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"Pensar contra a desesperança é uma obrigação" resposta a Georg Lohmann

Georg. A philosophy of history made sober - about the role of philosophy of history in Jürgen Habermas' critique theory of society

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"Pensar contra a desesperança é uma obrigação" resposta a Georg Lohmann2 2 Réplica proferida no congresso "Habermas e o materialismo histórico", que ocorreu na Universidade de Wuppertal (Alemanha), entre 23 e 25 de março de 2012, em resposta à conferência de Georg Lohmann reproduzida nesta edição (LOHMANN, Georg. "Uma filosofia da história tornada sóbria. Sobre o papel da filosofia da história na teoria crítica da sociedade de Jürgen Habermas"). (Tradução de Mariana O. N. Teixeira).

Georg. A philosophy of history made sober - about the role of philosophy of history in Jürgen Habermas' critique theory of society

Jürgen Habermas

RESUMO

Trata-se de uma réplica ao texto "Uma filosofia da história tornada sóbria", de Georg Lohmann. Nessa réplica o autor justifica que procura vincular uma teoria exigente da evolução social com a da consciência falível, porém não derrotista, de um ethos kantiano que nos obriga a contribuir de algum modo para a melhoria do mundo.

Palavras-chave: teoria da evolução, ethos kantiano, comunicação.

ABSTRACT

This is a reply to Georg Lohmann's paper "A philosophy of history made sober". In this reply the author justifies that he seeks to link a demanding theory of social evolution with the one of fallible, however not defeatist, consciousness, of a Kantian ethos that obliges us to contribute in some way to the betterment of the world.

Keywords: theory of evolution, Kantian ethos, communication.

É para mim uma felicidade ter Georg Lohmann como comentador e crítico informado de meus intentos; ele perscruta os textos à procura de motivos especulativos ocultos, talvez inspirado em seu mestre, Michael Theunissen. Lembro-me de uma semelhante busca por vestígios em sua resenha de profundo alcance sobre a Teoria do agir comunicativo, na Philosophische Rundschau. Naturalmente, não é sem ambivalências que leio ou ouço tais tentativas de pôr a descoberto minhas intenções especulativas ocultas. Gostaria, por um lado, de poder me reconhecer nesses textos que são, de certa forma, reveladores, porque me dão a sensação de que aprendo a compreender melhor a mim mesmo. Por outro lado, contudo, seria um pouco assustador se minha autocompreensão, explicitamente apresentada como pósmetafísica, dependesse de impulsos especulativos não declarados. Permitam-me iniciar com o fato de que Lohmann descreve corretamente uma disposição que, da perspectiva de um contemporâneo, certamente condiciona minhas percepções relativas ao diagnóstico de tempo – a ambivalência de um olhar dirigido simultaneamente aos riscos e aos potenciais de salvação. Lohmann afirma: "Talvez sejam essas experiências fundamentais – e afetivas – do teórico que lhe possibilitam esboçar uma autotematização da sociedade que aparece como determinada ao mesmo tempo por esperanças de progresso e temores de regressão".3 3 LOHMANN, Georg. op. cit., p. 217. Esse diagnóstico me ajuda a esclarecer, para mim mesmo, por que reajo com perplexidade, na verdade até com incompreensão, a imputações de uma atitude básica, seja otimista, seja pessimista, e mesmo à exigência de ter que escolher entre essas alternativas.

É certo também que a leitura de Die jüdische Mystik in ihren Hauptströmungen, de Gershom Scholem,4 4 SCHOLEM, Gershom. Die jüdische Mystik in ihren Hauptströmungen. Frankfurt am Main: Metzner, 1957 (tradução para o português: As grandes correntes da mística judaica. São Paulo: Perspectiva, 1972 -N. T.). abriu meus olhos não apenas para o parentesco da mística protestante de um Jakob Böhne5 5 Teólogo e místico alemão, pensador original da tradição luterana (N. T.). com a mística judaica de Luria de Safed.6 6 Habermas refere-se a Isaac Luria, rabino e místico judeu da comunidade de Safed, na Palestina, importante figura da tradição cabalística (N. T.). A partir desse retrospecto, pude ver também que significado os temas da "natureza em Deus" ou da "contração de Deus" tiveram para o motivo especulativo de minha dissertação sobre Schelling:7 7 Habermas, Das Absolute und die Geschichte. Von der Zwiespältigkeit in Schellings Denken. Bonn: H. Bouvier, 1954. em sua queda, Adam8 8 Trata-se de Adam Kadmon, o "homem original" da cabala (N. T.). arrasta consigo um mundo já completamente instruído no domínio do inteligível rumo ao abismo para onde Deus se recolhe a si mesmo, como que adentrando um exílio em si próprio e deixando totalmente aos homens, desse modo, a reedificação, a reconstrução da Criação arruinada. A humanidade abandonada a si mesma, à sua própria sorte, é compelida por Deus ao autoempoderamento – à libertação relativa à menoridade da qual ela própria é culpada. Agora compreendo também por que a dissertação me deixou insatisfeito. Pois, a partir das ruínas da primeira Criação, a humanidade abandonada a si mesma podia ao menos decifrar o plano original – a revelação de um mundo a ser restituído. O motivo da ressurreição da Natureza! Mas hoje – após terem secado as fontes da religião e da metafísica –, a partir de onde deveria ser adquirida tal orientação normativa? Foi essa perplexidade subsequente ao fim da dissertação que me conduziu – assim como a tantos outros – da filosofia para a sociologia e a teoria da sociedade, isto é, para um hegelo-marxismo frankfurtiano. À segunda metade dos anos 1950, então, pertencem as reflexões, inspiradas pelo jovem Marx, a respeito de uma filosofia da história empiricamente falsificável com intenção prática.

