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Negação e diferença em Platão

Negation and diference in Plato

Resumos

Platão, ao tratar da negação no diálogo Sofista, afirma que sempre que enunciamos o que não é, não enunciamos algo contrário ao que é, mas algo diferente. A negação significa cada parte da natureza da diferença em antítese ao que é. Tal tratamento da negação resulta da necessidade de resolver alguns problemas colocados pelo eleatismo. Propõe-se indicar esses problemas e examinar o tratamento que Platão dá ao não-ser como diferença.

Platão; Ontologia; Linguagem; Negação


Plato, in dealing with negation in the dialogue Sophist, says that when we say what is not, we speak not of something that is the opposite of being, but of something different. Negation means each part of the nature of the difference in antithesis to what is. This treatment of negation results from the need to solve some problems posed by eleatism. It is proposed to indicate these problems and examine the treatment that Plato gives to non-being as difference.

Plato; Ontology; Discourse; Negation


ARTIGOS ORIGINAIS

Negação e diferença em Platão

Negation and diference in Plato

Eliane Christina de Souza

Docente do Departamento de Filosofia e Metodologia das Ciências da Universidade Federal de São Carlos. Endereço eletrônico: elianechsouza@uol.com.br

RESUMO

Platão, ao tratar da negação no diálogo Sofista, afirma que sempre que enunciamos o que não é, não enunciamos algo contrário ao que é, mas algo diferente. A negação significa cada parte da natureza da diferença em antítese ao que é. Tal tratamento da negação resulta da necessidade de resolver alguns problemas colocados pelo eleatismo. Propõe-se indicar esses problemas e examinar o tratamento que Platão dá ao não-ser como diferença.

Palavras-chave: Platão. Ontologia. Linguagem. Negação.

ABSTRACT

Plato, in dealing with negation in the dialogue Sophist, says that when we say what is not, we speak not of something that is the opposite of being, but of something different. Negation means each part of the nature of the difference in antithesis to what is. This treatment of negation results from the need to solve some problems posed by eleatism. It is proposed to indicate these problems and examine the treatment that Plato gives to non-being as difference.

Keywords: Plato. Ontology. Discourse. Negation.

No Sofista, Platão apresenta um tratamento da negação em termos de diferença que resulta da necessidade de resolver problemas colocados por Parmênides e por aqueles que trataram a questão do ser e do não-ser, segundo a ontologia e a lógica eleatas, entre eles Protágoras e Antístenes. Estes pensadores, embora não sejam diretamente citados por Platão, representam o eixo central da discussão sobre a predicação e a negação no Sofista. A questão da negação enfrentada pelo Estrangeiro de Eleia remonta ao conceito eleata de não-ser como não-ser absoluto, exterior e impermeável ao ser, o que traz importantes dificuldades para o lógos que pretende dizer o que é. Atacar essa noção de não-ser e reformulá-la, no entanto, conduz a uma série de paradoxos que o Estrangeiro tem de enfrentar se quer assegurar sua concepção de discurso. Eu proponho fazer um exame de alguns desses problemas e da solução sugerida por Platão.

A crítica inicial de Platão à noção de não-ser dirige-se a Parmênides. No pensamento eleata, o não-ser define os limites do ser, e a necessidade da via positiva é sublinhada através da impossibilidade da via negativa. Após uma distinção radical entre ser e não-ser, vistos como contraditórios, Parmênides nega qualquer possibilidade de expressão do não-ser. Ao não-ser excluído da realidade, do pensamento e do discurso se contrapõe o ser sempre em relação consigo mesmo.1 1 Só o caminho de investigação que diz o ser em relação consigo mesmo merece, no poema, o nome de lógos. Uma vez que o noûs interdita qualquer mistura de ser e não-ser, é necessário que tudo o que for dito sobre o ser obedeça a essa interdição. O discurso dos mortais, que une ser e não-ser, não é lógos. Parmênides o chama de onómata. Desse modo, falar da geração e da corrupção é produzir um amálgama ilegítimo de coisas que não se misturam, sinal da incapacidade de discernimento dos mortais (fragmento VI). Eles não seguem o noûs e não percebem que devem escolher um entre dois caminhos. Seu discurso afirma tanto é quanto não é, ignorando que esses são dois polos de uma alternativa. Por isso, esse tipo de discurso não atinge o ser, mas mescla ser e não-ser, sendo, portanto, um discurso vazio de sentido.

Há, no fragmento 2, uma via interditada - não é - e uma via da verdade - é. A via do é é, posteriormente, ampliada para o que é é X, mas a via do não é não pode sofrer tal ampliação, visto que não pode ser pensada. O caminho proibido pela deusa é dizer oúk estí daquilo que é. Ao dizer oúk estí, aplica-se o não à própria possibilidade do discurso, negando-se o é que é marca de existência daquilo que é e marca de verdade do enunciado que diz o que é. Oúk estí institui uma diferença ilegítima no discurso. Na lógica de Parmênides, dizer o que é é X significa dizer o que é é o que é. O é não pode ser negado.

Essas considerações permitem explicitar as regras adotadas por Parmênides na construção do discurso legítimo (cf. AUSTIN, 1986, p. 37-38):

(1) Na via da verdade, a contradição não pode ser aceita. A relatividade contextual não evita a contradição e os enunciados da via da verdade não admitem expressões qualificadoras. Da ausência de contradição, seguem- se as demais regras.

(2) O que é é o único tema genuíno de um enunciado, expresso através da cópula estí, que garante seu aspecto referencial.

(3) O enunciado verdadeiro é aquele que diz é sem nenhuma possibilidade de que esse é seja negado. A verdade é garantida pela ausência de contradição. Em oposição à verdade, está o discurso dos mortais. A via do não é, por sua vez, corresponde à falta de sentido do enunciado.

