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QUALIDADE DA EDUCAÇÃO E AVALIAÇÃO: DIMENSÕES, TENSÕES E PERSPECTIVAS

QUALITY OF EDUCATION AND EVALUATION: DIMENSIONS, TENSIONS AND PERSPECTIVES

RESUMO

O objetivo da entrevista é analisar as concepções de qualidade e avaliação da educação em disputa, sinalizando dimensões, tensões e possíveis desdobramentos no processo formativo e de ensino-aprendizagem. O entrevistado considera como eixo analítico as proposições de educação, qualidade e avaliação sob a ótica dos direitos sociais e sinaliza perspectivas crítico-propositivas para o campo. A entrevista aborda concepções de avaliação e qualidade pós 1990 e as mudanças nas políticas públicas educacionais nos governos Temer e Bolsonaro.

Palavras-chave
Política educacional; Qualidade da educação; Avaliação; Dimensões; Emancipação

ABSTRACT

The purpose of the interview is to analyze the conceptions of quality and evaluation of education in disputed, signaling dimensions, tensions and possible consequences in the training and teaching-learning process. The interviewee considers as an analytical axis the propositions of education, quality and evaluation from the perspective of social rights and signals criticalpropositional perspectives for the field. The interview addresses conceptions of evaluation and quality after 1990 and the changes in education public policies in the Temer and Bolsonaro governments.

Keywords
Education policy; Quality of education; Evaluation; Dimensions; Emancipation

Luiz Fernandes Dourado é professor Titular Emérito da UFG, Doutor em Educação pela UFRJ (1997), Pós-doutor em Paris, na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS, 2010). Esta entrevista busca recuperar elementos que colaborem com a análise das concepções de qualidade e avaliação da educação, sinalizando dimensões e possíveis desdobramentos no processo formativo e de ensino-aprendizagem. Quais as relações entre qualidade social e avaliação? Quais os desafios na construção da agenda pela qualidade social nos processos de ensino-aprendizagem? Quais os espaços, tempos e limites na construção de políticas de articulação da qualidade dos processos de formação de profissionais da educação? Quais os tensionamentos envolvidos na definição das políticas em diálogo com a complexidade de contextos locais da realidade brasileira?

Cláudia (C) - Professor Luiz, boa tarde. Muito obrigada por nos conceder esta entrevista. É uma honra estar aqui hoje e poder dividir esse espaço.

Adriana (A) – Também agradeço a disponibilidade de nos proporcionar este momento, que vai nos ajudar a ampliar o horizonte da relação avaliação e qualidade social.

Luiz (L)- Quero agradecer o convite e dizer da minha satisfação de partilhar esse movimento da construção do Dossiê. A temática traz sinalizações emblemáticas e importantes.

A - Gostaríamos de ouvir um pouco sobre seu percurso no campo da luta pela qualidade educacional. É muito bacana saber do lugar de onde vocês falam, esse esforço de pensar mais amplamente a qualidade. É um tema muito debatido, porém, não se avança muito nessa discussão. Não dá para discutir qualidade dissociada da avaliação. Tem que falar de qual qualidade, de qual avaliação, como se dão os processos formativos. É preciso ir ao cerne das políticas educacionais e às concepções de educação em disputa.

