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EDUCAÇÃO INTEGRAL: DIVERSIDADE, POLÍTICAS E PRÁTICAS

Nosso ponto de partida compreende que dialogar com a Educação Integral impõe uma inescapável articulação entre os campos da pesquisa, da política educacional e, sobretudo, da práxis, momento em que se confronta o cumprimento das normas, burocracias reificadas nos planos, diretrizes com o cotidiano da escola, lugar onde pulsa vida, relações sociais e humanas.

Nesse contexto, a implementação da educação em tempo integral, conforme preconiza o Plano Nacional de Educação/2014 (PNE) (BRASIL, 2014BRASIL. Presidência da República. Plano Nacional de Educação (2014-2024). Lei nº 13.005, 25 de junho de 2014. Brasília, 2014.), suscita, no movimento do real, reconhecer as experiências e os posicionamentos precedentes que marcaram os fazeres e os saberes da Educação Integral, mediados inicialmente por um tempo maior de permanência no cotidiano escolar. Como o passado elabora as ações do presente, faz jus o registro de iniciativas brasileiras dos educadores Anísio Teixeira (2007TEIXEIRA, A. Educação não é privilégio. 7. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007.), Darcy Ribeiro (1986RIBEIRO, Darcy. O livro dos CIEPS. Rio de Janeiro: Editora Bloch, 1986.), da concepção socialista de educação na Revolução Russa por Pistrak (2013PISTRAK, Moisey M. A escola-comuna. São Paulo: Expressão Popular, 2013.), entre outros projetos de caráter emancipatório nas políticas educacionais em que os espaços e os tempos comparecem dando significado na atividade humana para a formação do sujeito integral.

Entrementes, em tempos atuais, para defesa de um projeto societário burguês excludente, o Estado brasileiro, em seu aparato antidemocrático, extirpa as conquistas das políticas públicas, retirando não só os direitos forjados nas lutas sociais, mas o sentido da formação humana integral, intrínseco à educação (ARROYO, 2017ARROYO, M. O direito à formação humana como referente da avaliação. In: DE SORDI, M.R. (org.). Qualidade(s) da escola pública: reinventando a avaliação como resistência. Uberlândia: Navegando, 2017.). Portanto, essas múltiplas determinações da realidade social nos instigam a debater a dimensão da educação em tempo integral e sua integralidade para a formação humana no reconhecimento das multidimensionalidades para a constituição de sujeitos críticos, para além da ampliação da jornada escolar. Nesse sentido, em um campo de disputas ideológicas e de contradições, fazem-se imperiosos posicionamentos éticos-políticos em defesa de uma educação que tem como perspectiva a emancipação humana.

Desse modo, conceber a educação na integralidade do tempo e da formação humana nos impulsiona trabalhar com radicalidade analítica qual a sua finalidade. Uma escola de educação integral para quem e para quê? Fundada em quais conceitos: formação humana integral a partir das referências da necessária emancipação humana? Assim, é fundante a tessitura de diálogos engendrados nas narrativas expressas pelas e com as vozes dos professores e dos alunos, a partir da realidade miúda do cotidiano da escola e, ainda, das produções acadêmicas que, com rigor, abordam a tão complexa educação integral e suas tramas polifônicas de conceitos.

Os artigos que compõem este dossiê carregam, pois, a diversidade temática sobre a Educação Integral a que vimos nos referindo. Eles estão alinhados com a intencionalidade de ampliação do debate sobre a Educação Integral e nela adentrar para reconhecer sua complexidade, produzindo sentidos para a criação de políticas e práticas.

Iniciamos um debate provocativo sobre o tempo livre não institucionalizado que circula entre as esferas formais e não formais da escola no Brasil e em Portugal, lá denominado de “Escola a Tempo Inteiro”, no artigo “Educação integral e institucionalização do tempo livre: outras lógicas educacionais no contexto Luso-Brasileiro”, assinado pelos autores Juliana Pedreschi Rodrigues, José Luís Gonçalves, Valéria Aroeira Garcia e Daniela Gonçalves. Esse artigo vem encadear um diálogo atual entre peculiaridades das propostas de educação integral em ambos os países, a partir da premissa de que se faz necessário atentarmos para outros jeitos de organizar o processo educacional, escapando de uma única lógica e da institucionalização do tempo livre.