(4) a negação pode incidir sobre o predicado gramatical ou sobre o enunciado como um todo, como ocorre na negação modal, mas nunca sobre a cópula. A locução oúk estí pode ser usada como nome da via negativa - um nome sem referente -, com o valor modal de não é possível ou para indicar uma consequência a ser evitada - associar oúk à cópula. Nos dois primeiros casos, o uso é inócuo, pois não há negação de é. No último caso, o uso de oúk estí é feito com uma finalidade pedagógica, para mostrar o que não se pode dizer, se se pretende dizer o que é.

Parmênides considera que um enunciado que associa oúk a estí não pode expressar um julgamento, da mesma maneira como a expressão oúk estí não pode se referir a algo. Essa objeção à predicação negativa se deveria ao fato de que alguns predicados negados, se fossem admitidos, implicariam sentenças do tipo o que-é é x e não é x. Por exemplo, se fosse admitido que o que é é maior em uma parte, teríamos de concordar que ele não é maior na parte em que é menor. Portanto, ele é maior e não é maior. Tal contradição poderia ser suprimida pela relatividade contextual. Parmênides, no entanto, não se serve do mesmo princípio de não-contradição que será mais tarde formulado por Platão e Aristóteles, mas de um princípio diverso, que anula os qualificadores dos predicados, talvez em uma tentativa de evitar toda relatividade contextual que possa impedi-los de ser verdadeiros.2 2 Resquícios dessa lógica são encontrados em Eutidemo 283c-d. A afirmação o que é é maior aqui possibilita dizer o que é não é maior ali, ou seja, o enunciado o que é é maior pode ser verdadeiro em um contexto e falso em outro. Assim, em um processo de simplificação, o que é é maior aqui e não é maior ali passa a ser entendido como o que é é maior e não é maior, que é novamente simplificado para o que é é e não é. Essa lógica, dessa forma, não apenas desconsidera os qualificadores que indicam uma relatividade contextual dos predicados, como também põe em segundo plano os próprios predicados, dando ênfase à cópula. O enunciado o que é não é maior fica reduzido à contradição o que é não é. Qualquer predicado que admita a contradição, isto é, que permita dizer não é daquilo que é, embora em contextos distintos, é então recusado.

O não-ser, no poema, significa medén, palavra comumente traduzida como nada, que indica a falta de unidade e determinação – o não-um. Ao excluir o não-ser do lógos com o argumento de que o não-um não pode ser pensado, Parmênides nos oferece uma ontologia do ser puro, uno no sentido absoluto da unidade, sem nenhuma mistura ou divisão. O monismo de Parmênides, pois, não é primário, mas derivado da impossibilidade do não-ser. A unidade do ser eleata pode ser entendida como uma unidade numérica – só uma coisa pode e deve existir, uma coisa solitária, não sujeita a mudanças –, mas há outro sentido do monismo que deve ser considerado, o monismo predicativo, segundo o qual cada coisa pode possuir apenas um único predicado, e deve possuí-lo de modo forte. Segundo essa perspectiva, todas as afirmações do tipo X é F são afirmações sobre o que X é por natureza. Portanto, nenhuma divisão interna é possível e não há diferença na F-dade que algo é.

A diferença, mostra o Estrangeiro de Eleia, depende de uma multiplicidade de caracteres ou naturezas e, por conseguinte, do ser do não-ser. Na perspectiva eleata, no entanto, a diferença não institui multiplicidade interna. O único sentido do ser é a identidade absoluta e o único sentido do não-ser é a diferença radical. Tudo o que pode ser dito do ser é a negação do não-ser. Nem a afirmação nem a negação possuem um caráter informativo.

Mesmo que se considere um pluralismo numérico, a concepção eleata de não-ser não permite nenhuma relação entre as coisas que são. No horizonte da discussão apresentada pelo Estrangeiro, no Sofista, a herança eleata seria uma espécie de "atomismo lógico-ontológico" que persiste mesmo na ontologia pluralista, segundo o qual o não-ser incide no ser apenas exteriormente. Isso pode ser evidenciado quando se examinam os paradoxos sobre o ser apresentados no sofista. Seguir a lógica de parmênides conduz à impossibilidade de relações entre os seres e, em consequência, à impossibilidade de informação sobre os seres. Protágoras e Antístenes servirão, aqui, como bons representantes de tais dificuldades.

O tratamento do não-ser e da negação, em Protágoras, deve ser considerado a partir de duas bases – o relativismo e a antilogia. a tese do homem-medida (atribuída a Protágoras por Platão – Teeteto 152a – e por Sexto Empírico – Contra os matemáticos VII 60) evidencia que cada percepção é marcada pela diferença. O vento-frio que percebo agora é diferente da percepção de outra pessoa, e diferente também do vento-frio que percebi em outro momento.3 3 O que permanece idêntico é o lógos - vento-frio. Em cada instante que alguém diz o vento é frio, fala de percepções distintas, embora as palavras sejam as mesmas. A equivalência entre ser e parecer ser, proposta por Protágoras, associada à ontologia do fluxo, à qual Protágoras teria aderido, segundo Platão, no Teeteto, faz com que cada percepção seja uma unidade instantânea, separada de outras percepções pelo não-ser. O caráter inicial da percepção é o de um átomo incomensurável com outras percepções, com outros átomos "ontológicos", cujo destino, traçado pelo dito de Parmênides, é o mesmo pensar e ser, seria sua expressão em átomos lógicos incomunicáveis aos outros, mas, mais perturbador ainda, incompreensíveis para a mesma pessoa. A prescrição de Parmênides obrigaria a uma espécie de linguagem privada para cada instante de cada percepção, não fosse o papel unificador do lógos.4 4 Ao lógos protagoreano cabe superar a ontologia dos pareceres instantâneos e unificar o mundo. Cada percepção, em cada momento, é diferente das outras e o que permanece idêntico é o lógos, fruto da convenção. Assim, o lógos - garante um significado convencional para as coisas em fluxo. O ser não se aplica fora dos limites do fluxo, mas é resultado de uma fixação transitória. É o lógos - que funda o ser.

