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Apresentação

APRESENTAÇÃO

A alfabetização, na contemporaneidade de um Brasil que acaba de entrar na segunda década do século XXI, se configura ainda como um desafio a ser conquistado pela totalidade de seus cidadãos. Direito adquirido ao longo de sua história, reafirmado em meio às suas constituições federais e em suas Leis de Diretrizes e Bases, a alfabetização continua em pauta como objetivo a ser cumprido pelas escolas brasileiras e pelos seus professores, seja em nível dos anos iniciais do ensino fundamental seja no nível da educação de jovens e adultos (EJA).

Este número dos Cadernos Cedes se propõe a tomar a alfa betização a partir de seus múltiplos aspectos que lhes são constitutivos, procurando com isso tornar visível diversas abordagens e formas distintas de se problematizar o tema em foco. Os textos desta edição fornecem um panorama amplo das questões que envolvem a alfabetização, procurando fornecer elementos para uma maior aproximação dos aspectos teóricos no que se refere aos modos de compreensão de conceitos importantes como o de letramento, assim como para aspectos relativos ao trabalho pedagógico, tendo em conta as práticas escolares alfabetizadoras. Iniciando com um balanço das perspectivas teóricas que têm orientado as pesquisas em EJA, passando em seguida para uma análise de uma proposta de ensino profissionalizante com jovens e adultos, este dossiê procura trazer contribuições para uma área da alfabetização com pouca tradição na pesquisa, como é o caso da EJA.

Na sequência, os artigos se dirigem para a sala de aula dos anos iniciais do ensino fundamental e se debruçam sobre práticas de trabalho de alfabetização com crianças. Tanto para a EJA como para os anos iniciais do ensino fundamental, são inúmeros os desafios que se perfilam. O relato e análise de duas experiências distintas, uma primeira que mostra o trabalho com a leitura de textos em sala de aula e outra que traz para cena os usos do tempo escolar, tomando como elemento descritor os cadernos dos alunos, permitem a aproximação com possibilidades alternativas de ação na escola. Finalmente, o último artigo discute os depoimentos das professoras sobre suas práticas de ensino e busca entender, tendo como base seus dizeres, como elas estão elaborando as perspectivas teóricas que defendem o ensino a partir da prática social da língua no processo de alfabetização, tendo em vista a divulgação relativamente recente dos estudos do letramento nos cursos de formação inicial e continuada de professores.

Embora conscientes da ampla gama de aspectos necessários a serem recuperados para uma análise e uma discussão que garantam a abrangência requerida pela relevância do tema da alfabetização, os artigos procuram abarcar, na medida do possível, um conjunto de reflexões que podem proporcionar avanços no debate sobre as políticas públicas para a educação, sobre os programas de formação e sobre as várias propostas de trabalhos pedagógicos que historicamente têm afetado a escola. Este Caderno, portanto, procura apresentar algumas respostas aos desafios que têm abarcado a alfabetização, tendo em vista as polêmicas atuais da contemporaneidade da primeira década do século XXI.

No primeiro artigo, as autoras Claudia Vóvio e Angela Kleiman, situando-se no campo da EJA, buscam realizar uma síntese da produção acadêmica de EJA na última década, tomando como base para tal análise a consulta a diversos bancos de dados de referência que reúnem resultados de pesquisas e de estudos realizados no Brasil. Optam por iniciar retomando conceitualmente os termos alfabetização e letramento e reconhecendo a coexistência de diferentes concepções, tendo em vista a grande circulação desses conceitos e seu grau de penetração em vários âmbitos educacionais e, consequentemente, em várias esferas discursivas. O texto segue em uma discussão criteriosa da produção, procurando dar bases para uma compreensão do movimento acadêmico na EJA e não perdendo o foco de sua interface com a formulação de políticas educacionais para a conquista dos direitos educativos dos jovens e adultos brasileiros.

O segundo artigo, continuando no campo da EJA, traz o relato de uma pesquisa de abordagem etnográfica – um estudo de caso – realizada na cidade de Córdoba, na Argentina. Suas autoras, Elisa Cragnolino e Maria Del Carmen Lorenzatti, ao escolherem acompanhar o cotidiano de uma escola de tempo integral, que inclui ofiscinas profissionalizantes, para atender jovens (cada vez mais jovens) em situação de risco, trazem um rico material para refletirmos sobre as propostas alternativas para a EJA. Baseando-se na perspectiva dos estudos do letramento, focalizam as práticas de escrita que acontecem nas diversas situações escolares que compõem a dupla jornada oferecida pela instituição e, também, as que ocorrem nas famílias desses jovens. O artigo apresenta uma discussão que evidencia a complexidade da relação escola-família quando se opta pela vertente das práticas culturais que incluem a escrita.

