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UM ESTADO DO CONHECIMENTO SOBRE A ÁLGEBRA NO ENSINO ELEMENTAR ESTADUNIDENSE

A STATE OF KNOWLEDGE ON ALGEBRA IN THE UNITED STATES’ ELEMENTARY SCHOOL

RESUMO

Em 1905, um estudo sobre a reestruturação do ensino elementar estadunidense é publicado na revista Educational Review, apontando a necessidade de uma álgebra neste nível escolar. Um estado do conhecimento histórico acerca desse tema na revista foi realizado, com base na perspectiva das humanidades digitais, utilizando o software IRaMuTeQ. A álgebra foi o foco na busca por publicações, a partir da seleção e da análise dos textos com o software. Observou-se um movimento a favor de um ensino centrado em equações e sistemas lineares, aplicados a problemas complexos de aritmética.

Palavras-chave
Estado de conhecimento; Ensino de álgebra; Análise textual; História da educação matemática; Humanidades digitais

ABSTRACT

In 1905, a study on the reform of the American elementary education is published in the journal Educational Review, pointing out the need for an algebra at the elementary school. A historical state of knowledge about this theme in the Educational Review was made, based in the perspective of digital humanities, using the IRaMuTeQ. Algebra was the focus in the search on the journal, from the selection and analysis of the texts with the software. A movement in favor of teaching based on equations and linear systems, applied to complex problems of arithmetic, was observed.

Keywords
State of knowledge; Algebra’s teaching; Textual analysis; History of mathematics education; Digital humanities

Introdução

Os estudos, em uma perspectiva histórica, sobre a constituição dos saberes que deverão participar do ensino e, ainda, formar o futuro professor, têm crescido recentemente (HOFSTETTER; SCHNEUWLY, 2017HOFSTETTER, R.; SCHNEUWLY, B. Saberes: um tema central para as profissões do ensino e da formação. In: HOFSTETTER, R.; VALENTE, W. R. (orgs.). Saberes em (trans)formação: tema central da formação de professores. 1. ed. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2017. p. 113-172.; MACIEL, 2019MACIEL, V. B. Elementos do saber profissional do professor que ensina matemática: uma aritmética para ensinar nos manuais pedagógicos (1880-1920). 2019. 312 f. Tese (Doutorado em Ciências: Educação e Saúde na Infância e na Adolescência) – Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Paulo, Guarulhos, 2019. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/199390?show=full. Acesso em: 27 out. 2020.
https://repositorio.ufsc.br/handle/12345...
; OLIVEIRA, 2017OLIVEIRA, M. A. A aritmética escolar e o método intuitivo: um novo saber para o curso primário (1870-1920). 2017. 280 f. Tese (Doutorado em Ciências: Educação e Saúde na Infância e na Adolescência) – Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Paulo, Guarulhos, 2017. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/178956. Acesso em: 27 out. 2020.
https://repositorio.ufsc.br/handle/12345...
; PINHEIRO, 2017PINHEIRO, N. V. L. A aritmética sob medida: a matemática em tempos da pedagogia científica. 2017. 223 f. Tese (Doutorado em Ciências: Educação e Saúde na Infância e na Adolescência) – Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Paulo, Guarulhos, 2017. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/179942?show=full. Acesso em: 27 out. 2020.
https://repositorio.ufsc.br/handle/12345...
; SANTANA DA SILVA, 2017SANTANA DA SILVA, M. R. I. A matemática para a formação do professor do curso primário: aritmética como um saber profissional (1920-1960). 2017. 177 f. Tese (Doutorado em Ciências: Educação e Saúde na Infância e na Adolescência) – Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Paulo, Guarulhos, 2017. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/180590?show=full. Acesso em: 27 out. 2020.
https://repositorio.ufsc.br/handle/12345...
). Sabe-se que o papel das definições curriculares estadunidenses teve importante função na caracterização dos processos formativos do professor dos primeiros anos escolares no Brasil e na definição dos conteúdos de ensino (BASEI, 2017BASEI, A. M. Álgebra na formação de professores que ensinam matemática (1890-1970) análise de um debate. In: SEMINÁRIO TEMÁTICO, 15., 2017, Pelotas. Anais do XV Seminário Temático. Pelotas: UFPel, 2017, p. 1-10.; RODRIGUÊS; COSTA, 2019RODRIGUÊS, J. S.; COSTA, D. A. A Comissão dos Quinze e os primeiros movimentos acerca do ensino da álgebra na escola primária brasileira. Acta Scientiae, Canoas, v. 21, n. 6, p.150-172, 2019. https://doi.org/10.17648/acta.scientiae.5450
https://doi.org/10.17648/acta.scientiae....
; VALENTE, 2017VALENTE, W. R. A matemática para o professor dos primeiros anos escolares – a álgebra entre a cultura enciclopédica e a formação profissional. Jornal Internacional de Estudos em Educação Matemática, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 8-14, 2017. https://doi.org/10.17921/2176-5634.2017v10n1p8-14
https://doi.org/10.17921/2176-5634.2017v...
). A esse respeito, no final do século XIX, podem-se observar discussões a favor da introdução da álgebra no ensino elementar estadunidense. No início do século XX, tais discussões chegaram ao Brasil, a partir de trabalhos como os de Cabrita (1917aCABRITA, F. A álgebra do normalista. A Escola Primária, Rio de Janeiro, ano 1, n. 10, p. 299-300, 1917a., 1917b)CABRITA, F. A álgebra no ensino primário. A Escola Primária, Rio de Janeiro, ano 1, n. 12, p. 360-361, 1917b. e Reis (1918aREIS, O. S. Os dois ultimos annos de arithmetica, na escola primaria, segundo a Comissão dos quinze. A Escola Primaria, Rio de Janeiro, ano 3, n. 1, p. 11-15, 1918a., 1918b)REIS, O. S. Os dois ultimos annos de arithmetica, na escola primaria, segundo a Comissão dos quinze (continuação). A Escola Primaria, Rio de Janeiro, ano 3, n. 2-3, p. 41-43, 1918b.. Propostas para o ensino elementar, entre elas a inserção de saberes algébricos, levaram a National Education Association (NEA) a constituir a Comissão dos Quinze, formada em 1893 e incumbida de propor mudanças para o ensino elementar estadunidense. O relatório dessa comissão teve sua primeira publicação na revista Educational Review1 1 Após a publicação na revista, o relatório também foi enviado para editoras que tivessem interesse em publicar o material (RODRIGUÊS; COSTA, 2019). e nele se observa a proposta de um ensino elementar com a introdução a álgebra.

Nesse sentido, a revista Educational Review desempenhou papel central no movimento de propagação da discussão acerca da álgebra no ensino elementar, uma vez que publicou o relatório elaborado e garantiu “fornecer para cada membro da Comissão dos Quinze, e também para cada pessoa indicada para discutir o relatório”, bem como “enviar para cada jornal educacional que desejar uma cópia, com o pedido que essa seja publicada da forma mais completa possível” (NEA, 1895NEA [NATIONAL EDUCATIONAL ASSOCIATION]. Journal of proceedings and addresses: session of the year 1895 held at Denver, Colorado. Saint Paul: NEA, 1895., p. 237, tradução nossa).

Este estudo ocupa-se dos debates ocorridos no âmbito estadunidense, analisando a revista Educational Review. Considera-se que a análise poderá dar contribuição importante para o entendimento das mudanças ocorridas no ensino de matemática dos primeiros anos escolares e, consequentemente, para a formação dos normalistas brasileiros nas primeiras décadas do século XX.