A tese das antilogias (atribuída a Protágoras, por Diógenes Laércio IX 51) - sobre todas as coisas há dois lógoi em oposição um ao outro - seria uma expressão do modo como a lógica relativista trata a questão da negação (cf. DUPRÉLL, 1948, p. 40). Para Protágoras, todo lógos pode ser afirmado ou negado segundo o ponto de vista em que o consideramos. Não se trata de afirmação e negação de uma mesma realidade, que seria um referente fixo do discurso; tampouco se trata da oposição de dois lógoi que remetem, cada um deles, a um ser diferente com determinação própria. Assim, a afirmação de que os lógoi opostos não concernem à mesma coisa não significa que, tendo em vista os enunciados o vento é frio e o vento não é frio, cada um deles se refere a um vento diferente, o vento que para mim é frio e o vento que para você não é frio. Eles nomeiam fatos de percepção distintos.5 5 Proponho essa interpretação a partir de Eutidemo 283e-286b.

O estabelecimento da relatividade contextual permite a Protágoras recusar a contradição; porém, diferentemente do que propõe Parmênides, o princípio de não-contradição não obriga a uma recusa da negação. Não há contradição entre os enunciados A é B e A não é B, porque eles recebem qualificadores do tipo para a e para b. Nesse sentido, não se pode dizer o que é afirmando ou negando o mesmo lógos referente à mesma coisa, em circunstâncias diferentes, já que não se trata da mesma coisa, em circunstâncias diferentes, mas de coisas diferentes, pois parecem de forma diferente para pessoas diferentes. Os lógoi dizem o que cada coisa é para cada sujeito tal como ela é, ou seja, como parece a esse sujeito, naquele momento. Falar de uma coisa tal como ela não me parece equivale a negar o predicado dessa coisa nesse momento para mim, quer dizer, para cada coisa nesse momento para mim, há dois lógoi em oposição, que correspondem a falar da coisa como ela me parece e falar da coisa como ela não me parece. Nessa perspectiva, não há como contradizer outra pessoa, porque ela não fala da mesma coisa que eu, senão de como as coisas parecem a elas.6 6 Podemos pensar, no entanto, que, se cada percepção é verdadeira, há muito mais que dois lógoi em oposição sobre cada coisa, dada a multiplicidade das percepções e a relação direta entre lógos e parecer ser. A grande variedade de experiências perceptuais, no entanto, pode ser reduzida a dois lógoi, o que afirma uma percepção e o que a nega.

Essa interpretação propicia uma análise da negação. O problema da negação é que ela só tem sentido se há um objeto ao qual se refira. Como o enunciado o vento é quente, segundo a teoria dos dois lógoi em oposição, pode ser traduzido para o vento não é frio, a negação tem um referente positivo, ou seja, o não-frio indica quente.

A multiplicidade de aparências, quando inserida na linguagem, reduz-se a uma oposição de lógoi coerentes e incomensuráveis. o estabelecimento do não-ser como diferença, em Protágoras, possibilita o trânsito no interior do discurso, embora se trate de uma diferença radical, nos moldes do eleatismo. o não-ser tem um papel de separar as coisas que são (que parecem ser), gerando um discurso que é incapaz de informar.7 7 O lógos, para Protágoras, não tem uma função informativa. Sua abrangência é prática - o lógos logra substituir percepções piores por percepções melhores. O lógos de Protágoras leva, paradoxalmente, à mesma conclusão a que chegamos a partir de Parmênides: não se pode dizer o que é afirmando ou negando o mesmo lógos referente à mesma coisa, em circunstâncias diferentes. Para Parmênides, não se pode negar o que é. Para Protágoras, não se trata da mesma coisa em circunstâncias diferentes, mas de coisas diferentes. A homogeneidade entre lógos e tò òn de Parmênides é, paradoxalmente, invertida por Protágoras, a partir de uma base eleata: se o não-ser tem a potência de tudo separar, discurso e ser (o que parece ser) não podem se tocar.

A concepção de lógos de Antístenes, por outro lado, proporia, no âmbito de uma ontologia pluralista, o restabelecimento do vínculo entre lógos e tò ón criticado pelos sofistas.8 8 O pensamento de Antístenes revela uma influência protagoreana, se não histórica, pelo menos no modo como Platão compreende Antístenes e Protágoras. Essa influência pode ser notada em Eutidemo 283e-286b, onde Platão expõe argumentos contra a possibilidade da falsidade e da contradição que são atribuídos à escola de Protágoras e a outros mais antigos, em referência talvez a Parmênides, mas cuja estrutura é a mesma de argumentos atribuídos historicamente a Antístenes. Considero que tanto Antístenes quanto Protágoras estão envolvidos nos argumentos, pois suas teses, embora enunciadas de modo diverso, partem do mesmo ponto - a ontologia e a lógica eleatas, que são afirmadas por um e negadas pelo outro - e chegam à mesma conclusão - a impossibilidade da relação entre discurso e ser. Isso, porém, não logra permitir escolhas no discurso (Sofista 251a-c), e o dialético, aquele que vê e diz como os seres se relacionam (Sofista 253c-d), não tem ainda a sua ciência legitimada.