L - Sou professor da educação superior há mais de 30 anos. Contando meu tempo na educação básica, são mais de 40 anos de docência. Comecei muito cedo. Fui estudante no Instituto de Ciências Humanas e Letras/UFG, onde fiz Ciências Sociais (Bacharelado e Licenciatura), e logo me tornei monitor de Sociologia da Educação na Faculdade de Educação. Mais tarde, me tornei professor de Sociologia com foco em políticas educacionais. Tornei-me professor e pesquisador interessado na formação de professores, tentando aprender sobre a concepção das políticas educacionais e as formas de organização, de gestão, a discussão da qualidade e da avaliação. Aliado a isso, eu tenho inserção nas entidades acadêmicas, como Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae), Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE). Fui membro da Diretoria da ANPEd, fui diretor de pesquisa e atualmente estou na condição de Diretor Institucional da Anpae. Coordenei o GT 05 - Estado e Política Educacional - da ANPEd. Tive a oportunidade de vivenciar processos de gestão na Educação, pois fui diretor de escola pública e coordenei curso na Graduação. Fui também diretor de Educação Básica no Ministério da Educação, abrangendo 19 estados, o que contribuiu para repensar a visão tecnocrática que permeava o Fundescola. À época, já me preocupava em estabelecer outra discussão sobre qualidade, identificando o campo demarcado por disputas e polissemias. A passagem pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) foi uma rica experiência, pois participei ativamente de discussões e fomento do grupo de pesquisa nacional na condição de Coordenador Geral de Estatísticas Especiais, cujo foco era financiamento e qualidade. Foi um processo muito rico de aprendizado que contribuiu para avanços no horizonte do conceito de custo aluno-qualidade. Coordenei a produção do texto-base “A qualidade da Educação: conceitos e definições” (DOURADO; OLIVEIRA; SANTOS, 2007DOURADO, L. F.; OLIVEIRA, J.F.; SANTOS, C.A. A qualidade da educação: conceitos e definições. Série Documental Textos para Discussão, INEP/MEC, Brasília, n. 24, 2007. Disponível em: http://td.inep.gov.br/ojs3/index.php/td/article/view/3848. Acesso em 15 abr. 2022.
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) para a Cúpula das Américas, publicado em inglês, espanhol e português, em parceria com João F. Oliveira e Catarina A. Santos. Tenho uma história de participação em fóruns de educação, nas Conferências Nacionais de Educação (CONAE). Participei desde a Conferência Brasileira de Educação (CBE), depois nos Congressos Nacionais de Educação (CONED). É a partir da entrada do governo democrático popular com a criação da Conferência Nacional de Educação Básica (CONEB), em 2008, que passei a coordenar a comissão de elaboração dos documentos, inclusive, das CONAE de 2010 e 2014. Depois do Golpe, em 2016, continuo produzindo e coordenando esses documentos, mas agora nas Conferências Nacionais Populares de Educação (CONAPE), em 2018 e em 2022.

A discussão de qualidade é uma temática central e se articula às políticas, gestão e avaliação nas Conferências. Coordenei a avaliação nacional do Plano Nacional de Educação (PNE) de 2001 a 2010. O PNE ocorria sob tensão e não foi implementado. Parte das metas, contudo, se materializaram por meio do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE). Essa vivência na coordenação de grupos, para avaliar o PNE, que envolveu uma equipe nacional, nos instigou a atuar sistematicamente na proposição de um novo Plano. Estive no Conselho Técnico Científico da Educação Básica e fui membro do Conselho Superior da CAPES. Além disso, fui membro do Conselho Nacional de Educação, da Câmara de Educação Superior e nela participei de um conjunto de comissões. Estive nas Comissões do CNE, do PNE e do Sistema Nacional de Educação (SNE) e fui relator das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada de Professores e de Funcionários e das Diretrizes para a Educação à Distância. A todo momento, a qualidade estava presente e se articulava à discussão da avaliação.

C - Você considera que as alternâncias de poder ao longo dos últimos 30 anos, especialmente a partir da década de 1990, influenciaram e determinaram a construção de políticas de avaliação e qualidade divergentes e/ou vivemos políticas de continuidade e hegemônicas? Seria possível fazer uma linha histórica das concepções de avaliação e qualidade?