Na sequência, as autoras Crislaine Matozinhos Silva Modesto, Débora Mazza e Nima Imaculada Spigolon nos convocam a refletir com o artigo “A formação humana integral diante de retrocessos sociais”, em que problematizam os desafios da educação brasileira, na concepção da formação humana integral, a partir da Emenda Constitucional (EC) nº 95/2016, que institui um novo regime fiscal para as despesas sociais nos próximos 20 anos, provocando consequências irreversíveis às políticas públicas e, especialmente, à educação.

E as inquietações não cessam quando o debate da educação integral e formação humana circulam as práticas pedagógicas. O artigo intitulado “A formação humana integra a educação integral? O que as práticas pedagógicas têm a nos dizer”, das autoras Adriana Varani, Cristina Maria Campos e Elizabeth Rossin, propõe, a partir da experiência com alfabetização e suas contradições, debater a formação humana no contexto da educação integral em uma perspectiva emancipatória.

E no diálogo com o “chão da escola”, o artigo “Escola de tempo integral × formação humana integral: experiências de uma EEI no município de Campinas”, elaborado por Elaine Cristina Panini Messa, Juliana Cristina Chaves Buldrin Baiocchi, Renato Horta Nunes e Simone Cecilia Fernandes, socializa práticas educativas pondo em análise o conceito de Educação Integral na perspectiva da formação humana, provocando reflexões e narrativas que mobilizam o jeito de ver e fazer o trabalho educativo.

Em face das requisições institucionais para efetivação do tempo integral nas escolas, o artigo intitulado “Ampliação da jornada das escolas públicas brasileiras: um panorama de políticas e discursos”, das autoras Patrícia Peixoto Zapletal e Adriana Marcondes Machado, apresenta um estudo bibliográfico sobre a ampliação da jornada escolar no Brasil, no qual encontra argumentos daqueles que justificam as propostas da escola de tempo integral e os que questionam as adesões acríticas acerca das reformas educacionais.

Nessa esteira de análise, faz-se mister ir à raiz dos elementos fundantes e debater “os tempos” na educação integral, o que é proposto por Mariana Roveroni, Adriana Missae Momma e Bruna Cirino Guimarães no artigo “Educação integral, Escola de tempo integral: um diálogo sobre ‘os tempos’”, convidando-nos a refletir sobre as contradições das iniciativas, a partir de experiências da rede municipal de Campinas e seus modos de fazer e resistir.

Fundamentado no cotidiano das escolas e no contexto educacional, coloca-se em discussão a relação entre as políticas de Educação Integral e Educação Especial no artigo “Educação integral e Atendimento educacional especializado: como essas políticas são implementadas ao mesmo tempo?”, de Mariana da Cunha Sotero, Eliana Briense Jorge Cunha e Valéria Aroeira Garcia. As autoras questionam quais tempos e espaços têm se estabelecido entre o Atendimento Educacional Especializado (AEE) e a implementação da Educação Integral, tendo em vista conciliar as necessidades de crianças e adolescentes da educação especial.

Por fim, e consubstanciando esse dossiê, apresentamos a entrevista inédita intitulada “Anísio Teixeira - dilemas educacionais e políticos do seu e do nosso tempo”, realizada por Jaqueline Moll com as Profas. Ana Waleska Mendonça (falecida em 2017) e Libânia Xavier. Entre os temas abordados: PNE de 1962, formação de professores, prolongamento do tempo escolar, Educação Integral, experiências pedagógicas, diálogo com Darcy Ribeiro e outros. Os temas criam interfaces com a atualidade, na perspectiva anisiana de que os intervalos democráticos vividos no Brasil não permitiram a consolidação de um sistema educacional universal e de qualidade.

E assim sendo, a originalidade e a relevância político-pedagógica do dossiê se espraiam na diversidade das produções dos autores e das autoras que mapeiam essa discussão. Os textos mediam as políticas, as traduções, os fazeres e os saberes no campo interdisciplinar dos conhecimentos acadêmicos, no horizonte da emancipação humana.

REFERÊNCIAS

  • ARROYO, M. O direito à formação humana como referente da avaliação. In: DE SORDI, M.R. (org.). Qualidade(s) da escola pública: reinventando a avaliação como resistência Uberlândia: Navegando, 2017.
  • BRASIL. Presidência da República. Plano Nacional de Educação (2014-2024) Lei nº 13.005, 25 de junho de 2014. Brasília, 2014.
  • PISTRAK, Moisey M. A escola-comuna São Paulo: Expressão Popular, 2013.
  • RIBEIRO, Darcy. O livro dos CIEPS Rio de Janeiro: Editora Bloch, 1986.
  • TEIXEIRA, A. Educação não é privilégio 7. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2019
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    20 Mar 2019
  • Aceito
    01 Jul 2019
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