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A FORMAÇÃO DOS ALUNOS DE ARTE PARA ATUAR EM CONTEXTOS PLURAIS

ART STUDENT PREPARATION FOR WORKING IN PLURAL CONTEXTS

RESUMO

Este texto apresenta resultados de um estudo documental sobre relatórios da prática de alunos da Licenciatura em Artes Visuais, com relatos de experiência que fundamentam escolhas metodológicas, em um espaço socializado sobre a diversidade de campos de atuação para o professor de arte, promovendo um campo reflexivo sobre decisões pedagógicas, evidenciando possibilidades de leitura dos contextos sociais em espaços de ensino não formais, atendendo um público diverso e hetorogêneo.

Palavras-chave
Artes Visuais; Metodologia de ensino; Formação de professores; Ensino não formal; Pluralidade

ABSTRACT

This text presents the results of a documentary study on practicum reports of undergraduate Art Education students. The reports of the experiences reveal their methodological choices in the socialized space in which they share their views on the diversity of practicum fields for art teaching. This coming together promoted an area for reflection about their pedagogical decisions, as evidence of ways to broaden the analysis of social contexts in nonformal art teaching places, in order to consider a heterogeneous public.

Keywords
Visual Arts; Teaching methodology; Teacher development; Informal education; Plurality

Introdução

A Arte e o seu ensino cabem em qualquer lugar, a qualquer hora e se destinam a todos, bastando que exista a inclinação real de fazer Arte, de fruir a Arte. Este texto procura demonstrar, a partir da experiência do estágio supervisionado em Artes Visuais em espaços não formais na Faculdade de Artes do Paraná (FAP) da Universidade Estadual do Paraná (Unespar) em Curitiba, que a atuação de alunos estagiários em ateliês de arte, organizações não governamentais (ONGs), associações de bairro, hospitais, casas de repouso, museus, galerias, bibliotecas, teatros, entre outros, promove reflexões sobre o papel da Arte em múltiplos contextos sociais.

A formação dos professores no curso de licenciatura deve ser pautada nas necessidades educacionais, no contexto onde a universidade está inserida, mas deve ser pensada tendo em vista a formação de profissionais capazes de enfrentar situações que podem ir das cotidianas as mais inesperadas e inusitadas. O professor deve ser capaz de fazer reflexões sobre o que o cerca, e transformar suas impressões em avanços para a educação que propõe. É no estágio supervisionado que os futuros professores, ainda no percurso de sua formação nas licenciaturas, entram em contato com as diferentes realidades do ensino e podem colocar em prática as teorias e métodos de ensino que aprenderam.

O presente estudo apresenta resultados parciais da tese de doutorado da autora realizada no Instituto de Artes da Unicamp (PIZZA, 2020PIZZA, D. G. A disciplina de estágio supervisionado e o fazer artístico: contribuições para a formação de professores de Artes Visuais. 2020. Tese (Doutorado) – Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2020.), sendo que o objeto da pesquisa foi o Estágio Supervisionado em Artes Visuais do Curso de Artes Visuais da FAP. Nessa disciplina de estágio obrigatório, os campos de estágio são espaços fora do ambiente escolar institucional da educação básica de ensino. Para o presente texto foram selecionados três segmentos de relatórios de estágio de alunos do 4º ano do Curso de Artes Visuais Noturno, realizados em um período anterior à pandemia, de 2007 a 2015, nos quais os autores descrevem propostas executadas e os resultados obtidos, evidenciam o emprego dos conceitos e métodos apresentados durante o curso, e refletem sobre as especificidades do campo de ensino não formal. Segundo Almeida e Pimenta (2014)ALMEIDA, M. I.; PIMENTA, S. G. (orgs.). Estágios supervisionados na formação docente: educação básica e educação de jovens e adultos. São Paulo: Cortez, 2014., é preciso pensar no estágio em relação ao local em que é realizado, e a forma como é conduzido, levando em conta abordagens e metodologias de ensino e os fenômenos educacionais que compõem esse contexto.