Para Antístenes, o lógos manifesta algo e tal significado é objetivamente determinado, ou seja, para cada coisa que é só há um lógos, aquele que diz o que a coisa é. Tal como em Protágoras, para Antístenes não é possível enunciar proposições contraditórias sobre um mesmo tema, pois, se dois interlocutores falam da mesma coisa, eles não podem senão dizer a mesma coisa, e se eles dizem coisas diferentes, eles não falam da mesma coisa (argumento atribuído a Antístenes por Asclépio, no Comentário à metafísica, citado por Aubenque (1962, p. 100-101). Esse argumento é sustentado por uma relação de correspondência biunívoca entre plano ontológico e plano linguístico, na qual, para cada coisa, corresponde um e um só discurso. O enunciado é um nome complexo que nomeia um fato. Como Sócrates é o único nome para Sócrates, o homem é bom é o único nome do fato homem-bom. o discurso, portanto, tem uma relação direta com o ser, mas não tem como função analisar a estrutura do ser, senão apenas designar a coisa de maneira simples e imediata. Cada coisa tem um lógos próprio, que diz o seu ser tal como é, uno e separado dos outros seres. Assim, a única função do não-ser é separar radicalmente a identidade entre os seres, e não há possibilidade de pensar a negação nem o falso.

O que interessa salientar é que tanto Antístenes quanto Protágoras são herdeiros da tese eleata da oposição entre ser e não-ser, pensamento esse que criará sérias dificuldades para a concepção de lógos que informa sobre o ser, defendida pelo Estrangeiro de Eleia. Se ser e não-ser não se tocam, entre todas as coisas só há diferença completa. As coisas unas e idênticas a si mesmas são isoladas por uma operação externa do não-ser e não admitem mistura. No plano do discurso, não podemos pensar em afirmação nem em negação a não ser como afirmação e negação da identidade. A negação, desse modo, não informa nada sobre uma coisa, apenas indica a diferença entre essa coisa e todas as demais.

No Sofista, para dar consistência ontológica ao lógos que permite uma escolha entre o é e o não é, Platão apresenta uma ontologia relacional que busca propiciar a convivência da unidade com a multiplicidade, da identidade com a diferença. Para tanto, ele propõe que os seres participam de algumas formas e não participam de outras (Sofista 252d-e). a participação e a não-participação são relações ontológicas que dão razão ao ser de uma coisa, pois os seres são constituídos por sua participação em várias formas e por sua não-participação em outras.

Platão reconhece que as formas, por sua natureza, estão em uma rede de entrelaçamentos e que certas formas, chamadas de grandes gêneros, possibilitam esse entrelaçamento. Elas são o ser, o mesmo e o outro. Essas formas garantem a constituição ontológica das coisas que são, fundamentando, por sua vez, o lógos que expressa essas relações. A participação nas formas, por conseguinte, mostra-se como condição do discurso (Sofista 259e).

O Estrangeiro fornece, pela participação nas formas, estatuto ontológico ao não-ser, não mais entendido, ao modo eleata, como o que absolutamente não é, mas como o que não é em relação a algo. A tese da participação aponta que não é possível que as relações entre os seres se baseiem apenas na diferença radical ou na ausência completa de diferença. Se só há diferença, compreendida no modo forte, não há combinação entre as formas e não há discurso. Se, por outro lado, não há diferença, todas as combinações são possíveis e todos os enunciados são verdadeiros, o que significa que, nesse caso, tampouco pode o discurso atingir a especificidade de cada ser. O discurso informativo, fundado sobre a participação, exige que identidade e diferença relativas convivam nas relações ontológicas e, consequentemente, nas relações entre o tema do enunciado e o que é dito sobre ele.

A predicação, mostra a argumentação do Estrangeiro, ao longo dos paradoxos apresentados no Sofista, não deve ser concebida como uma identificação total entre os dois termos do enunciado. O é dos enunciados positivos apresentados em 255e-256d - o movimento é, o movimento é o mesmo, o movimento é outro - é um é de predicação que indica participação.9 9 Embora é, é o mesmo e é outro sejam expressões linguísticas incompletas, elas indicam possibilidade de predicação, já que as formas ser, mesmo e outro são aquelas que permitem as ligações entre todas as outras formas. Por outro lado, os enunciados negativos usados pelo Estrangeiro de Eleia nessa seção - o movimento não é o repouso, o movimento não é o mesmo, o movimento não é o outro, o movimento não é o ser - dizem a alteridade do movimento em relação às quatro formas restantes, participe ou não delas. Estabelece-se, aqui, a negação da identidade, ou seja, a distinção de significados entre os termos envolvidos na predicação. Para dissolver a longa série de paradoxos apresentados no Sofista, no entanto, a negação não pode ser entendida apenas em termos de identidade negativa. Se a única operação da diferença for separar cada ser de todos, não há limites para a participação nem para o lógos. A negação da identidade é condição de possibilidade do discurso, mas não sua condição suficiente. O não-ser deve operar, também, de modo a possibilitar afirmação e negação de predicados.

A necessidade de uma operação forte da negação é indicada no exercício dialético da seção final do diálogo Parmênides, no qual os argumentos levam a concluir que a participação no ser não é capaz de garantir a possibilidade do discurso informativo, uma vez que não permite determinar o que cada coisa é em sua especificidade.10 10 O exercício dialético consta da determinação das consequências que resultam, para o uno e para as outras coisas, da afirmação e da negação do ser do uno. Há, assim, quatro hipóteses a serem examinadas: (i) se o uno é, quais as consequências para o uno? (ii) se o uno é, quais as consequências para as outras coisas? (iii) se o uno não é, quais as consequências para o uno? (iv) se o uno não é, quais as consequências para as outras coisas? Cada uma dessas hipóteses é examinada sob dois pontos de vista, elevando para oito o número de hipóteses. Segundo a interpretação de Brochard (1966), esse desdobramento de hipóteses estaria justificado na parte inicial da segunda hipótese, onde se estabelece que, se o uno é, não é possível que não participe do ser. O exercício dialético teria como função provar que, nos casos em que algo uno participa do ser, sendo ou não sendo, todos os predicados são atribuídos a ele e às outras coisas, inclusive aqueles pares de predicados contraditórios. Ao contrário, nos casos em que algo uno não participa do ser, sendo ou não sendo, nenhum predicado é atribuído, nem a ele nem às outras coisas. Isso significa que a participação no ser, como fundamento ontológico do discurso, não pode ser irrestrita. Se participar do ser equivale a participar indistintamente em todas as formas, todas as coisas que participam do ser possuem todos os predicados e a predicação é incapaz de informar sobre o ser de algo. O paradoxo mostra a necessidade de uma operação da diferença capaz de estabelecer a especificidade de cada ser, indicando suas determinações negativas.

