número, seja por causa da indiferença, ou por causa da combinação de ambos, não podem ser integradas em nenhuma organização baseada no interesse comum Potencialmente, as massas existem em qualquer país e constituem a maioria das pessoas neutras e politicamente indiferentes, que nunca se filiam a um partido e raramente exercem o poder de voto" (ibidem, p.399)9 9 Tradução modificada. . O traço que melhor caracteriza as massas é a sua desarticulação e desinteresse pelo mundo comum e por si mesmas, isto é, a perda do "interesse comum" e do "senso comum", pois já não têm "entre si" (inter-est) nada que possa relacionálas (p.406). A perda desse vínculo comum significa a perda do vínculo que se estabelece entre os homens em uma determinada comunidade, gerando assim o problema que é definido em A condição humana e demais textos dos anos 50 como a "moderna alienação do homem em relação ao mundo" (1981, p.84). Esse é o aspecto em torno do qual se estrutura sua avaliação da modernidade e do presente em A condição humana, garantindo-se, assim, uma conexão interna entre as análises históricofilosóficas levadas a cabo em As origens do totalitarismo e a posterior avaliação filosófico-política da modernidade. Vejamos agora, em grandes linhas, como Arendt a elaborou.

A crítica arendtiana da modernidade

Em A condição humana, Arendt procedeu a uma analítica do ser-no-mundo em que analisou as três atividades básicas que articulam a condição humana na Terra, a ação (action), a fabricação (work) e o trabalho (labor). Disso resultou um quadro conceitual que lhe permitiu discutir as diferentes relações entre essas três atividades básicas, em razão da primazia hierárquica que diversas épocas históricas conferiram a cada uma delas em detrimento das outras. Segundo a autora: "Não são as capacidades do homem, mas é a constelação que ordena em seu mútuo relacionamento o que pode mudar, e muda historicamente ... Assim, esquematicamente falando, a Antigüidade grega concordava em que a mais alta forma de vida humana era despendida em uma polis, e em que a suprema capacidade humana era a fala – zóon politikón e zóon lógon ékhon, na famosa dupla definição de Aristóteles; a filosofia medieval e romana definia o homem como animal rationale; nos estágios iniciais da idade moderna o homem era primariamente concebido como homo faber, até que, no século XIX, o homem foi interpretado como um animal laborans, cujo metabolismo com a natureza geraria a mais alta produtividade de que a vida humana é capaz" (1981, p.94-5).

O que importa discutir aqui é a idéia arendtiana de que, a partir do século XIX, o homem deixou de ser interpretado como um ator político ou como um fabricante de objetos duráveis, para ser definido como um trabalhador constantemente empenhado na manutenção do ciclo vital que garante a sua sobrevivência e a da espécie, por meio da produção de bens destinados ao consumo imediato. Para Arendt, do ponto de vista do mundo e de sua estabilidade, isto é, da perspectiva da conservação da morada comum e estável dos humanos, a conseqüência mais imediata desse privilégio moderno e contemporâneo concedido ao trabalho seria uma verdadeira "perda do mundo". Para entendermos o porquê dessas considerações, vejamos primeiramente qual é o conceito arendtiano de mundo. Para ela, o mundo nada tem que ver com a soma de todos os entes, mas refere-se àquele conjunto de artefatos e de instituições criadas pelos homens, os quais permitem que eles estejam relacionados entre si sem que deixem de estar simultaneamente separados. O mundo não se confunde com a terra ou com a natureza, concebidos como o terreno em que os homens se movem e do qual extraem a matéria com que fabricam coisas, mas diz respeito às barreiras artificiais que os homens interpõem entre si e entre eles e a própria natureza, referindo-se, também, àqueles assuntos que aparecem e interessam aos humanos quando eles entram em relações políticas uns com os outros. Em um sentido político mais restrito, o mundo é também aquele conjunto de instituições e leis que é comum e aparece a todos, e que, por ser um artefato humano, está sujeito ao desaparecimento em determinadas situações-limite, nas quais se abala o caráter de permanência e estabilidade associados à esfera pública e aos objetos e instituições políticas que constituem o espaço-entre que unifica e separa os homens. Trata-se, portanto, daquele espaço institucional que deve sobreviver ao ciclo natural da natalidade e mortalidade das gerações, e que se distingue dos interesses privados e vitais dos homens que aí habitam, a fim de que se garanta a possibilidade da transcendência da mortalidade humana por meio da memória e da narração das histórias humanas.

