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A teoria da substância no ensaio sobre o entendimento humano, de John Locke

The theory of substance in John Locke’s essay concerning human understanding

Resumo:

Neste artigo, pretende-se oferecer uma interpretação sobre a explicação da origem da ideia (relativa) de substância pura em geral, na filosofia de John Locke, a partir da noção de “sugestão natural” de Thomas Reid. Para tal, após contextualizar a noção de substância pura em geral para Locke e distingui-la da ideia de substância particular (seção 1), explicita-se que as suas palavras sobre a fonte (empírica ou racional) da ideia da segunda na mente são ambíguas e inconclusivas (seção 2). Depois, argumenta-se que os paralelos entre essa ideia e a de “relação”, assim como a de “poder”, não auxiliam nessa resposta, devido a alguns problemas que neles se identificam (seção 3). Finalmente, argumenta-se que a explicação reidiana para a origem da ideia de “mente”, com base na noção de “sugestão natural”, permite i) contornar aqueles problemas e, ii) na medida em que, de acordo com essa proposta, a ideia de substância pura em geral teria uma origem empírica, o empirismo lockiano se manteria intacto (seção 4).

Palavras-chave:
História da Filosofia; Ideia; Substância; John Locke

Abstract:

In this paper, we intend to offer an interpretation about the explanation of the (relative) idea of pure substance in general on John Locke’s philosophy, from Thomas Reid’s notion of ‘natural suggestion’. To achieve this aim, after contextualizing Locke’s notion of pure substance in general and distinguishing it from the idea of particular substance (section 1), we explicit that Locke’s words about the source of the idea of the former in the mind (either empirical or rational) are ambiguous and inconclusive (section 2). Then, we argue that the parallels between this idea and that of ‘relation’, as well as of ‘power’ do not assist in that answer, due to some problems we identify on them (section 3). Finally, we argue that the Reidian explanation for the source of the idea of ‘mind’, from the notion of ‘natural suggestion’ allows us to i) avoid those problems and ii) inasmuch as, according to this interpretation, the idea of pure substance in general would have an empirical source, Lockian empiricism would remain intact (section 4).

Keywords:
History of Philosophy; Idea; Substance; John Locke

INTRODUÇÃO

A filosofia do Ensaio sobre o entendimento humano (1999bLOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999.),3 3 Publicado originalmente em 1689. A segunda edição da obra, revisada e com acréscimos feitos por Locke, data de 1694. Doravante, apenas Ensaio. de John Locke (1632-1704), é motivo, nos primeiros anos de sua recepção, de uma série de críticas negativas. Por exemplo: alguns entendem que o projeto lockiano de fundamentar o conhecimento humano, a partir apenas de fontes empíricas, fracassaria4 4 Essa é a crítica que parte de racionalistas como, por exemplo, Henry Lee (1644-1713), John Sergeant (1621-1707/1710) e Leibniz. Ver John Yolton (1968, p. 72-86). A obra de Yolton, John Locke and the Way of Ideas (1968), é uma leitura fundamental para se conhecer a história da recepção do Ensaio, no fim do século XVII e início do século XVIII. Em nossa introdução, sempre que pertinente, remeteremos o leitor ou leitora às discussões apresentadas nessa obra. ; outros, que a filosofia do Ensaio implicaria uma forma perniciosa de sensacionalismo ou idealismo.5 5 Além de Henry Lee e John Sergeant, outro a acusar Locke de sensacionalista/idealista é John Witty (1682-1712). Ver Yolton (1968, p. 86 e p. 99). Há também aqueles que entendem que a linguagem da “via das ideias” conduziria a filosofia necessariamente ao ceticismo.6 6 Muitos são os autores que leram o Ensaio como uma obra cética: Peter Browne (1636-1735), Timothy Goodwin (1670-1729), John Milner (1628-1702), Georges Hickes (1642-1715), Jonh Norris (1657-1711), Samuel Bond (1649-1737) e o próprio Stillingfleet são exemplos desses leitores que leram Locke como cético, a partir do contato com o Ensaio. Ver Yolton (1968, p. 87-92 e 99-102). As críticas ao Ensaio se tornam ainda mais veementes após a publicação, no ano de 1696, de Christianity Not Mysterious, visto que seu autor, John Toland (1670-1722), admite usar os princípios do Ensaio como fundamento de seu deísmo.7 7 O deísmo do final do século XVII e início do século XVIII, de modo conciso, é uma tentativa de filósofos do período de racionalizar alguns aspectos da religião cristã. Sobre a associação entre Toland e Locke, sugerimos a leitura de W. M. Spellman (1997, p. 29-30). Anthony Collins (1676-1729), um dos mais ilustres deístas do período e amigo íntimo de Locke, também reconhece o seu débito para com a filosofia do Ensaio. Indicamos, para a relação entre Locke e Collins, a leitura de Robert B. Luehrs (1977, p. 64). No início do século XVIII, Locke é associado ao espinosismo por William Carroll, o “inquisidor dos espinosistas secretos”.8 8 Stuart Brown (1996, p. 224) entende o já citado George Hickes como um dos leitores que compreendem Locke como um espinosista. A seu ver, Carroll teria sido influenciado justamente por essa denúncia de Hickes. O Ensaio, portanto, seria uma ameaça à religião.9 9 Locke publica, no ano de 1695, um de seus mais importantes escritos teológicos, The Reasonableness of Christianity. Como o próprio título da obra indica, o filósofo pretende apresentar uma visão mais racional de certos aspectos da religião cristã, o que certamente contribui para que seu pensamento seja associado ao de Toland e de Espinosa e, portanto, seja considerado como uma ameaça à religião.

A doutrina lockiana da substância é certamente um dos alvos que mais ataques recebe, nos anos que se seguem à publicação do Ensaio, visto que, reconhecidamente10 10 Sobre a atenção que a teoria lockiana da substância registra, nos primeiros anos da recepção do Ensaio, sugerimos a leitura de Edwin McCann (2001, p. 91-95), E. J. Lowe (2005, p. 60) e de Nicholas Jolley (2015, p. 50). , o filósofo não é claro sobre esse assunto; não obstante, como notam autores como, por exemplo, Peter Millican (2015MILLICAN, P. Locke on Substance and Our Ideas of Substances. In: Locke and Leibniz on Substance. LODGE, P.; STONEHAM, T. (ed.). New York, London: Routledge, 2015. p. 08-27., p. 08), Locke tenha legado um vasto material a esse respeito. Muitos são os intérpretes, com efeito, que há décadas se dedicam a entender o coração da teoria da substância de Locke. Muitos concordam, entretanto, que falta clareza ao tratamento lockiano do tema.11 11 Por exemplo: Richard Aaron (1955, p. 175), Jonathan Bennett (1971, p. 60), J. D. Mabbott (1973, p. 30-32), M. R. Ayer (1975, p. 09), Martha Bolton (1976, p. 488), Daniel Flage (1981, p. 142-149), Margaret Atherton (1984, p. 413), David Armstrong (1989, p. 61), Gábor Forrai (2010, p. 27-28), Matthew Stuart (2016, p. 256-258) e Han-Kyul Kim (2019, p. 116-117).

O presente artigo pretende contribuir para essa discussão. Antes de explicar nosso objetivo, no entanto, gostaríamos de esclarecer que o tema da substância em Locke permite mais de um tipo de aproximação. Por exemplo, há quem, entre os intérpretes, se esforce para compreender se, aos olhos do filósofo, uma substância deve ser identificada com suas propriedades12 12 Ver Jonathan Bennett (1971, p. 83-88) e Michael Ayers (1975). , para pensar uma maneira sistemática de se distinguir entre as ideias de substância e de modos mistos13 13 Ver, por exemplo, Martha Bolton (1976). ou para compreender a relação entre a teoria da substância e a teoria corpuscularista de Locke.14 14 Ver, por exemplo, Margaret Atherton (1984). Não pretendemos nos aproximar de nenhum desses aspectos da teoria. Temos em vista, mais especificamente, a discussão do problema de saber como o filósofo explica, no Ensaio, a origem da ideia de substância concebida como suporte ou substrato - que Locke chama de ideia de “substância pura em geral” (doravante, ideia de SPG). Pretendemos oferecer uma interpretação sobre a explicação da origem da ideia (relativa) de SPG, na filosofia lockiana, em função da noção de “sugestão natural” de Thomas Reid (1710-1796). Para isso, em primeiro lugar (seção 2), argumentaremos no sentido de mostrar que Locke não é claro sobre a natureza dos processos no espírito que formam a ideia de SPG. O texto do Ensaio oscila entre uma explicação empírica e uma explicação racional. Não é possível saber, portanto, se essa ideia pode ser explicada apenas por processos sensíveis ou se, como sugerem alguns, Locke viola os princípios de seu empirismo e sugere uma fonte racional para essa ideia.

Em segundo lugar (seção 3), argumentaremos no sentido de mostrar que a aproximação entre uma “ideia relativa” e uma “ideia de relação” não auxilia a solucionar a dificuldade. Argumentaremos também no sentido de mostrar que uma aproximação, à primeira vista, promissora, entre a ideia de SPG e a ideia de poder, não contribui para entendermos o que é aquela ideia. Tanto quanto sabemos, essas duas aproximações, a nosso ver, valiosas, não são discutidas na literatura secundária. Após examinarmos todas essas dificuldades sobre a ideia de SPG, que nos levariam à conclusão de que Locke não oferece uma explicação coerente para a ideia de SPG, no Ensaio, gostaríamos de avançar (seção 4) uma hipótese especulativa inspirada pela filosofia reidiana: afirmar que Locke ofereceria alguns elementos, ao longo do texto do Ensaio, para explicar a origem da ideia de SPG, de uma maneira não problemática, isto é, a partir de uma fonte empírica, sem extrapolar os princípios de seu empirismo. A explicação que propomos não é defendida explicitamente pelo filósofo. No entanto, gostaríamos de sugerir que existem elementos no texto do Ensaio que poderiam desvencilhar Locke do problema de explicar consistentemente a ideia de SPG. A discussão do artigo (seção 1) se inicia com um esclarecimento sobre a distinção entre uma ideia complexa de substância em particular e uma ideia de SPG.15 15 Gostaríamos de observar que estamos conscientes de que uma das formulações mais sistemáticas de Locke de sua teoria da substância se encontra na primeira de suas cartas a Edward Stillingfleet (1635-1699), Bispo de Worcester, um dos mais ferrenhos críticos da filosofia do Ensaio. No presente artigo, no entanto, não pretendemos considerar essa correspondência. Julgamos que, devido à profundidade e complexidade da exposição de sua teoria da substância, na resposta a Stillingfleet, essa discussão merece um tratamento à parte.