A solução a esse paradoxo é apresentada em Sofista 251e-252e. A discussão sobre as relações entre os seres, nessa seção, parte de hipóteses que buscam esclarecer a participação: (a) os seres são incapazes de qualquer comunicação; (b) todos os seres se comunicam com todas as formas; (c) cada ser participa de algumas formas e não de outras. As duas primeiras hipóteses refletem, respectivamente, a impossibilidade de admissão de qualquer predicado para qualquer coisa e a possibilidade de admissão de todo e qualquer predicado para cada coisa. Em (a), nada pode ser dito de nada, já que recusar a participação seria recusar qualquer possibilidade de falar sobre o ser de algo. Em (b), tudo pode ser dito de tudo e tudo é verdade, até mesmo as contradições, pois a participação é universal. Uma vez que essas duas hipóteses de relação entre os seres atestam a incapacidade de fundamentar o discurso informativo, há necessariamente que se optar pela terceira: alguns seres combinam-se entre si, outros não se combinam. A participação no ser não conduz, portanto, a uma participação indefinida. Deve haver algo que determine quais as formas de que um ser não participa. Para isso, Platão introduz o outro como a forma que impõe limites à participação, permitindo dizer o que as coisas não são. Assim, é preciso entender o outro como uma diferença interna, constitutiva de cada coisa. A diferença deve definir os limites do ser de uma coisa e, consequentemente, definir os limites do que pode ser dito sobre ela.

De acordo com essa perspectiva, a diferença deve ser tratada de um modo mais estrito, possibilitando não apenas a identidade negativa, mas também a predicação negativa. Esse tratamento da diferença é introduzido na seção 257b-258a, quando o Estrangeiro de Eleia, após ter mostrado que o não-ser é, propõe expor qual a sua natureza. A estrutura do argumento é a seguinte:

(a) sempre que enunciamos o que não é, não enunciamos algo contrário ao que é, mas somente algo diferente (héteron);

(b) por exemplo, quando dizemos algo não-grande, indicamos, com essa expressão, tanto o pequeno quanto o igual;

(c) a negação (apófasis) não significa o contrário (enantíon), mas o e o , colocado antes de uma palavra, indicam coisas diferentes dos nomes que vêm em seguida.

O Estrangeiro propõe o exemplo do não-grande para alertar que a negação nem sempre envolve contrários, ou seja, a negação de um predicado contrário não pode ser tomada como regra para a negação. Assim, ele recusa o modo como Parmênides entende a relação entre é e não é, como duas expressões excludentes, e argumenta contra a concepção eleata de negação, que exclui o não do discurso por contradizer o é. O enunciado A não é grande não afasta a possibilidade de que A possua outros predicados, porque não não indica negação do ser, mas uma coisa outra sobre o que é (perí tò ón).

Feita essa substituição de contradição (enantíon) por diferença (héteron), o Estrangeiro de Eleia torna mais precisa a compreensão da negação em 258a-b: a antíthesis de uma parte da natureza do héteron e de uma parte da natureza de tò ón, colocando uma em oposição com a outra, não significa o contrário do que é, mas apenas outro que ele. A definição da negação é fornecida em 258e como cada parte da natureza do héteron em antíthesis a tò ón. Temos, então, que o héteron é dividido em partes e que cada parte é definida como outra em antítese a uma forma dada. Por exemplo, não-belo não é diferente de nada mais senão da natureza do belo, e não da natureza do ser. Portanto, a parte do outro posta em contraste com o belo é o não-belo, e não o justo ou o grande. Se a diferença fosse um todo indivisível, isto é, se não houvesse substituições específicas para F em X é outro que F, enunciados desse tipo seriam lidos como X é outro que todas as coisas. O não-ser não é posto em contraste com o ser em bloco, mas em contraste com o ser parceladamente, sendo que cada parte do não-ser é colocada em antítese com um ser determinado. Dessa forma, o não-F é definido em termos de antítese entre não e F, e não entre não e é, como supõe Parmênides.

Podemos, agora, examinar a análise da negação em termos de héteron. A compreensão da passagem que define a negação no Sofista é motivo para controvérsias, principalmente porque é possível considerar que a solução dada ao problema da negação não é compatível com a análise do enunciado falso fornecida mais adiante pelo Estrangeiro e que haveria, pois, uma ambiguidade no sentido de héteron para dar conta do não-ser da negação. Para formular uma interpretação menos problemática dessa seção, proponho que ela seja feita à luz da análise do falso, já que grande parte das dificuldades para compreender a análise que o Estrangeiro de Eleia faz do falso provém da maneira como se compreende a descrição do enunciado negativo e, mais especificamente, como se compreende o termo héteron. A primeira dessas dificuldades é saber se, ao longo do diálogo, héteron tem um sentido único ou se há uma distinção entre os dois usos de não é no texto, identidade negativa e predicação negativa. Mesmo que essa distinção não seja explícita, pode-se ver uma separação entre a passagem na qual há exemplos de não-identidade – 255e-257a – e aquela na qual há exemplos de predicação negativa – 257b-258c. Embora tanto a identidade negativa quanto a predicação negativa sejam condições de possibilidade do discurso informativo, a admissão de dois usos distintos de não é conduz à dificuldade em decidir qual desses usos está presente na análise da falsidade.