L - A lógica das políticas educacionais é marcada por descontinuidade. Como lógica da continuidade, aparentemente, você tem quebras, mas necessariamente não são rupturas. Vão ocorrer retomadas, rearranjos, serão idas e vindas, ajustes e alterações substantivas nas concepções e proposições. No debate da qualidade e da avaliação, os movimentos não são lineares. Um limite no caso brasileiro resulta da falta de tradição de políticas de Estado e a lógica de naturalização de políticas de Governo. Mudanças no Executivo, no Ministério, em uma Secretaria ou simplesmente em um departamento podem significar silenciamento de algumas vozes, autorização de outras, a permanência de um dado projeto, política, programa. Historicamente, a qualidade está pautada desde o Manifesto dos Pioneiros dos anos 30. Contudo, a partir dos anos 90, estrutura-se por meio de busca de políticas mais orgânicas de avaliação e qualidade. Em muitos casos, predomina a concepção de que a avaliação seria a expressão da regulação. Daí a ênfase nos testes estandardizados e a defesa de um suposto padrão de qualidade cuja concepção, centrada no pensamento tecnocrático, gera um conjunto de limites estruturais à própria ideia de qualidade. Quando se fala em qualidade na Educação Básica, um dos limites é a padronização das instituições educativas como escolares, negligenciando as especificidades da Educação Infantil, dentre outras. A partir dos anos 1990, ocorre uma política estruturada pela concepção de resultados em detrimento dos processos, acarretando certa organicidade no campo, fomentando mais estrutura do aparato do Estado no âmbito nacional. Passamos a ter um Inep mais fortalecido e políticas e demandas federais como se houvesse acatamento dessas lógicas por parte de estados, Distrito Federal e municípios. Há o estabelecimento de uma política, o processo formativo e, ainda, o fomento como indutor de mudança da cultura institucional, num raio bastante complexo com a dimensão continental do país. Essa organicidade tecnocrática tem uma limitação estrutural, de concepção, expressa na ênfase nos testes e nos resultados. Em função das Conferências e do processo político desencadeado a partir de 2003, com a eleição de governo do campo democrático popular, avaliação e qualidade foram abordadas e houve alguns avanços. O movimento é pendular. Agora, as discussões avançam no Inep, inclusive, e são tensionadas pelo campo, pelos movimentos sociais, pelos movimentos dos educadores, pelas entidades acadêmicas e sindicais, no interior do Inep. Neste cenário problematizei o denominado Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, questionando suas premissas e seu alcance efetivo como sistema, questão importante a ser discutida. A despeito dos limites, algumas mudanças se efetivaram, por exemplo, na Educação Básica no pós-2003. Talvez o mais importante tenha sido a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ided), enquanto índice de fato. Por mais que se discuta os limites do Ideb, ele avançou diante do cenário restritivo anterior. Ao mesmo tempo, não avançou suficientemente de modo a articular as dimensões interescolares e extraescolares. De qualquer modo, ainda prevaleceu na Educação Básica um cenário ainda restritivo e demarcado, de maneira hegemônica, pela cultura avaliativa dos exames. Ocorrem diferentes experiências municipais, estaduais. Lembramos de experiências anteriores, de como foi a Escola Plural em Minas Gerais, a Candanga no Distrito Federal, a Escola Cidadã de Porto Alegre e a Cabana, para pegar um exemplo do Norte. São experiências pouco exploradas, que tinham uma visão diferenciada de qualidade, de avaliação e da lógica de regulação como elemento mais distante. Outro avanço importante se dá no PNE 2014-2024 (BRASIL, 2014BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências. Brasília, DF, 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm. Acesso em: 15 mar. 2022.
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), a despeito das ambiguidades. A Lei do PNE trouxe um avanço fantástico no Artigo 11 ao afirmar que “O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, coordenado pela União, em colaboração com os estados, o Distrito Federal e os municípios, constituirá fonte de informação para a avaliação da qualidade da Educação Básica e para a orientação das políticas públicas desse nível de ensino”. A Lei ratificou a dinâmica de constituição de sistema, pautado na lógica de colaboração, prevendo a pactuação. E reafirmou que o sistema constitui fonte de informação para avaliação da qualidade, portanto, basilar para a orientação de políticas públicas nesse nível de ensino. Diz mais: “(...) que o sistema produzirá indicadores de rendimento escolar, o que já era feito, referentes ao desempenho dos estudantes aprovados em Exames Nacionais”. Está aí uma ambiguidade: mantém a questão do exame e dos testes. Mas avançou, ao definir “indicadores de avaliação institucional, relativos a características como o perfil do alunado e do corpo dos (as) profissionais da educação, relações entre dimensão do corpo docente, do corpo técnico e do corpo discente, a infraestrutura das escolas, os recursos pedagógicos disponíveis e os processos da gestão, entre outras relevantes.” Há um escopo de sistema desenhado no Artigo 11 e, depois, ele vai trazer mais detalhes. Na época, eu estava no Conselho Nacional de Educação e participei de uma reunião no Inep. A discussão era sobre a importância da instituição do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Em uma reunião de trabalho afirmei que o Saeb não era um sistema na dimensão preconizada pelo PNE, além de ter limites face à visão restritiva em relação à concepção de educação, de qualidade, de formação. Discutimos como avançar nessa perspectiva, tendo por anteparo legal o próprio PNE e o Artigo 11. Foi criado o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, por Portaria do Inep. No pós-2016, portanto, no pós-golpe, ocorreu a retomada daquele ideário da pedagogia dos resultados, reforçado agora com o discurso das competências e habilidades. Logo após o golpe, uma das primeiras medidas do governo Temer foi revogar a Portaria que criou o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica nos moldes do PNE.