Dessa forma, um estado do conhecimento acerca de produções de um dado período histórico, produzido e disseminado pela revista Educational Review entre os anos de 1891 e 1921, foi realizado, apoiado nos conceitos das humanidades digitais e na análise dos textos, usando o modelo de pesquisa bibliográfica e historiográfica. As análises foram realizadas com o programa IRaMuTeQ, objetivando o estado do conhecimento, e tiveram como foco compreender que ideias acerca de um ensino de álgebra para a instrução elementar foram circuladas pela revista Educational Review. Para isso, foi realizado um levantamento das publicações dessa revista, de forma a constituir um corpus textual de análise dos artigos que apresentassem o termo “algebra” e que, de alguma forma, tivessem relação com o ensino elementar estadunidense. Com o levantamento, foram encontradas 35 publicações. Após um processo de filtragem, também realizado como auxílio do IRaMuTeQ, dezesseis passaram a fazer parte do sub corpus textual de análise.

O IRaMuTeQ é um software utilizado para análise textual, ou seja, de:

[...] textos produzidos em diferentes condições tais como: textos originalmente escritos, entrevistas, documentos, redações etc. [...] Por tratar-se de dados que são compostos essencialmente pela linguagem, os mesmos mostram-se relevantes aos estudos sobre pensamentos, crenças, opiniões – conteúdo simbólico produzido em relação a determinado fenômeno.

(CAMARGO; JUSTO, 2013aCAMARGO, B. V.; JUSTO, A. M. IRAMUTEQ: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas em Psicologia, Ribeirão Preto, v. 21, n. 2, p. 513-518, 2013a. https://doi.org/10.9788/TP2013.2-16
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, p. 514)

Desse modo, o software configura uma ferramenta utilizada nas humanidades digitais, sendo elas compreendidas como “ligação entre a investigação em Humanidades e a incorporação de métodos e ferramentas das Tecnologias Digitais” (ALVES, 2016ALVES, D. As humanidades digitais como uma comunidade de práticas dentro do formalismo académico: dos exemplos internacionais ao caso português. Ler História, Lisboa, v. 69, p. 91-103, 2016. https://doi.org/10.4000/lerhistoria.2496
https://doi.org/10.4000/lerhistoria.2496...
, p. 91). Nesse sentido, as humanidades digitais tomam a perspectiva de se interpor às “análises tradicionalmente conhecidas do campo das humanidades, como, por exemplo, as análises textuais, associado às novas possibilidades metodológicas advindas das possibilidades mediadas pelo digital” (HOFFMANN; ALVAREZ; MARTI-LAHERA, 2020HOFFMANN, Y. T.; ALVAREZ, E. B.; MARTÍ-LAHERA, Y. Análise textual com IRaMuTeQ de pesquisas recentes em História da educação matemática no Brasil: um exemplo de Humanidades Digitais. Investigación Bibliotecológica: Archivonomía, Bibliotecología e Información, Ciudad de México, v. 34, n. 84, p. 103-133, 2020. https://doi.org/10.22201/iibi.24488321xe.2020.84.58097
https://doi.org/10.22201/iibi.24488321xe...
, p. 108)

Nesse programa, segundo Camargo e Justo (2013b)CAMARGO, B. V., JUSTO, A. M. Tutorial para uso do software de análise textual Iramuteq. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2013b. Disponível em: www.iramuteq.org/documentation/fichiers/tutoriel-en-portugais. Acesso em: 1 jun. 2020.
www.iramuteq.org/documentation/fichiers/...
, há uma gama de diferentes formas de processamento de dados textuais, que, relacionados a dados numéricos e informações gráficas, possibilitam que métodos de análise quantitativa possam ser aplicados sobre um conjunto de textos. Entre os possíveis processos de análise apresentados pelo software, temos a análise fatorial de correspondência (AFC)2 2 Essa modalidade “associa textos com variáveis, ou seja, possibilita a análise da produção textual em função das variáveis de caracterização” (CAMARGO; JUSTO, 2013b, p. 10). e o método da classificação hierárquica descendente (CHD), os quais foram utilizados neste artigo.

Referencial Teórico Metodológico

Denominada estado do conhecimento, a pesquisa aqui empregada assume caráter bibliográfico, bem como apresenta uma metodologia inventariante e descritiva da produção acadêmica e científica sobre o tema estipulado, aqui a álgebra para o ensino elementar estadunidense no fim do século XIX e início do século XX. Assim, a pesquisa busca investigar, mapear e discutir uma certa produção acadêmica, tentando responder que aspectos e dimensões são destacados e privilegiados (FERREIRA, 2002FERREIRA, N. S. A. As pesquisas denominadas “estado da arte”. Educação & Sociedade, Campinas, v. 23, n. 79, p. 257-272, ago. 2002. https://doi.org/10.1590/S0101-73302002000300013
https://doi.org/10.1590/S0101-7330200200...
). Esse tipo de estudo permite “a compreensão do movimento da área, sua configuração, propensões teóricas metodológicas, análise crítica indicando tendências, recorrências e lacunas” (VOSGERAU; ROMANOWSKI, 2014VOSGERAU, D. S. R.; ROMANOWSKI, J. P. Estudos de revisão: implicações conceituais e metodológicas. Diálogo Educacional, Curitiba, v. 14, n. 41, p. 165-189, jan./abr. 2014. https://doi.org/10.7213/dialogo.educ.14.041.DS08
https://doi.org/10.7213/dialogo.educ.14....
, p. 167). Além disso, tem-se a oportunidade de “contribuir com a organização e análise na definição de um campo, uma área, além de indicar possíveis contribuições da pesquisa para com as rupturas sociais” (ROMANOWSKI; ENS. 2006ROMANOWSKI, J. P.; ENS, R. T. As pesquisas denominadas do tipo “estado da arte” em educação. Diálogo Educacional, Curitiba, v. 6, n. 19, p. 37-50, set./dez. 2006. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/index.php/dialogoeducacional/article/view/24176/22872. Acesso em: 1 jun. 2020.
https://periodicos.pucpr.br/index.php/di...
, p. 39).

A opção por adotar a metodologia de um estado do conhecimento sobre publicações de um passado distante permite observar melhor como, em dado período histórico, constituía-se parte do conhecimento divulgado acerca de um tema. Esse caminho metodológico permite buscar respostas aos questionamentos por meio dos traços do passado. Assim, propõe-se uma perspectiva em que um estado do conhecimento sobre o passado, ou estado do conhecimento histórico, vincule-se a uma pesquisa no âmbito da história da educação matemática, visando compreender, a partir do lugar social do pesquisador, como se deu o desenvolvimento de uma determinada história. A escrita da história se constitui, assim, a partir dos questionamentos realizados, como um processo de interrogação às fontes da investigação (VALENTE, 2007VALENTE, W. R. História da educação matemática: interrogações metodológicas. REVEMAT, Florianópolis, v. 2, n. 2, p. 28-49, 2007. https://doi.org/10.5007/%25x
https://doi.org/10.5007/%25x...
).

