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Educação de adultos: balanços e perspectivas

A Educação de Jovens e de Adultos constitui, no Brasil, campo de atuação bastante antigo, ainda que pouco assumido pelos poderes governamentais ao longo da história do país. Na colônia há referências a ações educativas missionárias junto a adultos, e de formação para ofícios necessários à manutenção da economia da época; no império, com a expulsão dos jesuítas, poucas ações foram sistematicamente desenvolvidas, mas a ideia de educação de qualidade para todos foi difundida. Apenas na República, já nos anos de 1940, a educação de jovens e adultos passou a se diferenciar como fonte de um pensamento pedagógico ou de políticas educacionais específicas, tendo na criação da Unesco um marco importante e que influenciou na criação do Serviço de Educação de Adultos. (HADDAD; DI PIERRO, 2000HADDAD, S.; DI PIERRO, M. C. Escolarização de jovens e adultosRev. Bras. Educ., Rio de Janeiro, n. 14, p. 108-130, maio/ago., 2000. Disponível em <http://ref.scielo.org/2hdkrw>.
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Mas, em termos de aprendizagens instrumentais, como é o caso da leitura e da escrita, de ofícios e de artes e de formação política, a educação de adultos entrecruza-se com a educação popular, tendo por base espaços de formação que subvertem a ordem linear. Na história do Brasil ações de pessoas e movimentos negros, por exemplo, marcam a trajetória da educação de jovens e adultos como educação popular: a aprendizagem de leitura e escrita, por homens negros, escravos forros ou libertos, em espaços de trabalho, foi documentada nas Minas Gerais na primeira metade dos anos 1800 (MORAIS, 2007); o Teatro Experimental do Negro, a partir de 1944, desempenhou papel fundamental tanto no desenvolvimento da aprendizagem de leitura e escrita de centenas de pessoas, como de formação política, filosófica e artística, no Rio de Janeiro. (NASCIMENTO, 2004NASCIMENTO, A. Teatro experimental do negro: trajetória e reflexões. Estud. av., São Paulo, v. 18, n. 50, p. 209-224, abr. 2004. Disponível em <http://ref.scielo.org/smt6hq>.
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Assim, pode-se dizer que entre educação escolar e educação popular, a educação de jovens e adultos veio se estabelecendo em caminhos paralelos no Brasil, até que, no final da década de 1950 e início da década de 1960, chega-se a um momento de entusiasmo e de redefinição do espaço e do foco da EJA, constituindo-se a possibilidade de confluência entre a educação escolar e a educação popular. Paulo Freire assume, em tal contexto, lugar fundamental no debate e na produção de conhecimento e mobilização de educadores e educandos.

Do golpe militar à abertura política, a conjunção parece ter se dissolvido e, mais tarde, com a redemocratização do país, de certa forma, o debate entre educação escolar e educação popular, no que toca a educação de jovens e adultos, parece novamente ter assumido perspectiva dicotômica.

Em termos de campo de pesquisa, pode-se afirmar que a educação de jovens e adultos, no Brasil, desponta com as ações articuladas, a partir do final da década de 1950, entre educação escolar e educação popular. Ganhou bastante relevância na América Latina na década de 1970 gerando, inclusive, debate sobre metodologias de pesquisa mais adequadas à produção do conhecimento: pesquisa participante e pesquisa-ação foram temas bastante abordados nas décadas de 1970 e 1980 em diferentes países - o número 12, dos Cadernos CedesCADERNOS CEDES. Campinas: Cedes, 1984. [Pesquisa participante em educação, v. 12]., datado de 1984, sobre pesquisa participante em educação, é exemplo do debate.

Nos anos subsequentes, permeável ao debate internacional, as políticas nacionais, as práticas formativas e educativas (escolares e não-escolares), e as pesquisas sobre EJA foram afirmando suas especificidades e ampliando suas fronteiras, no diálogo com os debates, acordos e produções internacionais. Nas políticas e movimentos internos, as disputas, tensões, avanços e retrocessos vão se dando em territórios e na ação de diversos atores, em meio a diferentes abordagens teóricas e metodológicas.

Tratando-se de campo fundamental de ação, políticas e pesquisas, a Educação de Jovens e Adultos merece destaque neste monográfico. Nele, procuramos reunir alguns balanços históricos, conceituais e de produção (na pesquisa e na extensão universitária), bem como sinalizar caminhos possíveis. Para os colegas estrangeiros, solicitamos que nos apresentassem a alternativa metodológica de pesquisa por meio da qual seu grupo de pesquisa vem conseguindo forte impacto na transformação da vida e das políticas voltadas a grupos que historicamente são marginalizados na Espanha, caminho potente e inspirador.

