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Alfabetização no Brasil: uma história de sua história

CALEIDOSCÓPIO

Alfabetização no Brasil: uma história de sua história* * Resenha do Livro Alfabetização no Brasil, uma história de sua história, organizado por Maria do Rosário Mortatti (São Paulo: Cultura Acadêmica; Marília: Oficina Universitária, 2011. 312p. ISBN 978-85-7983-178-2).

Bárbara Cortella Pereira

Doutora em Educação e professora da Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat, campus de Tangará da Serra). E-mail babicortella@yahoo.com.br

Afinal, pode a História da Alfabetização ser considerada como um campo de conhecimento autônomo? Somente o peso dessa questão representaria, por si só, um convite à leitura de Alfabetização no Brasil: uma história de sua história, organizado pela professora Maria do Rosário Longo Mortatti, da Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" (Unesp/Marília).

Essa questão foi também fio condutor das reflexões ocorridas, em 2010, no I Seminário Internacional sobre História do Ensino de Leitura e Escrita (I Sihele) realizado na Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) — campus de Marília. Promovido pelo Grupo de Pesquisa "História do Ensino de Língua e Literatura no Brasil" (GPHELLB), as apresentações e discussões realizadas nesse evento acadêmico-científico deram origem à coletânea.

A proposta de compor um panorama nacional da História da Alfabetização no Brasil, a partir da necessidade de promover a avaliação diagnóstica e prospectiva do campo, foi o eixo da reunião de especialistas em alfabetização, em nível internacional e em nível nacional, de diferentes regiões do Brasil, para juntos refletirem sobre a constituição desse campo. Na coletânea em análise, foi preservado o clima de "[...] fórum específico para a discussão democrática do ensino da leitura e da escrita, no Brasil, em suas diferentes facetas" (2011, p. 11).

A coletânea está estruturada em duas partes e é apresentada pela professora Carlota Boto, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), que destaca a importância da temática escolhida e o "tom" de síntese apresentado por cada autor que, mediante diferentes chaves conceituais, buscou "Apreender a historicidade dos modos passados de ensinar a ler e a escrever [...]" (p. viii). Boto vislumbra, ainda, "[...] um futuro que pode ser construído pela integração e pela articulação de projetos e de resultados de pesquisas já consolidadas" (p. viii) no campo da História da Alfabetização brasileira.

A primeira parte da coletânea (p. 1-46) contém um minucioso balanço do I Sihele escrito por Mortatti, seguido de um texto em homenagem à Magda Becker Soares, professora emérita da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Na sequência, há o texto dessa "grande dama da educação brasileira" (p. 33), refletindo com emocionadas palavras sobre o "Encontro em Marília"; e o texto em homenagem à memória do professor Rogério António Fernandes, catedrático da Universidade de Lisboa, falecido em março de 2010, elaborado pela professora Márcia Cristina O. Mello (Unesp/Ourinhos).

A segunda parte (p. 49-310) contém um artigo referente à Conferência de abertura do evento citado, proferida pela pesquisadora francesa Anne-Marie Chartier (Service d'Histoire de l'Éducation — IFE), e onze artigos resultantes dos textos apresentados nas mesas-redondas do I Sihele, seguidos de breves dados profissionais e bibliográficos dos autores presentes na coletânea.