Ao expor a definição da falsidade em 263b, o Estrangeiro de Eleia diz a Teeteto: o falso diz /.../ coisas que são outras que as que são sobre você, pois, sobre cada ser, muitas coisas dizemos ser e muitas não ser. Tal definição faz uma possível referência à passagem 256e: acerca de cada uma das formas, muito é o ser e infinito em número o não-ser. Se aceitarmos que o texto do Sofista oferece um limite entre duas passagens que tratam o não é de modo distinto, iremos verificar que o Estrangeiro de Eleia, ao definir a falsidade, faz referência à passagem que concebe a diferença como identidade negativa. Por isso, esse mesmo tratamento deveria ser dado à diferença na definição do falso.

Se héteron é entendido como não-idêntico, o enunciado falso, ao dizer ónta hétera perí X, seria analisado como: A é B é falso quando há algum C tal que C é um ón perí A e C é não-idêntico a B. Nesse sentido, Teeteto voa é falso porque voar é não-idêntico a um dos predicados de Teeteto. Essa análise, no entanto, não garante a falsidade de Teeteto voa, pois voar é não-idêntico a todos os predicados de Teeteto - falar, ser branco, ser estudante de matemática -, e não a algum predicado particular, como estar sentado. Frente a essa dificuldade, parece ser mais adequado compreender o héteron presente na definição do falso como predicação negativa.

Vejamos, contudo, alguns problemas a que são levados os que privilegiam essa possibilidade, tomando como base a interpretação de Kostman (1973, p. 201). Segundo esse comentador, o argumento que estabelece a análise da predicação negativa, exposto em 257b-258c, se estrutura assim: (1) enunciação da tese: sempre que enunciamos o que não é, parece que: (a) nós não enunciamos algo enantíon ao que é, (b) mas algo héteron; (2) ilustração da tese: quando dizemos algo não-grande, queremos significar tanto o pequeno quanto o igual; (3) reelaboração de 1: portanto, uma partícula negativa não significa um enantíon, mas os prefixos ou indicam alguma das coisas outras que as palavras que seguem. A tese de Kostman é de que o sentido de héteron, nessa passagem, é diferente de seu sentido na seção anterior. Se entendermos o héteron desse argumento como não-idêntico, devemos concluir que (2) indica que não-grande inclui todos os predicados não idênticos a grande e o não-grande teria uma extensão infinita, incluindo todas as formas, exceto grande. O não-grande, porém, é tratado como se seu escopo abrangesse apenas o pequeno e o igual. Isso é mais bem esclarecido em (3), quando o Estrangeiro mostra que, em enunciados do tipo A é não-B, onde B é o nome de uma forma, a expressão não-B equivale a um predicado cujo sentido é determinado tanto por B quanto pelo não. Desse modo, em A é B, B significa uma forma que é predicada de A, ao passo que em A é não-B, não-B engloba uma série de formas, cada uma delas membro do que é héteron com relação a B. O papel de não seria indicar algum membro desse grupo e predicá-lo de A, sem definir que forma está sendo indicada ou predicada. A classe de formas englobadas no que é héteron em relação a B pode ser determinada a partir de (2). Se B significa grande, a classe de outros abrange pequeno e igual. Alguém que diz A é não-grande predica de A ou pequeno ou igual, sem determinar qual deles é predicado.

O exemplo do Estrangeiro, segundo Kostman, pode ser assim generalizado: se A é grande é um enunciado com sentido, mas falso, então A é pequeno ou igual. Isso equivale a dizer que grande, pequeno e igual constituem uma classe de predicados incompatíveis. A predicação negativa seria, portanto, uma afirmação. O signo de negação vincula-se não ao é, mas ao predicado, indicando outros predicados incompatíveis ao que é atribuído ao sujeito. Tomando héteron como incompatibilidade, teremos então a seguinte análise da falsidade: A é B é falso se há pelo menos uma forma C tal que C é um ón perí A e C é incompatível com B. Nessa perspectiva, Teeteto voa é falso, porque voar é incompatível com um dos predicados de Teeteto

Essa interpretação, fornecendo um referente positivo para a negação, propõe a escolha entre o verdadeiro e o falso no plano ontológico como uma escolha entre A participa de B e A participa de C. Isso parece, no entanto, desconsiderar a tese fundamental da comunicação entre os seres, exposta pelo Estrangeiro, para a qual a não-participação é tão constitutiva na natureza de cada ser quanto a participação. Além disso, tal interpretação supõe dois sentidos distintos de héteron.11 11 Entre os problemas relativos a essa análise, lembremos que, quando o Estrangeiro de Eleia define o enunciado falso, ele não faz nenhuma referência a héteron como incompatibilidade, mas, antes, alude à seção na qual não é seria tratado como identidade negativa (cf. ECK, 1995, p. 26-27). Tais dificuldades levam alguns comentadores a concluir que não há como saber qual das duas análises da falsidade é mais adequada, já que é possível levantar objeções contra todas elas (por exemplo, KEYT, 1973, p. 298-305). De fato, parece não haver uma separação nítida entre a passagem que trata o não é como identidade negativa e a passagem que trata o não é como predicação negativa. Por exemplo, o enunciado o movimento não é repouso, exposto em 255d, na seção que trataria da identidade negativa, não deve ser entendido apenas como negação da identidade, visto que a questão colocada em 256b, se o próprio movimento participasse do repouso, não seria nada estranho chamá-lo de imóvel? é uma expressão de participação e, portanto, é um enunciado predicativo. A separação entre os tratamentos de casos de não é parece ter uma função relacionada com a estratégia argumentativa do Estrangeiro de Eleia: primeiramente, mostrar que o não-ser é e, depois, mostrar o que ele é. Torna-se difícil saber se Platão distinguiu dois tipos de negação e que análise da falsidade é oferecida com base apenas na localização textual. Além disso, a afirmação acerca de cada uma das formas, muito é o ser e infinito em número o não-ser não é suficientemente precisa para permitir decidir se o Estrangeiro de Eleia está falando do não-ser como identidade negativa ou como predicação negativa.