O mundo assim concebido torna-se irrelevante ou secundário em face da exigência premente e constante da manutenção da vida do trabalhador e da própria sociedade, para o que se requer a produção da abundância de bens destinados ao consumo imediato e a repetibilidade incessante do trabalho, que amarra o corpo do homem ao ciclo repetitivo do seu próprio funcionamento. Nas modernas sociedades de trabalho e consumo, atividades que exigem constante repetibilidade e concentração em si mesmas, o mundo se torna frágil e instável, pois as barreiras que deveriam garantir a estabilidade e permanência de suas instituições vão sendo constantemente devoradas, consumidas, pode-se dizer, em nome dos ideais da abundância, do crescimento e da acumulação da riqueza. O mundo comum deixa de ser o centro dos cuidados e da preocupação dos homens quando estes se compreendem como trabalhadores e concebem suas atividades mundanas quanto ao trabalho e ao consumo; em outras palavras, quando regido exclusivamente pela lógica do trabalho e do consumo o mundo se vê lançado em um perpétuo movimento, análogo ao dos grandes ciclos naturais, o qual traz consigo uma forte instabilidade:

É como se houvéssemos derrubado as fronteiras que distinguiam e protegiam o mundo, o artifício humano, da natureza, do processo biológico que continua a processar-se dentro dele, bem como os processos cíclicos e naturais que o rodeiam, entregando-lhes e abandonando a eles a já ameaçada estabilidade do mundo humano. Os ideais do homo faber, fabricante de mundo, que são a permanência, a estabilidade e a durabilidade, foram sacrificados em benefício da abundância, que é o ideal do animal laborans. (1981, p.138)

Arendt observa não ser casual que a economia contemporânea seja uma "economia do desperdício, na qual todas as coisas devem ser devoradas e abandonadas quase tão rapidamente quanto surgem no mundo, a fim de que o processo não chegue a um fim repentino e catastrófico" (ibidem, p.147). Seu propósito era justamente o de questionar um dos princípios fundantes da modernidade, segundo o qual toda e qualquer atividade humana é considerada a partir da perspectiva da reprodução do ciclo vital da sociedade e da espécie humana, o qual traz consigo o "grave perigo de que chegará o momento em que nenhum objeto do mundo estará a salvo do consumo e da aniquilação através do consumo" (p.146).

De sua análise do totalitarismo, Arendt guardara a certeza de que o mundo está sujeito ao próprio desaparecimento nas situações em que se abala o caráter de permanência e estabilidade da esfera pública e das instituições políticas que constituem o espaço-entre que unifica e separa os homens. Ao assumir uma perspectiva contrária à preocupação antropocêntrica de Marx com relação à "alienação-de-si", Arendt foi capaz de observar as mesmas deficiências crônicas da desmundanização do mundo, isto é, a perda do seu caráter comum e estável, também ali onde as relações de produção haviam deixado de ser capitalistas, fator que, de modo algum, impediu a dissolução da política e de suas instituições por debaixo de uma burocracia onipotente. A despeito de considerar a Marx como o maior representante moderno da tradição do pensamento político ocidental, Arendt criticou-o ao afirmar que ele teria previsto acertadamente, "embora com indevido júbilo, a 'decadência' da esfera pública nas condições de livre desenvolvimento das 'forças produtivas da sociedade'". Em outras palavras, a crítica de Marx ao capitalismo não teria sido crítica o suficiente, pois ele não teria percebido que o animal laborans, mesmo em uma sociedade futura plenamente socializada, jamais viria a se ocupar da coisa pública, pois se limitaria a gozar seu tempo livre "em atividades estritamente privadas e essencialmente desprovidas de mundo" (1981, p.130)10 10 Tradução modificada. Para uma avaliação crítica da interpretação arendtiana de Marx, ver: Parekh, 1979; Bakan, 1979; e Jay & Botstein, 1978. . Marx teria previsto acertadamente que a revolução industrial traria a ampliação sem precedentes do âmbito das necessidades naturais e do trabalho, mas teria falhado em perceber que, estreitamente relacionada à moderna emancipação do trabalho, assumido como a principal atividade humana, gerar-se-iam, também, a decadência do âmbito público e a perda de dignidade da atividade política, dado que "as horas vagas do animal laborans jamais são gastas em outra coisa senão em consumir" (ibidem, p.146).

É preciso compreender que não há no pensamento de Arendt uma simples oposição abstrata entre os campos do trabalho e da política, e que o problema por ela detectado não é de ordem circunstancial, não podendo ser resolvido por meio do apelo cívico e bem-intencionado à participação política. O moderno encolhimento da esfera pública e o obscurecimento da participação política não são circunstanciais, mas sim constitutivos da modernidade, de modo que não podem ser superados invocando-se uma mera mudança de mentalidade. Em outras palavras, seu objetivo nunca foi o de criticar o homem moderno pelo fato de ele não empregar o seu tempo livre (do trabalho) no cuidado da coisa pública, mas no consumo desenfreado: ela simplesmente constatava que isso era o que ocorria na modernidade, buscando compreender as origens desse processo e as conseqüências políticas daí decorrentes. Se ela se recusa a pensar o trabalho como constitutivamente político, à maneira de Marx, é justamente porque ela detecta na moderna glorificação do trabalho a outra face da moeda do obscurecimento da esfera pública. E, de fato, o pressuposto marxista de que, uma vez que os trabalhadores assumissem o poder, a verdadeira política teria início, se mostrou bem mais trágico do que ilusório. Para Arendt, portanto, a glorificação do trabalho proposta por Marx e Hegel é um sintoma das profundas transformações sociais e espirituais por meio das quais o capitalismo se afirmou mundialmente, motivo pelo qual ela não se ampara nas teses desses filósofos para a formulação de seu diagnóstico crítico. Para Arendt, o nascimento da política não se dá prioritariamente a partir do campo do trabalho, pois ele não é uma atividade com a qual o homem se identifique e na qual encontre auto-aperfeiçoamento; assim sendo, o trabalho nunca se transforma dialeticamente em algo outro que ele mesmo, nem engendra transformações qualitativas naqueles que o empreendem. Para a autora, a idéia do homem "criando-se a si mesmo", a qual constitui a "própria base de todo humanismo de esquerda", implica uma rebelião impossível e indesejável contra o próprio "fato da condição humana", já que "nada é mais óbvio do que a afirmação de que o homem não deve a sua existência a si mesmo, tanto como membro da espécie quanto como indivíduo" (1994b, p.19, grifo da autora). Arendt, ao contrário de Hegel e Marx, não confia no poder de negação e transformação da dialética, duvidando que o reino da necessidade possa engendrar o reino da liberdade, e que a emancipação do homem em relação ao trabalho possa ser o objetivo de uma revolução política.