Todos os autores dos textos que compõem a segunda parte da obra são líderes ou membros dos grupos/núcleos/centros de pesquisa de universidades públicas federais ou estaduais, criados a partir da década de 1990. Sínteses de resultados de suas pesquisas no campo da História da Alfabetização constituem os capítulos, na seguinte ordem: Grupo de Pesquisa "História do Ensino de língua e literatura no Brasil" (GPHELLB, criado em 1994, liderado por Maria do Rosário L. Mortatti - Unesp/Marília); Grupo de Estudos e Pesquisas em "História e Historiografia da Educação Brasileira" (Gepheb, criado em 2005, liderado por Estela Bertoletti, da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul — Uems); "Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em História da Educação no Brasil" (Niephe, criado em 1996, liderado por Diana Gonçalves Vidal e Maurilane Biccas, ambas da USP); Grupo de Pesquisa "Alfabetização, Leitura e Escrita" (Alle, criado em 1998, liderado por Lilian Lopes Martin da Silva e Norma Sandra de Almeida Ferreira, ambas da Unicamp); Grupo de Pesquisa "Alfabetização e Letramento Escolar" (Alfale, criado em 2001, liderado por Lázara Nanci de Barros Amâncio e Cancionila Janzkovski Cardoso, ambas da Universidade Federal de Mato Grosso — UFMT); Projeto Interinstitucional "Cartilhas escolares — ideários, práticas pedagógicas, e editoriais: construção de repertórios analíticos e de conhecimento sobre a história da alfabetização e das cartilhas (MG/RS/MT — 1870-1996)" (2001), RJ/ES/AM (2005), coordenado por Isabel Cristina Alves da Silva Frade, da UFMG); "Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alfabetização, Leitura e Escrita do Espírito Santo" (Nepales, criado em 2006, liderado por Cláudia Maria Mendes Gontijo e Cleonara Maria Schwartz, ambas da Universidade Federal do Espírito Santo — Ufes); "Alfa Núcleo" do Grupo de Pesquisa "Estudos sobre Currículo, Cultura e Sociedade" (Alfa Neccso, criado em 2009, liderado por Iole Maria Faviero Trindade, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul — UFRGS); Grupo de Pesquisa "História da Alfabetização, Leitura, Escrita e dos Livros Escolares" (Hisales, criado em 2006, liderado por Eliane Peres, da Universidade Federal de Pelotas — Ufpel); Grupo de Pesquisa "História da Educação, Literatura e Gênero" (Helg, criado em 1998, liderado por Maria Arisnete Câmara de Morais e Francinaide de Lima Silva, ambas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte — UFRN; "Programa de Alfabetização e Leitura" (Proale, criado em 1991, desde 2001 coordenado por Cecília M. A. Goulart, da Universidade Federal Fluminense - UFF).

As pesquisas que abordam, historicamente, a alfabetização no Brasil tiveram início na década de 1990, mas seu aumento quantitativo e qualitativo se deu a partir do ano 2000, década em que o tema parece ter ganhado maior visibilidade e autonomia, como se pode observar na apresentação dos grupos de pesquisas sediados em diferentes instituições e regiões do país. A consolidação desses grupos faz parte do movimento de constituição desse campo de conhecimento, como se pode constatar a partir de suas nomenclaturas, em cada momento histórico, como características de um campo com "temas, objetos, pressupostos teórico-metodológicos" cada vez mais definidos e especializados.

As vozes que contam uma versão, entre as muitas possíveis, da História da Alfabetização no Brasil contida nessa coletânea são polifônicas, marcadas por distintas formações iniciais, em Pedagogia, Letras ou História, dos professores que ocupam diferentes lugares institucionais e assumem pressupostos teórico-metodológicos plurais, a partir das distintas realidades e necessidades educacionais de nosso imenso país. Embora cada autor tenha apresentado seu capítulo nessa história, a partir de diferentes pontos de vista, o fio condutor de cada texto converge para o debate sobre a constituição do campo da História da Alfabetização e os questionamentos dela decorrentes.

A pluralidade dessas vozes apresenta o acúmulo de conhecimento da produção acadêmico-científica sobre a História da Alfabetização, em três décadas, se considerarmos o caso francês apresentado por Anne-Marie Chartier, ou de quase duas décadas, no caso das pesquisas brasileiras. O conhecimento acumulado possibilita, portanto, confirmar as palavras da pesquisadora francesa: essa história "[...] não é mais somente um capítulo da história do ensino" (Chartier, 2011, p. 14). Como avalia a organizadora da coletânea, já é possível "[...] pensar em uma historiografia sobre o tema, ou seja, na análise crítica do conjunto de aspectos que configuram o processo da escrita da história da alfabetização no Brasil [...]". (Mortatti, 2011, p. 15).

Em se tratando do rigoroso debate acadêmico-científico apresentado nessa coletânea, sua leitura interessa, especialmente, aos estudiosos da História da Alfabetização, das Letras e da História, e também traz preciosas contribuições para os estudiosos da História da Educação e das Ciências da Educação, em geral, na expectativa de que esse "olhar para o passado" possa contribuir para as reflexões e dilemas enfrentados por professores da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino superior, e em especial para os cursos de formação de professores, no presente.

Para finalizar, informamos que a coletânea está disponível gratuitamente para download na internet, no seguinte endereço: <http://www.marilia.unesp.br/Home/Publicacoes/alfabetizacao.pdf>, e no formato e-book. Ainda, como nota relevante, cabe destacar que o livro foi classificado em 1º lugar na categoria Educação do 54º Prêmio Jabuti/2012.

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    Resenha do Livro
    Alfabetização no Brasil, uma história de sua história, organizado por Maria do Rosário Mortatti (São Paulo: Cultura Acadêmica; Marília: Oficina Universitária, 2011. 312p. ISBN 978-85-7983-178-2).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 2013
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