O que se pretendeu com a análise dessas fontes foi a percepção das formas de apropriação pelos sujeitos dos saberes necessários para atuar, compreendendo esses sujeitos o universo dos alunos estagiários do curso de artes visuais da FAP no período da pesquisa e alunos/comunidade atendidos pelos estagiários durante os estágios, onde os estagiários puderam ter contato com a diversidade e múltiplas formas de aprender, ensinar e produzir a Arte e a Cultura. Para o estudo da tese, foram analisados 77 relatos de estágio; dentre eles selecionamos três exemplos para compor este texto, nos quais ficam muito evidentes as adaptações das metodologias e abordagens a públicos diferenciados e as possibilidades de inserção do fazer artístico em ambientes que diferem do ambiente escolar. Cabe ressaltar a importância das experiências pessoais na formação de futuros professores ao afetar sua capacidade e modo de agir, com base nas experiências obtidas (ZABALZA, 2014ZABALZA, M. A. O estágio e as práticas em contextos profissionais na formação universitária. São Paulo: Cortez, 2014.).

A possibilidade de atuar com uma clientela diversa e muitas vezes não usual aos cursos de licenciatura, deu aos alunos a chance de pôr em prática procedimentos metodológicos que integram as práticas mais comuns nas escolas, bem como oportunizou o trabalho com metodologias e abordagens menos utilizadas, mas também os levou a criarem e adaptarem novas estratégias coerentes com os participantes para incentivar seu envolvimento com as Artes Visuais, o desenvolvimento de trabalhos práticos e a fruição estética.

Entende-se que essa problemática gerou a necessidade de produzir uma análise do que se apresentou em um dado momento histórico da Disciplina de Estágio Supervisionado na FAP. Colocou foco na importância de observar a qualidade da formação docente, que se reflete principalmente na educação básica. Ao propor a análise da Disciplina de Estágio Supervisionado na FAP, a partir de seus aspectos históricos, legais e teóricos, colocamo-nos diante da importância de estudar a construção dos saberesde dos futuros professores de Artes Visuais e as formas de apropriação destes saberes teóricos e práticos.

As realidades educacionais com as quais convivemos demonstraram que aquilo que o aluno aprende na sua formação na licenciatura deve subsidiar de fato suas ações futuras, sabendo que o mercado de trabalho do professor se constitui de pessoas, e que estas estão inseridas em diferentes realidades sociais, econômicas e culturais. Sendo assim, a ação docente bem executada e preferencialmente prazerosa passa obrigatoriamente por uma boa formação acadêmica.

O Estágio Supervisionado do Curso de Artes Visuais é justamente um espaço de reflexão sobre as relações entre a teoria e a prática pedagógica ao descrever as concepções implícitas na vivência dos estagiários nos diferentes campos.

Ao adentrar nos relatórios dos alunos, buscou-se revelar a elaboração de um fazer artístico criativo que atendia às necessidades específicas de cada clientela nos campos de estágio, pensando de forma a personalizar os processos educacionais e as características da criação, da concepção estética e das formas lúdicas que o ensino da arte pode ter.

Isso levou então à discussão sobre a formação do professor de Artes Visuais e à construção de seu repertório teórico, tendo em vista as formas de desenvolvimento do estágio de docência obrigatório, disciplina de formação para os futuros professores em relação a sua formação artística e cultural.

Assim, entende-se que a Disciplina de Estágio Supervisionado é um componente curricular não apenas obrigatório para a formação docente, mas vital para o desenvolvimento de um profissional da educação. Esse profissional deverá ser capaz de assimilar saberes de uma prática educacional reflexiva, construída pelo exercício e estudo realizado através de teorias especializadas que, aliadas às características sensíveis da práxis artística, podem levar a uma docência rica em saberes teóricos e experiências construídas a partir de conhecimentos obtidos anteriormente em estágios de docência.