No terceiro artigo, dentro do contexto da escola dos anos iniciais do ensino fundamental, Ana Carolina P. Brandão, Telma Ferraz Leal e Bárbhara Elyzabeth S. Nascimento focalizam a questão da prática da leitura no cotidiano das salas de aula com crianças em processo de alfabetização. A partir de uma pesquisa qualitativa de base colaborativa, em que foram acompanhadas as aulas de duas professoras da cidade de Recife (Pernambuco), as autoras problematizam situações de leitura de textos do gênero reportagem desenvolvidas pelas professoras com os seus alunos. A discussão que realizam nos fornece condições de entendermos a importância do papel mediador da professora para favorecer aos alunos produção de sentidos para a compreensão de textos lidos no âmbito escolar. A problematização construída pela pesquisa coloca em evidência o quanto são relevantes as conversas entre a professora e seus alunos a respeito da leitura realizada em voz alta e compartilhada durante a aula. Fica ressaltado, portanto, o diferencial proporcionado pelas intervenções feitas pela professora sobre o desenrolar do texto, destacando-se assim a mediação do adulto no processo de apropriação de sentidos pelas crianças, favorecendo com isso a compreensão dos componentes linguísticos do gênero textual em questão.

Flávia Anastácio de Paula, autora do quarto artigo, apresenta alguns dos resultados de uma pesquisa etnográfica de longo prazo e de grande imersão, em que uma professora alfabetizadora experiente foi acompanhada em seu trabalho cotidiano. O estudo foi desenvolvido em Cascavel, no estado do Paraná. O foco se volta para os usos do tempo escolar pela professora para alfabetizar seus alunos. Os cadernos se constituíram como elemento para descrição do foco em pauta e como problematização do artigo. O cotidiano da dinâmica escolar é descrito e retomado a partir da distribuição do tempo frente aos usos dos cadernos nas aulas. A autora chama a atenção para a cadência nas sequências dos trabalhos com o intuito de se garantir sentido e significado às atividades feitas pelos alunos. O processo de alfabetização ganha corpo por meio da análise dos múltiplos empregos dos cadernos e das táticas empregadas pela professora para lidar com os tempos da aula. Os usos dos cadernos são entendidos e tomados como uma das formas de se documentar as práticas de ensino no contexto da alfabetização.

No quinto artigo, Danieli S. Oliveira Tasca e Ana Lúcia Guedes-Pinto, tomando como referência a realidade do ensino de nove anos para o segmento fundamental e da escola ciclada, se preocupam em trazer as vozes das professoras alfabetizadoras diante desse outro contorno da instituição escolar. As autoras procuram situar essas mudanças para a escola e registram em seu texto os relatos de trabalho das professoras, tendo em vista os desdobramentos dessas medidas no cotidiano dos anos iniciais dentro da rede municipal de Campinas, no estado de São Paulo. Os depoimentos das professoras nos fornecem pistas sobre como compreendem seus modos de fazer pedagógicos diante das propostas vindas a partir das novas diretrizes de organização do ensino. Seus dizeres também permitem nos aproximarmos dos modos de elaboração sobre o conceito de letramento que, em tempos recentes, tem se instaurado como base para fundamentar as políticas públicas de regulação do ensino e para as propostas de formação de professores, conforme já apontado pelos artigos anteriores.

Finalmente, na seção Caleidoscópio, Simone Bueno da Silva, em sua resenha do livro Letramentos, desenvolve uma densa análise da coletânea. A autora destaca ser essa uma obra de militância, que coloca em cena a escola em sua dimensão formadora por excelência. Antes de problematizar os textos que compõem o livro, chama a atenção para a unidade conceitual que guarda seu conjunto, ressaltando também o grau de complexidade dos conceitos nele trabalhados, destacando-se os de alfabetização e de letramento. Ao mesmo tempo enfatiza as pluralidades em que são tratados, tendo em conta seus usos. A seção Caleidoscópio encerra este número dos Cadernos Cedes, de forma a possibilitar que os conceitos referenciados em todos os seus artigos possam ser revistos detalhadamente na resenha, que aponta no livro um suporte referencial para a envergadura tomada por esta coletânea.

Enfim, os artigos aqui reunidos, por meio da divulgação de trabalhos desenvolvidos por pesquisadores afeitos às questões relativas à alfabetização, buscam disponibilizar e socializar resultados de pesquisas concluídas sobre o tema e tratam também de alguns dos desafios enfrentados pelas escolas e pelos professores na contemporaneidade do século XXI. No encadeamento tecido entre cada texto apresentado, este número pretendeu traçar uma linha na qual seu começo se deteve em questões de cunho mais teórico no campo de EJA, procurando desenrolar um percurso em que mais campos foram se abrindo dentro do contexto da alfabetização. Os fios puxados na abertura deste número são retomados e ampliados a partir das diversas experiências vividas na escola de EJA e na escola dos anos iniciais do ensino fundamental. Com sua publicação, esses artigos perseguem o objetivo de engrossar o coro das vozes da sociedade brasileira que lutam por uma educação melhor e de qualidade para todos.

Ana Lúcia Guedes-Pinto

(Organizadora)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Set 2013
  • Data do Fascículo
    Ago 2013
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