Ao compreender que o traço essencial do presente era a universalização mundial da relação entre trabalho e consumo visando à crescente abundância de bens materiais, Arendt descobriu o motivo pelo qual a Alemanha de Hitler, a União Soviética de Stalin e os Estados Unidos de Roosevelt, em que pesem as diferenças políticas cruciais existentes entre esses regimes, puderam denominar-se como países de trabalhadores para trabalhadores: neles, a política teria sido reduzida à mera administração das coisas em nome de um suposto bem comum, isto é, a felicidade daqueles que são reconhecidos como pertencentes de fato à comunidade política. Para Arendt, portanto, mais importante do que a emancipação da classe operária e sua luta política pela igualdade universal, a qual certamente garantiu avanços políticos, seria o processo de "emancipação da própria atividade do trabalho", o qual lhe é anterior e teve como resultado o crescente processo de homogeneização do homem, nivelando-se assim todas as atividades humanas ao "denominador comum de assegurar as coisas necessárias à vida e produzi-las em abundância" (1981, p.139). Não se tratava de defender um desprezo elitista pela questão social, visto que ela reconhecia que a liberdade pública é um "luxo, é uma felicidade adicional que só se é capaz de usufruir uma vez que as exigências do processo vital tenham sido satisfeitas ... Antes de pedirmos idealismo aos pobres, temos primeiro de torná-los cidadãos: e isso envolve a mudança das circunstâncias de suas vidas privadas, a fim de que eles possam desfrutar do 'público'" (1977). Arendt jamais pretendeu reduzir o trabalhador ao plano da pura animalidade; pelo contrário, tratava-se de recordar que, apesar de todo homem ser necessariamente um animal laborans, ele também pode e deve ser algo mais do que isso.

As raízes da crítica arendtiana à modernidade e ao presente não retrocedem a Marx, portanto, mas a Nietzsche e a Heidegger, como pretendo indicar. Com relação a Nietzsche, a proximidade torna-se evidente se recordarmos a sua descrição do "último homem", no prólogo de Assim falou Zaratustra, a qual prefigura e antecipa o diagnóstico arendtiano a respeito do homem das modernas sociedades de massa:

Vede! Eu vos mostro o último homem ... O mundo se tornou pequeno e, sobre ele, saltita o último homem, que a tudo torna pequeno ... o último homem vive o mais longamente. "Nós descobrimos a felicidade", dizem os últimos homens, e piscam ... Um pouco de veneno de vez em quando: isto produz sonhos agradáveis. E muito veneno por fim, para uma morte agradável. Ainda se trabalha, pois o trabalho é diversão. Mas cuidamos para que a diversão não seja exaustiva ... Nenhum pastor e um rebanho! Cada um quer o mesmo, cada um é o mesmo, e quem sente diferente vai por sua própria vontade para o asilo de loucos. "Antes o mundo todo estava errado", dizem os mais sutis, e piscam ... Temos pequenos prazeres para o dia e pequenos prazeres para noite: mas respeitamos a saúde. "Nós descobrimos a felicidade", dizem os últimos homens, e piscam. (1997, p.284-511 11 Ver também o artigo de Giacóia, 1999. )

É impossível não referir tais teses nietzscheanas às críticas de Arendt à apatia conformista das sociedades administradas de massa, nas quais a capacidade humana para agir espontaneamente foi substituída pelo mero comportamento, em sua monótona previsibilidade repetitiva e normatizada. Para Arendt, nossa uniformidade estatística não é um simples "ideal científico inócuo", e sim o ideal de uma sociedade "inteiramente submersa na rotina do cotidiano" (1981, p.53). Impossível, também, não escutar o eco das predições nietzscheanas na afirmação da autora, de que "a universal exigência de felicidade e a infelicidade tão comum em nossa sociedade (que são apenas os dois lados da mesma moeda) são alguns dos mais persuasivos sintomas de que já começamos a viver em uma sociedade de trabalhadores que não têm suficiente trabalho para mantê-la feliz. Pois somente o animal laborans ... exigiu alguma vez ser 'feliz' ou pensou que os homens mortais pudessem ser felizes" (ibidem, p.146-7).