1 A DISTINÇÃO ENTRE DUAS IDEIAS DE SUBSTÂNCIA NO ENSAIO

Locke utiliza o termo “substância” para se referir ao menos a dois tipos distintos de ideias no espírito. Em primeiro lugar, sugere que existem ideias de substâncias particulares, como, por exemplo, as ideias de homem, árvore, espírito etc. O filósofo observa, no capítulo XII do segundo livro do Ensaio, “Das ideias complexas”, que uma ideia complexa é um conjunto de ideias simples de sensação ou reflexão unidas pelo espírito, capaz de as compreender como se elas constituíssem uma única e mesma coisa. Por exemplo, a ideia de “homem” é uma coleção de ideias simples de sensação - as ideias de figura, extensão, cor, cheiro etc.; a ideia de “espírito”, uma coleção de ideias simples de reflexão - as ideias de vontade, entendimento, raciocínio, memória etc. Em ambos os casos, essas ideias complexas são compreendidas pelo espírito como se constituíssem um único objeto, pois, segundo Locke (1999bLOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999., p. 202), “[...] a mente tem o poder de considerar várias ideias unidas, como uma só ideia.”

No capítulo XXIII do segundo livro, “Das nossas ideias complexas de substância”, Locke esclarece que essas coleções de ideias, isto é, essas ideias complexas, são as ideias de substâncias particulares. Os nomes utilizados para designar substâncias, quando usados corretamente, significam, para Locke (1999bLOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999., p. 387), essas coleções de ideias simples, não uma substância em que as qualidades sensíveis (no caso dos objetos externos) ou as operações mentais (no caso do espírito) existiriam: “[...] e as palavras, designativas, para maior comodidade e rapidez, de tais conjuntos permanentes de ideias simples, podem induzir-nos em erro e levar-nos a supor que nomeiam substâncias de que as referidas ideias simples seriam qualidades.” Com essas afirmações, Locke pretende significar que a palavra “homem”, por exemplo, deve ser usada tão somente para designar um conjunto de ideias de sensação - figura, extensão, cor etc. -, não um suposto suporte em que essas qualidades existiriam.

Essa é a primeira noção de substância com que Locke opera, no Ensaio. Essa compreensão está muito próxima da visão que, mais tarde, será conhecida como “teoria do feixe” (Bundle theory). De acordo com essa teoria, uma substância corporal ou uma substância espiritual são apenas conjuntos de ideais de qualidades sensíveis ou modos do pensamento - operações mentais -, de modo que uma coisa se reduz ao conjunto de ideias simples de sensação/reflexão que a compõem. George Berkeley (1685-1753), por exemplo, apresenta uma teoria do feixe em relação às substâncias corpóreas no Tratado sobre os princípios do conhecimento (1973).16 16 Publicado originalmente em 1710. Berkeley, com efeito, argumenta em favor da compreensão de que os objetos externos são apenas coleções de ideias sensíveis simples, de modo que o espírito humano não tem acesso a nenhuma ideia de suporte ou substrato na qual tais ideias sensíveis existiriam (1973, p. 20). David Hume (1711-1776), por sua vez, defende-a não apenas em relação às substâncias corporais como também com respeito às substâncias espirituais, no Tratado da natureza humana (2001).17 17 Publicado originalmente em 1739-1740. Hume desenvolve a teoria berkeliana da substância corporal e a aplica à compreensão do próprio espírito. A seu ver (2001, p. 40), uma substância mental não é senão uma coleção de ideias unidas pela imaginação. Ademais, para Hume (2001, p. 265), um olhar atento para as percepções - impressões e ideias - não é capaz de revelar a existência de suporte para elas.

Porém, Locke não é um teórico do feixe. Com efeito, no Ensaio, há uma “teoria do substrato”,18 18 Para uma compreensão da distinção entre uma “Teoria do substrato”, como a de Locke, e uma “Teoria do feixe” como as de Berkeley e Hume, sugiro a leitura do trabalho do filósofo Theodore Sider (2006, p. 387). desenvolvida a partir da compreensão lockiana de que há no espírito uma ideia de SPG, a ideia de um suporte ou substrato, onde existiriam as qualidades sensíveis e os modos do pensamento apreendidos por meio das ideias de sensação/reflexão. Esta é a ideia de SPG, introduzida no capítulo XXIII do segundo livro do Ensaio. Locke observa que, na ideia complexa de substância particular, se encontra, como “primeira e principal”, essa ideia “suposta e confusa” de SPG:

As ideias das “substâncias” são aquelas combinações de tipo simples que se presume representarem diferentes coisas “particulares” que “subsistem por si próprias”, nas quais “a ideia suposta ou confusa de substância”, tal como é, “aparece sempre como a primeira e principal”. (LOCKE, 1999bLOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999., p. 204, grifo nosso).

A explicação de Locke sobre aquilo em que consiste essa ideia suposta ou confusa de substância, assim como qual seria a sua origem, não está clara no texto do Ensaio. Autores como Armstrong (1989ARMSTRONG, D. Universals: An Opinionated Introduction. Boulder: Westview Press, 1989., p. 61), por exemplo, acreditam que é justamente essa deficiência da teoria lockiana da substância que prepara o caminho para que, nas décadas seguintes, a filosofia empirista caminhe em direção a teorias do feixe. Com efeito, o texto do Ensaio é a tal ponto obscuro a esse respeito que, em algumas passagens, seu autor parece, de fato, abandonar o compromisso com uma teoria do substrato em favor de uma teoria do feixe. Por exemplo, na passagem seguinte, Locke (1999bLOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999., p. 400, grifo nosso) parece negar a existência da ideia de um substrato: “[...] uma vez que a nossa ideia de substância é igualmente obscura, ou que ‘não temos qualquer ideia acerca da mesma’, em ambos os casos é apenas algo suposto - ‘não sei o quê’ - que suporta essas ideias a que chamamos acidentes.”

Outras passagens, a nosso ver, também podem ser lidas na perspectiva de uma teoria do feixe. Por exemplo, em algumas ocasiões, Locke refere-se ao suporte não como uma ideia, mas como uma “noção”.19 19 Enfatiza Locke (1999b, p. 389, grifo nosso): “Têm sempre uma ‘noção confusa de algo a que pertencem e no qual subsistem’ ; e, por isso, quando se fala de qualquer tipo de substância, diz-se que é uma coisa que possui estas ou aquelas qualidades.” Para sublinhar a estranheza dessa expressão, talvez seja suficiente que atentemos ao que é ressaltado por Berkeley nos Princípios do conhecimento: visto que o espírito não é capaz de formar uma ideia de si próprio, ter-se-ia dele apenas uma “noção”.20 20 Berkeley explicita (1973, p. 24): “Mas, tanto quanto posso julgar, as palavras vontade, ‘alma’, ‘espírito’ não significam idéias diferentes nem, em verdade, idéia alguma, senão algo diferente das idéias e que sendo agente não pode ser semelhante a ou representado por uma idéia qualquer. Embora deva dizer-se ao mesmo tempo que temos alguma ‘noção’ de alma, espírito, e das operações do espírito, como querer, amar, odiar; assim como sabemos ou compreendemos o sentido destas palavras.” Isto é, ao menos na filosofia berkeliana, uma noção não é uma ideia.

Explicamos a ambiguidade de Locke nas formas de se expressar, notando que, para o filósofo, essa ideia não surge de uma das duas fontes comuns de ideias, a sensação e a reflexão. Isso é claro pelo reconhecimento de Locke (1999bLOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999., p. 92, grifo nosso), ainda no primeiro livro da obra, de que o espírito não tem uma ideia de substância advinda de uma dessas duas fontes:

Confesso que há outra ideia que seria bom que os homens tivessem, pois falam como se a possuíssem; e é a ideia de “substância”, “que não temos nem podemos ter por sensação ou reflexão”. Se a natureza se tivesse preocupado em prover-nos de algumas ideias, bem poderíamos esperar que fosse esta, pois “não a podemos encontrar pelas nossas próprias faculdades” [...].

Mais uma vez, Locke parece sugerir que o espírito não dispõe de tal ideia, pois ela “[...] não [é] encontrada pelas próprias faculdades”. Contudo, a continuação do texto esclarece essa perplexidade. A ideia de substância surge, segundo Locke (1999bLOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999., p. 92), de uma “fonte alternativa”:

Mas, pelo contrário, porque esta ideia “não pode chegar-nos à mente da mesma forma que as restantes” [destaque nosso], acontece que dela temos um conhecimento muito confuso; de tal modo que a palavra “substância” não significa nada, a não ser uma incerta suposição de algo que ignoramos (isto é, de alguma coisa de que não percebemos particularidade distinta e positiva), mas que consideramos ser o substratum ou suporte das ideias que conhecemos.

O espírito, portanto, forma para si uma ideia de substância enquanto suporte, contudo, sua origem não é a mesma de outras ideias simples de sensação/reflexão.

2 A ORIGEM DA IDEIA DE SPG

Locke (1999bLOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999., p. 387) chama essa ideia de suporte, advinda de uma fonte alternativa, de ideia de “substância pura em geral”:

Portanto, se alguém se examinar a si próprio, no que respeita à ideia de substância pura em geral, descobrirá que, na realidade, não possui qualquer outra ideia acerca da mesma senão uma suposição do desconhecimento do que sustém essas características que são capazes de originar em nós ideias simples [...]

Embora não julguemos que exista algum conflito entre as afirmações do filósofo sobre a existência ou inexistência de uma suposição ou ideia confusa de substância, Locke não é claro sobre qual é essa fonte alternativa de que se origina a ideia de SPG, a ideia desse “desconhecido que sustém” as qualidades sensíveis ou modos do pensamento, como enfatizamos anteriormente. Essa questão não é de pouca importância, visto que sua resposta diz respeito aos princípios metodológicos e epistemológicos da investigação filosófica lockiana ou, em outras palavras, se o filósofo se mantém fiel a eles ou não. Por exemplo, aos olhos de alguns intérpretes, como Mabbott (1973MABBOTT, J. D. John Locke. London e Basingstoke: Macmillan Education, 1973., p. 30-32), a explicação da origem da ideia de substância levaria Locke, pela primeira vez no Ensaio, a violar os princípios de seu empirismo, pois ele não poderia explicá-la unicamente por processos empíricos do espírito. Em outras palavras, Locke, aos olhos de Mabbott, abriria a possibilidade para se pensar em fontes racionais para as ideias simples do espírito, contrariando um dos axiomas de seu empirismo lockiano: todas as ideias simples do espírito se originam da sensação/reflexão.21 21 No início do segundo livro do Ensaio, com efeito, Locke (1999b, p. 106-107) observa: “[...] são as observações que fazemos sobre os objectos exteriores e sensíveis ou sobre as operações internas da nossa mente, de que nos apercebemos e sobre as quais nós próprios reflectimos, que fornecem à nossa mente a matéria de todos os seus pensamentos. Estas são as duas fontes de conhecimento, de onde brotam todas as ideias que temos ou podemos naturalmente ter.” No próprio contexto da discussão da ideia de substância, no capítulo XXIII do segundo livro, ele (1999b, p. 410) reitera essa compreensão: “[...] as nossas faculdades não irão para além destas ideias [simples] que são recebidas a partir das fontes adequadas [sensação/reflexão].”