O aluno estagiário, quando comprometido e crítico dos processos educacionais, culturais e sociais que o cercam, torna-se capaz de trazer discussões de importância para dentro das universidades, permitindo dessa forma uma revisão de conteúdos, bem como adaptação às diferentes realidades nas quais a educação está inserida e onde vem sendo desenvolvida. Trata-se de um aprendizado socializado, onde o estágio é entendido como elemento imprescindível do processo de formação docente.

Os estágios não formais apresentam possibilidades que permitem ao aluno estagiário e ao professor orientador a troca de experiências e de vivências com a comunidade em diferentes contextos educacionais, em que os estagiários podem encontrar espaços não familiares e usuais para eles. Dessa forma, amplia-se sua perspectiva educacional, levando-o a pensar a prática pedagógica de outra maneira. Tratam-se de universos que levam à aproximação entre o ensino da arte e as realidades sociais, culturais e econômicas que diferem do cotidiano das escolas e instituições formais de ensino. A prática de ateliê e o desenvolvimento de oficinas que impulsionam o fazer concreto da arte, proporcionam um aprimoramento das relações estéticas que tendem a ser repetidas, compartilhadas e ampliadas pelos estagiários na sua futura prática pedagógica, permitindo um refinamento da crítica sobre os diversos contextos sociais.

Destacam-se alguns autores utilizados como referenciais teóricos que subsidiam as práticas supervisionadas, relevantes também para a análise dos relatórios e outros documentos selecionados como objeto desta pesquisa. Ana Mae Barbosa (1986BARBOSA, A. M. Arte-Educação no Brasil: das origens ao modernismo. São Paulo: Perspectiva, 1986., 1996BARBOSA, A. M. A imagem no ensino da arte. São Paulo: Perspectiva, 1996., 2008)BARBOSA, A. M. Arte-Educação: leitura no subsolo. São Paulo: Cortez, 2008. tem, ao longo dos anos, participado da elaboração de diversos livros, abordando aspectos teóricos do ensino da arte, particularmente a história do ensino da arte no Brasil. Efland (2002)EFLAND, A. D. Una historia de la educación del arte: Tendencias intelectuales y sociales en la enseñanza de las artes visuales. Buenos Aires: Paidós, 2002. trouxe importantes reflexões históricas sobre os pressupostos do ensino das artes através de um contexto sociocultural. Também é importante citar as autoras Ferraz e Fusari (1993FERRAZ, M. H. C. T.; FUSARI, M. F. R. Metodologia do ensino de arte: Fundamentos e proposições. São Paulo: Cortez, 1993., 2001FERRAZ, M. H. C. T.; FUSARI, M. F. R. Arte na Educação Escolar. São Paulo: Cortez, 2001., 2009)FERRAZ, M. H. C. T.; FUSARI, M. F. R. Metodologia do ensino de arte: Fundamentos e proposições. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2009. que apresentam aos futuros professores aspectos do ensino da arte do ponto de vista de teorias educacionais presentes em épocas específicas como a Pedagogia Tradicional, a Pedagogia Nova, a Pedagogia Tecnicista, a Tendência Realista-Progressista e as implicações das Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 5692/71 e LDB 9394/96) no ensino da arte, em edições revisadas e apliadas, que consideramos importante leitura para a formação de professores de arte (BRASIL, 1971BRASIL. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus, e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 11 ago. 1971. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5692.htm. Acesso em: 20 julho 2020.
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, 1996)BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 20 dez. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 20 julho 2020.
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. Pimenta (2012)PIMENTA, S. G. O estágio na formação de professores: Unidade teoria e prática? São Paulo: Cortez, 2012. e Almeida e Pimenta (2014)ALMEIDA, M. I.; PIMENTA, S. G. (orgs.). Estágios supervisionados na formação docente: educação básica e educação de jovens e adultos. São Paulo: Cortez, 2014. ao falar do estágio na formação de professores. Zabalza (2014)ZABALZA, M. A. O estágio e as práticas em contextos profissionais na formação universitária. São Paulo: Cortez, 2014. que trata de contextos profissionais e a formação nas universidades. Da mesma forma citam-se Rosa Iavelberg (2003)IAVELBERG, R. Para gostar de aprender arte: sala de aula e formação de professores. Porto Alegre: Artmed, 2003. e Arslan e Iavelberg (2006)ARSLAN, L. M.; IAVELBERG, R. Ensino de arte. São Paulo: Thomson Learning, 2006. e suas discussões sobre a formação do professor de arte em seus diversos aspectos, refletindo sobre questões da atualidade educacional através de um olhar crítico. Não pode deixar de ser citada a Lei de Estágio 11.788/2008 que regulamenta as ações dos estágios em relação a instituições, estagiários e docentes orientadores e supervisores de estágio (BRASIL, 2008BRASIL. Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008. Dispõe sobre o estágio de estudantes; altera a redação do art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996; revoga as Leis nos 6.494, de 7 de dezembro de 1977, e 8.859, de 23 de março de 1994, o parágrafo único do art. 82 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e o art. 6o da Medida Provisória no 2.164-41, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 25 set. 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11788.htm. Acesso em: 20 julho 2020.
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).