Somente agora a proximidade existente entre o pensamento de Arendt e o de Nietzsche vem recebendo uma avaliação mais criteriosa por parte dos comentadores12 12 Para a discussão das relações teóricas entre Arendt e Nietzsche, ver também: Villa, 1992; Honig, 1988; 1993a; 1993b; Biskowski, 1995; Ansell-Pearson, 1994. ; por certo, ela se insere no curso de uma avaliação da dimensão política transgressiva e libertária da própria filosofia de Nietzsche, para além do fantasma de suas apropriações reacionárias, empreendidas pelos teóricos do nazismo durante os anos 30 e 40. Como bem observou Keith Ansell-Pearson, tanto Arendt quanto Nietzsche buscaram inspiração no espírito agonístico da polis grega quando pensaram criticamente a respeito da política no presente, equacionando a liberdade à ação corajosa desempenhada na esfera pública. Para ambos, a ação em seu sentido mais próprio transcende os critérios morais acerca do certo e do errado, do bem e do mal, alcançando assim seu pleno potencial inovador e criativo ao estabelecer novos valores e parâmetros de avaliação. Tanto para Nietzsche quanto para Arendt, a liberdade só é possível no espaço público, ao qual se contrapõe o espaço privado dos interesses materiais, que inspira a covardia e o temor da ação entre os homens. Daí porque ambos "vejam o moderno Estado liberal como assentado na desvalorização do político concebido como arena pública. O liberalismo vê a principal meta da sociedade na garantia do espaço privado da liberdade – liberdade como não-interferência – para os indivíduos" (Ansell-Pearson, 1994, p.43). Ansell-Pearson observa ainda que Nietzsche e Arendt compartilham de uma mesma concepção aristocrática do "eu", segundo a qual não há distinção entre o ato e o ator, entre quem desempenha e o que se desempenha, inexistindo um eu ou uma subjetividade substancial subjacente ao próprio agir, aos próprios feitos, e independente deles. Do mesmo modo, para eles a liberdade não é uma propriedade interior e preexistente em cada indivíduo, mas só se constitui por meio da ação conjunta no espaço público, sem se confundir com a mera defesa de interesses privados ou morais (ibidem, p.44).

Em relação a Heidegger, a evidência da inspiração crítica arendtiana em relação ao presente é ainda mais contundente. Para os fins deste artigo, tal sintonia pode ser indicada a partir da menção a algumas poucas passagens de um texto heideggeriano escrito entre o final dos anos 30 e o início da década de 1940, intitulado Überwindung der metaphysike [Ultrapassagem da metafísica] (1994). Nele, Heidegger já afirmava que o trabalho alcançara no presente "o estatuto metafísico da objetificação incondicional de tudo", transformando o homem em matéria-prima ou mero recurso humano para os mais diversos agenciamentos tecnológicos. Nele, Heidegger também já denunciava inúmeros dilemas do presente, tais como: a devastação da terra em nome da circularidade incontrolável do "consumo em nome do consumo", que tende a consumir os próprios homens e a transformar o mundo em um "não-mundo"; a "desolação da terra" e o "colapso do mundo" sob o impacto da fixação do "animal rationale" enquanto um "animal que trabalha"; a "uniformização" do homem reduzido ao seu "uniforme" de trabalho; a proliferação de "líderes" que governam "massas humanas" por meio da "planificação" calculada de sua proteção ou destruição etc. Em uma das páginas mais sombrias já escritas por Heidegger (1994, p.91), ele afirmava que o homem já se tornara "a mais importante matéria bruta" (Rohstoff) dentre tudo o que há, de tal sorte que se poderia prever, para breve, o estabelecimento de "fábricas para a procriação artificial do material humano". Em A condição humana, essa perspectiva dramática ressoa na consideração arendtiana de que "a história política recente está repleta de indicativos de que a expressão 'material humano' não é simplesmente uma metáfora inofensiva. O mesmo se pode dizer de inúmeras experiências científicas modernas no campo da engenharia social, da bioquímica, da cirurgia cerebral etc., todas visando manipular e modificar o material humano como se se tratasse de qualquer outro material. Essa atitude mecanicista é típica da era moderna ... Em qualquer caso, o único resultado possível é a morte do homem, não necessariamente como organismo vivo, mas enquanto homem" (Arendt, 1981, p.201).