O Caderno é aberto pelo inventário realizado por Fabiana Marini Braga e Jarina Rodrigues Fernandes, a respeito da produção brasileira nos periódicos da base SciELO, nos últimos cinco anos, oferecendo aos estudiosos e docentes da EJA um panorama do conhecimento produzido, localizando nele temas emergentes e silêncios sobre aspectos da EJA. Logo após, encontra-se o texto de Maria Clara Di Pierro e de Sérgio Haddad, que se dedicam a um balanço das políticas de EJA implementadas no Brasil desde o ano 2000, apontando os avanços e retrocessos vividos desde então, e as pautas e desafios para os próximos anos.

Conceição Paludo oferece-nos, também, um balanço, mas a respeito das contribuições da Educação Popular para a EJA, por meio de pesquisa teórica, na qual resgata as principais referências do debate na América Latina e no Brasil; aborda as tensões entre a educação escolar de jovens e adultos e a educação popular, bem como a diversificação teórica e tensões que vão surgindo no tema. O artigo de Elenice Maria Cammarosano Onofre sobre educação escolar de jovens e adultos em situação de privação de liberdade vem ilustrar tanto os temas de pesquisa como os debates políticos emergentes no país, a respeito de como desafiar a necessidade da conjunção entre educação escolar e educação popular, para enfrentamento das desigualdades e dramas postos para segmentos marginalizados da população.

O panorama muito bem traçado pelos quatro primeiros artigos, evidenciam como universidade e pesquisadores de EJA são instados a formar profissionais, produzir conhecimento efetivo e relevante, e realizar trabalho direto com a sociedade. Para ilustrar o que a universidade vem fazendo e pode fazer no campo da EJA via ensino, pesquisa e extensão, convidamos autoras e autores dos artigos finais. Maria Rosa Rodrigues Martins de Camargo, José Carlos Miguel e Eliana Marques Zanata recuperam a história e expõem o trabalho que vem sendo realizado em Programa de Extensão Universitária dedicado à Educação de Jovens e Adultos, na Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita", desde o início dos anos 2000; é texto representativo do intenso labor de extensão universitária realizado no Brasil, mas que frequentemente fica restrito a fóruns extensionistas; nosso argumento é que os projetos e programas de extensão precisam e merecem ganhar espaço de sistematização e debate mais amplo - inventariar os conhecimentos produzidos nos projetos de extensão de EJA, confrontar seus resultados e analisar as ferramentas que têm produzido é necessidade urgente para fomentar ainda mais o que vimos gerando.

O texto de Ramón Flecha e Itxaso Tellado, pesquisadores do Centro Especial de Teorias e Práticas Superadoras de Desigualdades (Crea), da Universidade de Barcelona (Espanha), analisa a Metodologia Comunicativa de pesquisa como caminho para a produção de conhecimento e de transformação social, ao radicar a inclusão das vozes das pessoas participantes de EJA na pesquisa, superando a visão de desnível interpretativo da realidade (presente nas demais metodologias participativas) e reconhecendo a inteligência cultural de jovens e pessoas adultas provenientes de grupos sociais e culturais marginalizados, como elemento fundamental na construção de conhecimento que supere desigualdades; ciência e conhecimento popular se unem para produzir novo conhecimento científico.

Por fim, na Seção Caleidoscópio, brindamos leitores e leitoras com texto de Nita Freire [N.E.: Ana Maria Araújo Freire] viúva de Paulo Freire e pesquisadora em história da educação, sobre a Leitura do Mundo e a Leitura da Palavra em Paulo Freire. Tal texto foi proferido em mesa de evento voltado a pesquisadores e estudantes de universidades, mas também a professores, estudantes e familiares de escolas de ensino básico. Por sua natureza dialogal, vimos por bem aqui difundi-lo, uma vez que Paulo Freire é referência mundial e nacional em educação e em EJA, e parece ser o fio que continua alinhavando, para além das divergências teóricas existentes entre pesquisadores em EJA, a certeza de que podemos transformar a realidade desigual e que, "se a educação não pode tudo, alguma coisa ela pode". O texto revisita conceitos-chave da teoria freireana, como o de leitura do mundo-leitura da palavra, numa tônica dialógica, como era de estilo e de gosto do próprio Freire.

E assim constituímos o número dos Cadernos Cedes que aqui deixamos à leitura e ao leitor. Que a leitura os ajude a fazer balanços, a traçar caminhos e a encorajar transformações na e via a EJA.

Referências Bibliográficas

  • CADERNOS CEDES. Campinas: Cedes, 1984. [Pesquisa participante em educação, v. 12].
  • HADDAD, S.; DI PIERRO, M. C. Escolarização de jovens e adultosRev. Bras. Educ., Rio de Janeiro, n. 14, p. 108-130, maio/ago., 2000. Disponível em <http://ref.scielo.org/2hdkrw>.
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  • NASCIMENTO, A. Teatro experimental do negro: trajetória e reflexões. Estud. av., São Paulo, v. 18, n. 50, p. 209-224, abr. 2004. Disponível em <http://ref.scielo.org/smt6hq>.
    » http://ref.scielo.org/smt6hq

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2015
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