C – Há, então, projetos em disputa atualmente, especialmente após o golpe jurídico-midiático de 2016? Você acredita que houve transformações nessas concepções em disputa?

L - No pós-golpe, há retrocessos na política e na avaliação da Educação Básica com a retomada de concepções “tecnocráticas”, agora repaginadas, envolvendo o discurso de habilidades e competências, inclusive as chamadas competências socioemocionais, que passam a povoar o imaginário dos professores. Houve uma ação coordenada em contraposição a esses movimentos de mudança, porque tivemos estagnação nos estudos e nas proposições para tornar mais redondo o Ideb. Questões importantes perderam centralidade no âmbito do aparato governamental, no Inep, no MEC, no Sistema Nacional de Educação, incluindo a importância de ampliar o horizonte do Ideb. Isso se deve à retomada das métricas e da perspectiva da avaliação como resultado, como instrumento, agora naturalizado, de ranqueamento e até de compensação por meio de bônus e de outras medidas às instituições ou aos profissionais da educação. Há grande tensionamento no campo. A estratégia da Meta 7 do PNE, que previa “estabelecer e implantar, mediante pactuação interfederativa, diretrizes pedagógicas para a educação básica e a base nacional comum dos currículos, com direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento dos (as) alunos (as) para cada ano” foi atropelada pela aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) restritiva, para Educação Infantil e Ensino Fundamental e BNCC do Ensino Médio, o que não contribuiu para a efetiva pactuação interfederativa que pudesse estabelecer novas bases, diretrizes pedagógicas à garantia de direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento. No dossiê intitulado A BNCC na contramão do PNE 2014-2024, coordenado por mim e Márcia Ângela da S. Aguiar (2018)AGUIAR, M. A. S.; DOURADO, L. F. A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas. [Livro Eletrônico]. – Recife: ANPAE, 2018. Disponível em: https://anpae.org.br/website/noticias/424-2018-05-24-18-14-11.
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, analisamos, com a contribuição de vários pesquisadores, esse aspecto restritivo da BNCC, que sequer atende ao PNE, ignora a concepção de desenvolvimento e reduz a formação a uma aprendizagem recortada com forte ênfase em Língua Portuguesa e Matemática. Nós vamos ter perdas muito grandes se for mantida a concepção restritiva de Base Nacional Comum Curricular.

A - Na continuidade da questão anterior houve um golpe em 2016, depois, em 2019, entra o atual governo. A partir do meu olhar de quem trabalha com o chão da escola, vejo desmonte e um retrocesso ainda maior, porque parece-me que temas já superados passam a ser pautados nas políticas, como o Plano Nacional de Alfabetização. Como que você vê este momento de iniciativas de retrocesso no campo da construção da qualidade na educação?

L - Concordo com você porque nós vamos ter retrocessos em todas as áreas com esse núcleo comum que é a perspectiva neoliberal. Tal processo se agudiza no governo Bolsonaro, governo neoliberal e ultraconservador. Este governo questiona a questão da gratuidade nas escolas públicas e a vinculação constitucional dos recursos para a Educação e para a Saúde. Houve alterações substantivas na dinâmica regulatória - que não é só o MEC, mas também o Inep, a CAPES, o Conselho Nacional de Educação, retrocessos de toda ordem, inclusive em termos de composição desses espaços, que passam a contar com participação, cada vez mais ativa, do setor privado. Vamos ter a Emenda Constitucional nº 95 de 2016 (BRASIL, 2016BRASIL. Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016. Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Brasília, DF, 2016. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm. Acesso em: 16 mar. 2022.
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), que significou estrangulamento para a Educação Nacional, limitando recursos às políticas sociais, impactando diretamente a materialização do PNE. A Meta 20, de ampliação dos percentuais do Produto Interno Bruto, de modo a chegar em 2024 com 10% do PIB para Educação Nacional, não foi efetivada. Isso significa, na prática, que as outras 19 Metas também foram secundarizadas.