A partir do objetivo desta pesquisa, as possíveis fontes ficam assim estabelecidas: os artigos das diversas edições da revista Educational Review, de modo a se compreender que discursos eram postos em circulação, entre 1891 e 1921, acerca de uma álgebra para o ensino elementar estadunidense. A escolha pela revista em questão não se deu apenas pelo fato de o relatório da Comissão dos Quinze ser publicado nela, mas também por esse veículo, sendo um periódico, ser forte meio de circulação de ideias, modelos e concepções de um determinado período (CATANI, 1996CATANI, D. B. A imprensa periódica educacional: as revistas de ensino e o estudo do campo educacional. Educação e Filosofia, Uberlândia, v. 10, n. 20, p. 115-130, jul./dez., 1996. Disponível em: www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/article/view/928/842. Acesso em: 1 jun. 2020.
www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFiloso...
). Isso se dá, principalmente, porque as revistas de ensino fazem

[...] circular informações sobre o trabalho docente, a organização dos sistemas de ensino, as lutas da categoria profissional do magistério, bem como os debates e polêmicas que incidem sobre aspectos dos saberes ou das práticas pedagógicas, tornam as mesmas uma instância privilegiada para a investigação dos modos de funcionamento do campo educacional

(CATANI, 1996CATANI, D. B. A imprensa periódica educacional: as revistas de ensino e o estudo do campo educacional. Educação e Filosofia, Uberlândia, v. 10, n. 20, p. 115-130, jul./dez., 1996. Disponível em: www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/article/view/928/842. Acesso em: 1 jun. 2020.
www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFiloso...
, p. 116).

Desse modo, “acompanhar o aparecimento e o ciclo de vida dessas revistas permite conhecer as lutas por legitimidade, que se travam no campo educacional” (CATANI, 1996CATANI, D. B. A imprensa periódica educacional: as revistas de ensino e o estudo do campo educacional. Educação e Filosofia, Uberlândia, v. 10, n. 20, p. 115-130, jul./dez., 1996. Disponível em: www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/article/view/928/842. Acesso em: 1 jun. 2020.
www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFiloso...
, p. 117) da época, além de que, segundo Catani (1996)CATANI, D. B. A imprensa periódica educacional: as revistas de ensino e o estudo do campo educacional. Educação e Filosofia, Uberlândia, v. 10, n. 20, p. 115-130, jul./dez., 1996. Disponível em: www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/article/view/928/842. Acesso em: 1 jun. 2020.
www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFiloso...
, as revistas especializadas em educação

[...] constituem uma instância privilegiada para a apreensão dos modos de funcionamento do campo educacional enquanto fazem circular informações sobre o trabalho pedagógico e o aperfeiçoamento das práticas docentes, o ensino específico das disciplinas, a organização dos sistemas, as reivindicações da categoria do magistério e outros temas que emergem do espaço profissional

(CATANI, 1996CATANI, D. B. A imprensa periódica educacional: as revistas de ensino e o estudo do campo educacional. Educação e Filosofia, Uberlândia, v. 10, n. 20, p. 115-130, jul./dez., 1996. Disponível em: www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/article/view/928/842. Acesso em: 1 jun. 2020.
www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFiloso...
, p. 117).

Como apresentado, a revista Educational Review publicou, no âmbito estadunidense, o relatório da Comissão dos Quinze que buscava propor reformulações para o ensino elementar do país. Entre as recomendações, estava a constituição de um ensino de álgebra nos últimos anos do ensino elementar (RODRIGUÊS; COSTA, 2019RODRIGUÊS, J. S.; COSTA, D. A. A Comissão dos Quinze e os primeiros movimentos acerca do ensino da álgebra na escola primária brasileira. Acta Scientiae, Canoas, v. 21, n. 6, p.150-172, 2019. https://doi.org/10.17648/acta.scientiae.5450
https://doi.org/10.17648/acta.scientiae....
). Ainda segundo Rodriguês e Costa (2019)RODRIGUÊS, J. S.; COSTA, D. A. A Comissão dos Quinze e os primeiros movimentos acerca do ensino da álgebra na escola primária brasileira. Acta Scientiae, Canoas, v. 21, n. 6, p.150-172, 2019. https://doi.org/10.17648/acta.scientiae.5450
https://doi.org/10.17648/acta.scientiae....
, o relatório da comissão foi dividido em três partes, sendo a primeira sobre a “correlação de estudos”, em que se busca discutir a estrutura do programa do ensino primário, suas disciplinas e conteúdos.

No intuito de encontrar outras contribuições acerca desse tema, uma busca foi realizada por edições da revista Educational Review que abordassem o termo “algebra” e “ensino elementar”, ou sinônimos desse último. Para isso, foi utilizado o Internet Archive,3 3 Disponível em: https://archive.org/search.php?query. Acesso em: 1 jun. 2020. no qual se pesquisou o termo Educational Review. Desse modo, foram encontrados 61 volumes da revista, que tem sua primeira publicação em janeiro de 1891, sendo de 1921 o último volume obtido. Do volume 1 ao volume 62, apenas o volume 55 não foi localizado.

Para o recorte temporal da pesquisa, tomou-se o período de publicação da revista e foi percebido que todos os volumes encontrados apresentavam o termo “algebra” (foram ignorados os textos que apenas apresentavam o termo “algebraic”, ou seja, não mencionando o termo “algebra”). Com isso, foram observadas 338 publicações, as quais se distribuíam entre artigos, editoriais e revisões de livros didáticos ou acadêmicos apresentando tal termo. Uma primeira seleção foi feita, observando as publicações que apenas mencionavam o termo “algebra”, mas não abordavam o ensino, aprendizado ou conteúdos referentes à disciplina. Em seguida, um segundo processo foi realizado, de modo a garantir que os textos abordassem o termo “escola (ou ensino) primária”, “elementar” ou “graduada” (grammar school).

Disso resultou um banco com 35 textos, que passaram por outros dois filtros, apresentados a seguir e realizados com o uso do software IRaMuTeQ para análise textual. Tal seleção se fez necessária, uma vez que as publicações da revista não apresentam resumo ou palavras-chave que indicassem quais delas deveriam ser analisadas. Assim, tomou-se como base para a seleção e a análise, o título e o corpo do texto das publicações.

De acordo com Camargo e Justo, o IRaMuTeQ “possibilita que se quantifique e empregue [sic] cálculos estatísticos sobre variáveis essencialmente qualitativas – os textos” (2013aCAMARGO, B. V.; JUSTO, A. M. IRAMUTEQ: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas em Psicologia, Ribeirão Preto, v. 21, n. 2, p. 513-518, 2013a. https://doi.org/10.9788/TP2013.2-16
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, p. 514), de modo que a análise textual tenha como finalidade comparar e relacionar diferentes textos a partir de variáveis específicas desses (CAMARGO; JUSTO, 2013aCAMARGO, B. V.; JUSTO, A. M. IRAMUTEQ: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas em Psicologia, Ribeirão Preto, v. 21, n. 2, p. 513-518, 2013a. https://doi.org/10.9788/TP2013.2-16
https://doi.org/10.9788/TP2013.2-16...
, 2013bCAMARGO, B. V., JUSTO, A. M. Tutorial para uso do software de análise textual Iramuteq. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2013b. Disponível em: www.iramuteq.org/documentation/fichiers/tutoriel-en-portugais. Acesso em: 1 jun. 2020.
www.iramuteq.org/documentation/fichiers/...
).