Esse paralelo poderia ser estendido de maneira ainda mais enfática. Em textos e conferências do imediato pós-guerra, Heidegger descobriria que o moderno processo tecnológico de desumanização não se limitara apenas à transformação do homem (sujeito) em matéria de consumo e recurso (objeto) a ser manipulado tecnologicamente, mas avançara no sentido de fixar o próprio homem como apenas mais um item do "fundo de reserva" (Bestand) sempre disponível para quaisquer agenciamentos. Com isso, Heidegger queria dizer que agora se tornara possível que o homem fosse empregado como mero combustível para sua própria aniquilação, como de fato ocorrera nas fábricas da morte erigidas pelo nazismo. Esse aspecto foi claramente enunciado por ele em uma conferência datada de 1949, intitulada "O perigo" (Die Gefahr): "Centenas de milhares morrem en masse. Eles morrem? Eles perecem. Tornam-se itens do fundo de reserva para a fabricação de cadáveres (Bestandes der Fabrikation von Leichen). Eles morrem? Sem que se perceba, eles são liquidados nos campos de extermínio" (Schirmacher, 1983, p.25-8)13 13 Discuti essas teses heideggerianas em Duarte (2001). . Do mesmo modo, também Hannah Arendt percebera e expressara essa mesma triste verdade a respeito da mais absoluta forma de aniquilação do humano no homem, ao afirmar, em sua análise do totalitarismo, que as fábricas da morte não tinham nenhuma finalidade a não ser manterse em funcionamento, bastando-se a si mesmas enquanto pudessem continuar empregando como seu combustível os corpos humanos. Ou seja, quando a fabricação da morte torna-se um fim em si mesmo, a despeito do seu caráter contraproducente para uma economia em estado de guerra, é a própria lógica de meios e fins que chega ao seu limite e se estilhaça. Arendt foi uma das primeiras a denunciar o caráter paradoxal dos campos de extermínio, os quais, ao levarem as relações de meios e fins ao seu paroxismo, não mais podiam ser entendidos à luz dos princípios da Realpolitik, nem mesmo como uma instância ensandecida da razão instrumental14 14 Cito ainda duas afirmações lapidares da autora, as quais corroboram o diagnóstico heideggeriano mencionado mais acima: "Nas fábricas da morte ... todos eles morreram juntos, os jovens e os velhos, os fracos e os fortes, os doentes e os saudáveis; não como povo, não como homens e mulheres, crianças e adultos, meninos e meninas, não como bons e maus, belos e feios – mas reduzidos ao denominador comum do mais baixo nível da vida orgânica em si mesma, mergulhados no abismo mais escuro e profundo da igualdade primitiva, como gado, comomatéria, como coisas sem corpo nem alma, sem nem mesmo uma fisionomia sobre a qual a morte pudesse imprimir seu selo. É nesta igualdade monstruosa, sem fraternidade ou humanidade ... que nós vemos, como que refletida, a imagem do inferno ... A câmara de gás foi mais do que qualquer um poderia ter merecido, e, diante dela, o pior criminoso era tão inocente quanto o recém-nascido". Cf Arendt, H. The Image of Hell, texto de 1946 incluído na coletânea Essays in Understanding 1930-1954, 1994a, p.198. Em As origens do totalitarismo, ela afirma que "Os campos de concentração, ao tornar a morte anônima ... roubaram à morte o seu sentido como o fim de uma vida completa. Em certo sentido, eles tiraram do indivíduo a sua própria morte, provando que daí por diante nada mais pertenceria a ele e que ele não pertenceria a mais ninguém. Sua morte apenas selaria o fato de que ele nunca existira realmente". Cf. Arendt, H.: The Origins of Totalitarianism, op. cit., p.452. . Em uma carta a Jaspers datada de 17 de agosto de 1946, Arendt chamava-lhe a atenção para a ausência de "razões humanas" que pudessem elucidar a finalidade da construção de "fábricas para produzir cadáveres, sem nenhuma consideração pela utilidade econômica ... (e as deportações foram muito prejudiciais para o esforço de guerra)" (1992, p.69). No mesmo sentido, em outra oportunidade, ela afirmaria que

não é apenas o caráter não-utilitário dos próprios campos – a falta de sentido em "punir" povos completamente inocentes, a falha em mantê-los em uma condição em que se pudesse extrair deles um trabalho rentável, a superfluidade de se amedrontar uma população completamente subjugada – que lhes dá as suas condições distintivas e perturbadoras, mas a sua função anti-utilitária, o fato de que nem mesmo as emergências supremas das atividades militares permitiram que se interferisse nessas "políticas demográficas". É nesse contexto que o adjetivo "sem precedentes", enquanto aplicado ao totalitarismo, adquire plena significação. (1994a, p.233, grifos meus)