Sabemos que o futuro professor de Artes Visuais deve se apropriar de questões teóricas e práticas para que, após ter assimilado muitos conhecimentos distintos, possa trazer para sua futura prática educativa, já na qualidade de professor licenciado, conceitos sobre a Arte e seu Ensino, de forma a propiciar a seus alunos interações artísticas e culturais adequadas às necessidades que estes venham a apresentar. Para tanto, entendemos que os futuros professores, agora estagiários, devem estruturar seus conhecimentos não apenas nas questões abordadas e discutidas em sala de aula, mas também em processos educacionais práticos com os quais só poderiam se relacionar a partir de conceitos obtidos em momentos da prática enquanto estagiários.

Entendemos que o estágio se configura como um campo de conhecimento, o que significa atribuir-lhe um estatuto epistemológico que supera sua tradicional redução à atividade prática instrumental. Como campo de conhecimento, o estágio se produz na interação dos cursos de formação como campo social, no qual se desenvolvem as práticas educativas.

(ALMEIDA; PIMENTA, 2014ALMEIDA, M. I.; PIMENTA, S. G. (orgs.). Estágios supervisionados na formação docente: educação básica e educação de jovens e adultos. São Paulo: Cortez, 2014., p. 9)

A educação não formal é caracterizada quando procuramos atender a objetivos de aprendizagem fora dos ambientes escolares formais, sendo que essa atividade deve ser organizada planejada e sistematizada de forma a permitir a aquisição de conhecimentos através de ações pedagógicas que acontecem fora dos limites da escola. Assim ocorre a interação entre formas do saber que são adquiridas na escola com outras formas de saber que são possíveis em ambientes onde a educação e a cultura podem se fazer presentes, já que a escola formal não é o único ambiente em que a educação pode ocorrer.

O que deve ser enfatizado é que o estágio busca complementar os estudos acadêmicos e proporcionar experiências de trabalho do mundo atual, para que os futuros professores possam desenvolver seu trabalho docente de maneira assertiva desde o início de sua vida profissional. Também se deve levar em conta que as escolas e outros espaços de educação não formal que receberem os estagiários podem ser beneficiadas com a aplicação de metodologias e atividades por vezes inovadoras e não usuais, o que pode levar a atualizações para os professores de carreira inseridos no mercado de trabalho.

O estágio, antes de mais nada, deve ser compreendido como um local de partilha, onde alunos, supervisores e orientadores de estágio compartilham as boas práticas, então o trabalho que é desenvolvido de forma colaborativa passa a ser um marcador para a trajetória dos acadêmicos.