Como observado na Introdução, os intérpretes em geral estão convencidos de que o coração da concepção lockiana da substância não está claro, sobretudo a explicação da origem da ideia de SPG. Além de Mabbott22 22 Mabbott destaca (1973, p. 30): “Locke de fato concorda com Sttilingfleet de que a ideia de substância ‘está’ fundada sobre a razão, isto é, na consciência da conexão necessária e não sobre o costume.”. Essa seria uma “necessidade lógica” de que o espírito dependeria para pensar a substância. , Bennett23 23 Bennett não é totalmente claro sobre como compreender a origem da ideia de SPG. Contudo, o intérprete (1971, p. 59-60) parece sugerir que essa ideia se origina de uma análise da linguagem: “[...] portanto, se alguma declaração existencial ou ‘sujeito objeto’ é verdadeira, então há dois tipos de item - substâncias e propriedades ou qualidades. Os primeiros possuem o privilégio de carregar ou suportar as segundas sem serem, eles próprios, suportados da mesma maneira por alguma coisa. Implicamos a existência de ‘substâncias’ neste sentido toda vez que implicamos que alguma propriedade é instanciada.” E Bennett (1971, p. 60) continua: “[...] pode-se falar do ouro como um tipo de substância, ou reclamar da substância pegajosa no chão da cozinha, sem estar comprometido com esta teoria sobre a análise do que se está dizendo.” , Ayer24 24 Ayer (1975, p. 11) observa: “[...] outras passagens tornam bastante claro que Locke acredita que a ideia de substância é tal que chegamos a ela racionalmente, e que não podemos, razoavelmente, evitar. A palavra ‘acostumar’ parece referir-se não ao processo pelo qual adquirimos e aplicamos pela primeira vez a ideia, mas à condição em que estamos a partir do momento em que a usamos de forma habitual.” e Kim25 25 Kim (2019, p. 119), inicialmente, parece estar inclinado a negar que a origem dessa ideia seja racional, ao recusar a ideia de que a teoria lockiana pudesse ser aproximada da de Descartes. Contudo, essa impressão inicial se desfaz, quando verificamos que, a seu ver, Locke a explicaria a partir de um “processo especial de abstração”. Há uma reinterpretação da noção de “abstração”, para explicar em que medida um substrato poderia ser uma “entidade abstrata”, de acordo com Kim (2019, p. 119, grifo nosso): “[...] por ‘abstrato’, aqui, no entanto, Locke invoca uma noção mais moderna de abstractividade [abstractness] - a saber, a de uma ‘entidade funcional’ [destaque nosso], que é definida em termos do seu ‘papel por si só, sem referência à natureza específica daquilo que, efetivamente, desempenha esse papel’ .” também parecem sugerir que essa ideia só pode ser explicada por Locke, a partir de processos racionais do espírito. Yolton (2010YOLTON, J. Locke and the Compass of Human Understanding: A Selective Commentary on the ‘Essay’. New York: Cambridge University Press, 2010. 26 26 Obra publicada originalmente em 1970. , p. 45) sustenta, de fato, que a ideia de SPG, no caso das substâncias corporais, é uma teoria, isto é, uma hipótese filosófica:

Não podemos, sem teoria, encontrar um objeto para as partes sensíveis sólidas e extensas. Locke não evita teoria. Ele formulou claramente a hipótese corpuscular em 2.8 [oitavo capítulo do segundo livro], utiliza-a ao longo de 2.23 [vigésimo terceiro capítulo do segundo livro] [...] A hipótese corpuscular permite-nos articular uma concepção plausível dessa constituição interna. Esta concepção é, não obstante, uma hipótese, não conhecimento.

Interpretações como essa, no entanto, não são unânimes na literatura secundária. Aaron27 27 Aaron (1955, p. 175) argumenta: “[...] como, então, ela [a ideia de substância] é derivada no caso da ideia de uma substância particular? Deveríamos dizer que é algo conhecido racionalmente, de tal modo que a relação substância-atributo é apreendida logicamente? Mas isto é algo que Locke nega. A substância é um não-sei-o-quê, logo, não é possível discernir racionalmente a relação entre as qualidades observáveis e a substância, que é incognoscível.” e Atherton28 28 Apesar de não ser sistemática sobre isso, a intérprete (1984, p. 414-415) parece pensar defender uma origem empírica para a ideia de SPG: “[...] sabemos que deve haver substância porque temos experiências sensíveis ou ideias de qualidades sensíveis simples que não se podem trazer a si mesmas à existência, não podem subsistir por si mesmas. As ideias que temos convencem-nos de que deve haver algo com o poder de nos afetar, provocando mudanças em nossas ideias.” , por exemplo, entendem que seria suficiente que Locke apelasse a processos empíricos, para explicar essa ideia. Aaron (1955AARON, R. John Locke: Second Edition. Oxford: Claredon Press, 1955., p. 176) ressalta que a experiência da coexistência das ideias simples, ou a consciência dessa conjunção constante das ideias, é a origem empírica da ideia de substância: “[...] a mente não tem ideias de qualidades isoladas, contudo, de qualidades unidas em uma unidade. Está aqui, agora, o fundamento empírico da ideia de substância.”

Antes de continuarmos a discussão do tema, gostaríamos de sugerir um uso mais preciso para as expressões “fonte racional” e “fonte empírica”. Por “fonte empírica”, entenderemos aquelas leituras que sugerem que a formação dessa ideia de substância não envolve nenhum desses processos anteriores. Nesse caso, o espírito seria naturalmente levado, por exemplo, pela experiência da coexistência de qualidades sensíveis, à formação dessa ideia, sem a necessidade de concluir ou abstrair, para se formar a ideia. Por “fonte racional”, compreenderemos aquelas leituras que sugerem que a ideia de SPG decorre de processos mentais, como a inferência ou a abstração. Por exemplo, diante da constatação da impossibilidade de se conceber que as qualidades sensíveis possam subsistir por si próprias, o espírito, por inferência, conclui que existe necessariamente um suporte para essas qualidades. De outro modo, diante dessa mesma constatação, o espírito abstrai essa ideia de substância pura das ideias simples de sensação/reflexão ou das ideias complexas de substâncias particulares.

Assim, observamos que, em verdade, o texto do Ensaio oscila explicitamente entre uma fonte empírica e uma fonte racional para a ideia de SPG. No que diz respeito à primeira dessas possibilidades, Locke (1999LOCKE, J. An Essay concerning Human Understanding. Peter H. Nidditich (Editor). Oxford: Clarendon Press, 1999., p. 389) sugere, por exemplo, que essa ideia pode ser produto do “costume”:

Embora a ideia que possuímos de ambos seja apenas a compilação ou a associação dessas múltiplas ideias simples das qualidades sensíveis que “costumávamos encontrar unificadas na coisa” [destaque nosso] denominada cavalo ou pedra, uma vez que não podemos conceber como é que ambas poderiam subsistir sozinhas ou uma na outra, supomos que existem num objecto comum ou são suportadas por ele.

Encontramos também a sugestão da existência de certa “propensão” do espírito a supô-la, ao pensar na ideia complexa de substância. Ao explicar a ideia de substância espiritual, Locke (1999LOCKE, J. An Essay concerning Human Understanding. Peter H. Nidditich (Editor). Oxford: Clarendon Press, 1999., p. 389) nota que “[...] somos propensos a pensar que estas acções pertencem a uma outra substância a que chamamos espírito.” Essa é reforçada pela observação de Locke (1999LOCKE, J. An Essay concerning Human Understanding. Peter H. Nidditich (Editor). Oxford: Clarendon Press, 1999., p. 400, grifo nosso) de que essa ideia é devida à “experiência diária” da conjunção dessas ideias, isto é, de que elas coexistem:

Através das ideias simples que obtemos dessas operações das nossas mentes que “experimentamos diariamente em nós”, como o pensamento, o entendimento, a vontade, o saber e o poder de iniciar movimento, etc., “coexistindo em alguma substância”.

No que diz respeito à possibilidade de uma fonte racional, Locke menciona mais de uma vez a incapacidade do espírito de “conceber” que as qualidades sensíveis e as operações mentais poderiam subsistir por si próprias. Diante dessa incapacidade, o espírito precisaria formar uma ideia de suporte. Nesse caso, ele é movido, segundo o filósofo (1999, p. 389), por algo como um “critério de conceptibilidade”: “[...] uma vez que não podemos conceber como é que ambas [as ideias simples de sensação e reflexão] poderiam subsistir sozinhas ou uma na outra, supomos que existem num objeto comum ou são suportadas por ele.” Há também ao menos uma passagem em que Locke (1999LOCKE, J. An Essay concerning Human Understanding. Peter H. Nidditich (Editor). Oxford: Clarendon Press, 1999., p. 389-390, grifo nosso) indica que essa ideia é formada a partir de uma “conclusão”, como se fosse resultado de um processo inferencial:

O mesmo acontece em relação às operações mentais, isto é, o pensamento, o raciocínio, o receio, etc. os quais “concluímos não dependerem de si próprios”, nem apreendemos como é que podem pertencer a um corpo, ou serem produzidos por ele.

Em virtude da obscuridade inerente ao próprio texto do Ensaio, não julgamos, portanto, que os intérpretes supracitados - especificamente Yolton, Mabbott, Bennett, Ayer e Kim - estejam equivocados, ao suporem que Locke explica a ideia relativa de SPG, em termos racionais. Como pretendemos argumentar adiante, mesmo - a nosso ver - as mais promissoras tentativas de explicar essa origem parecem enfrentar problemas.

3 A NATUREZA RELATIVA DA IDEIA DE SPG

Na quarta seção, voltaremos à discussão da origem da ideia de SPG. Por ora, tornamos nossa atenção para o que parece ser a mais clara tentativa de Locke de explicar em que consiste, de fato, essa ideia. No capítulo XXIII, o filósofo (1999LOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999., p. 388) menciona, com efeito, que a ideia de SPG é uma “ideia relativa”: “[...] assim elaborada uma ideia pouco clara e relativa de ‘substância em geral’, chega-se às ideias de ‘tipos especificas de substâncias’ através da recolha de ‘tais’ combinações de ideias simples [...]” Certamente essa passagem não esclarece o que é uma ideia de SPG, haja vista que não explicita o que é uma ideia relativa, tampouco o faz em outro lugar do texto. Contudo, parece-nos promissora, à primeira vista, a possibilidade de se explicar essa ideia relativa, em função de um cotejo com a noção de “ideia de relação”, porque, se não há uma discussão sistemática do que são ideias relativas, Locke se detém demoradamente sobre a discussão das ideias de relação, no Ensaio.