Assim, inicialmente, o software foi utilizado no conjunto de 35 publicações com o objetivo de determinar se havia textos que se distanciavam dos outros. Em seguida, buscou-se apontar quais dos textos resultantes desse primeiro processo possuem maior relação com o termo “algebra”, ou seja, separar os textos que traziam discussões acerca da álgebra daqueles que apenas citavam o termo “algebra”, o que resultou em um conjunto de dezesseis textos. Desse modo, o IRaMuTeQ é utilizado aqui sob duas perspectivas: primeiramente, para delimitar o conjunto de textos que foram analisados; e, em segundo lugar, para a análise desse conjunto de textos, com o foco de realizar um estado do conhecimento histórico. Cabe destacar que, após a análise do programa, o investigador fica incumbido de “explorar o material de texto, interpretar os resultados apresentados pelo software, considerando inclusive aqueles dados que não foram diretamente expressos pelo processamento informático” (CAMARGO; JUSTO, 2013aCAMARGO, B. V.; JUSTO, A. M. IRAMUTEQ: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas em Psicologia, Ribeirão Preto, v. 21, n. 2, p. 513-518, 2013a. https://doi.org/10.9788/TP2013.2-16
https://doi.org/10.9788/TP2013.2-16...
, p. 517).

Esta pesquisa, portanto, aproxima-se do estudo apresentado por Quadros, Martins e SoaresQUADROS, R. B. S.; MARTINS, K. P. H.; SOARES, A. C. S. Psicanálise e saúde mental: um estudo sobre o estado da arte. Subjetividades, Fortaleza, v. 18, p. 119-131, 2018. https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v18i1.6289
https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v18i...
, que realizaram um estado da arte a partir da análise, utilizando o IRaMuTeQ, dos resumos de artigos, dissertações e teses “que abrangem o campo da Psicanálise em interseção com o campo da saúde mental” (2018, p. 122); bem como dos estudos de Silva, Fiúza e Pinto (2019)SILVA, M. D. C.; FIÚZA, A. L. C.; PINTO, N. M. A. The paradigmatic field of usage of the theoretical category of pluriactivity in Brazil. Ciência Rural, Santa Maria, v. 49, n. 5, p. 1-12, 2019. https://doi.org/10.1590/0103-8478cr20180660
https://doi.org/10.1590/0103-8478cr20180...
, que utilizam o software para análise de teses e dissertações com o intuito de apontar as principais discussões acerca do tema “pluriatividade”; além de Carmo et al. (2018)CARMO, H. et al. Descontinuidade tecnológica em patentes envolvendo o uso de cinzas de carvão: análise baseada em conteúdo textual. Revista Metropolitana de Sustentabilidade, São Paulo, v. 8, n. 2, p. 49-66, maio/ago. 2018. Disponível em: www.revistaseletronicas.fmu.br/index.php/rms/article/view/1273/pdf. Acesso em: 1 jun. 2020.
www.revistaseletronicas.fmu.br/index.php...
, que objetivavam verificar a descontinuidade tecnológica nas áreas que utilizam as cinzas de carvão, por meio de um banco de patentes, entre outras fontes, buscando analisar o comportamento da tecnologia dominante, o enfoque nas irregularidades e o direcionamento de conteúdo das patentes. Para tanto, os pesquisadores seguiram as etapas de análise do software (CAMARGO; JUSTO, 2013bCAMARGO, B. V., JUSTO, A. M. Tutorial para uso do software de análise textual Iramuteq. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2013b. Disponível em: www.iramuteq.org/documentation/fichiers/tutoriel-en-portugais. Acesso em: 1 jun. 2020.
www.iramuteq.org/documentation/fichiers/...
), aplicando-as aos abstracts das patentes estudadas.

A partir dessas perspectivas, o IRaMuTeQ foi utilizado para realizar uma análise textual, de forma a apresentar o que seria possível apontar com base nos resultados da análise do software e, assim, constituir o estado do conhecimento almejado.

Constituição do Corpus Textual para Análise

Para a construção do corpus textual, foi necessário elaborar um arquivo de texto (.txt) com o conteúdo de todas as publicações inicialmente selecionadas. Em seguida, foi necessário realizar um tratamento, para que o texto fosse corrigido de acordo com a gramática atual do inglês, de forma que o software IRaMuTeQ conseguisse relacionar os elementos do texto com o atual dicionário. Isso levou à constituição de um primeiro corpus textual, feito com os 35 manuscritos encontrados. Todas as análises com o uso do software IRaMuTeQ desconsideram advérbios, artigos, conjunções, onomatopeias, pronomes e preposições, uma vez que tais elementos não seriam relevantes para as análises almejadas. A partir disso, dois processos foram realizados, com o intuito de aprimorar o corpus utilizado, ou seja, selecionar quais das 35 publicações deveriam fazer parte da análise textual e, com isso, do estado do conhecimento. O primeiro, tomou como base a seguinte AFC, levando em consideração os termos com mais de dez ocorrências (Fig. 1).

Figura 1
AFC com o corpus textual formado pelas 35 publicações.

A AFC aponta as publicações em que há “concentrações semelhantes de assuntos, objetivos e temáticas através da associação das palavras dos seus respectivos textos” (BASTROS FILHO et al., 2017BASTROS FILHO, R. A. et al. Segregação socioespacial: uma meta-análise dos trabalhos publicados em periódicos a partir da aprovação do estatuto da cidade (2001-2017). HOLOS, Natal, ano 33, v. 8, p. 298-320, 2017. https://doi.org/10.15628/holos.2017.6527
https://doi.org/10.15628/holos.2017.6527...
, p. 315). Assim, a imagem da AFC ressalta que uma das publicações, “Notes on New Books”, encontra-se distante das outras 34, indicando que seria difícil estabelecer uma relação estável entre o texto dessa publicação e o restante do corpus. Um olhar apurado para a publicação aponta o motivo: trata-se de um texto de duas páginas em que são apresentados livros da época, de diversas matérias, e algumas informações do material, como preço, uma ideia geral do livro ou sua contribuição, em duas linhas. Dessa forma, para garantir que a análise realizada pelo IRaMuTeQ apresentasse informações relevantes e contundentes, um primeiro filtro foi aplicado, a fim de que um novo corpus textual fosse construído sem esse artigo.

Assim, uma nova AFC foi realizada, na qual se pode observar (Fig. 2) a distribuição das 34 publicações de maneira mais homogênea pelo plano cartesiano, com alguns elementos um pouco afastados, mas sem que alguma publicação esteja totalmente isolada das outras. Isso ressalta que as discussões apresentadas nesse novo corpus textual estão mais bem-relacionadas e distribuídas, bem como que, embora alguns textos se aproximem mais de outros, o estabelecimento de relações, mesmo que fracas, é possível.

Figura 2
Nova AFC formada pelo corpus textual com as 34 publicações restantes.

A partir, então, desse corpus textual e da AFC realizada, um segundo processo foi iniciado, no qual o IRaMuTeQ foi utilizado para compreender a relação do termo “algebra” com o novo corpus textual. Esse processo buscou apontar os textos em que o termo “algebra” tinha maior ou menor relevância. Por exemplo, o texto “City Superintendent Maxwell of New York”, do volume 27, de 1904, possui relação negativa (–2) com o termo e nele é possível observar que a palavra “algebra” é citada apenas duas vezes em um texto com 6.393 palavras, o que denota que ele não se debruça sobre uma discussão acerca da álgebra, apenas a menciona. Em contrapartida, o texto “Algebra in Elementary School”, do volume 28, de 1904, possui relação positiva (+5), sendo os termos “algebra” e “algebraic” citados seis vezes cada um em um texto com 1.389 palavras, o que aponta uma publicação mais centrada nesse assunto. A partir do gráfico a seguir (Fig. 3), nota-se queo termo se relaciona positivamente com quinze das 34 publicações, indicando que nelas se pode observar uma presença maior e, assim, relevância na discussão acerca da álgebra.

