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INDICADORES EDUCACIONAIS SOBRE A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL

EDUCATIONAL INDICATORS OF SPECIAL EDUCATION IN BRAZIL

Resumos

O objetivo do trabalho é analisar a escolarização de alunos com necessidades educacionais especiais, por meio dos dados oficiais do poder público sobre o acesso e permanência desta população na educação básica. Para tanto, são utilizados microdados do Censo da Educação Básica brasileira. As análises apontam, a despeito da implantação da política de educação inclusiva: o baixo número de matrículas de alunos com necessidades educacionais especiais na educação básica; o fato de que a concentração de matrículas ocorre nas primeiras séries do ensino fundamental, com ampla defasagem idade/série.

Educação inclusiva; Política educacional; Educação especial; Indicadores educacionais


The objective of this work is to analyze the schooling level of students with special educational needs through the analysis of government official data concerning the access and continuance of this population in Basic Education. Thus, microdata from the Brazilian Basic Education Census will be used. However, in spite of the implementation of the inclusive education policy, the analyses show (a) the low number of enrolment of students with special educational needs in basic education; (b) that the concentration of enrolment occurs in the first grades of basic education, with great age/grade discrepancy.

Inclusive education; Educational policy; Special education; Educational indicators


Introdução

O presente trabalho tem por objetivo analisar as políticas de escolarização de pessoas com necessidades educacionais especiais, por meio dos dados oficiais do poder público sobre a educação básica brasileira. Para tanto, analisaremos os microdados dos Censos da Educação Básica brasileira referentes à relação entre idade do aluno e série de estudo.

No Brasil, a escolarização de pessoas com necessidades educacionais especiais constituiu-se por meio de serviços paralelos à educação regular, implementados, prioritariamente, em instituições especiais privadas de caráter filantrópico e em classes especiais implementadas majoritariamente no sistema público de ensino. Em 1988, o Ministério da Educação mostrava que, dos alunos que recebiam atendimento especializado no Brasil, 21,78% estavam em instituições sob administração pública e 78,21% em instituições privadas filantrópicas (BRASIL, 1991aBRASIL. Decreto n. 7.611 de 17 de novembro de 2011. Dispõe sobre a educação especial, o atendimento educacional especializado e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 nov. 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7611.htm>. Acesso em: dez. 2011.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
). A relação é diferente quando se considera a matrícula de alunos no ensino regular (para alunos de 7 a 14 anos): 2,82% estavam matriculados em escolas privadas e 97,18% estavam em escolas públicas (BRASIL, 1991bBRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional da Educação. Câmara da Educação Básica. Resolução CNE/CEB n. 4, de 2 de outubro de 2009. Institui Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 2009. Seção I, p.17.). Para Jannuzzi (1997)JANNUZZI, G.S.M. A luta pela educação do deficiente mental no Brasil. São Paulo: Cortez; Campinas: Autores Associados, 1997., a relação entre os setores público e privado, no que se refere à educação especial, chegou a se caracterizar como uma "parcial simbiose", permitindo, de um lado, ao setor privado influenciar na determinação das políticas públicas brasileiras e, de outro, ao Estado estruturar a educação especial por meio da filantropia.

A partir da década de 1990 esta relação é afetada pela adesão, por parte do Brasil, às orientações internacionais tratadas na Declaração de Educação para Todos (CONFERÊNCIA MUNDIAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS, 1990CONFERÊNCIA MUNDIAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS, 1990, Jomtien. Declaração mundial sobre educação para todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. Jomtien: Unesco, 1990.) e na Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais, resultado da Conferência Mundial Sobre Necessidades Educacionais Especiais (1994)CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS, 1994, Salamanca. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília, DF: Corde, 1994.. Esses e outros documentos internacionais forneceram a base para a formulação das políticas educacionais brasileiras que incorporaram os discursos da universalização do ensino e da educação inclusiva. Cumpre destacar que, neste panorama,