Começamos focalizando uma suposta dificuldade notada por Mabbott (1973MABBOTT, J. D. John Locke. London e Basingstoke: Macmillan Education, 1973., p. 30): “[...] a substância não é uma ideia de relação: a relação é uma questão de ‘suportar’ ou ‘inerência’.” O fundamento dessa observação está na distinção operada por Locke (1999LOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999., p. 203), no capítulo XII do segundo livro do Ensaio, entre “grupos” de ideias complexas: as ideias de “modos”, “de substâncias” e “de relações”. Seguindo essa categorização, uma ideia de substância não poderia ser identificada com uma ideia de relação, pois essa identificação contrariaria essa distinção estabelecida pelo filósofo. Contudo, parece-nos que essa dificuldade surge apenas quando não se distingue rigorosamente entre as duas noções de substância com que Locke trabalha, no Ensaio. Com efeito, a ideia de substância que não pode ser entendida como uma ideia de relação é aquela ideia complexa de substância particular. Uma ideia de árvore ou espírito, com efeito, não é uma ideia de relação.

A esse respeito, o intérprete tem razão. Porém, não nos parece haver nenhum impedimento, a princípio, para que a ideia de SPG possa ser compreendida como uma ideia de relação, visto que ela é apenas uma das ideias que entra na coleção que constitui a ideia complexa de substância particular. A observação de Mabbott, portanto, não é nociva para a compreensão de Locke da ideia de substância como uma ideia relativa. Essa observação não elimina, no entanto, a dificuldade de se compreender a ideia relativa de substância como uma ideia de relação.

A teoria das ideias de relação é sistematizada por Locke no capítulo XXI do segundo livro, “Da relação”. Locke ressalta (1999, p. 419):

O entendimento, ao considerar algo, “não está confinado a esse objecto preciso”, pode transmitir uma ideia “como se estivesse para além de si”, ou, pelo menos, “pode ver para além dela” [destaques nossos] de forma a observar como é que se posiciona em relação a qualquer outro.

As ideias simples de sensação/reflexão, quando consideradas, servem, para Locke (1999LOCKE, J. An Essay concerning Human Understanding. Peter H. Nidditich (Editor). Oxford: Clarendon Press, 1999., p. 419), “[...] como marcas que ‘conduzem os pensamentos para além do sujeito’, em si denominado, ‘em direcção a algo distinto’ [destaques nossos], a estas chamamos ‘relativos’. E às coisas que, dessa forma, surgem em conjunto, chamamos ‘relacionadas’.” As passagens, a princípio, parecem relevantes para se compreender a ideia relativa de substância como uma ideia de relação, uma vez que mostram que as ideias de relação permitem que o espírito vá além das ideias simples de sensação/reflexão. Isto é, uma ideia de relação conduz o espírito para além de suas ideias simples, em direção, talvez, de um suporte.

Julgamos, no entanto, que existem algumas dificuldades nessa aproximação entre uma ideia relativa e uma ideia de relação. Apontamos três. O primeiro obstáculo, a nosso ver, diz respeito aos exemplos de ideias de relação oferecidos por Locke (1999LOCKE, J. An Essay concerning Human Understanding. Peter H. Nidditich (Editor). Oxford: Clarendon Press, 1999., p. 419), os quais nos parecem dificultar a compreensão de que a ideia de SPG possa ser adquirida da mesma maneira:

Mas quando lhe atribuo [a Caio] o nome “marido”, estou a sugerir uma outra pessoa; e quando lhe atribuo mais “branco”, estou a sugerir uma outra coisa. Em ambos os casos, o meu pensamento é conduzido para algo que está para além de Caio, e há duas coisas que são trazidas à consideração.

No primeiro caso, a comparação da ideia complexa de Caio com a ideia complexa de sua esposa produz no espírito a ideia de relação “matrimonial”; a comparação da ideia complexa de Caio com a de sua esposa faz com que o espírito perceba que ela tem um tom de pele mais escuro, de modo a produzir no espírito a ideia de relação de “superioridade gradativa”. Nesses casos, enfatiza o filósofo (1999, p. 419-420), “[...] é como se [o espírito] as perspectivasse de imediato, embora continuem a ser vistas como distintas, qualquer uma das nossas ideias pode ser a base de uma relação.” O espírito observa as ideias de um ponto de vista que permite formar, a partir dessa perspectiva, uma nova ideia da relação estabelecida entre elas.

Não está claro, entretanto, como a ideia de SPG poderia surgir da comparação entre as ideias complexas de substâncias particulares. Como a comparação de duas ideias de “coisas suportadas” poderia produzir a ideia de relação de suporte? A ideia de relação de “superioridade”, por exemplo, surge da comparação entre as ideias complexas de substância - Caio e sua esposa - em que a relação de superioridade por graus já está presente - a cor branca de Caio é mais intensa do que a de sua esposa. A ideia de relação de “suporte”, por sua vez, poderia ser adquirida por meio da comparação de algo que suporta com algo que é suportado.

Contudo, a ideia de SPG não é adquirida dessa forma. Para Locke, essa ideia relativa surge da observação de ideias que coexistem, isto é, de coisas suportadas. Analogicamente, o que Locke parece dizer em seu texto é que a consideração da ideia de “forro” (algo suportado) e da ideia de “teto” (algo suportado) pode produzir a ideia de “pilar” (aquilo que suporta). A explicação da ideia de SPG como uma ideia de relação seria consistente apenas no caso no qual aquilo que é suportado fosse comparado com aquilo que suporta, isto é, quando a ideia de “forro” (algo suportado) e a ideia de “pilar” (aquilo que suporta) fossem relacionadas. Assim, surge a ideia de relação de suporte, todavia, não é isso que Locke diz. O mesmo valeria para a comparação de ideias simples de sensação/reflexão: como a comparação entre ideias suportadas poderia levar à ideia de relação de algo que as suporta?

Ademais, gostaríamos de chamar a atenção para uma lição ensinada por Hume, em seu Tratado. Na seção “Da imaterialidade da alma”, presente na quarta parte do Livro I, o filósofo (2001, p. 265) destaca que a questão filosófica acerca da existência de um substrato não faz sentido do ponto de vista da filosofia experimental, isto é, da observação e experimentação das percepções da mente: “‘o que querem dizer’ [os filósofos] ‘com substância de inerência’?” Após um breve exame, Hume (2001HUME, D. Tratado da natureza humana. Tradução: Déborah Danowski. São Paulo: Editora UNESP, 2001., p. 266) conclui:

Desses dois princípios [o princípio da cópia29 29 Hume (2001, p. 265) argumenta: “[...] se tivéssemos uma ideia de substância de nossas mentes, teríamos que ter dela também uma impressão - o que é muito difícil, senão impossível, de conceber. Pois como poderia uma impressão representar uma substância, senão assemelhando-se a ela? Pois como poderia uma impressão se assemelhar a uma substância, já que, segundo essa filosofia, ela não é uma substância, e não possui nenhuma das qualidades ou características peculiares de uma substância.” e o princípio da separabilidade30 31 Locke (1999b, p. 423) explica: “[...] o conhecimento de uma acção ou de uma ideia simples é muitas vezes suficiente para me oferecer uma noção clara de uma relação, mas para se conhecer um ser concreto é necessário um conjunto de várias ideias precisas.” E, adiante (1999b, p. 423-424): “[...] ‘portanto, as ideias de relações são capazes, pelo menos, de ser mais perfeitas e distintas nas nossas mentes do que as ideias de substâncias’. Porque normalmente é difícil conhecer todas as ideias simples que realmente se encontram em qualquer substância, mas, para a maioria, é bastante fácil conhecer as ideias simples que formam qualquer relação em que se pense, ou para a qual se possua um nome, isto é, ao comparar dois homens em relação a um pai comum é muito fácil formar as ideias de irmãos sem se ter, contudo, a ideia perfeita de um homem.” ], concluo que, uma vez que todas as nossas percepções são diferentes umas das outras e de tudo mais no universo, também elas são distintas e separáveis, e podem ser consideradas como existindo separadamente, e podem de fato existir separadamente, “sem necessitar de nada mais para sustentar sua existência” [destaque nosso]. São, portanto, substâncias, até onde a definição acima explica o que é uma substância”.

À luz de reflexões como a proposta por Hume, é possível questionar como Locke, o qual compartilha com o filósofo escocês o compromisso com o método experimental de raciocínio, poderia extrair das próprias ideias a noção de algo em que elas existiriam, um suporte. A observação das ideias não parece ser suficiente, nesse sentido, para explicar o processo por meio do qual o espírito forma para si uma ideia de SPG. Em perspectiva humiana, experimental, Locke não está autorizado a defender que a ideia de suporte é “extraída” da consideração das próprias ideias.

A segunda dificuldade na aproximação entre ideias relativas e ideias de relação concerne às considerações de Locke (1999LOCKE, J. An Essay concerning Human Understanding. Peter H. Nidditich (Editor). Oxford: Clarendon Press, 1999., p. 423) sobre a clareza e distinção destas últimas: “[...] as ideias que são representadas pelas palavras relativas são muitas vezes mais claras e mais distintas do que as das substâncias às quais realmente pertencem.” Por exemplo, o filósofo afirma que a ideia de relação de “paternidade” é mais clara do que a ideia complexa de substância de “humanidade”, e que a ideia de “amigo” é mais clara que a ideia de “Deus”. Ou seja, ideias de relação, em geral, são mais claras e distintas do que as ideias de substâncias particulares.31 31 Locke (1999b, p. 423) explica: “[...] o conhecimento de uma acção ou de uma ideia simples é muitas vezes suficiente para me oferecer uma noção clara de uma relação, mas para se conhecer um ser concreto é necessário um conjunto de várias ideias precisas.” E, adiante (1999b, p. 423-424): “[...] ‘portanto, as ideias de relações são capazes, pelo menos, de ser mais perfeitas e distintas nas nossas mentes do que as ideias de substâncias’. Porque normalmente é difícil conhecer todas as ideias simples que realmente se encontram em qualquer substância, mas, para a maioria, é bastante fácil conhecer as ideias simples que formam qualquer relação em que se pense, ou para a qual se possua um nome, isto é, ao comparar dois homens em relação a um pai comum é muito fácil formar as ideias de irmãos sem se ter, contudo, a ideia perfeita de um homem.” Ademais, a ideia da relação pode ser clara e distinta, mesmo que as ideias das coisas relacionadas não o sejam, nota Locke (1999LOCKE, J. An Essay concerning Human Understanding. Peter H. Nidditich (Editor). Oxford: Clarendon Press, 1999., p. 423): “[...] um homem, se comparar duas coisas em conjunto, muito dificilmente poderá supor que não sabe em que é que baseia essa comparação, logo, quando compara coisas em conjunto, ele não pode senão ter uma ideia clara dessa relação.”32 32 Escreve Locke (1999b, p. 424): “[...] visto que palavras relativas significativas, bem como outras, representando apenas ideias e aquelas ideias sendo todas ou simples, ou compostas de ideias simples, para conhecer a ideia precisa que o termo relativo representa, é suficiente ter uma concepção clara do que é a base de uma relação, o que pode fazer-se sem ter uma noção clara e perfeita da coisa à qual ela é atribuída.”