O trabalho que os alunos estagiários desenvolvem vai reverberar no seu futuro profissional, assim, este é o momento para a criação de referências sobre as quais o aluno pode pensar em que professor quer ser. Ao construir referências e se apropriar de saberes, podem romper com visões estereotipadas e modelos antiquados, obsoletos, abrindo caminho para o novo, criando condições para práticas pedagógicas variadas, inclusivas e inovadoras.

Os 77 relatos/relatórios que foram conservados durante o período (2007 a 2015) foram elaborados durante o período do estágio seguindo um roteiro estabelecido pela instituição, passaram por correções e, após ponderação, destacaram-se alguns campos de atuação em que os estagiários trabalharam: 1) Formação e atualização de professores; 2) Educação especial; 3) Atuação com a comunidade; 4) Mediação em museus; 5) Oficinas nas dependências da FAP. A cada experiência relatada pôde ser vista uma versão do ensinar, construída no exercício do estágio, relacionando a qualificação do futuro professor de Artes Visuais ao fazer artístico, a ideias e teorias pedagógicas, levando ao aprendizado de ações flexíveis e que façam sentido para o ensinar arte que vá além da simples reprodução de conceitos e fórmulas, frequentemente apresentadas em programas educacionais.

Para fazer o recorte das práticas dos alunos que seriam contempladas neste texto, seguimos os critérios já mencionados e selecionamos três relatos/relatórios dos grupos citados.

O estágio supervisionado, aqui passa a ser entendido como o protagonista de uma formação integral do aluno da Licenciatura em Artes Visuais.

Oficina Cidades de Papel

O projeto Cidades de Papel foi desenvolvido durante todo o ano letivo; os alunos estagiários da FAP atuaram com o projeto das oficinas nos dois semestres, sendo uma clientela/público diferente em cada período trabalhado. No primeiro semestre, atenderam escolas da prefeitura em um programa que contemplou atividades para a comunidade nos finais de semana e no segundo semestre, foram atendidos alunos da FAP de séries anteriores.

As escolas participantes e os Faróis do Saber1 adjacentes a elas abrem todos os sábados e domingos para o Programa Comunidade Escola, com atividades culturais, de esporte e lazer, artesanato, cursos de empreendedorismo, inclusão digital, coral, teatro, cursos para proporcionar a geração de renda, entre outros.

Para desenvolver as oficinas, os alunos contextualizaram os tipos de moradia e o percurso histórico, antropológico e geográfico que fazem parte da elaboração e da construção dos diferentes tipos de moradias, contemplando diferentes períodos arquitetônicos e estilos artísticos. Como as oficinas foram apresentadas em primeiro lugar em escolas da prefeitura, o tema foi adaptado conforme as solicitações do Programa Comunidade Escola, com o objetivo de valorização da moradia para a comunidade atendida.

Para a realização do trabalho prático, que consistiu na elaboração de maquetes construídas em grupo, com a premissa da criatividade aliada às formas arquitetônicas estabelecidas, uniram as questões teóricas apresentadas às soluções técnicas para o uso de materiais como tipos de pintura, recorte, colagem e montagem com objetos. As oficinas foram elaboradas para serem concluídas em dois dias de trabalho, com a proposta de oferecimento nas semanas seguintes em uma escola diferente, o que gerou uma grande variedade de público atendido.

Os estagiários buscaram aliar saberes teóricos e curriculares, salientada a importância de considerarem os múltiplos saberes necessários para a formação docente, entendendo o futuro professor como um sujeito ativo na produção desses mesmos saberes (TARDIF, 2012TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 2012.).

Nas palavras dos estagiários:

Através destas oficinas conseguimos exercitar parte dos fundamentos estudados, e, neste momento, a teoria aliou-se à prática, demonstrando, assim, quanto esta etapa é enriquecedora e importante para nossa formação acadêmica e profissional. Pois o objetivo dessa experiência é observar e aplicar os conhecimentos adquiridos nas disciplinas estudadas, bem como confrontá-los com a prática pedagógica propriamente dita, buscando firmar um exercício que seja significativo, tanto para nós quanto para os participantes das oficinas”.