[...] ao assumir sua adesão à Declaração de Salamanca, o Brasil o faz numa perspectiva de compromisso internacional junto à Organização das Nações Unidas (ONU)/Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e ao Banco Mundial (BM), que promoveram o encontro. Esses compromissos apontam mais para a necessidade de se melhorar os indicadores nacionais da educação básica, priorizando os aspectos quantitativos do acesso. (FERREIRA; FERREIRA, 2004, p. 24FERREIRA, M.C.C.; FERREIRA, J.R. Sobre inclusão, políticas públicas e práticas pedagógicas. In: GÓES, M.C.R.; LAPLANE, A.L.F. Políticas e práticas de educação inclusiva. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 2004. p. 21-48.)

Com a ampliação do acesso de alunos com necessidades educacionais especiais no sistema regular de ensino, os documentos legais e normativos da educação especial brasileira passam a enfatizar o modo como a escolarização desta população deveria ser implementada.

Em 2006, o Ministério da Educação publica o primeiro documento que definia o atendimento educacional especializado (AEE), a ser implementado em salas de recursos multifuncionais. Em 2008, foi aprovado o Decreto n. 6.571/2008, que dispõe sobre o atendimento educacional especializado. Para a implementação deste Decreto, a Resolução CNE/CEB n. 4/2009 instituiu as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial que, em seu artigo 5o, define:

O AEE é realizado, prioritariamente, na sala de recursos multifuncionais da própria escola ou em outra escola de ensino regular, no turno inverso da escolarização, não sendo substitutivo às classes comuns, podendo ser realizado, também, em centro de Atendimento Educacional Especializado da rede pública ou de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, conveniadas com a Secretaria de Educação ou órgão equivalente dos estados, Distrito Federal ou dos municípios. (BRASIL, 2009)

Vale destacar a centralidade do AEE, implementado nas salas de recursos multifuncionais, na atual política de educação especial brasileira, o que indica o modo como a escolarização de alunos com necessidades educacionais especiais será organizada: em escolas regulares públicas, nas classes comuns com o AEE ocorrendo no contraturno.

Nesse contexto, os dados oficiais de matrícula do Censo da Educação Básica têm sido amplamente divulgados pelo Estado como um indicador do sucesso das políticas públicas para a educação de pessoas com necessidades educacionais especiais, numa perspectiva inclusiva. Por outro lado, o acesso, ainda que imprescindível, não pode ser considerado como o único indicador de uma política bem-sucedida. É necessário focar outros aspectos referentes à educação desta população para que se possa analisar a efetividade da implementação das políticas inclusivas no Brasil.

Primeiramente, o acesso à escola regular deve indicar a ruptura com duas marcas da educação de pessoas com necessidades educacionais especiais no Brasil: o não acesso a qualquer tipo de escolarização, seja ele regular ou segregado, e a centralidade do sistema segregado de ensino consolidado em instituições especiais privadas de caráter filantrópico. Significa dizer que deve haver a ampliação do atendimento educacional em escolas regulares públicas e a migração desta população dos espaços segregados, especialmente aqueles privados de caráter filantrópico, para os sistemas regulares de ensino.

Outro aspecto a ser considerado é que o acesso à escola regular deve ser parte de um processo que sustente a permanência de alunos com necessidades educacionais especiais e sua inserção em processos efetivos de escolarização, o que pode ser verificado por meio dos dados oficiais que relacionam a idade do aluno com a série frequentada.

Estes aspectos, fundamentais para a avaliação das políticas públicas de educação especial, são quantificados pelo Estado por meio de dados censitários que compõem os indicadores sociais e educacionais brasileiros.

Indicadores educacionais da educação especial no Brasil

Para a análise proposta, tomamos como unidade de análise os eventos educacionais (referentes ao acesso e à permanência de alunos com necessidades educacionais especiais na educação básica) e como fonte os microdados do Censo da Educação Básica coletados e divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Selecionamos e organizamos os dados de matrícula, verificando sua incidência em relação à totalidade de matrículas na educação básica no Brasil. Inicialmente, agregamos os dados nacionais gerais e de alunos com necessidades educacionais especiais no período de 2006 a 2012.