A esse propósito, há uma clara inversão no caso da ideia de SPG: as ideias simples são claras e distintas, a ideia relativa de SPG, obscura e confusa. Locke não hesita em qualificar essa ideia, em várias passagens, dessa forma. Do ponto de vista epistemológico, a consequência dessa falta de distinção e clareza - uma dificuldade que não atinge o conhecimento das relações - é a dificuldade de se conhecer a natureza desse suporte, por meio dessa ideia: a substância é “qualquer coisa, não sabia o quê”33 33 De acordo com Locke (1999b, p. 387-388), “[...] se a alguém se perguntasse a que ideia a cor ou o peso adere, ele só teria que dizer que aderia às suas componentes sólidas ampliadas. E se lhe fosse perguntado a que se liga essa solidez e extensão, ele não estaria em muito melhor situação do que o indiano mencionado anteriormente, que referia que o mundo era suportado por um grande elefante, e ao perguntarem-lhe em que é que o elefante descansava, ele respondeu: sobre uma grande tartaruga. Mas ao ser uma vez mais pressionado para se saber o que sustentava a tartaruga com tão grande carapaça, ele respondeu que era ‘qualquer coisa, não sabia o quê’.” ; os seres humanos a “ignoram perfeitamente”34 34 Para Locke (1999b, p. 388, grifo nosso), “[...] significa também que a coisa que julgam conhecer e sobre a qual falam é algo sobre que não têm a mínima ideia e, portanto, ‘ignoram-na perfeitamente e estão às escuras em relação a ela’.” , desconhecendo a “causa da união” das ideias simples de sensação/reflexão35 35 Locke (1999b, p. 390-391) observa: “[...] portanto, qualquer que seja a natureza secreta e abstracta da substância em geral, todas as ideias que tenhamos de tipos específicos e distintos de substâncias não são mais do que múltiplas combinações de ideias simples, coexistindo na ‘tal causa da sua união, embora desconhecida’, [destaque nosso] que faz com que o todo subsista em si.” ; tanto a substância dos espíritos quanto a dos corpos materiais são desconhecidas36 36 Locke (1999b, p. 410-411) observa: “portanto, e em poucas palavras, a ideia que possuímos de espírito comparada com a ideia que temos de corpo apresenta-se da seguinte forma: a substância dos espíritos ‘é-nos desconhecida e a substância do corpo também nos é igualmente desconhecida’ [destaque nosso]”. ; a ideia clara e distinta de substância corporal ou espiritual está tão longe que é “como se não soubéssemos de nada.”37 37 Ressalta Locke (1999b, p. 401): “[...] pela ideia complexa de extensão, de forma, de cor e de quaisquer outras qualidades sensíveis, que é tudo o que sabemos do corpo, continuamos tão longe da ideia da substância do corpo como se não soubéssemos nada.” E, adiante (1999b, p. 410): “[...] portanto, somos tão incapazes de descobrir onde as ideias pertencentes ao corpo estão alojadas, como de o fazer em relação às ideias pertencentes ao espírito.”

A terceira e última dificuldade que identificamos na aproximação entre ideias relativas e ideias de relação diz respeito ao fato de que, ao discutir estas últimas, Locke (1999LOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999., p. 424) não aponta nenhuma das dificuldades encontradas na compreensão da ideia relativa de substância:38 38 Não queremos sugerir que a compreensão das ideias de relação esteja livre de problemas. Por exemplo, em algumas ocasiões, Locke (1999b, p. 205) considera que uma ideia de relação é complexa: “[...] a última espécie de ideias complexas é a que chamamos ‘relação’, e que consiste na consideração e comparação de uma ideia com outra.” Em outros casos, no entanto, ele (1999b, p. 425) realça: todas as ideias de relação são ideias simples: “[...] todas as ideias que temos de relação são constituídas somente por ideias simples, tal como são as outras; e que todas elas - não importando o quanto parecem libertas e afastadas do sentido - terminam, por fim, em ideias simples.” “[...] todas elas [as ideias de relação] terminam em ideias simples e dizem respeito a essas ideias simples, quer da sensação, quer da reflexão, as quais penso serem as únicas formas de obter todo o nosso conhecimento.” Se, no caso da ideia de SPG, o filósofo parece oscilar entre uma fonte empírica e uma fonte racional, o mesmo não ocorre no que se refere às ideias de relação, as quais podem ser todas explicadas a partir de ideias de sensação/reflexão. Ademais, Locke (1999LOCKE, J. An Essay concerning Human Understanding. Peter H. Nidditich (Editor). Oxford: Clarendon Press, 1999., p. 424-425) não identifica nenhum problema quanto às noções oferecidas através de ideias de relação: “[...] elas irão parecer que obtêm as suas ideias a partir daí e não deixarão dúvidas em relação às noções que temos delas [...]”

Poucos são os intérpretes que notam que o capítulo XXI do segundo livro, intitulado “Do poder”, poderia servir como um ponto de apoio relevante para se discutir a ideia de SPG. Com efeito, identificamos alguns paralelos ou pontos de contato entre as explicações das ideias de poder e de SPG. Em primeiro lugar, Locke (1999LOCKE, J. An Essay concerning Human Understanding. Peter H. Nidditich (Editor). Oxford: Clarendon Press, 1999., p. 308) reconhece que não objetiva falar da existência de poderes, mas apenas de suas ideias: “[...] não entrarei nessa questão de momento: o meu presente objectivo não é procurar a origem do poder, mas sim como chegamos à concepção dessa ‘ideia’.” Ao discutir a SPG, Locke (1999LOCKE, J. An Essay concerning Human Understanding. Peter H. Nidditich (Editor). Oxford: Clarendon Press, 1999., p. 390, grifo nosso) tem em vista apenas a sua ideia: “[...] e, portanto, por não termos qualquer ideia da substância do espírito, ‘nada podemos concluir da sua inexistência’, tal como não podemos, pela mesma razão, negar a existência do corpo.”

Em segundo lugar, a discussão lockiana da ideia de poder leva-nos a pensar, embora o filósofo não o diga explicitamente, que a ideia de poder é uma ideia relativa, pois os “poderes” não são passíveis de observação direta ou imediata. Observam-se os seus efeitos, isto é, o espírito percebe a mudança e o movimento e, a partir de observações desse tipo, forma-se relativamente à ideia de poder. Locke (1999LOCKE, J. An Essay concerning Human Understanding. Peter H. Nidditich (Editor). Oxford: Clarendon Press, 1999., p. 308, grifo nosso) nota:

Neste caso, e em casos semelhantes [da percepção da mudança e do movimento], consideramos o poder em perfeita correlação com a mudança percepcionada. “Não podemos observar qualquer alteração ou operação a ser efectuada sobre algo”, a não ser que se verifique uma mudança nas suas ideias sensíveis, “nem podemos conceber qualquer alteração a ser feita”, sem concebermos a mudança de algumas das suas ideias.

A ideia relativa de substância também surge de forma semelhante: o suporte nunca é observado direta ou imediatamente. Ele é apreendido relativamente, pela experiência ou processos racionais.

Em terceiro e último lugar, Locke (1999LOCKE, J. An Essay concerning Human Understanding. Peter H. Nidditich (Editor). Oxford: Clarendon Press, 1999., p. 309, grifo nosso) afirma que a ideia de poder surge da própria relação entre as ideias: “[...] confesso que o poder inclui em si algum tipo de ‘relação’ (uma relação com a acção ou com a mudança); de facto, ‘qual das nossas ideias - de qualquer tipo e quando consideradas com atenção - não o manifesta39 39 Locke (1999b, p. 309) apresenta alguns exemplos de ideias que carregam consigo, nas relações mantidas entre elas, a ideia de poder: “As nossas ideias de extensão, duração e número não contêm em si uma relação secreta entre as suas componentes? A forma e o movimento têm mais visivelmente algo de relativo. E as qualidades sensíveis, como as cores e os cheiros, etc., o que são senão poderes de corpos diferentes, em relação à nossa percepção, etc.? E, se as considerarmos nas próprias coisas, não dependem elas do tamanho, da forma, da textura e do movimento das suas componentes? Todos possuem em si algum tipo de relação.” ’?” As ideias de SPG e de poder, por conseguinte, dependem do aparecimento das ideias simples de sensação/reflexão como relacionadas.

Entretanto, também identificamos alguns pontos de divergência entre as concepções lockianas da ideia de poder e de SPG. Com efeito, o filósofo não parece notar qualquer dificuldade em relação à origem da ideia de poder - que é a questão que nos ocupa presentemente em relação à ideia de SPG. Passamos a enumerar duas das suas considerações nesse sentido, as quais julgamos serem mais contundentes do que os pontos de contato supramencionados, motivo pelo qual acreditamos que constituem um grande obstáculo para levar adiante a aproximação entre elas. Em primeiro lugar, o filósofo (1999, p. 309) a classifica, de modo não problemático, entre as ideias simples:

Por isso, a nossa ideia de poder, na minha opinião, poderá ter um lugar no seio das demais “ideias simples”, e, poderá ser considerada como uma delas, sendo um dos ingredientes mais importantes para a produção das ideias complexas das substâncias, como vamos ter ocasião de observar mais adiante.

Em segundo lugar, Locke (1999LOCKE, J. An Essay concerning Human Understanding. Peter H. Nidditich (Editor). Oxford: Clarendon Press, 1999., p. 410) sugere que ideia de poder, ao menos a adquirida pela reflexão, quer dizer, pela percepção do movimento das ideias simples das operações da mente, é clara e distinta ou, ao menos, mais clara e distinta do que a ideia de poder adquirida pela sensação: “[...] contudo, se o considerarmos atentamente, os corpos, através dos nossos sentidos, não nos possibilitam uma tão clara e distinta ideia de poder activo, como a temos a partir de uma reflexão sobre as nossas operações mentais.”40 40 Locke (1999b, p. 311) explica esse fenômeno nos seguintes termos: “[...] só temos a ideia de ‘começo’ do movimento a partir da reflexão do que se passa em nós próprios; aí descobrimos, através da experiência, que apenas por o ter desejado ou por o ter pensado, podemos mover partes do nosso corpo, que antes estavam em repouso. Por isso, parece-me que temos apenas uma ideia pouco clara acerca do que é o ‘poder activo’ a partir da observação das acções dos corpos pelos nossos sentidos, uma vez que eles não nos oferecem qualquer ideia do poder de iniciar qualquer acção, seja movimento ou pensamento.”

Em terceiro e último lugar, Locke expõe claramente a origem da ideia de poder a partir das experiências sensível41 41 Segundo Locke (1999b, p. 307), “[...] sendo a mente diariamente informada pelos sentidos acerca da alteração dessas ideias simples que observa em coisas externas; e, apercebendo-se de como uma deixa de existir, e deixa de ser, e uma outra, que não existia antes, emerge.” e reflexiva.42 42 Enfatiza Locke (1999b, p. 307): “[...] reflectindo, também, sobre o que se passa dentro de si, e observando a mudança constante das suas ideias, por vezes causada pela impressão que os objectos exteriores provocam nos sentidos, e noutras por determinação da própria escolha; e concluindo que, no futuro, a partir da constância do que observa, mudanças similares ocorrerão, do mesmo modo, em coisas semelhantes, levadas a cabo por agentes e caminhos iguais, por um lado, considera uma coisa a possibilidade de alguma das suas ideias simples mudar, e noutra a possibilidade de fazer essa mudança; aparece, assim, a ideia que denominamos de ‘poder’.” Ou seja, não há, para o filósofo, nenhuma ambiguidade ou dificuldade para explicar como essa ideia surge na mente, e a sua origem é rastreada até à reflexão e a sensação - contrariamente ao que, como tentamos mostrar, não ocorre no caso da ideia da SPG.