Oficina de Móbiles

Para desenvolver a oficina, os estagiários fizeram uma detalhada pesquisa sobre objetos tridimensionais, composição e abstracionismo. Apresentaram aos alunos imagens e conceitos da obra de Alexander Calder. Justificaram a escolha por achar que deveria haver um aprofundamento nos estudos sobre o artista e sua obra, pensando que poderiam desenvolver trabalhos interessantes sobre o tema. Posteriormente, incentivaram os participantes da oficina a fazerem esboços dos móbiles que pensavam construir, o que os levou à experimentação de materiais e posteriormente à elaboração de móbiles com materiais variados. As questões que desenvolveram sobre a Arte Cinética trouxeram elementos sobre o conceito de estrutura, do equilíbrio, da cor, da expressão, bem como de configuração, ritmo, tempo e movimento,

Cabe aqui falar que os alunos estagiários que desenvolveram a proposta demonstraram não só muita capacidade para o exercício da docência, mas também desenvolveram um consistente trabalho em poéticas visuais. Essa iniciativa proporcionou aos alunos participantes da oficina momentos de muita aprendizagem relacionada a um material previamente pesquisado e construído.

A oficina de móbiles permitiu aos estagiários contemplarem conhecimentos de diferentes disciplinas do curso, construídos durante anos de trabalho. O estágio é uma importante oportunidade de articulação das várias disciplinas do curso, entendendo que a atividade do futuro professor está ligada à capacidade de articular teoria e prática, estabelecer finalidades e intervenções nos objetos do trabalho pedagógico, relevantes e necessárias (PIMENTA, 2012PIMENTA, S. G. O estágio na formação de professores: Unidade teoria e prática? São Paulo: Cortez, 2012.). Ser capaz de articular conhecimentos adquiridos em múltiplas disciplinas demonstra o papel do estágio, e quanto é possível aprender relacionando conhecimentos adquiridos e a prática pedagógica dos estagiários.

Nas palavras dos estagiários:

“Entre os planos e o resultado, precisamos entender que nossos desenhos também não se concretizariam como havia sido planejado no papel, mas que funcionariam de maneira independente, movendo-se de acordo com as ações e expectativas de nossos alunos. Nesse processo, foi necessário o equilíbrio entre ensinar e deixar experimentar, entre interferir e possibilitar o aparecimento das ideias e das identidades deles nos móbiles que penduravam pela sala. O espaço foi, portanto, essencial em nosso trabalho. O espaço foi tomado pela dança dos móbiles, por ferramentas, por prazeres de aprender, por tentativas mal e bem sucedidas. [...] Vieram as dificuldades, as ausências e as dúvidas, mas também vieram os acertos e a felicidade da criação, e com ela sentimos o peso da responsabilidade de ensinar.”

Oficina Públicos de Museu: Estratégias de Mediação

Os alunos consideraram que a formação de público para museus é um ponto imprescindível e que, sendo assim, a preparação de educadores aptos para trabalharem com a educação em museus deve ser tratada com atenção. Formalizaram, então, uma proposta de apresentar uma oficina a alunos de cursos de graduação para proporcionar o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades relativos à mediação em museus e espaços expositivos, para atuação no contexto da educação não formal. Procuraram ofertar a estudantes de licenciatura, professores de escola pública e educadores de museu, uma possibilidade para desenvolverem ou aprimorarem habilidades iniciais para a realização de atividades de mediação, entendendo que: “A arte tem enorme importância na mediação entre os seres humanos e o mundo, apontando um papel de destaque para a arte/educação: ser a mediação entre a arte e o público” (BARBOSA; COUTINHO, 2009BARBOSA, A. M.; COUTINHO, R. G. (orgs.). Arte/Educação como mediação cultural e social. São Paulo: Editora Unesp, 2009., p. 13).