Em seguida, para detalhamento dos eventos educacionais, analisamos os dados nacionais de 2012, segundo: 1) modalidade de ensino: matrículas no ensino regular (classe comum, sala de recursos) e no ensino especial (classes e instituições especiais); 2) etapa de ensino: matrículas em creche, pré-escola, ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos (EJA); 3) relação entre idade do aluno e série frequentada. O trabalho foi conduzido respeitando-se as classificações e nomenclaturas adotadas pelo Inep.

A primeira tabela apresenta o número de alunos da educação básica brasileira, com e sem necessidade educacional especial, no período de 2006 a 2012. A delimitação deste período se deu pelo marco da política pública brasileira, qual seja, a publicação do primeiro documento que definiu o AEE e sua implementação em salas de recursos multifuncionais.

De acordo com os dados da Tabela 1, constata-se que o número de alunos matriculados na educação básica reduz ano a ano no período. O cotejamento dos dados de 2012 com os de 2006 mostra uma redução de 9,64% no número de alunos. Esta diminuição, segundo o Inep, está associada

Tabela 1
Número de alunos da educação básica brasileira com e sem NEE (2006-2012)

[...] em parte, à dinâmica demográfica, devido à queda na natalidade e à redução da população da faixa etária correspondente principalmente ao ensino fundamental. Porém, parte da queda de matrícula registrada em 2007 deve-se às mudanças no procedimento de coleta das informações do Censo Escolar, que, ao contar com informações dos indivíduos e ter a data de referência da coleta modificada, reduziu de maneira drástica a dupla contagem de alunos. (BRASIL, 2007, p. 28BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Censo Escolar da Educação Básica - 2007. Brasília, DF: MEC/Inep, 2007. Disponível em: <http://www.inep.gov.br/basica/levantamentos/microdados.asp.>. Acesso em: 21 dez. 2010.
http://www.inep.gov.br/basica/levantamen...
)

Já o número de alunos com necessidades educacionais especiais matriculados na educação básica, no mesmo período, não acompanha a tendência de queda dos índices gerais, ao contrário, verifica-se oscilação, com diminuição das matrículas nos anos de 2007 e 2009, seguida de aumentos sucessivos nos anos de 2010 a 2012. O cotejamento dos dados de 2012 com os de 2006 mostra um aumento de 17,10% do número de alunos com necessidades educacionais especiais.

Por outro lado, a despeito deste aumento expressivo, é preciso destacar a baixa incidência em relação ao total de matrículas - média de 1,2% - no período analisado. Se considerarmos as estimativas do IBGE (2010)INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo demográfico 2010: características gerais da população. Rio de Janeiro: IBGE, 2012. sobre incidência de pessoas com deficiência (cerca de 23,9% da população geral), a análise dos números apresentados sugere que uma parcela considerável da população com necessidade educacional especial ainda não está tendo acesso a qualquer tipo de escolarização.

Isso ocorre porque, segundo os dados demográficos de 2010, a população brasileira era de 190.755.799 pessoas. Destas, 51.549.889 (mais de um terço) estavam, no mesmo ano, na educação básica. Se adotássemos a mesma proporção para as pessoas com deficiência, deveríamos ter mais de 15 milhões de alunos com esta condição na educação básica. Significa dizer que apenas 1,5% da demanda oficialmente estimada está inserida em algum tipo de escolarização no Brasil, independente se em espaços regulares ou segregados de ensino.

A distribuição das matrículas de alunos com necessidades educacionais especiais entre esferas regulares de ensino (classe comum, sala de recursos) e ensino especial (classes e instituições especiais), segundo dependência administrativa da escola (pública o privada), está apresentada na Tabela 2.