Figura 3
Gráfico da relação do termo “algebra” com o novo corpus textual.

Esse processo, contudo, não é à prova de falhas. Por exemplo, dois textos de editorial, sem título, do volume 4, de 1892, apontaram o maior índice de relação e isso poderia levar o leitor a pensar que tais textos são voltados a discussões aprofundadas acerca do tema. No entanto, pode-se observar que possuem três menções ao termo “algebra” e que um deles também cita, uma vez, o termo “algebraic”, sendo que possuem 162 e 175 palavras cada um, o que indica que seu alto índice de relação se dá pela proporção da quantidade dos termos relativa à quantidade total de palavras. Os textos ainda são voltados a álgebra, mas, por não serem longos, sua discussão não se aprofunda sobre o tema. Dessa forma, para constituir um conjunto de publicações que representem melhor as discussões acerca da álgebra no ensino elementar na revista Educational Review, o processo anterior foi refeito com os dezenove textos que seriam excluídos em virtude de sua relação negativa com o termo “algebra”, na busca por artigos desse conjunto que pudessem apresentar maior relação com o termo. Como a Fig. 4 destaca, apenas um texto sobressai aos outros (“Reform in the grammar schools”) ao aplicarmos esse segundo filtro, de forma que pensamos ser necessário incluí-lo no conjunto de publicações para análise.

Desse modo, um sub corpus textual foi formado, com as dezesseis publicações que mostraram melhor relação com o termo “algebra”, ou seja, as relacionadas positivamente com esse termo (Fig. 3) e a que se ressaltou em relação às restantes (Fig. 4). Nesse sentido, é necessário salientar que todas as 34 publicações juntas mencionam o termo “algebra” 132 duas vezes, enquanto as dezesseis publicações apontadas pelo IRaMuTeQ apresentam o mesmo termo 96 vezes, ou seja, aproximadamente 73% das menções ao termo “algebra” se dão nos dezesseis textos apontados pelo software. Em outra perspectiva, isso faz com que os dezoito textos excluídos utilizem o termo “algebra”, em média, duas vezes por texto. Esse argumento, portanto, serviu como base para a constituição de um sub corpus textual que foi utilizado para o estado do conhecimento aqui proposto.

Figura 4
Gráfico da relação do termo “algebra” com os dezenove textos que seriam excluídos.

Deve-se destacar, ainda, que dez das publicações selecionadas são do fim do século XIX e, das demais, três são anteriores ao ano 1905 e três, posteriores ao ano 1913. Isso aponta, possivelmente, que as principais discussões acerca da álgebra no ensino elementar estadunidense ocorreram no fim do século XIX e nos primeiros anos do século XX, o que vai ao encontro do que é apresentado por Rodriguês e Costa (2019), visto que, no fim do século XIX, seria possível observar um movimento a favor da inserção da álgebra no ensino elementar naquele país.

A partir do sub corpus, uma análise textual foi realizada, utilizando as ferramentas de análise léxica do IRaMuTeQ para buscar o que se pode concluir acerca das publicações e das discussões nelas apresentadas por meio dos resultados apontados pelo software. Na Tabela 1, são apresentados os dezesseis artigos que constituíram essa análise.

Tabela 1
As publicações que constituem o sub corpus textual.

Análise Textual com o Auxílio do Software IRaMuTeQ

Com o sub corpus de metadados, obteve-se uma AFC dos segmentos de texto, que apresenta como resultado “uma visualização gráfica e aproximações, oposições e tendências dos segmentos de texto ou das classes; localizando esses elementos em um gráfico Cartesiano” (BIENEMANN et al., 2020BIENEMANN, B. et al. Self-reported negative outcomes of psilocybin users: a quantitative textual analysis. PLoS ONE, San Francisco, v. 15, n. 2, p. 1-14, 2020. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0229067
https://doi.org/10.1371/journal.pone.022...
, p. 3). Na AFC, não foi possível apontar indicações quanto à álgebra, o que se deu pelo fato de que a publicação “Committee of Fifteen” dificulta a análise léxica por dois motivos: 1) o texto dessa única publicação possui mais páginas do que todas as outras quinze juntas, fazendo com que introduza muito mais palavras para análise; 2) a discussão apresentada no artigo se estende a diversas áreas de ensino, visto que é um relatório de uma comissão que deveria propor a reformulação do ensino elementar, fazendo com que os termos variem muito. Desse modo, uma nova AFC, presente na imagem a seguir, foi elaborada, sem levar o artigo “Committee of Fifteen” em consideração. Nela, observa-se a proximidade dos termos “equação” (equation) e “solução” (solution), além de outros, como “algébrico”, “abreviação” (abbreviation) e “x”, originalmente na cor vermelha, com o termo “escola elementar” (elementary school), na cor roxa.4 4 As cores aqui relatadas são as apresentadas pelo software IRaMuTeQ para a melhor compreensão da relação de termos com categorias (que são divididas em cores) e são utilizadas no decorrer do texto e em outros resultados gráficos do software. Por mais que aqui as cores não possam ser observadas, acredita-se ser relevante a menção dessas para o leitor. Essa aproximação dos termos na AFC indica que, nas publicações da revista, as discussões acerca do ensino elementar abarcavam também temas da álgebra, como equação e solução, apontando para um provável ensino dessa matéria em tal nível escolar.

Figura 5
AFC gerada com o sub corpus.

Em seguida, foi realizada a CHD do sub corpus, com todas as dezesseis publicações, na qual foi possível observar uma divisão em cinco classes. “As palavras contidas em cada classe apontam para a relação de proximidade do significado existente entre elas” (SILVA; FIÚZA; PINTO, 2019SILVA, M. D. C.; FIÚZA, A. L. C.; PINTO, N. M. A. The paradigmatic field of usage of the theoretical category of pluriactivity in Brazil. Ciência Rural, Santa Maria, v. 49, n. 5, p. 1-12, 2019. https://doi.org/10.1590/0103-8478cr20180660
https://doi.org/10.1590/0103-8478cr20180...
, p. 7, tradução nossa). Desse modo a CHD divide o sub corpus textual em classes, diferenciadas por cores referentes à AFC, estabelecendo uma hierarquia e relações entre as classes observadas, a partir da “proximidade léxica e semântica dos assuntos” (TORVISCO; CHINEA, 2020TORVISCO, J. M.; CHINEA, S. Immigrants and refugees: two sides of the same problem. A linguistic analysis through newspapers and social network in Spain 2006 and 2015. International Review of Sociology, Abingdon, v. 30, n. 1, p. 71-89, 2020. https://doi.org/10.1080/03906701.2020.1724370
https://doi.org/10.1080/03906701.2020.17...
, p. 80). Nesse sentido, de acordo com Bienemann et al., a CHD tem como objetivo “aglomerados de palavras com significados específicos, resultantes da semelhança, associação e frequência de seus vocabulários” (2020, p. 3, tradução nossa). Tal argumento corrobora com Camargo e Justo, quando discorrem que, na CHD, “os seguimentos de texto são classificados em função dos seus respectivos vocabulários, e o conjunto deles é repartido em função da frequência das formas reduzidas” (2013bCAMARGO, B. V., JUSTO, A. M. Tutorial para uso do software de análise textual Iramuteq. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2013b. Disponível em: www.iramuteq.org/documentation/fichiers/tutoriel-en-portugais. Acesso em: 1 jun. 2020.
www.iramuteq.org/documentation/fichiers/...
, p. 10).