4 UMA SUGESTÃO NATURAL DO ESPÍRITO

Se estamos certos, em nossa leitura, apelar à noção de “ideia relativa” não auxilia a superar a dificuldade de explicar, no Ensaio, o que é a ideia de SPG, tampouco à noção de “ideia de relação” ou à explicação da ideia de poder. Contudo, gostaríamos de oferecer uma hipótese: é possível encontrar elementos no Ensaio que poderiam explicar adequadamente - isto é, sem riscos de violação do princípio lockiano sobre a origem das ideias simples - a origem da ideia de SPG. Locke não apela explicitamente a esses elementos para explicar essa ideia, contudo, na interpretação proposta, eles podem ser reunidos em uma tentativa de desvencilhar o filósofo do problema com o qual seu empirismo precisa lidar. Essa proposta pode ser entendida, a nosso de ver, de maneira análoga à de Aaron (1955AARON, R. John Locke: Second Edition. Oxford: Claredon Press, 1955., p. 175), que busca uma explicação no texto do Ensaio com a qual o próprio Locke não estaria explicitamente comprometido:

Ainda que Locke não ofereça uma resposta clara, é da maior importância procurar uma resposta para esta questão. Pois aqui [na consciência da coexistência das ideias simples] está, com certeza, a verdadeira origem da ideia de substância em geral. Mas embora não haja uma resposta explícita a ser encontrada, uma resposta é dada implicitamente, e Locke definitivamente a assume em seu argumento.

Em sua interpretação da origem da ideia relativa de substância, Daniel Flage aponta uma passagem do capítulo VIII do segundo livro, “Outras considerações acerca das nossas ideias simples da sensação”, para ilustrar o que Locke (1999LOCKE, J. An Essay concerning Human Understanding. Peter H. Nidditich (Editor). Oxford: Clarendon Press, 1999., p. 153, grifo nosso) supostamente entenderia por “ideias positivas” - as ideias donde se originariam as ideias relativas:

No que respeita às ideias simples da sensação, é preciso considerar que tudo o que, por instituição da natureza, pode causar alguma percepção na mente, ao afectar os nossos sentidos, produz desse modo uma ideia simples no entendimento, a qual, “qualquer que seja a sua causa externa”, uma vez advertida pela nossa faculdade de discernir, é vista pela mente e considerada uma ideia tão real e positiva no entendimento, como qualquer outra, “ainda que, na coisa, a causa que a produz não seja mais do que uma privação”.

A nosso ver, essa passagem poderia servir para um propósito ainda mais esclarecedor sobre a origem da ideia de substância, apesar de Locke não reconhecer explicitamente essa alternativa.

Na leitura que propomos, a passagem acima poderia ser compreendida como uma explicação empírica para a origem da ideia de causa para as ideias simples de sensação - e, por analogia, para as ideias de reflexão. Ainda que a causa das ideias positivas de sensação seja desconhecida nos objetos externos, o espírito, ao ser afetado por essas ideias, forma para si a ideia de uma “causa externa”. Essa causa permanece, obviamente, desconhecida. Porém, sua ideia é formada no espírito de uma maneira não problemática por processos empíricos. Se estamos certos em nossa leitura, a ideia de SPG poderia ser explicada de maneira semelhante. Quer dizer, as ideias de sensação poderiam ser, além daquilo que sugere ao espírito a ideia de uma causa externa, aquilo que sugere a ideia da “causa da união” dessas ideias. O espírito, ao ter ideias de sensação, seria levado tanto à ideia de uma causa externa quanto à ideia daquilo em que elas estão unidas, o suporte corporal. O mesmo poderia ser dito sobre as ideias de reflexão: elas não apenas sugerem a ideia da “causa interna” das ideias reflexivas - as operações mentais -, como também a “causa da união” dessas ideias de operações mentais, o suporte espiritual. Em ambos os casos, o suporte permaneceria desconhecido.

A inspiração para pensar essa proposta de explicação da ideia de SPG em Locke surge da filosofia de Thomas Reid, o qual, pouco mais de meio século mais tarde, em sua Investigação sobre a mente humana a partir dos princípios do senso comum (1997),43 42 Enfatiza Locke (1999b, p. 307): “[...] reflectindo, também, sobre o que se passa dentro de si, e observando a mudança constante das suas ideias, por vezes causada pela impressão que os objectos exteriores provocam nos sentidos, e noutras por determinação da própria escolha; e concluindo que, no futuro, a partir da constância do que observa, mudanças similares ocorrerão, do mesmo modo, em coisas semelhantes, levadas a cabo por agentes e caminhos iguais, por um lado, considera uma coisa a possibilidade de alguma das suas ideias simples mudar, e noutra a possibilidade de fazer essa mudança; aparece, assim, a ideia que denominamos de ‘poder’.” oferece uma explicação semelhante àquela que estamos propondo para elucidar a origem da noção de “mente” - a substância em que os modos do pensamento existiriam. Reid (1997REID, T. Inquiry into the Human Mind on the Principles of Common Sense. Derek Brookes (editor). Edinburgh: Edinburgh University Press, 1997., p. 37) afirma:

É impossível mostrar como nossas sensações e pensamentos nos podem dar a própria noção e concepção da mente, assim como de uma faculdade [...] Ainda assim, esta sensação sugere-nos tanto uma faculdade como uma mente, e não apenas sugere a sua noção, como cria a crença na sua existência, embora seja impossível descobrir, pela razão, qualquer vínculo ou conexão entre uma e a outra.

Para Reid (1997REID, T. Inquiry into the Human Mind on the Principles of Common Sense. Derek Brookes (editor). Edinburgh: Edinburgh University Press, 1997., p. 38), as experiências sensíveis e pensamentos seriam a origem das noções de “mente” e de “faculdade”. A fonte sensível dessas noções é uma “sugestão” da mente:

Peço licença para fazer uso da palavra “sugestão”, porque não conheço outra mais apropriada para expressar um poder da mente que parece ter escapado inteiramente à observação dos filósofos e à qual devemos muitas de nossas noções simples que não são nem impressões nem ideias, assim como muitos princípios originais de crença.

Se os seres humanos acreditam na existência de um espírito e têm uma noção desse espírito, isso ocorre, segundo Reid, por uma “sugestão natural” com base nas sensações que são sentidas e as operações que são realizadas pela mente.

Se estamos certos nessa proposta de interpretação, Locke estaria muito próximo de apresentar uma “teoria da sugestão”, como a oferecida por Reid, mais tarde. Aplicada à explicação da origem da ideia de SPG, essa interpretação teria o mérito de garantir que Locke não extrapolaria os limites empiristas de sua investigação: não haveria qualquer necessidade de se apelar a processos racionais, como a abstração ou a inferência, para indicar a origem da ideia, tampouco precisaria apelar ao recurso - que acreditamos ter mostrado ser confuso - de entender a ideia de SPG como uma ideia relativa. Locke disporia, portanto, de meios para explicar a origem dessa ideia de maneira não problemática para o seu empirismo.

A menção à obra reidiana permite uma segunda discussão, desta vez, sobre o que nos parece ser uma má compreensão do filósofo da explicação lockiana da ideia de SPG. No mesmo capítulo em que apresenta a sua teoria das sugestões, Reid tece uma breve crítica à teoria de que a noção de mente poderia ser adquirida por meio de noções relativas. O filósofo não nomeia Locke, porém, a familiaridade de Reid com o texto do Ensaio é um forte indício de que a crítica visa o texto lockiano. Reid (1997REID, T. Inquiry into the Human Mind on the Principles of Common Sense. Derek Brookes (editor). Edinburgh: Edinburgh University Press, 1997., p. 37-38) assevera:

É uma doutrina recebida dos filósofos que nossas noções de relações só podem ser obtidas comparando-se as ideias relacionadas. Porém, no caso presente, parece tratar-se de uma instância do contrário. Não é tendo primeiro as noções de mente e de sensação e, depois, comparando-as juntas, que percebemos uma como tendo a relação de um objeto ou substratum, e a outra como um ato ou operação. Pelo contrário, uma das coisas relacionadas, a saber, a sensação, sugere-nos tanto o correlato como a relação.

Reid fornece uma interpretação da teoria lockiana das ideias relativas - que, a nosso ver, não condiz com o texto do Ensaio. Para Reid, as noções relativas de sujeito e substrato seriam adquiridas, nessa “doutrina recebida dos filósofos”, pela comparação entre duas noções, em específico, as noções de mente e sensação. Sem dúvida, essa seria a explicação de Locke para a origem da ideia de relação de “suporte”: compara-se aquilo que suporta com o que é suportado e, a partir daí, forma-se a ideia de suporte; ou, aplicando os termos da explicação reidiana para o surgimento da ideia de “mente” à origem da ideia de SPG na filosofia de Locke, ela seria originada por uma “sugestão natural”, a partir das ideias de sensação e de reflexão e o objeto que as suscita em nós (aquilo do que, afinal, temos essas ideias). Todavia, essa não é a explicação lockiana da origem da ideia relativa de SPG. Como visto, para Locke, a ideia de suporte surge da comparação entre as ideias de modos de pensamento, não da comparação dessas ideias com a ideia de suporte. A esse respeito, por conseguinte, Reid parece ter-se equivocado em sua leitura do texto do Ensaio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A título de conclusão, reiteramos que Locke não apela ao recurso reidiano das “sugestões naturais”, para explicar a origem da ideia de SPG, apesar de quase o fazer, na passagem citada acima, em relação às causas externas. A nosso ver, essa seria uma alternativa para que Locke explicasse empiricamente o modo como os seres humanos formam para si a ideia de um suporte ou substrato para as qualidades sensíveis e modos do pensamento. Acreditamos, em face das discussões desenvolvidas nas seções acima, ter esclarecido como a aproximação entre ideia relativa/ideia de relação e ideia de SPG/ideia de poder, apesar de atraente, à primeira vista, não auxilia na solução da dificuldade sobre a origem da ideia de suporte. Locke mostra-se muito mais seguro sobre como explicar o que é uma ideia de relação e a origem da ideia de poder. O mesmo não pode ser dito acerca da ideia de SPG e sua origem.