Para que a distinção entre negação da identidade e negação da predicação seja menos problemática, eu proponho que, no Sofista, devemos pensar a operação da diferença em dois níveis: a identidade negativa é expressão da não-identificação de significados dos termos do enunciado, abrindo, no entanto, a possibilidade de que esses termos se vinculem de modo positivo ou negativo, sendo que a vinculação positiva indica participação e a negativa indica ausência de participação. Assim, não é necessário que a análise da negação seja feita em termos da afirmação de um predicado incompatível com o predicado negado. Ela pode ser feita em termos de não-participação.

A partir dessa leitura, a diferença entre negação da identidade e negação predicativa não se baseia em uma ambiguidade no uso de não-ser, mas corresponde a uma distinção entre não ser parcialmente idêntico e não ser completamente idêntico. Embora haja uma aparente divisão, no texto do Sofista, entre a seção que trata o não é como identidade negativa e aquela que entende o não é como negação de predicação, as duas operações da diferença são indicadas, em conjunto, em 255e – o Estrangeiro afirma que o movimento não é o repouso, sob a justificativa de que ele é completamente outro que o repouso, o que pode ser entendido como predicação negativa. A distinção do movimento com relação ao mesmo, todavia, não é completa, pois o movimento não é o mesmo e é o mesmo. Podemos entender que o movimento participa da mesmidade sem se confundir com ela, e não é o mesmo indica não-identidade.

A argumentação do Estrangeiro em torno da participação evidencia que o que cada ser é no sentido absoluto, ou seja, o que garante sua identidade, corresponde ao que ele é e não é no sentido relativo por participação na identidade e na diferença. Essas observações permitem apresentar um quadro geral sobre o discurso no Sofista. dizer que a é b significa dizer que a participa de B. A participação é uma relação mediada pelas formas ser, mesmo e outro. Isso significa que o é significa participa do ser, e participa do ser significa participa da identidade e participa da diferença. Ao participar do mesmo com relação a si mesmo e do outro, como diferença absoluta com relação aos outros seres, cada coisa é no sentido absoluto, o que se traduz discursivamente como possibilidade de nomeação. Fica, desse modo, fundamentada a função referencial do discurso. Mas, para garantir a predicação, ou seja, a função relacional do discurso, o mesmo e o outro são relativizados, fundamentando a constituição interna de cada coisa. Assim, ser no sentido absoluto significa ser parcialmente idêntico a muitas coisas e completamente diferente de muitas outras, o que se traduz discursivamente como predicação e negação. Em suma, o ser absoluto de cada coisa, expresso como identidade absoluta (completa) e diferença absoluta (parcial), é constituído de relações de identidade relativa (parcial) e diferença relativa (completa).12 12 Um exame mais aprofundado sobre essa interpretação da participação no Sofista encontra-se em Souza (2009). Essa ontologia depende de duas operações do não-ser: uma operação externa, a qual separa cada ser de outro, como já ocorria no monismo predicativo, e uma operação interna, que garante a divisibilidade de cada ser e possibilita a participação e a predicação. As duas operações da diferença se explicam através da natureza do não-ser, una porém dividida em partes.

A negação tem, portanto, duas expressões. A participação na diferença, em sentido absoluto, separa cada coisa de todas as outras, excluindo toda possibilidade de identificação completa entre os seres participantes. Essa diferença, correspondente à negação da identidade, é parcial, porque não impede a relação entre seres distintos. A diferença, todavia, proporciona também a separação completa entre seres não participantes, circunscrevendo o ser de algo segundo sua natureza. A predicação negativa, em consequência, corresponde à não-participação em uma forma. Uma coisa A pode ou não participar de uma forma B. Isso abre duas possibilidades no discurso, A é B e A não é B. Na seção final do Sofista, essa abordagem da negação como não-participação propiciará a análise do falso: um enunciado A é B é falso, porque A não é B. Em outros termos, o enunciado Teeteto voa é falso, porque Teeteto não voa.

No plano do Sofista, o ser dito pelo discurso é constituído por sua participação em várias formas e por sua não-participação em outras. Assim, a não-participação tem um caráter constitutivo dos entes tanto quanto a participação, colocando um limite na multiplicidade de cada ser. a afirmação diz o ser de algo, indicando suas partes constitutivas, enquanto a negação, dizendo o que não é, fornece uma informação sobre aquilo de que falamos, ao indicar os limites da participação. Em decorrência, o ser de algo é determinado tanto positivamente quanto negativamente. O enunciado Sócrates não é belo informa tanto sobre o ser de Sócrates quanto o enunciado Sócrates é corajoso.

É possível, então, atribuir ou negar vários predicados com relação a cada coisa que é. A predicação envolve dois termos de significados diferentes, cujos referentes estão em uma relação de participação sem que, com isso, percam sua determinação. Ao contrário, é essa pluralidade limitada que define o ser de cada coisa, permitindo dizer o que cada uma é, através de enunciados positivos e negativos. Nesse sentido, podemos entender a afirmação do Estrangeiro, acerca de cada uma das formas, muito é o ser e infinito em número o não-ser (Sofista 256e), como uma indicação de que os vários enunciados afirmativos e negativos a respeito de cada coisa dizem o ser dessa coisa.