Durante a oficina, os estagiários conceituaram os diversos tipos de espaços de exposição e museus, explicaram as particularidades para a curadoria de obras em exposições e trataram de formas de mediação de conteúdo. Destaca-se que não existem apenas museus que tratam das Artes Visuais e que, em consequência, as mediações também devem se adaptar às alterações e particularidades dos espaços, do universo expositivo.

Os alunos estagiários entraram em contato com pessoas que não ficavam à vontade em museus e casas de exposição, pois se sentiam oprimidas em relação ao espaço expositivo e ao comportamento que assumiam frente à equipe de segurança e à imponência dos lugares.

Trataram com participantes que revelaram nunca ter entrado em um museu e também com alguns que transitavam com naturalidade no ambiente museológico, então tiveram de administrar as diferenças entre o público contemplado com as aulas.

Fizeram propostas que se adaptavam a todos, explicando os fundamentos e a definição do que constitui um museu e a mediação, o que aproximou os participantes da oficina, na qual puderam trabalhar com materiais diversos. Dessa forma, promoveram uma aproximação com os objetos encontrados nos espaços expositivos, tornando mais natural a perspectiva de visitas a museus e ambientes de exposição.

Nas palavras dos estagiários:

O estágio realizado foi de grande relevância para minha formação, propiciando inúmeros aprendizados, desde um maior aprofundamento no tema proposto para a oficina, até a capacidade de selecionar e planejar como transmitir os conteúdos, saber lidar com imprevistos, avaliar cada encontro e remanejar os planos de aula quando necessário. As visitas aos setores educativos de museus da cidade foram extremamente ricas, demonstrando o quanto a articulação entre universidade e sociedade pode ser profícua. O contato com o histórico de formação de cada programa com diferentes propostas educativas possibilitou alargar horizontes e criou a expectativa de uma ampliação da rede de comunicação entre instituições museológicas

Em Síntese

O trabalho com os relatórios evidenciou o processo reflexivo dos estagiários, que relataram que tiveram momentos de grande aprendizado com as experiências e desafios de pensar o ensino de Artes Visuais em modelos que vão além daqueles que conheciam das aulas nas escolas. Nas palavras dos estagiários, podemos perceber claramente a relevância das experiências que tiveram quando falam: “conseguimos exercitar parte dos fundamentos estudados, e, nesse momento, a teoria aliou-se à prática [...]” ou “[...] também vieram os acertos e a felicidade da criação e, com ela, sentimos o peso da responsabilidade de ensinar [...]” ou ainda “[...] foi necessário o equilíbrio entre ensinar e deixar experimentar, entre interferir e possibilitar o aparecimento das ideias e das identidades deles [...]”

Durante o curso, o aluno estagiário caminha entre conteúdos teóricos e práticos. Em um movimento pendular, ele tem de ser capaz de perceber as necessidades da sociedade em relação a experiências pessoais de alunos e professores. Foi possível também entender a pluralidade de conteúdos não apenas para o ensino na educação básica nas escolas, mas em ambientes educacionais não formais para o Ensino da Arte, permitindo ao futuro professor escolher o objeto de seu trabalho pedagógico e os métodos que vai usar. Nóvoa (2019)NÓVOA, A. Os Professores e a sua formação num tempo de metamorfose da escola. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 44, n. 3, e84910, 2019. https://doi.org/10.1590/2175-623684910
https://doi.org/10.1590/2175-623684910...
cita a importância da formação de professores pautada nos interesses da educação como investimento da sociedade, com espaços de diálogo, ligando universidades e espaços de experimentação pedagógica.

Para o ensino das Arte Visuais, além de novas interpretações, poderão ser usados modelos constituídos e tradicionais, que podem ser revisitados ou combinados, novas formas de usar antigos e consolidados meios de apresentar o conhecimento, que podem ser transformados em proveitosos e adequados métodos e abordagens para novas realidades.