REFERÊNCIAS

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  • YOLTON, J. Locke and the Compass of Human Understanding: A Selective Commentary on the ‘Essay’. New York: Cambridge University Press, 2010.
  • 3
    Publicado originalmente em 1689. A segunda edição da obra, revisada e com acréscimos feitos por Locke, data de 1694. Doravante, apenas Ensaio.
  • 4
    Essa é a crítica que parte de racionalistas como, por exemplo, Henry Lee (1644-1713), John Sergeant (1621-1707/1710) e Leibniz. Ver John Yolton (1968YOLTON, J. John Locke and the Way of Ideas. Oxford: The Claredon Press, 1968., p. 72-86). A obra de Yolton, John Locke and the Way of Ideas (1968), é uma leitura fundamental para se conhecer a história da recepção do Ensaio, no fim do século XVII e início do século XVIII. Em nossa introdução, sempre que pertinente, remeteremos o leitor ou leitora às discussões apresentadas nessa obra.
  • 5
    Além de Henry Lee e John Sergeant, outro a acusar Locke de sensacionalista/idealista é John Witty (1682-1712). Ver Yolton (1968YOLTON, J. John Locke and the Way of Ideas. Oxford: The Claredon Press, 1968., p. 86 e p. 99).
  • 6
    Muitos são os autores que leram o Ensaio como uma obra cética: Peter Browne (1636-1735), Timothy Goodwin (1670-1729), John Milner (1628-1702), Georges Hickes (1642-1715), Jonh Norris (1657-1711), Samuel Bond (1649-1737) e o próprio Stillingfleet são exemplos desses leitores que leram Locke como cético, a partir do contato com o Ensaio. Ver Yolton (1968YOLTON, J. John Locke and the Way of Ideas. Oxford: The Claredon Press, 1968., p. 87-92 e 99-102).
  • 7
    O deísmo do final do século XVII e início do século XVIII, de modo conciso, é uma tentativa de filósofos do período de racionalizar alguns aspectos da religião cristã. Sobre a associação entre Toland e Locke, sugerimos a leitura de W. M. Spellman (1997SPELLMAN, W. M. John Locke. New York: Macmillan Education, 1997., p. 29-30). Anthony Collins (1676-1729), um dos mais ilustres deístas do período e amigo íntimo de Locke, também reconhece o seu débito para com a filosofia do Ensaio. Indicamos, para a relação entre Locke e Collins, a leitura de Robert B. Luehrs (1977LUEHRS, R. The Problematical Compromise: The Early Deism of Anthony Collins. Studies in Eighteenth-Century Culture, v. VI, p. 59-77, 1977., p. 64).
  • 8
    Stuart Brown (1996BROWN, S. Locke as Secret ‘Spinozist’: The Perspective of William Carroll. In: VAN BUNGE, W.; KLEVER, W. (ed.). Disguised and Overt Spinozism around 1700. Leiden/New York/Koln: E. J. Brill, 1996. p. 213-234., p. 224) entende o já citado George Hickes como um dos leitores que compreendem Locke como um espinosista. A seu ver, Carroll teria sido influenciado justamente por essa denúncia de Hickes.
  • 9
    Locke publica, no ano de 1695, um de seus mais importantes escritos teológicos, The Reasonableness of Christianity. Como o próprio título da obra indica, o filósofo pretende apresentar uma visão mais racional de certos aspectos da religião cristã, o que certamente contribui para que seu pensamento seja associado ao de Toland e de Espinosa e, portanto, seja considerado como uma ameaça à religião.
  • 10
    Sobre a atenção que a teoria lockiana da substância registra, nos primeiros anos da recepção do Ensaio, sugerimos a leitura de Edwin McCann (2001McCANN, E. Locke’s Theory of Substance Under Attack! In: Philosophical Studies, v. CVI, p. 87-105, 2001., p. 91-95), E. J. Lowe (2005LOWE, E. J. Locke. Oxford and New York: Routledge, 2005., p. 60) e de Nicholas Jolley (2015JOLLEY, N. Locke’s Touchy Subjects: Materialism and Immortality. Oxford: Oxford University Press, 2015., p. 50).
  • 11
    Por exemplo: Richard Aaron (1955AARON, R. John Locke: Second Edition. Oxford: Claredon Press, 1955., p. 175), Jonathan Bennett (1971BENNETT, J. Locke, Berkeley, Hume. Oxford, Clarendon Press Oxford, 1971., p. 60), J. D. Mabbott (1973MABBOTT, J. D. John Locke. London e Basingstoke: Macmillan Education, 1973., p. 30-32), M. R. Ayer (1975AYER, M. R. The Ideas of Power and Substance in Locke’s Philosophy. The Philosophical Quarterly, v. XXV, n. 98, p. 01-27, 1975., p. 09), Martha Bolton (1976BOLTON, M.). Substances, Substrata, and Names of Substances in Locke’s Essay. The Philosophical Review, v. LXXXV, n. 4, p. 488-513, 1976., p. 488), Daniel Flage (1981FLAGE, D. Locke’s Relative Ideas. Theoria, v. XLVII, n. 3, p. 142-159, 1981., p. 142-149), Margaret Atherton (1984ATHERTON, M. Knowledge of Substance and Knowledge of Science in Locke’s Essay. History of Philosophy Quarterly, v. I, n. 4, p. 413-428, 1984., p. 413), David Armstrong (1989ARMSTRONG, D. Universals: An Opinionated Introduction. Boulder: Westview Press, 1989., p. 61), Gábor Forrai (2010FORRAI, G. Locke on Substance in General. Locke Studies, v. X, p. 27-60, 2010., p. 27-28), Matthew Stuart (2016STUART, M. The correspondence with Stillingfleet. In: STUART, M. (ed.). A Companion to Locke. Malden/Oxford/West Sussex: Wiley-Blackwell, 2016. p. 354-370., p. 256-258) e Han-Kyul Kim (2019KIM, H. Locke’s Ideas of Mind and Body. New York/London: Routledge, 2019., p. 116-117).
  • 12
    Ver Jonathan Bennett (1971BENNETT, J. Locke, Berkeley, Hume. Oxford, Clarendon Press Oxford, 1971., p. 83-88) e Michael Ayers (1975AYER, M. R. The Ideas of Power and Substance in Locke’s Philosophy. The Philosophical Quarterly, v. XXV, n. 98, p. 01-27, 1975.).
  • 13
    Ver, por exemplo, Martha Bolton (1976BOLTON, M.). Substances, Substrata, and Names of Substances in Locke’s Essay. The Philosophical Review, v. LXXXV, n. 4, p. 488-513, 1976.).
  • 14
    Ver, por exemplo, Margaret Atherton (1984ATHERTON, M. Knowledge of Substance and Knowledge of Science in Locke’s Essay. History of Philosophy Quarterly, v. I, n. 4, p. 413-428, 1984.).
  • 15
    Gostaríamos de observar que estamos conscientes de que uma das formulações mais sistemáticas de Locke de sua teoria da substância se encontra na primeira de suas cartas a Edward Stillingfleet (1635-1699), Bispo de Worcester, um dos mais ferrenhos críticos da filosofia do Ensaio. No presente artigo, no entanto, não pretendemos considerar essa correspondência. Julgamos que, devido à profundidade e complexidade da exposição de sua teoria da substância, na resposta a Stillingfleet, essa discussão merece um tratamento à parte.
  • 16
    Publicado originalmente em 1710. Berkeley, com efeito, argumenta em favor da compreensão de que os objetos externos são apenas coleções de ideias sensíveis simples, de modo que o espírito humano não tem acesso a nenhuma ideia de suporte ou substrato na qual tais ideias sensíveis existiriam (1973, p. 20).
  • 17
    Publicado originalmente em 1739-1740. Hume desenvolve a teoria berkeliana da substância corporal e a aplica à compreensão do próprio espírito. A seu ver (2001, p. 40), uma substância mental não é senão uma coleção de ideias unidas pela imaginação. Ademais, para Hume (2001HUME, D. Tratado da natureza humana. Tradução: Déborah Danowski. São Paulo: Editora UNESP, 2001., p. 265), um olhar atento para as percepções - impressões e ideias - não é capaz de revelar a existência de suporte para elas.
  • 18
    Para uma compreensão da distinção entre uma “Teoria do substrato”, como a de Locke, e uma “Teoria do feixe” como as de Berkeley e Hume, sugiro a leitura do trabalho do filósofo Theodore Sider (2006SIDER, T. Bare Particulars. Philosophical Perspectives, v. XX, p. 387-397, 2006., p. 387).
  • 19
    Enfatiza Locke (1999bLOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999., p. 389, grifo nosso): “Têm sempre uma ‘noção confusa de algo a que pertencem e no qual subsistem’ ; e, por isso, quando se fala de qualquer tipo de substância, diz-se que é uma coisa que possui estas ou aquelas qualidades.”
  • 20
    Berkeley explicita (1973BERKELEY, G. Tratado sobre os princípios do conhecimento humano. Tradução: Antônio Sérgio. São Paulo: Abril, 1973 (Coleção Os Pensadores, v. XXIII)., p. 24): “Mas, tanto quanto posso julgar, as palavras vontade, ‘alma’, ‘espírito’ não significam idéias diferentes nem, em verdade, idéia alguma, senão algo diferente das idéias e que sendo agente não pode ser semelhante a ou representado por uma idéia qualquer. Embora deva dizer-se ao mesmo tempo que temos alguma ‘noção’ de alma, espírito, e das operações do espírito, como querer, amar, odiar; assim como sabemos ou compreendemos o sentido destas palavras.”
  • 21
    No início do segundo livro do Ensaio, com efeito, Locke (1999bLOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999., p. 106-107) observa: “[...] são as observações que fazemos sobre os objectos exteriores e sensíveis ou sobre as operações internas da nossa mente, de que nos apercebemos e sobre as quais nós próprios reflectimos, que fornecem à nossa mente a matéria de todos os seus pensamentos. Estas são as duas fontes de conhecimento, de onde brotam todas as ideias que temos ou podemos naturalmente ter.” No próprio contexto da discussão da ideia de substância, no capítulo XXIII do segundo livro, ele (1999bLOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999., p. 410) reitera essa compreensão: “[...] as nossas faculdades não irão para além destas ideias [simples] que são recebidas a partir das fontes adequadas [sensação/reflexão].”
  • 22
    Mabbott destaca (1973MABBOTT, J. D. John Locke. London e Basingstoke: Macmillan Education, 1973., p. 30): “Locke de fato concorda com Sttilingfleet de que a ideia de substância ‘está’ fundada sobre a razão, isto é, na consciência da conexão necessária e não sobre o costume.”. Essa seria uma “necessidade lógica” de que o espírito dependeria para pensar a substância.
  • 23
    Bennett não é totalmente claro sobre como compreender a origem da ideia de SPG. Contudo, o intérprete (1971, p. 59-60) parece sugerir que essa ideia se origina de uma análise da linguagem: “[...] portanto, se alguma declaração existencial ou ‘sujeito objeto’ é verdadeira, então há dois tipos de item - substâncias e propriedades ou qualidades. Os primeiros possuem o privilégio de carregar ou suportar as segundas sem serem, eles próprios, suportados da mesma maneira por alguma coisa. Implicamos a existência de ‘substâncias’ neste sentido toda vez que implicamos que alguma propriedade é instanciada.” E Bennett (1971BENNETT, J. Locke, Berkeley, Hume. Oxford, Clarendon Press Oxford, 1971., p. 60) continua: “[...] pode-se falar do ouro como um tipo de substância, ou reclamar da substância pegajosa no chão da cozinha, sem estar comprometido com esta teoria sobre a análise do que se está dizendo.”
  • 24
    Ayer (1975AYER, M. R. The Ideas of Power and Substance in Locke’s Philosophy. The Philosophical Quarterly, v. XXV, n. 98, p. 01-27, 1975., p. 11) observa: “[...] outras passagens tornam bastante claro que Locke acredita que a ideia de substância é tal que chegamos a ela racionalmente, e que não podemos, razoavelmente, evitar. A palavra ‘acostumar’ parece referir-se não ao processo pelo qual adquirimos e aplicamos pela primeira vez a ideia, mas à condição em que estamos a partir do momento em que a usamos de forma habitual.”
