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A valorização docente na perspectiva do plano nacional de educação (PNE) 2014 -2024

O dossiê, ora apresentado, tem como finalidade principal debater os aspectos relacionados ao trabalho e à valorização docente e os desafios atuais no cenário nacional, considerando-se o conjunto das políticas educacionais e as metas do novo Plano Nacional de Educação.

Há consenso entre pesquisadores e entidades sindicais do magistério de que a valorização docente deve ocorrer a partir de três dimensões: a formação inicial e continuada; a carreira, o que compreende os salários e os planos de carreira; e as condições de trabalho. Também é consensual que os avanços muito tímidos nessas dimensões estão produzindo impactos significativos no grau de atratividade da profissão, afetando os números que demonstram a falta de professores, assim como a desistência da profissão e o quadro de saúde desses profissionais.

O novo PNE, promulgado através da Lei 13005/2014, apresenta metas direcionadas ao problema, muitas delas frutos da atuação e dos debates travados por ocasião das Conae(s) e em diversos fóruns regionais. A meta 17 pretende equiparar o rendimento médio dos professores ao dos demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência deste PNE. Já a meta 18 fixa o prazo de dois anos para a implantação de planos de carreira para os profissionais da educação básica e superior pública de todos os sistemas de ensino e para o plano de carreira dos profissionais da educação básica pública, tomando como referência o piso salarial nacional profissional, em conformidade com os termos do inciso VIII do art. 206 da Constituição Federal e da Lei 11.738/2008, a lei do piso.

Muito embora, no período recente, tenhamos verificado avanços significativos no campo da legislação, referentes à valorização da carreira docente, muitas dessas medidas não chegaram a se consubstanciar, no âmbito dos municípios e dos Estados, em melhorias salariais significativas e em planos de carreira. As diretrizes fixadas na Resolução CNE/CEB n.03/97, que estabeleceu orientações para a elaboração de planos de carreira, por exemplo, até hoje não foram plenamente aplicadas no âmbito dos sistemas de ensino citados. Sobre tal aspecto vale registrar que uma parcela significativa dos municípios brasileiros ainda não elaboraram seus planos. As recomendações previstas no artigo 6º da Resolução, referentes à composição da remuneração dos profissionais do magistério com incorporações como a titulação, tempo de serviço, jornada de trabalho, ainda são bastante incipientes e muito desiguais em todo país. Além disso, é importante considerar a questão da contratação precária de professores nos sistemas de ensino que, tal como no Estado de São Paulo, chega a mais de 45% do quadro docente em atividade. As medidas de ajuste e de responsabilidade fiscal, promulgadas durante o governo Fernando Henrique Cardoso produziram efeitos diretos na contratação de docentes, induzindo a precarização ao mesmo tempo em que impôs limites à implantação de tais planos.

Em razão da agenda de orientação neoliberal, o modelo de financiamento da educação e o Regime de Colaboração se mostraram insuficientes e limitados no sentido de propiciar uma oferta educacional mais igualitária e em melhores condições nos diferentes sistemas e redes de ensino público. A desigualdade entre os entes federados e a falta de uma regulação sobre o que venha ser um Regime de Colaboração, previsto no artigo 23 da Constituição Federal de 1988, tem colaborado para que se perpetue, em nosso país, um quadro bastante fragmentado em termos de oferta educacional. As pretensões esboçadas no documento da Conae 2010 (proposta da sociedade brasileira) quanto ao aspecto da colaboração e da concepção sistêmica não se fixaram, em abrangência e profundidade no novo Plano. No artigo 7º, esboça-se uma tentativa de regulamentação do Regime de Colaboração, fixando que "[...] a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios atuarão em regime de colaboração visando ao alcance das metas e a implementação das estratégias objeto deste Plano [...]". No entanto, o §5º do mesmo artigo, não deixa claro como isso se fará já que expressa que "[...] será criada uma instância permanente de negociação e cooperação entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios [...]". Não foram fixados de forma clara os compromissos de cada um dos entes federados, fundamentalmente da União, bem como ações e metas mais concretas na resolução desse problema.