Da crítica da modernidade à moderna redescoberta da origem do político

No entanto, cabe aqui também recordar que se Arendt concordava com o diagnóstico de Heidegger e de Nietzsche sobre a modernidade, pensada como o tempo em que "o deserto cresce", impõem-se distinções cruciais quanto às respostas arendtianas para aquele diagnóstico. Contrariamente a Nietzsche, Arendt jamais assumiu uma compreensão instrumental da política, segundo a qual ela seria um meio para a garantia de um fim supremo extrapolítico: a preservação dos ideais da alta cultura e da auto-superação humana; daí a concepção nietzschiana, remanescente do platonismo, de uma oligarquia do espírito na qual filósofos-reis ou filósofos legisladores imporiam novos valores para a Europa (Ansell-Pearson, 1994). Arendt também sempre manteve desperta a desconfiança em relação à tese heideggeriana de que "nenhuma simples ação humana será capaz de modificar o curso do mundo" em seu caráter historial, isto é, enquanto um envio do Ser, jamais desconsiderando o engajamento político e a capacidade humana para trazer a novidade à luz do dia (Heidegger, 1994, p.94). Aliás, esse é justamente o motivo central de sua análise dos fenômenos revolucionários modernos e contemporâneos, pensados por ela como verdadeiros "oásis no deserto" (Arendt, 1993, p.182). Esse é o tema com o qual gostaria de encerrar este texto, indicando assim que o caráter sombrio de sua avaliação crítica do presente foi contrabalançado por sua entrevisão de uma possível brecha de esperança para o futuro.

Para a autora, todas as tentativas malogradas de restabelecimento da democracia participativa na modernidade e no presente, tais como os townhall meetings da Revolução Americana, as societés populaires da Revolução Francesa, a Comuna de Paris em 1871, o surgimento dos sovietes em 1905 e 1917, os conselhos operários de 1918 na Alemanha e a insurreição húngara de 1956, trazem consigo a marca de uma reatualização dos laços que unem a política à sua origem greco-romana, que aí se repete, de maneira transfigurada, ao renovar-se o interesse dos cidadãos pela participação política ativa e pelo debate público. A repetição que traz o novo rompe o moto-contínuo da tradicional compreensão da política sob as diferentes formas da dominação do homem pelo homem, nas quais ela é concebida como um fardo ou como um mal necessário. Segundo Arendt, os revolucionários franceses e americanos, que forneceram a referência paradigmática para os eventos revolucionários posteriores, "vasculharam os arquivos da Antigüidade justamente a fim de encontrar um tipo diferente de homem ... o cidadão", de sorte que o que realmente "aconteceu foi o ressurgimento da política real, como na Antigüidade". Tratava-se de encontrar um "modelo para esse novo âmbito político que [os revolucionários do século XVIII] quiseram trazer à tona e chamaram de uma república, [e] o modelo de homem dessa república foi, até certo ponto, o cidadão da polis ateniense" (Arendt, 1979, p.330-1). Em eventos como as revoluções, nos quais a política é reapropriada pelos cidadãos em atos e palavras – fenômenos raros e singulares, mas que teimam em se repetir desde o final do século XVIII até o presente –, Arendt enxergou a fulguração da origem perdida e esquecida da política, bem como a promessa de sua possível renovação no presente e no futuro.

A história das verdadeiras revoluções políticas, desde o século XVIII até hoje, é a história do jogo recorrente entre o surgimento e obstrução da participação e organização política da população, seja porque a revolução foi sufocada, seja porque perdeu seus rumos no terror e na violência, seja porque canalizou e represou o desejo de participação política recorrendo ao sistema representativo, centrado no aparato burocrático dos partidos políticos. Nessa história secreta da modernidade, trata-se sempre do conflito entre o Estado-nação, organizado politicamente em torno dos interesses particulares representados pelos partidos políticos, e o princípio da participação política direta em diversas instâncias federativas:

Tanto o plano de Jefferson [de estabelecer "repúblicas elementares" distritais e municipais] como as sociétés révolutionnaires francesas anteciparam com estranha e total precisão aqueles conselhos, os sovietes e os Räte, que viriam a aparecer em cada verdadeira revolução durante todo o século dezenove e vinte. Sempre que apareciam, espalhavam-se como órgãos espontâneos do povo, não apenas fora de todos os partidos revolucionários, mas completamente inesperados para eles e para os seus chefes. Tal como as propostas de Jefferson, eles foram completamente desconsiderados pelos estadistas, historiadores, teóricos políticos e, com maior importância ainda, pela própria tradição revolucionária ... eles falharam em compreender em que medida o sistema de conselhos os punha diante de uma forma de governo inteiramente nova, diante de um novo espaço público de liberdade que fora constituído e organizado no decorrer da própria revolução. (Arendt, 1971, p.245-615 15 Tradução modificada. )

Para a autora, é na tensão entre participação política e representação política que se decide, na época moderna, a própria dignidade do espaço político.

Estamos tão acostumados a pensar as relações políticas em termos da política de partidos, que corremos o risco de esquecer que essa forma de organização da coisa pública surgiu em contraste com as alternativas revolucionárias que contemplavam a participação popular ativa. O sistema representativo traz consigo as idéias de que é possível prescindir da participação política popular e de que os cidadãos não são capazes de gerir a coisa pública, que deve ser confiada a especialistas. Nesse contexto, a atividade política tende a se reduzir à administração dos interesses privados, desaparecendo o próprio espaço público em seu caráter plural e comum. Além disso, espraiam-se a apatia e a impotência políticas, pois a imensa maioria da população vê-se privada da possibilidade de exercer qualquer influência política consistente. Recompõe-se assim a velha distinção entre governantes e governados, que o processo revolucionário tentara abolir: o povo é excluído da cena pública e a política torna-se novamente o privilégio de poucos. Daí porque, para Arendt, o que se chama atualmente de democracia seria, na verdade, uma oligarquia em que o poder se concentra nas mãos dos partidos políticos, isto é, de poucos. Como instituições, os partidos não poderiam ser vistos como órgãos efetivamente populares, pois, na prática, detêm o monopólio das nomeações.