  • 25
    Kim (2019KIM, H. Locke’s Ideas of Mind and Body. New York/London: Routledge, 2019., p. 119), inicialmente, parece estar inclinado a negar que a origem dessa ideia seja racional, ao recusar a ideia de que a teoria lockiana pudesse ser aproximada da de Descartes. Contudo, essa impressão inicial se desfaz, quando verificamos que, a seu ver, Locke a explicaria a partir de um “processo especial de abstração”. Há uma reinterpretação da noção de “abstração”, para explicar em que medida um substrato poderia ser uma “entidade abstrata”, de acordo com Kim (2019KIM, H. Locke’s Ideas of Mind and Body. New York/London: Routledge, 2019., p. 119, grifo nosso): “[...] por ‘abstrato’, aqui, no entanto, Locke invoca uma noção mais moderna de abstractividade [abstractness] - a saber, a de uma ‘entidade funcional’ [destaque nosso], que é definida em termos do seu ‘papel por si só, sem referência à natureza específica daquilo que, efetivamente, desempenha esse papel’ .”
  • 26
    Obra publicada originalmente em 1970.
  • 27
    Aaron (1955AARON, R. John Locke: Second Edition. Oxford: Claredon Press, 1955., p. 175) argumenta: “[...] como, então, ela [a ideia de substância] é derivada no caso da ideia de uma substância particular? Deveríamos dizer que é algo conhecido racionalmente, de tal modo que a relação substância-atributo é apreendida logicamente? Mas isto é algo que Locke nega. A substância é um não-sei-o-quê, logo, não é possível discernir racionalmente a relação entre as qualidades observáveis e a substância, que é incognoscível.”
  • 28
    Apesar de não ser sistemática sobre isso, a intérprete (1984, p. 414-415) parece pensar defender uma origem empírica para a ideia de SPG: “[...] sabemos que deve haver substância porque temos experiências sensíveis ou ideias de qualidades sensíveis simples que não se podem trazer a si mesmas à existência, não podem subsistir por si mesmas. As ideias que temos convencem-nos de que deve haver algo com o poder de nos afetar, provocando mudanças em nossas ideias.”
  • 29
    Hume (2001HUME, D. Tratado da natureza humana. Tradução: Déborah Danowski. São Paulo: Editora UNESP, 2001., p. 265) argumenta: “[...] se tivéssemos uma ideia de substância de nossas mentes, teríamos que ter dela também uma impressão - o que é muito difícil, senão impossível, de conceber. Pois como poderia uma impressão representar uma substância, senão assemelhando-se a ela? Pois como poderia uma impressão se assemelhar a uma substância, já que, segundo essa filosofia, ela não é uma substância, e não possui nenhuma das qualidades ou características peculiares de uma substância.”
  • 31
    Locke (1999bLOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999., p. 423) explica: “[...] o conhecimento de uma acção ou de uma ideia simples é muitas vezes suficiente para me oferecer uma noção clara de uma relação, mas para se conhecer um ser concreto é necessário um conjunto de várias ideias precisas.” E, adiante (1999b, p. 423-424): “[...] ‘portanto, as ideias de relações são capazes, pelo menos, de ser mais perfeitas e distintas nas nossas mentes do que as ideias de substâncias’. Porque normalmente é difícil conhecer todas as ideias simples que realmente se encontram em qualquer substância, mas, para a maioria, é bastante fácil conhecer as ideias simples que formam qualquer relação em que se pense, ou para a qual se possua um nome, isto é, ao comparar dois homens em relação a um pai comum é muito fácil formar as ideias de irmãos sem se ter, contudo, a ideia perfeita de um homem.”
  • 32
    Escreve Locke (1999bLOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999., p. 424): “[...] visto que palavras relativas significativas, bem como outras, representando apenas ideias e aquelas ideias sendo todas ou simples, ou compostas de ideias simples, para conhecer a ideia precisa que o termo relativo representa, é suficiente ter uma concepção clara do que é a base de uma relação, o que pode fazer-se sem ter uma noção clara e perfeita da coisa à qual ela é atribuída.”
  • 33
    De acordo com Locke (1999bLOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999., p. 387-388), “[...] se a alguém se perguntasse a que ideia a cor ou o peso adere, ele só teria que dizer que aderia às suas componentes sólidas ampliadas. E se lhe fosse perguntado a que se liga essa solidez e extensão, ele não estaria em muito melhor situação do que o indiano mencionado anteriormente, que referia que o mundo era suportado por um grande elefante, e ao perguntarem-lhe em que é que o elefante descansava, ele respondeu: sobre uma grande tartaruga. Mas ao ser uma vez mais pressionado para se saber o que sustentava a tartaruga com tão grande carapaça, ele respondeu que era ‘qualquer coisa, não sabia o quê’.”
  • 34
    Para Locke (1999bLOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999., p. 388, grifo nosso), “[...] significa também que a coisa que julgam conhecer e sobre a qual falam é algo sobre que não têm a mínima ideia e, portanto, ‘ignoram-na perfeitamente e estão às escuras em relação a ela’.”
  • 35
    Locke (1999bLOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999., p. 390-391) observa: “[...] portanto, qualquer que seja a natureza secreta e abstracta da substância em geral, todas as ideias que tenhamos de tipos específicos e distintos de substâncias não são mais do que múltiplas combinações de ideias simples, coexistindo na ‘tal causa da sua união, embora desconhecida’, [destaque nosso] que faz com que o todo subsista em si.”
  • 36
    Locke (1999bLOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999., p. 410-411) observa: “portanto, e em poucas palavras, a ideia que possuímos de espírito comparada com a ideia que temos de corpo apresenta-se da seguinte forma: a substância dos espíritos ‘é-nos desconhecida e a substância do corpo também nos é igualmente desconhecida’ [destaque nosso]”.
  • 37
    Ressalta Locke (1999bLOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999., p. 401): “[...] pela ideia complexa de extensão, de forma, de cor e de quaisquer outras qualidades sensíveis, que é tudo o que sabemos do corpo, continuamos tão longe da ideia da substância do corpo como se não soubéssemos nada.” E, adiante (1999bLOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999., p. 410): “[...] portanto, somos tão incapazes de descobrir onde as ideias pertencentes ao corpo estão alojadas, como de o fazer em relação às ideias pertencentes ao espírito.”
  • 38
    Não queremos sugerir que a compreensão das ideias de relação esteja livre de problemas. Por exemplo, em algumas ocasiões, Locke (1999bLOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999., p. 205) considera que uma ideia de relação é complexa: “[...] a última espécie de ideias complexas é a que chamamos ‘relação’, e que consiste na consideração e comparação de uma ideia com outra.” Em outros casos, no entanto, ele (1999bLOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999., p. 425) realça: todas as ideias de relação são ideias simples: “[...] todas as ideias que temos de relação são constituídas somente por ideias simples, tal como são as outras; e que todas elas - não importando o quanto parecem libertas e afastadas do sentido - terminam, por fim, em ideias simples.”
  • 39
    Locke (1999bLOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999., p. 309) apresenta alguns exemplos de ideias que carregam consigo, nas relações mantidas entre elas, a ideia de poder: “As nossas ideias de extensão, duração e número não contêm em si uma relação secreta entre as suas componentes? A forma e o movimento têm mais visivelmente algo de relativo. E as qualidades sensíveis, como as cores e os cheiros, etc., o que são senão poderes de corpos diferentes, em relação à nossa percepção, etc.? E, se as considerarmos nas próprias coisas, não dependem elas do tamanho, da forma, da textura e do movimento das suas componentes? Todos possuem em si algum tipo de relação.”
  • 40
    Locke (1999bLOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999., p. 311) explica esse fenômeno nos seguintes termos: “[...] só temos a ideia de ‘começo’ do movimento a partir da reflexão do que se passa em nós próprios; aí descobrimos, através da experiência, que apenas por o ter desejado ou por o ter pensado, podemos mover partes do nosso corpo, que antes estavam em repouso. Por isso, parece-me que temos apenas uma ideia pouco clara acerca do que é o ‘poder activo’ a partir da observação das acções dos corpos pelos nossos sentidos, uma vez que eles não nos oferecem qualquer ideia do poder de iniciar qualquer acção, seja movimento ou pensamento.”
  • 41
    Segundo Locke (1999bLOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999., p. 307), “[...] sendo a mente diariamente informada pelos sentidos acerca da alteração dessas ideias simples que observa em coisas externas; e, apercebendo-se de como uma deixa de existir, e deixa de ser, e uma outra, que não existia antes, emerge.”
  • 42
    Enfatiza Locke (1999bLOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução: Eduardo Abranches Soveral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999., p. 307): “[...] reflectindo, também, sobre o que se passa dentro de si, e observando a mudança constante das suas ideias, por vezes causada pela impressão que os objectos exteriores provocam nos sentidos, e noutras por determinação da própria escolha; e concluindo que, no futuro, a partir da constância do que observa, mudanças similares ocorrerão, do mesmo modo, em coisas semelhantes, levadas a cabo por agentes e caminhos iguais, por um lado, considera uma coisa a possibilidade de alguma das suas ideias simples mudar, e noutra a possibilidade de fazer essa mudança; aparece, assim, a ideia que denominamos de ‘poder’.”
  • 30
    Hume (2001HUME, D. Tratado da natureza humana. Tradução: Déborah Danowski. São Paulo: Editora UNESP, 2001., p. 265-266) frisa que o apelo à tradicional definição de substância - uma “substância” é aquilo que existe por si mesmo - não auxilia a escapar da dificuldade de discutir a questão da materialidade ou imaterialidade da alma, uma vez que essa definição é aplicável a tudo o que pode ser percebido. Em outras palavras, o conceito tradicional de substância pode ser aplicado a todas as percepções, de modo que a distinção entre substância e percepção não seria inteligível. O raciocínio humiano baseia-se sobre dois princípios: “tudo o que é concebido claramente pode existir”; “tudo o que é distinguível é separável pela imaginação”.
  • 43
    Publicada originalmente em 1764.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    10 Jul 2022
  • Aceito
    09 Out 2022
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