O fato é que a distribuição desigual dos recursos precisa ser enfrentada no sentido de garantirmos, em nível nacional, um padrão salarial minimamente condizente com o padrão salarial dos profissionais de nível superior, conforme determina o novo PNE. O principal desafio será o de ampliar os investimentos em 10 anos, mas como fazê-lo diante das novas medidas de corte e contingenciamento de recursos públicos, para enfrentamento da crise internacional e do aumento da dívida, que estão sendo implantadas em todos os níveis de governo em 2015? Essas medidas já estão afetando as negociações salariais em vários Estados brasileiros, impedindo a reposição das perdas salariais, situação que vem induzindo as greves. No primeiro semestre de 2015 ocorreram greves em vários Estados brasileiros.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Educação (CNTE) vem monitorando o cumprimento da Lei Nacional do Piso do Magistério, Lei n. 11.738 de 16 de julho de 2008, desde sua implantação. No ano de 2014 a lei não foi respeitada em sete estados brasileiros. Em outros 14 estados a lei não foi cumprida na sua integralidade, principalmente, nos requisitos referentes à hora-atividade, a qual deveria representar, minimamente, 1/3 da jornada de trabalho do professor.

Devemos considerar também, que os gestores públicos de todos os níveis de governo, consoante ao ideário da nova gestão pública, estão implantando de forma crescente, políticas de responsabilização e de bonificação atreladas a metas e resultados. As políticas de bonificação por resultados, que tem apoio irrestrito do setor empresarial e dos meios de comunicação, estão sendo disseminadas como políticas de valorização da profissão. No entanto, no novo PNE, apesar da oposição do segmento docente, o setor empresarial alinhado em torno do movimento "Todos pela Educação", obteve uma grande vitória ao garantir que essas práticas meritocráticas e de responsabilização, presentes na meta 7.36, constassem do texto final do Plano. Tal lógica foi reforçada na redação do documento "Pátria Educadora" publicado em abril de 2015 pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE). O texto reforça a meritocracia de caráter empresarial ao prever a premiação de escolas e a bonificação para professores e diretores, além de abrir a possibilidade de maior exposição dos profissionais que não cumprem metas.

As práticas de responsabilização e controle do trabalho docente são decorrentes do discurso da qualidade e do neotecnicismo pedagógico implantado nas redes de ensino para contemplar as metas do Ideb. O discurso da qualidade disseminado através desse indicador tem por finalidade o ajustamento das escolas aos esquemas de produtividade e competitividade tipicamente empresariais, o que pressupõe restringir o trabalho docente ao aspecto técnico e à lógica do desempenho e da performatividade atrelados a metas. Esse direcionamento às metas tem sido indutor do estreitamento do currículo. Quanto ao nível fundamental, por exemplo, são intensos os debates referentes à crescente valorização dos conteúdos específicos direcionados ao Ideb, principalmente quanto ao domínio da língua portuguesa e da matemática, frente a uma compreensão mais abrangente do que venha a ser uma formação básica comum, tal como está expressa no artigo 210 da Constituição Federal de 1988.

O novo plano estabelece a Meta 15, a qual tem como propósito "[...] garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no prazo de 1(um) ano de vigência deste PNE, política nacional de formação dos profissionais da educação [...]", tal como previsto na Lei nº 9.394 de 1996, assegurando que todos os professores(as) da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam. A meta 16 pretende formar, em nível de pós-graduação, 50% (cinquenta por cento) dos professores da educação básica, até o último ano de vigência deste PNE e, ao mesmo tempo, garantir a todos os(as) profissionais da educação básica formação continuada em sua área de atuação, considerando as necessidades, demandas e contextualizações dos sistemas de ensino. No Brasil, conforme dados do Inep, 74,8% dos profissionais da ativa, em 2013 possuíam curso superior sendo que 32,8% do Ensino Fundamental e 48,3 % do Ensino Médio possuíam licenciatura na área de formação. No mesmo ano apenas 30% dos professores da Educação Básica possuíam formação em pós-graduação. As metas 15 e 16 ao não assegurar em suas estratégias que essa formação deva ocorrer centrada em instituições públicas favorece a privatização. Em decorrência disso, questionamos sobre como se consubstanciará uma política nacional de formação de professores sólida diante do atual quadro de fragmentação e das condições de oferta dos cursos de formação inicial e continuada, com a forte participação do setor privado e do avanço em números de matrículas da EAD? Como garantir que uma colaboração de fato nesse campo, diante da fragilidade de muitos estados e, principalmente dos municípios brasileiros? Há que se pensar na relação entre os incentivos governamentais à formação com a valorização e a carreira no sentido de tornar a profissão atrativa.