C – Aproveitando o contexto, seu artigo A qualidade da educação: perspectivas e desafios (DOURADO; OLIVEIRA, 2009DOURADO, L. F.; OLIVEIRA, J. F. A qualidade da educação: perspectivas e desafios. Cadernos CEDES. Campinas, vol.29, n.78, p.201-2015, maio/ago.2009. https://doi.org/10.1590/S0101-32622009000200004
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) apresenta as dimensões intra e extraescolares como fundamentais para a construção de uma educação de qualidade para todos. Em relação à dimensão extraescolar, aborda dois níveis: o espaço social e as obrigações do Estado. Entre as obrigações do Estado, menciona a necessidade de ampliar a obrigatoriedade da educação e de definir e garantir padrões de qualidade (condições de acesso e permanência), dentre outros aspectos. Quais os desafios para a efetivação destes aspectos após a aprovação da Emenda Constitucional n. 95/2016, PEC do Teto dos gastos públicos (BRASIL, 2016BRASIL. Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016. Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Brasília, DF, 2016. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm. Acesso em: 16 mar. 2022.
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) e do Projeto de Lei do Homeschooling (PL 1.388/2022BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 1.388/2022. Altera as Leis nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), e 8.069, de 13 de julho de 1990, (Estatuto da Criança e do Adolescente), para dispor sobre a possibilidade de oferta domiciliar da educação básica. Brasília: Senado Federal, 23 mai. 2022. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/153194. Acesso em: 16 mar. 2022.
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), aprovado na Câmara dos Deputados e que já se encontra na Comissão de Educação do Senado?

L - Aliado ao contexto a que estávamos nos referindo, há uma visão cada vez mais intrainstitucional em detrimento da política abrangente que considera ser preciso ampliar o escopo da avaliação: uma avaliação diagnóstica, formativa. É preciso considerar o papel da escola pública. Presenciamos a centralidade de temas como educação domiciliar – homeschooling – e a negação das instituições educativas e seus processos formativos. Além disso, há formas de organização e de gestão das escolas públicas por meio das parcerias público/privada e a militarização das públicas. O cenário, que já era desigual, está muito mais complexo e foi intensificado com a pandemia. A BNCC e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação (2019), com ênfase nas habilidades e nas competências, e a Política Nacional do Livro Didático, articuladas à concepção tecnocrática de avaliação, restringem a perspectiva de construção de uma concepção emancipatória e crítico-propositiva de educação e qualidade. O debate perde vigor, assim como o movimento em defesa da qualidade como prática social histórica, que envolve dimensões que não se circunscrevem somente às educacionais. Ou a gente pensa isso num país desigual como o nosso ou a concepção de qualidade e avaliação será restritiva. O que enfatizo no artigo é a necessidade de considerar a dimensão socioeconômica e cultural dos sujeitos envolvidos, quando se fala em qualidade da educação. Isso significa considerar a diversidade nos percursos formativos, a questão da educação quilombola, da educação indígena. Em razão da Emenda Constitucional nº 95 (BRASIL, 2016BRASIL. Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016. Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Brasília, DF, 2016. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm. Acesso em: 16 mar. 2022.
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) e das políticas em curso, ocorreu grande impacto na garantia da dimensão dos direitos e da obrigação do Estado. As três primeiras Metas do PNE sofreram uma inflexão. Elas dizem respeito à democratização do acesso na universalização da Educação Básica obrigatória, que pela Emenda Constitucional nº 59 de 2009 (BRASIL, 2009BRASIL. Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009. Acrescenta § 3º ao art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (...).. Brasília, DF, 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc59.htm. Acesso em: 15 mar. 2022.
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), deveria ter sido universalizada até 2016. Os novos indicadores de avaliação do terceiro ciclo do PNE pontuam que não universalizamos a Pré-Escola (4 a 5 anos); recuamos na universalização do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Muitos estudantes sequer tiveram condição de acessibilidade. A ausência de políticas articuladas impactou o acesso, as diretrizes e os próprios processos de avaliação e regulação. Só se avança na discussão da qualidade se de fato articulamos as dimensões intra e extraescolares, mas isso não é suficiente. É preciso avançar na garantia de valorização dos Profissionais da Educação. As Conferências nos ajudam muitíssimo, ao ressaltar que a valorização envolve articulação entre formação inicial, formação continuada, carreira, salários, condições de trabalho e de saúde dos Profissionais da Educação. Ora, boa parte dos entes federados não estão cumprindo o Piso Salarial. Em outros casos, o Piso virou teto. E não há atualmente uma política federal de estímulo ao Piso. A luta que se travou, por exemplo, no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), demonstra que não há centralidade com essa questão, que deve ser valorizada. Outra refere-se ao apoio à gestão e à melhoria no processo formativo, em sintonia com o projeto pedagógico. Estamos vivendo denúncia da gestão democrática e não sua instituição, como preconizado na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), na Constituição Federal e no PNE. Outra discussão importante refere-se à retomada das Diretrizes Nacionais para a Educação Básica, a partir da concepção de Base Comum Nacional, defendida pela ANFOPE e demais entidades do campo, e não a Base Nacional Comum Curricular, que tem um nível de enquadramento absolutamente restritivo do ponto de vista conceitual e operacional, corroborando com a ideia de controle, de ranqueamento e de competição no campo institucional.