Conclusões

O texto que dá origem a estas palavras salienta alguns dos desdobramentos que podem acontecer nos espaços de ensino de arte na escola, em projetos realizados fora do período regular das aulas, e também em ambientes educacionais não formais, onde as Artes Visuais podem ser desenvolvidas e apreciadas no chamado chão da escola, considerando diferentes realidades educacionais em um universo de múltiplas possibilidades.

A necessidade desses futuros professores em manter contato com instituições formadoras de docentes também é determinante para a qualidade do trabalho profissional e para as atualizações de métodos e procedimentos, qualificando sua atuação.

A formação do professor de Artes Visuais extrapola os conteúdos curriculares da universidade propriamente ditos. O futuro professor aprende muito durante seu curso, mas aprende muito também com o que está fora da universidade, relacionando seus conhecimentos a fatores culturais diversos e enriquecedores. A formação acadêmica oferece sem dúvida o desenvolvimento de um repertório teórico e prático que será imprescindível para o ofício futuro de professor, promovendo o aperfeiçoamento de sua percepção, da capacidade de atribuir sentido ao mundo que o cerca, não apenas através de imagens e da produção plástica, mas de todos os outros estímulos e possibilidades culturais, artísticas e educacionais. E é justamente esse conteúdo epistemológico que deverá fundamentar seus processos reflexivos e a análise crítica sobre algumas experiências que ele vivenciará no campo de estágio.

Segundo Ferraz e Fusari (2009)FERRAZ, M. H. C. T.; FUSARI, M. F. R. Metodologia do ensino de arte: Fundamentos e proposições. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2009., ser professor de Arte exige apresentar ou desenvolver uma prática pedagógica que possa se adaptar às necessidades e ao contexto dos alunos, fazendo do professor umintermediário, um mediador não apenas de questões ligadas à Arte, mas também da cultura comoum todo.

É necessário ressaltar que o professor de Artes Visuais não é apenas um agente para o exercício e a reprodução de técnicas. Sua atuação vai muito além das orientações básicas na sala de aula, como organizador de conteúdos curriculares da área de artes Visuais. Ele tem o potencial de ser agente transformador da realidade de seus alunos num contexto que pode ser maior do que a própria escola, ultrapassando muros e interpelando a sociedade. Os relatórios mostraram que o estágio nos espaços de educação não formal, promoveram não apenas mudanças na percepção dos participantes das oficinas e aulas ministradas, mas também maior compreensão por parte dos futuros professores de novas formas de abordar e entender a Arte. O professor de Arte abre possibilidades para o desenvolvimento de uma cultura estética, permitindo a individualização da expressão e da comunicação do outro.

Nas palavras de um estagiário:

O estágio realizado foi de grande relevância para minha formação, propiciando inúmeros aprendizados, desde um maior aprofundamento no tema proposto para a oficina até a capacidade de selecionar e planejar como transmitir os conteúdos, saber lidar com imprevistos, avaliar cada encontro e remanejar os planos de aula quando necessário”.

Agradecimentos

Não se aplica.

  • Financiamento

    Não se aplica.
  • Número temático organizado por: Lucia Reily e Selma Machado Simão

REFERÊNCIAS

  • ALMEIDA, M. I.; PIMENTA, S. G. (orgs.). Estágios supervisionados na formação docente: educação básica e educação de jovens e adultos. São Paulo: Cortez, 2014.
  • ARSLAN, L. M.; IAVELBERG, R. Ensino de arte São Paulo: Thomson Learning, 2006.
  • BARBOSA, A. M. A imagem no ensino da arte São Paulo: Perspectiva, 1996.
  • BARBOSA, A. M. Arte-Educação no Brasil: das origens ao modernismo. São Paulo: Perspectiva, 1986.
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Editado por

Editoras Associadas:

Elizabeth dos Santos Braga e Silvia Cordeiro Nassif

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    06 Maio 2020
  • Aceito
    11 Dez 2021
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