Contra o primado inquestionado da representação política atualmente conhecida, considerada como a única alternativa política viável no mundo contemporâneo, Arendt buscou vencer o tradicional "medo" diante "das coisas nunca vistas, dos pensamentos nunca pensados, das instituições nunca antes experimentadas" (1971, p.254), revelando assim o impensado da tradição revolucionária e o impensável da tradição da filosofia política ocidental, ou seja, o vínculo indissociável entre liberdade, ação conjunta e felicidade pública. Ao estabelecer uma forte contraposição entre o sistema de conselhos e o sistema de partidos da política representativa, Arendt não pretendeu simplesmente recusar os ganhos da democracia parlamentar, mas encontrar alternativas para redefini-la no sentido de preservar as pequenas "ilhas da liberdade" que os conselhos constituíram na modernidade e no mundo contemporâneo. Como tais, eles seriam a própria base de fundação de uma nova forma de governo, a verdadeira república, e da própria transformação possível do Estado a partir do fortalecimento dos princípios federativo e participativo. A grande vantagem do sistema federativo, tal como pensado por Arendt, seria a de que nele "o poder não vem nem de cima nem de baixo, mas é dirigido horizontalmente, de modo que as unidades federadas refreiam e controlam mutuamente os seus poderes" (1973, p.198). O sistema de conselhos demonstra justamente a "íntima conexão entre o espírito revolucionário e o princípio federativo" já a partir das próprias condições elementares da ação política, constituindo, também, a única alternativa para a fundação de repúblicas baseadas na participação política direta em territórios extensos.

Como imaginado por Arendt, o sistema de conselhos não negaria a representação política em sentido absoluto, mas redefiniria as bases sobre as quais ela se estrutura no contexto das atuais democracias parlamentares. Não se trata de incluir a todos diretamente, o que seria impossível, mas de multiplicar os espaços públicos a fim de que mais pessoas possam participar da política em diversos níveis. Se é certo que o sistema de conselhos constitui "um princípio de organização completamente diferente, que começa de baixo [e] continua para cima", Arendt estava certa de que nada impediria que ele levasse, por fim, à constituição de um parlamento (1973, p.200). Em um sistema de conselhos plenamente desenvolvido, Arendt conjeturou a possibilidade do surgimento de uma estrutura política piramidal, em que a autoridade não viria do topo e sim da base da pirâmide, conciliando-se assim igualdade e autoridade de um modo como nenhuma outra forma de governo moderno o conseguiu até hoje. Simultaneamente, ela pensou ainda que os conselhos seriam a melhor forma de fragmentar e politizar as grandes massas que povoam as sociedades contemporâneas, impedindo assim que elas fossem arregimentadas e organizadas pelos partidos políticos demagógicos em movimentos totalitários de massa. A despeito da cuidadosa incerteza da formulação arendtiana, eis aí entrevista a possibilidade do "novo" na política contemporânea:

A revolução húngara ensinou-me uma lição. Se levarmos em consideração o surpreendente ressurgimento do sistema de conselhos durante a revolução húngara, então é como se estivéssemos diante de duas novas formas de governo em nosso próprio tempo, as quais só podem ser compreendidas no contraponto da falência do corpo político do Estado-nacional. O governo da dominação total é o que certamente corresponde da melhor forma às tendências inerentes de uma sociedade de massas em relação a qualquer outra coisa que conhecíamos. Mas o sistema de conselhos tem sido claramente, já desde um longo tempo, o resultado dos desejos do povo, e não o das massas, e é quase possível que ele contenha os próprios remédios contra a sociedade de massas e contra a formação do homem da massa, que vimos procurando em vão em outro lugar ... Não estou de modo algum segura ou certa em minha esperança, mas estou convencida de que tão importante quanto confrontar impiedosamente todos os desesperos intrínsecos do presente, é apresentar todas as esperanças inerentes a ele16 16 Essa citação foi extraída de um artigo que Arendt publicou no momento da segunda edição de As origens do totalitarismo, em 1958. Cito-a a partir do livro de Richard Bernstein: Hannah Arendt and the Jewish Question, 1996, p.133. .

Em outros termos, menos importante do que qualquer certeza quanto à possibilidade de que o sistema de conselhos venha a ser plenamente efetivado um dia, é a expectativa arendtiana de que, numa próxima vez, alguma consciência quanto ao seu potencial político tenha sido adquirida: "Nessa direção eu vejo a possibilidade de se formar um novo conceito de Estado. Um Estado-conselho desse tipo, para o qual o princípio da soberania fosse totalmente discrepante, seria admiravelmente ajustado às mais diversas espécies de federações; em particular, porque nele o poder seria constituído horizontalmente e não verticalmente. Mas se você me perguntar qual a probabilidade de ele ser realizado, então devo dizer: muito pouca, se tanto. Todavia, apesar de tudo, talvez, no despertar da próxima revolução" (1973, p.201, grifo meu)17 17 Tradução modificada. .