Na Fig. 6, as cinco classes são apresentadas. Segundo Silva, Fiúza e Pinto, “não são apenas as palavras pertencentes a uma classe que indica a aproximação do significado entre elas, mas também as próprias classes, em relação umas às outras, têm diferentes níveis de aproximação” (2019, p. 7-8, tradução nossa). Na Fig. 6, também se pode notar que a análise textual separa o texto em dois ramos, apontando uma relação entre as classes 1 (na cor vermelha) e 4 (na cor azul), bem como que elas se relacionam e são subordinadas à classe 5 (na cor roxa). Nota-se, também, uma relação entre as classes 2 e 3.

Figura 6
CHD elaborada a partir do sub corpus e as cinco classes formadas.

Assim, no que se pode observar, a classe 1 se constitui por termos relacionados ao ramo do ensino, como conteúdos e processos, e a classe quatro tem a presença dos termos “álgebra”, “equação”, “solução” e “quadrática” (quadratic), a partir do que a classe poderia ser nomeada temas da álgebra-matemática. A conexão entre as classes, portanto, aponta uma relação entre os termos da classe 4 com a classe 1, denominada aqui temas de ensino e linguagem, como “linguagem” (language), “aula” (lesson) e “ano” (year). De modo semelhante, os termos presentes na classe 5, temas do âmbito escolar, principalmente destacada por “escola graduada”, denotam a relação dessa com as classes 1 e 4, indicando uma possível relação entre a “escola graduada” e a “álgebra”. Com isso, a CHD indica uma possível discussão acerca de conteúdos da álgebra para o ensino elementar, na escola graduada, nas discussões da revista Educational Review.

Como apontado por (BASTROS FILHO et al., 2017), o IRaMuTeQ também permite que se observe a relação dos textos analisados com as classes constituídas a partir do CHD. Assim, pode-se observar a concentração de assuntos e a incidência dos textos nas classes da cor em que são representados. Com isso, em relação à classe 4, os principais textos são “Algebra in Elementary School”, “The Superintendent and The Course in Arithmetic” e o texto sem título publicado no volume 59 (1920). De forma análoga, as classes 2 e 3, nas cores cinza e verde no CHD (Fig. 6), estão vinculadas principalmente ao que está presente nas discussões dos textos “Geometry in the Elementary School” e “Committee of Fifteen”, respectivamente. Isso não significa, contudo, que esses textos não se relacionem com as outras classes, uma vez que todos apresentam discussões sobre álgebra, por exemplo.

Além disso, o CHD também permite gerar um texto destacando a concordância de um termo com sua classe e classificação ou com todos os segmentos de texto do corpus utilizado. A imagem (Fig. 7) a seguir exemplifica parte do resultado apresentado pelo software.

Figura 7
Fragmento do texto de concordância para o termo “algebra”.

A concordância do termo “algebra”, com todos os segmentos, apontou, resumidamente,5 5 A decisão por se trazer um resumo do que pode ser observado se dá pelo fato de que o texto gerado possui oito páginas e muitos discursos acabam se repetindo nos diferentes textos. para os seguintes temas acerca do ensino elementar: a introdução da álgebra na escola graduada e nos últimos anos do ensino elementar foi o tema mencionado na maioria das publicações (EDITORIAL, 1892aEDITORIAL. Educational Review, Birmingham, v. 3, p. 308-309, 1892a., 1892bEDITORIAL. Educational Review, Birmingham, v. 4, p. 99-100, 1892b., 1892cEDITORIAL. Educational Review, Birmingham, v. 4, p. 416, 1892c., 1893aEDITORIAL. Educational Review, Birmingham, v. 5, p. 103-104, 1893a., 1893bEDITORIAL. Educational Review, Birmingham, v. 5, p. 308-309, 1893b., 1894EDITORIAL. Educational Review, Birmingham, v. 7, p. 207, 1894.; HART, 1892HART, A. B. Reform in the grammar schools an experiment at Cambridge, mass. Educational Review, Birmingham, v. 4, p. 253-269, 1892.; HARRIS et al., 1895HARRIS, W. T. et al. Report of the sub-committee on the correlation of studies in elementary education. Educational Review, Birmingham, v. 9, p. 230-303, 1895.; DOUGHERTY, 1899DOUGHERTY, N. C. The value of latin and algebra in the eighth school year. Educational Review, Birmingham, v. 17, p. 178-181, 1899.; STUART, 1901STUART, G. A. The relations between high schools and elementary schools. Educational Review, Birmingham, v. 22, p. 405-409, 1901.; EVANS, 1904EVANS, G. W. Algebra in elementary schools. Educational Review, Birmingham, v. 28, p. 305-309, 1904.; COLLINS, 1904COLLINS, J. V. The superintendent and the course in arithmetic. Educational Review, Birmingham, v. 27, p. 83-89, 1904.); discussão sobre a Álgebra do sétimo ano do ensino elementar dever utilizar letras para representar quantidades desconhecidas, apenas utilizando valores para denotar soluções (HARRIS et al., 1895HARRIS, W. T. et al. Report of the sub-committee on the correlation of studies in elementary education. Educational Review, Birmingham, v. 9, p. 230-303, 1895.); equações e problemas concretos deveriam fazer parte do ensino de álgebra na instrução elementar (EVANS, 1904EVANS, G. W. Algebra in elementary schools. Educational Review, Birmingham, v. 28, p. 305-309, 1904.); a álgebra do ensino elementar teria caráter introdutório, uma álgebra elementar, para preparar o estudante para a álgebra do ensino secundário (HARRIS et al., 1895HARRIS, W. T. et al. Report of the sub-committee on the correlation of studies in elementary education. Educational Review, Birmingham, v. 9, p. 230-303, 1895.); a álgebra ensinada no fim da instrução elementar deveria se relacionar com a aritmética (EDITORIAL, 1894EDITORIAL. Educational Review, Birmingham, v. 7, p. 207, 1894.; DOUGHERTY, 1899DOUGHERTY, N. C. The value of latin and algebra in the eighth school year. Educational Review, Birmingham, v. 17, p. 178-181, 1899.; HART, 1892HART, A. B. Reform in the grammar schools an experiment at Cambridge, mass. Educational Review, Birmingham, v. 4, p. 253-269, 1892.; EVANS, 1904EVANS, G. W. Algebra in elementary schools. Educational Review, Birmingham, v. 28, p. 305-309, 1904.); e a resolução de problemas de aritmética seria facilitada com o auxílio da álgebra (HARRIS et al., 1895HARRIS, W. T. et al. Report of the sub-committee on the correlation of studies in elementary education. Educational Review, Birmingham, v. 9, p. 230-303, 1895.; EVANS, 1904EVANS, G. W. Algebra in elementary schools. Educational Review, Birmingham, v. 28, p. 305-309, 1904.); a relação entre a aritmética e a álgebra, a partir das propriedades de multiplicação de números e multiplicação de polinômios, por exemplo (COLLINS, 1904COLLINS, J. V. The superintendent and the course in arithmetic. Educational Review, Birmingham, v. 27, p. 83-89, 1904.); álgebra como instrumento para a generalização e aritmética para a particularização (HARRIS et al., 1895HARRIS, W. T. et al. Report of the sub-committee on the correlation of studies in elementary education. Educational Review, Birmingham, v. 9, p. 230-303, 1895.); deveria haver ênfase ao ensino de propriedades de cancelamento e fatoração, uma vez que tais saberes seriam úteis na aritmética e na álgebra (HARRIS et al., 1895HARRIS, W. T. et al. Report of the sub-committee on the correlation of studies in elementary education. Educational Review, Birmingham, v. 9, p. 230-303, 1895.); e a relação do ensino de álgebra com a geometria, por meio do uso de vetores (SLOCUM, 1917SLOCUM, S. E. Geometry in the elementary school. Educational Review, Birmingham, v. 54, p. 230-303, 1917.).