Tabela 2
Número de alunos com NEE, por modalidade de ensino e por dependência administrativa da escola — 2012

Os dados nacionais referentes à distribuição das matrículas entre as modalidades de ensino regular e especial (substitutiva), e entre escolas públicas e privadas, em 2012, mostram que: 1) dos 820.433 alunos com necessidades educacionais especiais, 620.777 estavam na escola regular e, destes, 94% estavam em escolas públicas; 2) dos 199.656 que estavam na modalidade especial de ensino, 141.431 (70,83%) estavam em instituições especiais privadas e 58.225 em escolas públicas.

Isso indica a manutenção de divisão de responsabilidades entre o Estado e a iniciativa privada, observada até a década de 1990, conforme já descrito. Ainda que a diminuição de matrículas em instituições e classes especiais seja significativa, não podemos desconsiderar que quase 200 mil alunos ainda permanecem em espaços segregados de ensino.

A Tabela 3 apresenta a distribuição dos alunos com necessidades educacionais especiais pelas etapas de ensino da educação básica, segundo a modalidade de ensino.

Tabela 3
Número de alunos com NEE por modalidade e etapa de ensino — 2012

Os dados apresentados na Tabela 3 mostram a distribuição das matrículas segundo modalidade e etapa de ensino. Destaca-se a concentração de matrículas no ensino fundamental, já que, dos 820.433 alunos com necessidades educacionais especiais matriculados na educação básica brasileira, 610.094 (74,36%) estavam nesta etapa, seja no ensino de oito ou de nove anos. Segundo a modalidade de ensino, a distribuição destes alunos mostra maior concentração de matrículas no ensino regular, com 59,23% do total nacional. O ensino especial concentra 15,12% dos dados brasileiros. Merece destaque o fato do poder público assumir a maior proporção de matrículas na etapa obrigatória de ensino, mas não pode ser desconsiderado o número de alunos que permanecem em espaços segregados nesta mesma etapa.

Esta situação não se repete nas etapas de ensino da educação infantil, creche e pré-escola. Os registros mostram que pouquíssimas crianças com necessidades educacionais especiais frequentam a creche no Brasil. Dos 17.092 alunos da creche, 56,52% estão no ensino regular e 43,48% no ensino especial.

Na pré-escola, das 42.016 matrículas, 73,29% estão na rede regular de ensino e 26,71% estão em escolas especiais. Destaca-se também o baixo número de alunos com necessidade educacional especial que tem acesso a qualquer tipo de escolarização nesta etapa. Bueno e Meletti (2011, p. 76) indicam "a pouca relevância que as políticas educacionais voltadas para alunos com deficiência têm dado à educação infantil, expressa pelo número reduzido de matrículas em relação às estimativas de incidência", o que, segundo os autores, "mostra uma perspectiva política que se volta, basicamente, para o ensino fundamental".

O baixo número de matrículas de crianças de 0 a 4 anos na educação infantil pode ser confirmado ao se cotejar os dados do Censo da Educação Básica com os demográficos. Segundo o Censo Demográfico de 2010 do IBGE, no Brasil, 385.303 crianças de 0 a 4 anos foram declaradas com pelo menos uma das deficiências investigadas. Em função dos limites metodológicos da coleta dos dados, analisados anteriormente, tomaremos apenas o número de crianças com deficiência visual que foram declaradas nas categorias não consegue de modo algum e conseguem com grande dificuldade. Com isso, entendemos que nestas categorias se concentram as crianças cegas e com baixa visão. Os dados demográficos indicam que: 20.935 crianças entre 0 e 4 anos não conseguem enxergar de modo algum; 24.707 conseguem com grande dificuldade.