Esse "talvez" arendtiano expressa justamente todo seu empenho em pensar o novo, o ainda impensado, a novidade que ainda pode vir a revolucionar nosso futuro político, a partir da invenção de novas formas de exercício da política e de novas formas de pensamento, capazes de recapturar e retraduzir em um instante a origem democrática da política.

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  • WOLIN, S. Hannah Arendt: democracy and the political. In:______. The Realm of Humanitas: responses to the writings of Hannah Arendt. New York: Peter Lang, 1990.
  • 1
    O presente artigo foi apresentado, em formato reduzido, no Colóquio de Filosofia Política organizado pelo Departamento de Filosofia da UFPR, ocorrido entre 15 e 19 de abril de 2000, e no Colóquio Hannah Arendt organizado pela Pós-Graduação em Filosofia da Unicamp, entre 5 e 6 de junho de 2000. Para uma discussão mais ampla das teses defendidas no presente texto, refiro o meu livro:
    O pensamento à sombra da ruptura: política e filosofia no pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
  • 2
    Departamento de Filosofia – UFPR – 80060-000 – Curitiba – PR.
  • 3
    Ver Delruelle, 1993; Bernestein, 1986; Benhabib, 1988.
  • 4
    Ver Habermas, 1977; Fuss, 1979.
  • 5
    Ver, entre outros, Kateb, 1984; Lasch, 1983; O'Sullivan, 1976; Wolin, 1990.
  • 6
    Para uma aproximação entre Arendt e Foucault, ver Bernauer, 1995. Para uma aproximação entre Arendt e Lyotard, ver Ingram, 1988; Clarke, 1994; Linden, 1989. Para uma interpretação que ressalta o viés nietzschiano do pensamento de Arendt, ver Honig, 1993b. Para uma interpretação que ressalta o viés heideggeriano do pensamento de Arendt, ver Villa, 1996; Taminiaux, 1992.
  • 7
    Para uma análise detalhada da interpretação arendtiana do totalitarismo, ver Canovan, 1992, e Lafer, 1988.
  • 8
    Tradução modificada.
  • 9
    Tradução modificada.
  • 10
    Tradução modificada. Para uma avaliação crítica da interpretação arendtiana de Marx, ver: Parekh, 1979; Bakan, 1979; e Jay & Botstein, 1978.
  • 11
    Ver também o artigo de Giacóia, 1999.
  • 12
    Para a discussão das relações teóricas entre Arendt e Nietzsche, ver também: Villa, 1992; Honig, 1988; 1993a; 1993b; Biskowski, 1995; Ansell-Pearson, 1994.
  • 13
    Discuti essas teses heideggerianas em Duarte (2001).
  • 14
    Cito ainda duas afirmações lapidares da autora, as quais corroboram o diagnóstico heideggeriano mencionado mais acima: "Nas fábricas da morte ... todos eles morreram juntos, os jovens e os velhos, os fracos e os fortes, os doentes e os saudáveis; não como povo, não como homens e mulheres, crianças e adultos, meninos e meninas, não como bons e maus, belos e feios – mas reduzidos ao denominador comum do mais baixo nível da vida orgânica em si mesma, mergulhados no abismo mais escuro e profundo da igualdade primitiva, como gado, comomatéria, como coisas sem corpo nem alma, sem nem mesmo uma fisionomia sobre a qual a morte pudesse imprimir seu selo. É nesta igualdade monstruosa, sem fraternidade ou humanidade ... que nós vemos, como que refletida, a imagem do inferno ... A câmara de gás foi mais do que qualquer um poderia ter merecido, e, diante dela, o pior criminoso era tão inocente quanto o recém-nascido". Cf Arendt, H. The Image of Hell, texto de 1946 incluído na coletânea
    Essays in Understanding 1930-1954, 1994a, p.198. Em
    As origens do totalitarismo, ela afirma que "Os campos de concentração, ao tornar a morte anônima ... roubaram à morte o seu sentido como o fim de uma vida completa. Em certo sentido, eles tiraram do indivíduo a sua própria morte, provando que daí por diante nada mais pertenceria a ele e que ele não pertenceria a mais ninguém. Sua morte apenas selaria o fato de que ele nunca existira realmente". Cf. Arendt, H.:
    The Origins of Totalitarianism, op. cit., p.452.
  • 15
    Tradução modificada.
  • 16
    Essa citação foi extraída de um artigo que Arendt publicou no momento da segunda edição de
    As origens do totalitarismo, em 1958. Cito-a a partir do livro de Richard Bernstein:
    Hannah Arendt and the Jewish Question, 1996, p.133.
  • 17
    Tradução modificada.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Set 2008
    • Data do Fascículo
      2001
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