Os aspectos apontados situam a importância desse dossiê e sua contribuição aos debates relativos ao novo PNE, ao mesmo tempo em que expõem o quadro de dificuldades e disputas em torno do reconhecimento da profissão docente e da devida valorização desses profissionais por parte dos gestores públicos. Pois, fora a importante e necessária urgência de ampliarmos os recursos aplicados à educação, como meio para que sejam melhorados os salários dos docentes em todo o país, cabe-nos considerar como urgente a questão da melhoria das condições de trabalho, a discussão sobre a jornada de trabalho e a redução do número de alunos por sala de aula. Portanto, uma efetiva política de valorização do magistério como profissão deve considerar, também, esses aspectos. Por fim, devemos destacar que qualquer política pretendente a uma melhoria qualidade da educação em nosso país, não deve prescindir do enfrentamento desses temas.

No sentido de contribuir, portanto, com esse debate pretendemos, através dos textos aqui selecionados, tratar das diferentes dimensões que compreende a valorização do trabalho docente e a relação entre elas no contexto das políticas. Assim as dimensões formação, carreira e salários e, as condições de trabalho, situadas entre as metas 15 e 18 do novo Plano, são aqui analisadas a partir das pesquisas desenvolvidas pelos autores dos trabalhos, o que revela a importância do tema. As metas são analisadas, portanto, em todos os textos. O sentido maior é o de compreender o quadro precário e perverso em que se inscreve o trabalho docente e, ao mesmo tempo, apontar para as contradições, os limites e as possibilidades do Plano para uma reversão desse quadro. Enfim, vale destacar que o rico material aqui agrupado apresenta reflexões críticas dos autores, respeitando a pluralidade das ideias e os diferentes olhares e expectativas em torno do PNE.

O primeiro artigo do dossiê, "O Plano Nacional de Educação e a valorização docente: confluência do debate nacional", autoria de Silke Weber, nos apresenta os diversos ângulos do debate nacional em torno da valorização docente. A autora faz uma análise do processo histórico das lutas pela democratização da educação nos últimos 40 anos, tendo o debate em torno da valorização docente vinculado ao tema da formação. Analisa o conjunto de metas fixadas no novo PNE para a valorização dos profissionais, defendendo que formação específica para o magistério e a valorização profissional são elementos fundamentais ao processo de socialização profissional e de "materialização da educação como direito social básico".

No segundo artigo, "Trabalho Docente e o novo Plano Nacional de Educação: valorização, formação e condições de trabalho", Álvaro Hypolito analisa as perspectivas indicadas no PNE relacionadas à valorização, à formação e às condições de trabalho. O texto trata das expectativas em torno do financiamento para a Educação Básica, ao mesmo tempo em que situa o leitor sobre as inúmeras dúvidas e questionamentos referentes às formas de avaliação da educação e suas repercussões sobre o trabalho docente. Apresenta reflexões importantes sobre os equívocos das políticas de responsabilização docente. O autor entende que o novo Plano "[...] é uma oportunidade para pressões e novos embates a fim de que obtenha um novo e importante avanço para a condição docente [...]". De forma bastante atualizada, são apresentados alguns questionamentos sobre a relação público-privado na educação brasileira movida pelas atuais políticas avaliativas. Ele chama a atenção para a adoção de sistemas apostilados como nova modalidade de privatização, controle do trabalho docente, avaliação e padronização curricular. No texto são tecidos comentários sobre o documento Pátria Educadora, publicado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) alertando para os riscos ao PNE, em razão de seu caráter gerencialista nas políticas de avaliação, no currículo nacional e centros de formação de professores.

Em "A valorização dos professores da educação básica e as políticas de responsabilização: o que há de novo no Plano Nacional de Educação?", Maria Helena Augusto aborda as recentes mudanças nos sistemas educacionais no sentido de exercer mais amplo controle sobre os resultados escolares, associando-os às prestações de contas e à responsabilização de professores e gestores escolares. A autora analisa as práticas de gestão que incentivam o mérito de professores e escolas pelos resultados, obtidos por meio de testes padronizados aplicados em larga escala, tais como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), entre outros adotados em sistemas estaduais de avaliação. O artigo traz resultados de pesquisa sobre a percepção dos professores sobre a implicação desse modelo avaliativo no âmbito das escolas, atentando para os conflitos e as tensões decorrentes. Por fim, destaca os aspectos da correlação e do alinhamento das metas do novo PNE com essas medidas.