Já o Censo da Educação Básica, de 2010, registra 69.441 matrículas de crianças com necessidades educacionais especiais na educação infantil. Destas, 5.576 são de crianças com deficiência visual. Ainda que os dados demográficos sejam superestimados, não podemos desconsiderar que eles são a base para formulação, implementação e avaliação das políticas públicas referentes a esta população. Assim, é possível a análise de que apenas 12,21% das crianças com deficiência visual de 0 a 4 anos recebem algum tipo de escolarização em etapa de ensino fundamental para seu desenvolvimento.

Com relação ao ensino médio, os dados do Censo da Educação Básica revelam que um número muito baixo de alunos com necessidades educacionais especiais tem acesso a esta etapa de ensino. Os dados nacionais indicam que 43.589 alunos com necessidades educacionais especiais estavam matriculados no ensino médio em 2012. Destes, 97,49% estavam no ensino regular.

Indicadores educacionais da educação básica mostram o afunilamento do número de matrículas gerais entre o ensino fundamental e o ensino médio brasileiro. Bueno e Meletti (2011)BUENO, J.G.S.; MELETTI, S.M.F. Os indicadores educacionais como meio de avaliação das políticas de educação especial no Brasil: 2000/2009. In: BUENO, J.G.S. Educação especial brasileira: 20 anos depois. São Paulo: Educ, 2011. p. 159-182. mostram que, no Brasil, em 2009, as matrículas gerais no ensino médio correspondiam a 25,9% das do ensino fundamental, ao passo que as de alunos com necessidades educacionais especiais, matriculados nesta etapa de ensino, correspondiam a 5,6%. Evidencia-se que o problema de acesso ao ensino médio se agrava em se tratando desta população.

Os dados censitários registram 105.246 matrículas de alunos com necessidades educacionais especiais na EJA, no Brasil, em 2012. Destes, 47,69% estavam no ensino regular e 52,31% no ensino especial.

Meletti e Bueno (2010, p. 11)BUENO, J.G.S.; MELETTI, S.M.F. Os indicadores educacionais como meio de avaliação das políticas de educação especial no Brasil: 2000/2009. In: BUENO, J.G.S. Educação especial brasileira: 20 anos depois. São Paulo: Educ, 2011. p. 159-182. mostram que as matrículas do alunado da educação especial na EJA "parece ser a expressão localizada do problema que envolve toda a educação básica no Brasil, qual seja, a de que, apesar do incremento das matrículas em geral, os níveis de aprendizagem são muito baixos, o que implica retorno à escola por essa modalidade".

A análise das matrículas segundo modalidade e etapa de ensino pode revelar as condições de permanência dos alunos com necessidades educacionais especiais na educação básica brasileira, por meio dos dados que relacionam a idade do aluno com a série frequentada. A tabela a seguir apresenta os dados da relação idade/série de alunos com idade entre 6 e 18 anos que frequentavam a creche, a pré-escola e o ensino de oito anos no Brasil, em 2012.

De acordo com os dados da Tabela 4, dos 820.433 alunos com necessidades educacionais especiais no Brasil, 623.556 possuem idade entre 6 e 18 anos. A maior incidência de matrícula ocorre entre 10 e 15 anos, mesma faixa etária que apresenta maior número de alunos em defasagem idade/série, chegando a 7 anos para 18.956 alunos, que se encontram na primeira série de oito anos e no primeiro ano de nove anos.

Tabela 4
Número de matrículas de alunos com NEE segundo relação idade/série — 2012

Dos 623.556 alunos com necessidades educacionais especiais, apenas 82.284 (13,19%) estão em idade adequada à série, 141.381 (22,67%) encontram-se em defasagem de um ano e 399.891 (64,14%) encontram-se em grande defasagem (dois anos ou mais) em relação à série/ano que deveriam frequentar. Merece destaque os 1.675 alunos com 18 anos, assim como os 7,12% dos alunos com 17 anos que se encontram na primeira série e no primeiro ano, idades em que poderiam estar com pessoas da mesma faixa etária na EJA. Cumpre esclarecer que os dados apresentados não contemplam qualquer outra etapa que não a do ensino fundamental, o que explicita a condição destes alunos estarem em escolas e salas de aula com crianças até 12 anos mais novas.