Ao realizar o mesmo procedimento com o termo “equação”, o texto de concordância aponta, além do que já foi dito, que há posições contrárias quanto ao conteúdo de equações do segundo grau ser apresentado no ensino elementar ou secundário (HARRIS et al., 1895HARRIS, W. T. et al. Report of the sub-committee on the correlation of studies in elementary education. Educational Review, Birmingham, v. 9, p. 230-303, 1895.; EDITORIAL, 1895EDITORIAL. Educational Review, Birmingham, v. 10, p. 508-509, 1895.); que a ideia de operação inversa, que é realizada nos dois lados da igualdade, é apresentada na resolução de equações (EVANS, 1904EVANS, G. W. Algebra in elementary schools. Educational Review, Birmingham, v. 28, p. 305-309, 1904.); que deveria haver familiaridade com símbolos e expressões algébricas na resolução de equações simples vinculadas com o ensino de aritmética (EVANS, 1904EVANS, G. W. Algebra in elementary schools. Educational Review, Birmingham, v. 28, p. 305-309, 1904.); que a resolução de problemas por equação não deveria ser posterior a uma discussão sobre equações (EVANS, 1904EVANS, G. W. Algebra in elementary schools. Educational Review, Birmingham, v. 28, p. 305-309, 1904.); que a repetição do processo de resolução de problemas com equações deveria ser realizada somente o suficiente para dominar os procedimentos práticos (NOTES AND NEWS, 1920NOTES AND NEWS. Educational Review, Birmingham, v. 59, p. 445-446, 1920.); que, no sétimo ano, deveria ser ensinado o conteúdo de equações do primeiro grau, bem como a solução de problemas de aritmética que utilizam proporção e regra de três (HARRIS et al., 1895HARRIS, W. T. et al. Report of the sub-committee on the correlation of studies in elementary education. Educational Review, Birmingham, v. 9, p. 230-303, 1895.); que, no oitavo ano, deveriam ser ensinadas equações do segundo grau e a solução de problemas avançados de aritmética de maneira mais satisfatória (HARRIS et al., 1895HARRIS, W. T. et al. Report of the sub-committee on the correlation of studies in elementary education. Educational Review, Birmingham, v. 9, p. 230-303, 1895.).

Figura 8
AFC gerada a partir do CHD, destacando o agrupamento das classes.

A partir da CHD, também foi possível a visualização de outra AFC, na qual as classes apontadas pela CHD são distribuídas em um plano cartesiano, apresentando a aproximação dos termos da classe. No canto superior direito da imagem, nota-se que os termos “equação”, “algébrico”, “solução”, “polinômio” (polynomial), “quadrática” e “desconhecido” (unknown), além dos termos “oitavo” (eighth) e “sétimo” (seventh), estão agrupados, indicando uma discussão da álgebra, principalmente, voltada para valor desconhecido/incógnita, equações e suas soluções, expressões algébricas e polinômios. Então, no caso de um debate desenvolvido no âmbito do ensino elementar, possivelmente voltado para o sétimo e oitavo anos da época, esses devem ser os conteúdos presentes no que tange o ensino de álgebra.

O Que, Além Disso, é Observado Através da Leitura do Sub Corpus Textual

A leitura dos textos, feita aqui na busca por temas que pudessem ter “fugido” da análise textual feita com o uso do IRaMuTeQ, permitiu que se observassem alguns temas secundários, mas que se relacionavam com a álgebra de algum modo. O primeiro desses temas foi a discussão acerca da continuidade do ensino. Sob a perspectiva da Comissão dos Quinze (HARRIS et al., 1895HARRIS, W. T. et al. Report of the sub-committee on the correlation of studies in elementary education. Educational Review, Birmingham, v. 9, p. 230-303, 1895.), o estudo da álgebra poderia se desencadear, no progresso escolar, permitindo que estudantes que usualmente seriam limitados ao ensino elementar, sob o argumento de falta de preparação, tivessem acesso à instrução secundária. Segundo Dougherty (1899)DOUGHERTY, N. C. The value of latin and algebra in the eighth school year. Educational Review, Birmingham, v. 17, p. 178-181, 1899., um dos membros da Comissão dos Quinze,6 6 Contudo, Dougherty não é autor do relatório da subcomissão de correlação de estudos, mas sim da subcomissão de formação de professores. deveria existir uma articulação entre os diferentes estágios da escolarização, de forma que o ensino fosse “contínuo” e que fosse mais aparente a conexão entre seus conteúdos. O autor ainda aponta que

O progresso dos estudos deveria ser um desenvolvimento contínuo. O trabalho de cada ano deveria ter em perspectiva os anos seguintes. […] Os estudos avançados deveriam ser a continuação de um trabalho ao qual o estudante está familiarizado, e ele deve saber, [...] pelo seu próprio reconhecimento, que os novos ramos do ensino se relacionam com os antigos

(DOUGHERTY, 1899DOUGHERTY, N. C. The value of latin and algebra in the eighth school year. Educational Review, Birmingham, v. 17, p. 178-181, 1899., p. 178).

Já no artigo de Collins (1904)COLLINS, J. V. The superintendent and the course in arithmetic. Educational Review, Birmingham, v. 27, p. 83-89, 1904., que se debruça sobre a aritmética no ensino elementar, o autor destaca a circulação de ideias estrangeiras no âmbito estadunidense e a possível influência delas sobre as propostas para o ensino.

Assim, o último tema encontrado é a dificuldade de aprendizagem, dado que, segundo Wilson (1913)WILSON, T. L. The gap between the elementary and the secondary school. Educational Review, Birmingham, v. 46, p. 295-299, 1913., existia uma grande lacuna entre o ensino elementar e o secundário. Nesse sentido, a partir das respostas de pais e professores, a autora indica que “o cerne de todas as respostas é o mesmo: a incapacidade de se ajustar a mente para os estudos que aparentam divergir fundamentalmente daqueles que o estudante está familiarizado. Esta é a lacuna” (WILSON, 1913WILSON, T. L. The gap between the elementary and the secondary school. Educational Review, Birmingham, v. 46, p. 295-299, 1913., p. 296). A solução para isso seria o ensino de inglês, uma vez que a dificuldade dos estudantes estaria relacionada com a falta de habilidade para compreender o que liam ou de expressar seus pensamentos pela linguagem. A respeito da álgebra, Wilson (1913)WILSON, T. L. The gap between the elementary and the secondary school. Educational Review, Birmingham, v. 46, p. 295-299, 1913. aponta que a dificuldade do estudante estaria em conseguir transitar e associar a linguagem escrita e as suas formas matemáticas correspondentes. Isso permite compreender melhor a relação apresentada pelo CHD, na Fig. 6, entre as classes temas da álgebra-matemática e temas de ensino e linguagem.