C – Neste aspecto sobre financiamento, em que a EC 95/2016 (BRASIL, 2016BRASIL. Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016. Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Brasília, DF, 2016. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm. Acesso em: 16 mar. 2022.
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) congelou os recursos para as áreas sociais por 20 anos e a aprovação do Novo FUNDEB, quais as possibilidades e/ou limites para o cumprimento da meta 20 do PNE 2014-2024, Lei 13.005, (BRASIL, 2014BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências. Brasília, DF, 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm. Acesso em: 15 mar. 2022.
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) e suas estratégias relacionadas ao financiamento que visam garantir as condições objetivas para o avanço da qualidade no campo da educação?

L - A aprovação do novo FUNDEB foi uma luta das associações do nosso campo, dentre eles o Fórum Nacional Popular de Educação. Hoje, há vários movimentos do setor privado visando a apropriação do fundo público. A defesa de recursos públicos para a educação pública, com gestão pública, é fundamental. De igual modo, é vital garantir a efetivação da Meta 20 do PNE, que sinaliza para a ampliação progressiva dos recursos, de modo a chegarmos em 2024 com 10% do PIB direcionado à Educação Nacional. Essa Meta é extremamente importante e quero me contrapor àqueles que acham que o problema da educação não é um problema de financiamento, é só de gestão. Temos que melhorar os processos de gestão, mas, ao mesmo tempo, é fundamental recurso novo para democratizar o acesso e a permanência com qualidade social. Para reverter os retrocessos no campo social e especificamente educacional, quero destacar as lutas do Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE) que foram reforçadas no Documento Final da Conferência Nacional Popular de Educação de 2022 e na Carta de Natal, realizada de 15 a 17 de julho de 2022. O Documento sinaliza claramente a necessidade de reconstruir o país. É a retomada do Estado democrático de direito e a defesa da Educação Pública e Popular; com gestão pública, gratuita, democrática, laica, inclusiva e de qualidade social para todos. Teremos a democratização do Estado, que significa a defesa da democracia e a defesa das nossas instituições, a defesa da noção de público, da concepção de educação, da perspectiva ampla e emancipatória, e também, a revogação da Emenda Constitucional nº 95; a retomada dos investimentos na educação em áreas sociais; o resgate dos recursos do royalty do petróleo e do fundo social do pré-sal destinados à educação. É preciso uma reforma tributária redistributiva e que permita aos entes federados, sobretudo municípios, condições objetivas no atendimento às políticas sociais; é vital retomar o papel redistributivo da União bem como revogar as medidas de ajuste e renúncia fiscal. À luz das deliberações das Conferências Nacionais é preciso instituir políticas de Estado direcionadas à garantia da universalização da Educação Básica obrigatória, instituir o Sistema Nacional de Educação. É necessário, ainda, disputar a materialização do FUNDEB permanente e garantir a efetivação do Custo Aluno Qualidade (CAQ). Se quisermos avançar, é fundamental retomar a concepção ampla de sistema, pensando perspectivas mais dialógicas da Educação Básica, ampliando e traduzindo melhor o que entendemos por educação e por qualidade de educação socialmente referenciada. É importante revogar as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada de Professores e a BNCC, mobilizar a sociedade em defesa de políticas de Estado que assegurem a garantia do direito à educação de qualidade socialmente referenciada para todos, todas e todes. São esforços que demandam ações e proposições orgânicas, envolvendo a sociedade civil e a sociedade política, em prol da democratização do Estado e da educação. Esperamos, brevemente, retomar e aprofundar proposições que contribuam para a instituição do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica em consonância com o Artigo 11 do Projeto de Lei do PNE. Importante, por outro lado, uma análise das estratégias da Meta específica da qualidade e da avaliação, porque trazem um conjunto de imbróglios, inclusive, a naturalização da avaliação de resultados, cuja dinâmica e métricas desconsideram processos e pessoas.