Os dados de relação idade/série denunciam a precariedade da permanência e da inserção da população com necessidades educacionais especiais em processos efetivos de escolarização. Ferraro (1999, p. 24)FERRARO, A.R. Diagnóstico da escolarização no Brasil. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 12, p. 22-47, set.-dez. 1999. analisa que alunos com mais de dois anos de defasagem compõem o grupo dos excluídos na escola, ou seja, "exclusão operada dentro do processo escolar, por meio dos mecanismos de reprovação e repetência". Este parece ser o caso da maioria do alunado da educação especial brasileira. Tal precariedade corrobora, ainda, as análises tecidas por Ferreira e Ferreira (2004)FERREIRA, M.C.C.; FERREIRA, J.R. Sobre inclusão, políticas públicas e práticas pedagógicas. In: GÓES, M.C.R.; LAPLANE, A.L.F. Políticas e práticas de educação inclusiva. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 2004. p. 21-48., ao indicarem que os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil privilegiam aspectos quantitativos de acesso à escola.

Considerações finais

O trabalho teve por objetivo analisar as políticas de escolarização de pessoas com necessidades educacionais especiais, por meio dos dados oficiais do poder público sobre o acesso e as condições de permanência desta população na educação básica brasileira. Para tanto, foram analisados os microdados dos Censos da Educação Básica brasileira, segundo modalidade de ensino, etapa de ensino, dependência administrativa da escola e relação idade/série de alunos com necessidades educacionais especiais com idades entre 6 e 18 anos.

Apresentamos indicadores educacionais que consideramos fundamentais para a análise da efetividade da implementação das políticas inclusivas no Brasil e que resgatamos aqui para tecer algumas considerações.

Acesso à educação por meio da escola regular

Mostramos que, se considerarmos a estimativa oficial de incidência de deficiência na população brasileira, a universalização do ensino não atingiu as pessoas com necessidades educacionais especiais, haja vista o baixo número de matrículas destas em relação às matrículas gerais da educação básica e ao número de pessoas que não deveriam ser alvo da educação especial.

O aumento das matrículas na escola regular, ocorrido entre 2006 e 2012, é indiscutível, mas a redução das mesmas nas instâncias segregadas de ensino não acompanhou a mesma proporção. É possível que tal fato seja consequência da ampliação do atendimento educacional, com a incorporação de alunos que não tinham acesso a nenhum tipo de escolarização, seja ele regular ou segregado. Por outro lado, pode indicar um processo de reclassificação do próprio alunado da escola, o que possibilitaria, em parte, ampliar os índices sem que houvesse a migração de alunos dos espaços segregados de ensino.

Inserção em processos efetivos de escolarização

Optamos por analisar o processo de escolarização de alunos com necessidades educacionais especiais, por meio da relação idade/série. Os dados revelam uma situação preocupante, que deve ser alvo de outras investigações. A defasagem idade/série pode ser consequência tanto da retenção do aluno em uma série, quanto da entrada tardia na escola. Outro fator, no caso desta população, é a migração dos alunos de classes especiais para salas regulares de ensino sem a devida reclassificação. De todo modo, estas possibilidades, ainda que presentes conjuntamente, não justificam os números de defasagem encontrados. O problema da defasagem idade/série denuncia a precariedade da escolarização da população-alvo da educação especial em um sistema de ensino que se pretende inclusivo.

Por fim, o intuito do presente trabalho foi, a partir da análise dos indicadores educacionais oficiais produzidos no âmbito do próprio Estado, apresentar um conjunto de reflexões deles advindas, que possam contribuir tanto para a avaliação dessas políticas, quanto para a análise do acesso, da permanência e da escolarização de alunos com necessidades educacionais especiais na educação básica brasileira.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2014

Histórico

  • Recebido
    Fev 2014
  • Aceito
    Maio 2014
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