De forma semelhante, Slocum aponta que a geometria seria a ponte entre o discreto e o contínuo, uma vez que ajudaria a superar “a principal dificuldade encontrada ao se passar da aritmética para a álgebra, e também para desenvolver o conceito de função [...]” (1917, p. 268). Desse modo, o raciocínio geométrico deveria convencer o estudante dos resultados sem a necessidade do real, da medição, ou seja, na busca pelo desenvolvimento do pensamento generalizado.

Portanto, a leitura permitiu observar que as ideias em circulação presentes nos volumes da revista são, de maneira geral, de uma álgebra introdutória para a instrução elementar, mais precisamente nos últimos anos da escola graduada. Além disso, essa álgebra estaria voltada ao ensino e à resolução de equações e sistemas lineares com duas incógnitas, de forma a aplicá-los na resolução de problemas complexos de aritmética. A presença do ensino de equações do segundo grau na instrução elementar traz opiniões contraditórias, mas a necessidade desse conteúdo na formação de professores (EDITORIAL, 1895EDITORIAL. Educational Review, Birmingham, v. 10, p. 508-509, 1895.) vai ao encontro da posição da Comissão dos Quinze (HARRIS et al., 1895HARRIS, W. T. et al. Report of the sub-committee on the correlation of studies in elementary education. Educational Review, Birmingham, v. 9, p. 230-303, 1895.), ao propor que ele seja ensinado no último ano do ensino elementar. Por fim, esse ensino também possibilitaria não só uma melhor formação do estudante, imbuindo-lhe de conhecimentos aos quais, anteriormente, só o secundarista teria acesso, mas também possibilitando a continuidade do ensino.

Considerações Finais

Neste trabalho, propôs-se a realização de um estado do conhecimento histórico, a partir do uso do software IRaMuTeQ para a análise das discussões acerca da inserção da álgebra no ensino elementar estadunidense, com base nas publicações realizadas na revista norte-americana Educational Review. Para isso, foi necessário realizar uma busca pelas publicações da revista e uma primeira seleção dos artigos que abordassem os dois cernes da discussão, a álgebra e o ensino/escola elementar/graduada/primária, o que resultou em um conjunto de 35 textos.

O uso do IRaMuTeQ não se deu apenas para a análise textual, mas, anteriormente, também para a seleção feita sobre os textos encontrados, de forma a melhor determinar aqueles que contribuiriam para a discussão pretendida. A partir dos resultados obtidos com o uso do software, foram estabelecidos os textos que apresentavam maior predominância quanto ao termo “algebra”. Dessa forma, um corpus textual foi formado, com dezesseis publicações da revista, entre 1892 e 1920.

Para a análise textual, o IRaMuTeQ foi utilizado com o propósito de um estado do conhecimento histórico, sob o viés da história da educação matemática, de forma a reconstituir as discussões de uma época e o conhecimento disseminado, bem como mostrar a potencialidade do software nesse processo. A partir da análise textual, foi possível perceber que as ferramentas estatísticas do programa ressaltam termos que nos ajudam a compreender as discussões de uma álgebra para o ensino elementar, como a abreviação (algébrica), polinômios e a resolução de equações. Com a leitura de Harris et al. (1895)HARRIS, W. T. et al. Report of the sub-committee on the correlation of studies in elementary education. Educational Review, Birmingham, v. 9, p. 230-303, 1895., foi possível perceber, contudo, que nem todas as posições acerca do conteúdo de equações do segundo grau eram favoráveis ao posicionamento apresentado pela Comissão dos Quinze.

Ainda assim, é possível constatar que as discussões da época tenderam à inserção de uma introdução à álgebra no ensino elementar, de forma a preparar melhor o estudante. Essa álgebra teria como foco os conteúdos de equações do primeiro e segundo graus, bem como a possibilidade de sistemas de duas incógnitas. Suas aplicações teriam como objetivo uma perspectiva de que a álgebra seria complementar à aritmética, de forma a auxiliar na resolução de problemas complexos, que antes dependeriam de raciocínios aritméticos extensos e exaustivos.

Por fim, deve-se ressaltar que o uso do IRaMuTeQ possibilitou análises que apontaram resultados contundentes com o que se observa a partir da leitura dos textos, indicando assim que a utilização do programa pode ser promissora no desenvolvimento de revisão bibliográfica, estado do conhecimento ou estado da arte. Contudo, é claro que elementos podem ser deixados de lado na análise textual a partir do software, principalmente por caber ao pesquisador interpretar os resultados apresentados. Desse modo, advoga-se que o uso das duas metodologias – a leitura dos textos e a análise com o IRaMuTeQ – seria a melhor perspectiva a ser adotada do que utilizar apenas uma ou outra, uma vez que elas podem ser complementares. Em linha de síntese, as pesquisas do tipo estado da arte ou estado do conhecimento parecem constituir uma vertente profícua de pesquisas realizadas no âmbito das “humanidades digitais”.

Notas

  • 1
    Após a publicação na revista, o relatório também foi enviado para editoras que tivessem interesse em publicar o material (RODRIGUÊS; COSTA, 2019RODRIGUÊS, J. S.; COSTA, D. A. A Comissão dos Quinze e os primeiros movimentos acerca do ensino da álgebra na escola primária brasileira. Acta Scientiae, Canoas, v. 21, n. 6, p.150-172, 2019. https://doi.org/10.17648/acta.scientiae.5450
    https://doi.org/10.17648/acta.scientiae....
    ).
  • 2
    Essa modalidade “associa textos com variáveis, ou seja, possibilita a análise da produção textual em função das variáveis de caracterização” (CAMARGO; JUSTO, 2013bCAMARGO, B. V., JUSTO, A. M. Tutorial para uso do software de análise textual Iramuteq. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2013b. Disponível em: www.iramuteq.org/documentation/fichiers/tutoriel-en-portugais. Acesso em: 1 jun. 2020.
    www.iramuteq.org/documentation/fichiers/...
    , p. 10).
  • 3
    Disponível em: https://archive.org/search.php?query. Acesso em: 1 jun. 2020.
  • 4
    As cores aqui relatadas são as apresentadas pelo software IRaMuTeQ para a melhor compreensão da relação de termos com categorias (que são divididas em cores) e são utilizadas no decorrer do texto e em outros resultados gráficos do software. Por mais que aqui as cores não possam ser observadas, acredita-se ser relevante a menção dessas para o leitor.
  • 5
    A decisão por se trazer um resumo do que pode ser observado se dá pelo fato de que o texto gerado possui oito páginas e muitos discursos acabam se repetindo nos diferentes textos.
  • 6
    Contudo, Dougherty não é autor do relatório da subcomissão de correlação de estudos, mas sim da subcomissão de formação de professores.
  • Número temático organizado por Wagner Rodrigues Valente
  • *
    O presente trabalho foi realizado com apoio do Programa de Bolsas Universitárias de Santa Catarina para Pós-graduação, do Fundo de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior, vinculado à Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina, bem como com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil. Código de Financiamento 001.

Documentos Analisados

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Editado por

Editoras Associadas:

Alessandra Arce Hai e Ana Clara Bortoleto Nery

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Set 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    16 Nov 2020
  • Aceito
    06 Maio 2021
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