A - Podemos tratar de um assunto na continuidade, que diz respeito às diretrizes para formação de professores. O seu papel como articulador político e relator da Resolução 2/2015 do Conselho Nacional de Educação (CNE), que estabeleceu as Diretrizes Curriculares para Formação Inicial e Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação Básica, foi de potente negociação para o campo da formação de professores. Em 2019, são aprovadas novas diretrizes pela Resolução n° 2 de 2019 (BRASIL, 2019BRASIL. Resolução CNE/CP nº 2, de 20 de dezembro de 2019. Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação). Brasília, DF, 2019. Disponível em: https://normativasconselhos.mec.gov.br/normativa/view/CNE_RES_CNECPN22019.pdf. Acesso 22 jun. 2022.
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). Parece-me que houve um esfacelamento. Como você vê esta situação?

L - As novas diretrizes, Resoluções CNE/CP 2/2019 e CNE/CP 1/2020, (BRASIL 2019BRASIL. Resolução CNE/CP nº 2, de 20 de dezembro de 2019. Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação). Brasília, DF, 2019. Disponível em: https://normativasconselhos.mec.gov.br/normativa/view/CNE_RES_CNECPN22019.pdf. Acesso 22 jun. 2022.
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, 2020) têm uma função basilar, visam desarticular um movimento que vinha se fazendo instituinte e inovador no campo da formação. Lembro a construção das Diretrizes Curriculares Nacionais, que resultaram na Resolução do Conselho Nacional/Conselho Pleno 2, de 2015, constituídas por ampla discussão, com forte apoio das entidades acadêmicas e sindicais, das universidades, com a participação dos setores do MEC, do Inep, da CAPES, com participação dos setores público e privado. A Resolução CNE/CP 2/2015BRASIL. Resolução CNE/CP nº 02/2015, de 1º de julho de 2015. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 124, p. 8-12, 02 jul. 2015. Disponível em: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=02/07/2015&jornal=1&pagina=8&totalArquivos=72. Acesso em: 13 jul. 2022.
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propôs elementos nucleares e fundantes. E o movimento pós-golpe vai se contrapor a isso. O primeiro princípio era a definição de uma Base Comum Nacional para a Formação Inicial e Continuada. É totalmente diferente da BNCC, pois contemplava a defesa de sólida formação teórica interdisciplinar; unidade teoria e prática; o trabalho coletivo interdisciplinar; o compromisso social e a valorização dos Profissionais da Educação. Nunca na história deste país uma Resolução de formação tinha trazido um capítulo específico sobre valorização. A Resolução de 2015 tem um capítulo que fala especificamente da valorização como algo fundante para pensar um projeto, um processo formativo, além de uma visão articulada entre avaliação, regulação e defesa da gestão democrática. Outra questão central foi a concepção de docência como ação educativa e processo pedagógico, intencional e metódico, envolvendo tanto os conhecimentos específicos, como os interdisciplinares, os pedagógicos, que se desenvolvem na socialização e construção do conhecimento. Esta resolução sinaliza a concepção da docência, que se pauta na indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão. No pós-golpe, o papel das fundações é central, quase que definindo os processos. O CNE mais encolhido, recomposto, vivencia menos participação, com audiências públicas pontuais e com predomínio de interesses do setor privado expressos em um conjunto de mudanças: a BNCC da Educação Infantil e do Fundamental, a BNCC do Ensino Médio, a Reforma do Ensino Médio, a revogação das Diretrizes para o Ensino Médio e novas diretrizes. No campo da formação, é retomada a pedagogia das competências, três anos depois do golpe, com a aprovação das novas diretrizes. Antes disso, o CNE já vinha pavimentando o campo ao postergar o prazo para implementação da Resolução n° 2 de 2015, desconsiderando que boa parte de nossas universidades estruturava seus projetos institucionais em consonância com ela. Sua revogação e a aprovação das novas resoluções retomam a dicotomia entre formação inicial (Resolução CNE CP 2.2019) e formação continuada (Resolução CNE/ CP 1/2020) e alteram concepções, fundamentos e dinâmicas institucionais. Na leitura atenta das novas diretrizes há, inclusive, o risco da reedição de currículo mínimo, dado o caráter prescritivo, inclusive dos componentes curriculares, sobretudo, na Resolução CNE/CP 2/2019. Na contramão da Resolução 2/2015, que realçava a importância do projeto institucional, de modo a resgatar a identidade da dinâmica formativa, as atuais Diretrizes alteram concepções e finalidades da educação, da formação e da própria docência. O cenário é ainda mais restritivo, quando o CNE aprova matriz para os diretores escolares, dissociando a direção da dinâmica da docência. Ao secundarizar os projetos institucionais e formativos e os projetos político-pedagógicos, as DCN desautorizam a autonomia das universidades. O movimento, que culmina com a 2/2019, vai contar com o apoio maciço de fundações, que vão, inclusive, municiá-lo. A ênfase no municiamento prático em detrimento da articulação teoria e prática é bastante visível, o que colide frontalmente com a organicidade proposta pela Resolução CNE/CP 2 de 2015. Ao reeditar as competências e habilidades, as novas DCN naturalizam o horizonte prescritivo da BNCC. Essas diretrizes curriculares ratificam a centralização e a padronização curricular da formação em vários artigos. Na contramão desse processo, é fundamental realçar as lutas propositivas do campo e das instituições, incluindo o exercício da autonomia universitária. Tenho acompanhado o movimento em defesa da Pedagogia e da Licenciatura, bem como esforços pela construção de projetos institucionais e em favor da revogação da Resolução CNE/CP Nº 1 (BRASIL, 2020BRASIL. Resolução CNE/CP nº 1, de 27 de outubro de 2020. Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica (BNC-Formação Continuada). Brasília, DF, 2020. Disponível em: https://normativasconselhos.mec.gov.br/normativa/view/CNE_RES_CNECPN12020.pdf?query=Educacao%20Ambiental. Acesso em: 16 mar. 2022.
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). Para compreender o processo, é preciso articulá-lo ao contexto mais amplo da concepção de Estado, da concepção de Política Educacional, da concepção de formação, e como isso vai se espraiar nos horizontes da avaliação.