No quarto artigo, "Formação continuada em serviço em contextos descentralizados", Vicente Rodriguez e Domingos Pereira da Silva discutem a importância da formação continuada de professores para as políticas educacionais analisando, a partir desse campo, os processos geradores de desigualdades entre os municípios e suas fragilidades. Os autores abordam o viés centralista dos modelos avaliativos utilizados para implementar, ou mesmo induzir, o regime de colaboração nas políticas educacionais. O texto apresenta uma análise sobre o desenvolvimento da política de formação continuada de professores e seu processo de privatização decorrente do arranjo construído a partir da reforma gerencial do Estado iniciada na década de 1990 e dos processos de desconcentração e descentralização. Por fim, analisam a convergência do atual Plano Nacional de Educação com mecanismos gerenciais provenientes da área da privada, como o plano estratégico e a avaliação por resultados.

Heleno Araújo, no artigo "As lutas e a agenda sindical para a valorização do magistério na perspectiva da CNTE: qual a contribuição do novo Plano Nacional de Educação?", apresenta um breve resumo da organização e participação da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e de suas entidades filiadas visando a aprovação do novo PNE, centrando sua atenção na análise de documentos e metas. O autor, que é dirigente da CNTE, relata a atuação da entidade para que no PNE fossem contempladas metas para a valorização profissional dos trabalhadores e das trabalhadoras em educação. A saber: a meta 15, referente à formação inicial para os Profissionais da Educação; a meta 16, que trata da formação continuada na pós-graduação para todos/as os/as Profissionais da Educação; a meta 17, referente à equiparação, em até seis anos, do salário médio dos Professores ao salário médio das outras profissões com a mesma formação e jornada e da meta 18, que fixa a exigência de plano de cargos e carreiras para os/as Profissionais da Educação da Educação Básica, tendo como base o Piso Salarial Profissional Nacional, estabelecido no artigo 206, inciso VIII da Constituição Federal de 1988. Por fim, destaca a importância do acompanhamento para garantir as conquistas estabelecidas no PNE através do fortalecimento dos fóruns, conselhos de controle e acompanhamento social e dos conselhos municipais e estaduais de educação.

Com o artigo "Plano Nacional de Educação, autonomia controlada e adoecimento do professor", Evaldo Piolli, Eduardo Pinto e Silva e José Roberto Heloani, analisam as recentes práticas e políticas gerencialistas e de responsabilização centradas em metas e indicadores e suas implicações no cotidiano laboral de escolas e universidades públicas. Os autores apresentam resultados de pesquisas desenvolvidas com profissionais da Educação Básica e Superior tinham como propósito compreender as implicações dessas políticas, de caráter empresarial, nas relações de trabalho, assim como na saúde e subjetividade dos professores. No texto são analisadas algumas das metas do novo PNE no sentido de demonstrar o alinhamento dessas com as medidas gerenciais e modelos de avaliação heterônoma.

Dentro da seção Caleidoscópio o leitor encontrará dois trabalhos: no primeiro, Rosemary Mattos e Selma Venco apresentam uma resenha do livro Sistema Nacional de Educação e Plano Nacional de Educação: significado, controvérsias e perspectivas, escrito por Demerval Saviani e publicado pela Editora Autores Associados em 2014. Conforme as autoras, esse livro oferece uma contribuição importante para a compreensão das questões que envolvem as possibilidades e limites de construção de um Sistema Nacional de Educação a partir do Plano Nacional de Educação (PNE) e suas metas. Portanto, trata-se de uma leitura fundamental, nesse momento em que estados e municípios elaboram seus planos.

A seção traz, ainda, o texto "El cuerpo de la vejez desde una perspectiva de género" de Dulce Suaya. Utilizando-se do dispositivo da História Vital do Trabalho (HTV) aplicado em pesquisas recentes com professoras aposentadas, a autora faz uma importante análise do processo de aposentadorias e da exploração dos idosos como mercadoria pelo capital. O HTV é uma metodologia que busca resgatar a memória histórica dos sujeitos no seu passado de trabalho para se recuperar, a partir daí uma nova relação com seu potencial criativo e suas capacidades. O texto traz uma contribuição para pensar a valorização da experiência dos profissionais da educação e a qualidade de vida na condição aposentados.

Esse dossiê, por fim, constitui-se como um importante subsídio para pesquisadores e, para todos interessados em compreender as possibilidades e os limites do novo PNE (2014-2024), bem como, os desafios a serem enfrentados no sentido da devida valorização e do reconhecimento dos profissionais da educação. Desse modo, convidamos todos à leitura desse número dos Cadernos do Cedes.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    01 Jun 2015
  • Aceito
    15 Set 2015
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