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Apresentação

Este número especial de Trans/Form/Ação é dedicado ao tema “consciência”, trazendo um amplo espectro de abordagens do fenômeno que contemporaneamente se tornou alvo do interesse de investigadores em diversas áreas do conhecimento. Procuramos aqui ilustrar e tratar sistematicamente os principais enfoques filosóficos oferecidos no recorte, descrição, interpretação e tentativas de explicação do fenômeno, contemplando tanto as tradições continentais quanto as analíticas.

O primeiro artigo, de autoria de Manuel Moreira da Silva, resgata uma abordagem ontológica da consciência, da tradição aristotélica e neo-platônica, que pretende superar as abordagens modernas, as quais se centram no conceito de representação mental. Enveredando nesta direção, o trabalho de Manuel termina por aproximar os filósofos antigos de contemporâneos como Heidegger e teóricos psicodinâmicos. O conceito de “manência” é utilizado, nesta abordagem, para expressar a intimidade da consciência com o ser.

No segundo artigo, Sam Coleman discute a teoria HOT (higher-order thought; vide Rosenthal, 2006ROSENTHAL, D. M. Consciousness and its expression. In: ROSENTHAL, D. M. Consciousness and Mind. USA: Oxford University Press, 2006. p. 307-319.), que defende a concepção moderna de consciência, na qual esta se formaria por meio de pensamentos a respeito de estados mentais, os quais podem ser de natureza cognitiva ou emocional. A expressão da consciência se faria cognitivamente, ou seja, em conceitos, que se formam espontaneamente e são comunicados por meio da linguagem verbal. Em sua nova versão da teoria HOT, a teoria “citacional” (quotational HOT), que parte de objeções apresentadas a partir do trabalho de Ned Block e Uriah Kriegel, Coleman argumenta por um processo não-representacional de segunda ordem, constitutivo da experiência consciente, pelo qual os processos representacionais de primeira ordem são acessados explicitamente, ou seja, se tornam presentes na experiência consciente. No terceiro artigo, David Rosenthal rebate tanto a objeção da “má representação” (misrepresentation), não referendada por Coleman, quanto a reinterpretação “citacional” de Coleman, procurando reafirmar e clarificar os princípios de sua própria teoria.

No quarto artigo aqui publicado, Jean-Luc Petit realiza uma crítica das abordagens neurocientíficas da consciência, argumentando que o naturalismo biológico implica em uma visão imanentista da consciência, ao passo que a abordagem fenomenológica faria melhor justiça ao caráter transcendente da experiência consciente humana. No quinto artigo, Carlos Maldonado se situa em posição diametralmente oposta a Petit, argumentando por uma visão panpsiquista forte, na qual a experiência consciente emerge de processos imanentes à natureza física.

No sexto artigo, Michael Woodruff trabalha o conceito de sentiência como modalidade básica da consciência, encontrada em outras espécies biológicas além da humana. Sua abordagem se aproxima da neurofilosofia, argumentando a partir dos resultados da neurobiologia, o que se revela pertinente para seu objetivo, uma vez que no estudo da consciência não-humana não dispomos de relatos qualitativos, ou de primeira pessoa, a respeito da experiência consciente do agente. Assim como nos artigos seguintes, o trabalho de Velmans (2009)VELMANS, M. Understanding consciousness. 2nd. ed. London: Routledge, 2009., que foi posicionado no centro do debate em esforços interpretativos prévios (Pereira Jr. et al., 2010PEREIRA JR., A. et al. Understanding consciousness: a collaborative attempt to elucidate contemporary theories. Journal of Consciousness Studies, v. 17, n. 5/6, p. 213- 219, 2010.; Pereira Jr and Lehmann, 2013PEREIRA JR. A.; LEHMANN, D. (ed.). The unity of mind, brain and world: current perspectives on a science of consciousness. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2013.), é retomado como referência para o enquadramento da problemática da consciência.

O sétimo artigo apresenta um desenvolvimento do monismo dual (dual aspect monism) por Ram Vimal. As abordagens monistas que distinguem diferentes aspectos da realidade se colocam como alternativa ao materialismo e ao idealismo, procurando contemplar a parte de verdade de cada uma. Esta vertente apresenta diversos desdobramentos na filosofia contemporânea, muitas vezes combinada com o monismo neutro, que consiste - nesta variante - em se postular uma origem comum para os dois ou mais aspectos (basicamente, o material e o mental).

O oitavo artigo, de autoria de Whit Blauvelt e Clare Mundell, propõe uma reconsideração dos paradoxos da projeção perceptiva, amplamente discutidos por Velmans (2009)VELMANS, M. Understanding consciousness. 2nd. ed. London: Routledge, 2009., do ponto de vista da ação no mundo e da imaginação, reforçando o conceito de domínio consciente estendido (extended conscious domain) apresentado no target paper, de minha autoria, que aparece em seguida, seguido de três comentários.

No nono artigo, procuro sistematizar a teoria projetiva da consciência, originalmente desenvolvida por Max Velmans, propondo que o domínio fenomênico, composto por um sentido de eu e um sentido de mundo, se engendra a partir da atividade do sistema nervoso, que é por sua vez estudada por meio de três sub-sistemas: cognitivo, afetivo e motor. Os sentidos projetados não seriam necessariamente de natureza conceitual, como na teoria HOT, mas compõem um espectro de seis fases, que podem ser tanto conceituais como não-conceituais. Deste modo a noção de projeção seria uma ponte teórica entre os conceitos neurocientíficos, por um lado, e a descrição fenomenológica da consciência, por outro, ressaltando que a neurociência e a fenomenologia se construíram independentemente, cada qual com seus métodos próprios - sua conexão é estabelecida a posteriori.

O primeiro comentário, de autoria de Max Velmans, gentilmente referenda a abordagem proposta, relacionando-a com outras semelhantes, com destaque para os trabalhos recentes sobre “predição ativa” (active prediction), por Karl Friston e associados, que desenvolveram um modelo formal das operações preditivas. No segundo comentário, Renato dos Santos faz uma breve revisão de conceitos elaborados por Merleau-Ponty e Freud, que se mostram compatíveis com a abordagem da experiência projetiva não-conceitual proposta no target paper. Uma nota crítica sobre o trabalho é apresentada por Gregory Nixon, no último comentário, que fecha nosso número especial. A intuição abordada no target paper, de se vincular a consciência fenomenal não-conceitual ao processo de projeção, faz sentido para Santos, mas não para Nixon.

Agradeço a todos os autores que contribuíram para a realização deste número especial, e também ao Editor Chefe da revista, Dr. Andrey Ivanov, pelo apoio dado ao projeto, cujo sucesso o leitor poderá comprovar por conta própria.

REFERÊNCIAS

  • PEREIRA JR., A. et al. Understanding consciousness: a collaborative attempt to elucidate contemporary theories. Journal of Consciousness Studies, v. 17, n. 5/6, p. 213- 219, 2010.
  • PEREIRA JR. A.; LEHMANN, D. (ed.). The unity of mind, brain and world: current perspectives on a science of consciousness. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2013.
  • ROSENTHAL, D. M. Consciousness and its expression. In: ROSENTHAL, D. M. Consciousness and Mind USA: Oxford University Press, 2006. p. 307-319.
  • VELMANS, M. Understanding consciousness 2nd. ed. London: Routledge, 2009.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018
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