Durante o período em que fui assistente no Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, sugeria-se o vínculo com o motivo hegeliano do "poder vingador" (nos escritos de juventude de Hegel, há um fragmento sobre "crime e pena").9 9 Cf. os §§ 99 ss. das Linhas fundamentais da filosofia do direito ou direito natural e ciência do estado em compêndio. Campinas, SP: UNICAMP/IFCH, 1996 (N. T.). Recebido em: 01.08.2013 Aceito em: 01.08.2013 Com seu ato, o criminoso destrói a totalidade ética pressuposta de uma comunidade e põe em movimento uma dinâmica de exclusão que é inscrita na legalidade dialética de uma comunicação sistematicamente distorcida, e que retorna ao criminoso. Com isso, estava esboçado o caminho para a interpretação da psicanálise em termos de uma teoria da comunicação, em Conhecimento e interesse. É certo que retomei essa trilha, hoje, nos trabalhos sobre a comunicação ritual e sobre a verbalização do sagrado. Mas os potenciais de racionalidade da comunicação verbal que emerge de contextos profanos de ação conduziram-me, na época, àquela lógica do desenvolvimento que Piaget investigou em sua psicologia cognitivista do desenvolvimento. Albrecht Wellmer distinguiu corretamente dois modelos de desenvolvimento – um apoiado em Freud, o outro em Piaget –, e Georg Lohmann descreve agora os contornos de uma filosofia da história kantianamente tornada sóbria (à qual, porém, eu daria outro nome). Atualmente, tendo a vincular uma teoria exigente da evolução social, como aquela, por exemplo, com a qual trabalha Hauke Brunkhorst, à consciência falível, porém não derrotista de um ethos kantiano – um ethos luterano, se assim se quiser, que nos obriga a contribuir de algum modo para a melhoria do mundo, caso a teoria nos convença da sua provável decadência. Pensar contra a desesperança, por fim, não é somente um motivo, mas sim uma obrigação, porque, caso contrário, em muitas situações não seríamos mais capazes de agir, mas apenas de paralisarmo-nos.

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    Réplica proferida no congresso "Habermas e o materialismo histórico", que ocorreu na Universidade de Wuppertal (Alemanha), entre 23 e 25 de março de 2012, em resposta à conferência de Georg Lohmann reproduzida nesta edição (LOHMANN, Georg. "Uma filosofia da história tornada sóbria. Sobre o papel da filosofia da história na teoria crítica da sociedade de Jürgen Habermas"). (Tradução de Mariana O. N. Teixeira).
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    LOHMANN, Georg. op. cit., p. 217.
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    SCHOLEM, Gershom.
    Die jüdische Mystik in ihren Hauptströmungen. Frankfurt am Main: Metzner, 1957 (tradução para o português:
    As grandes correntes da mística judaica. São Paulo: Perspectiva, 1972 -N. T.).
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    Teólogo e místico alemão, pensador original da tradição luterana (N. T.).
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    Habermas refere-se a Isaac Luria, rabino e místico judeu da comunidade de Safed, na Palestina, importante figura da tradição cabalística (N. T.).
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    Habermas,
    Das Absolute und die Geschichte. Von der Zwiespältigkeit in Schellings Denken. Bonn: H. Bouvier, 1954.
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    Trata-se de Adam Kadmon, o "homem original" da cabala (N. T.).
  • 9
    Cf. os §§ 99 ss. das
    Linhas fundamentais da filosofia do direito ou direito natural e ciência do estado em compêndio. Campinas, SP: UNICAMP/IFCH, 1996 (N. T.). Recebido em: 01.08.2013 Aceito em: 01.08.2013
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Jan 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013
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