O projeto do Estrangeiro é refutar o isolamento entre ser e não-ser, que reduz o discurso à afirmação da identidade de um ser em relação a si mesmo e à sua diferença em relação a todos os demais. Segundo as regras adotadas por Parmênides para a construção do discurso, esse isolamento conduz à recusa da negação predicativa como um enunciado com sentido. Protágoras, por sua vez, oferece um tratamento da negação como afirmação enquanto oposição de um "ser" a outro "ser". Antístenes segue outro caminho, mas chega aos mesmos resultados, já que a homogeneidade entre plano ontológico e plano lingüístico, por ele sustentada, torna impossível dizer coisas diferentes do mesmo objeto. Para o Estrangeiro de Eleia, o não-ser passa a ser compreendido, em todas as suas ocorrências, como não-ser relativo, que se expressa como negação da identidade e, em alguns casos, como negação predicativa indicando não-participação. A negação, assim, não precisa ser compreendida como afirmação para ter sentido. Entender a negação como tendo um referente positivo seria aceitar a lógica de Protágoras, segundo a qual afirmação e negação são lógoi incompatíveis. Penso que, se a negação predicativa tem um sentido positivo, no sofista, não é porque se apoia em uma afirmação, mas porque ela é um enunciado informativo que indica a não existência de uma relação que não ocorre no plano ontológico e que constitui o ser de algo, tanto quanto as relações existentes.

Referências

1 Textos antigos

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2 Comentários citados

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  • 1
    Só o caminho de investigação que diz o ser em relação consigo mesmo merece, no poema, o nome de
    lógos. Uma vez que o
    noûs interdita qualquer mistura de ser e não-ser, é necessário que tudo o que for dito sobre o ser obedeça a essa interdição. O discurso dos mortais, que une ser e não-ser, não é
    lógos. Parmênides o chama de
    onómata. Desse modo, falar da geração e da corrupção é produzir um amálgama ilegítimo de coisas que não se misturam, sinal da incapacidade de discernimento dos mortais (fragmento VI). Eles não seguem o
    noûs e não percebem que devem escolher um entre dois caminhos. Seu discurso afirma tanto
    é quanto
    não é, ignorando que esses são dois polos de uma alternativa. Por isso, esse tipo de discurso não atinge o ser, mas mescla ser e não-ser, sendo, portanto, um discurso vazio de sentido.
  • 2
    Resquícios dessa lógica são encontrados em
    Eutidemo 283c-d.
  • 3
    O que permanece idêntico é o
    lógos -
    vento-frio. Em cada instante que alguém diz
    o vento é frio, fala de percepções distintas, embora as palavras sejam as mesmas.
  • 4
    Ao
    lógos protagoreano cabe superar a ontologia dos pareceres instantâneos e unificar o mundo. Cada percepção, em cada momento, é diferente das outras e o que permanece idêntico é o
    lógos, fruto da convenção. Assim, o
    lógos - garante um significado convencional para as coisas em fluxo. O
    ser não se aplica fora dos limites do fluxo, mas é resultado de uma fixação transitória. É o
    lógos - que funda o ser.
  • 5
    Proponho essa interpretação a partir de
    Eutidemo 283e-286b.
  • 6
    Podemos pensar, no entanto, que, se cada percepção é verdadeira, há muito mais que dois
    lógoi em oposição sobre cada coisa, dada a multiplicidade das percepções e a relação direta entre
    lógos e parecer ser. A grande variedade de experiências perceptuais, no entanto, pode ser reduzida a dois
    lógoi, o que afirma uma percepção e o que a nega.
  • 7
    O
    lógos, para Protágoras, não tem uma função informativa. Sua abrangência é prática - o
    lógos logra substituir percepções piores por percepções melhores.
  • 8
    O pensamento de Antístenes revela uma influência protagoreana, se não histórica, pelo menos no modo como Platão compreende Antístenes e Protágoras. Essa influência pode ser notada em
    Eutidemo 283e-286b, onde Platão expõe argumentos contra a possibilidade da falsidade e da contradição que são atribuídos à escola de Protágoras e a outros mais antigos, em referência talvez a Parmênides, mas cuja estrutura é a mesma de argumentos atribuídos historicamente a Antístenes. Considero que tanto Antístenes quanto Protágoras estão envolvidos nos argumentos, pois suas teses, embora enunciadas de modo diverso, partem do mesmo ponto - a ontologia e a lógica eleatas, que são afirmadas por um e negadas pelo outro - e chegam à mesma conclusão - a impossibilidade da relação entre discurso e ser.
  • 9
    Embora
    é, é o mesmo e
    é outro sejam expressões linguísticas incompletas, elas indicam possibilidade de predicação, já que as formas ser, mesmo e outro são aquelas que permitem as ligações entre todas as outras formas.
  • 10
    O exercício dialético consta da determinação das consequências que resultam, para o uno e para as outras coisas, da afirmação e da negação do ser do uno. Há, assim, quatro hipóteses a serem examinadas: (i) se o uno é, quais as consequências para o uno? (ii) se o uno é, quais as consequências para as outras coisas? (iii) se o uno não é, quais as consequências para o uno? (iv) se o uno não é, quais as consequências para as outras coisas? Cada uma dessas hipóteses é examinada sob dois pontos de vista, elevando para oito o número de hipóteses. Segundo a interpretação de Brochard (1966), esse desdobramento de hipóteses estaria justificado na parte inicial da segunda hipótese, onde se estabelece que, se o uno é, não é possível que não participe do ser.
  • 11
    Entre os problemas relativos a essa análise, lembremos que, quando o Estrangeiro de Eleia define o enunciado falso, ele não faz nenhuma referência a
    héteron como incompatibilidade, mas, antes, alude à seção na qual
    não é seria tratado como identidade negativa (cf. ECK, 1995, p. 26-27). Tais dificuldades levam alguns comentadores a concluir que não há como saber qual das duas análises da falsidade é mais adequada, já que é possível levantar objeções contra todas elas (por exemplo, KEYT, 1973, p. 298-305).
  • 12
    Um exame mais aprofundado sobre essa interpretação da participação no
    Sofista encontra-se em Souza (2009).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      2010
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