A - Este tema está presente em outra pergunta de nosso roteiro. Nos últimos anos, educadores, pesquisadores, professores e profissionais da educação estão defendendo a “qualidade socialmente referenciada”. Como você compreende e analisa este conceito?

L - O diferencial está na perspectiva da democratização e da inclusão. O “socialmente referenciado” tem que ter escopo abrangente. É preciso recuperar a discussão de Luiz Carlos Freitas, incluir a negociação, a qualidade negociada. A qualidade, como campo de disputa, traduz projetos distintos de educação. Dizer que ela é polissêmica não é naturalizar sua polissemia; ao contrário, é identificar onde, como e que concepção está ali presente. Ou seja, é preciso avançar ainda mais no sentido de traduzir melhor essas adjetivações como “socialmente referenciada” em termos de contorno da própria dinâmica do que seriam padrões de qualidade ou referenciais de qualidade, sem descurar da avaliação diagnóstica, formativa e emancipatória.

A - Fazendo o movimento de sair do contexto de políticas e indo para o contexto de prática (Stephen Ball), quais os desafios na construção de uma agenda pela qualidade socialmente referenciada que dialoguem com os processos de ensino e aprendizagem e/ou educativos no cotidiano escolar?

L - A construção de uma agenda de educação socialmente referenciada implica a relação entre educação, ensino e aprendizagem. Mas, temos que ter um horizonte formativo mais amplo, histórico-crítico, e não o contrário, uma concepção restrita a conteúdos e ao municiamento prático, considerar projetos pedagógicos, profissionais da educação e estudantes como sujeitos educativos e partícipes do processo. É necessário sair do horizonte limitado das políticas de Governo para políticas mais amplas com maior participação e escopo, que seriam as políticas de Estado. A discussão sobre a qualidade deve considerar as dimensões intra e extraescolares, sem prejuízo das singularidades, tendo por eixo a melhoria do acesso e dos processos formativos e a superação das pedagogias meritocráticas, centradas em habilidades e competências que querem controlar a gestão, os processos pedagógicos e formativos, padronizar os currículos, direcionar e buscar controlar a ação do professor, desacreditar a escola pública, enfim, propiciar um aprendizado mais restritivo, num cenário de condições de trabalho cada vez mais precarizadas para os profissionais. Reafirmo, portanto, que uma educação de qualidade implica a multiplicidade dos aspectos e dimensões, resultado de processos coletivos e democráticos articulados à concepção de educação e qualidade social, às condições de acesso e permanência aos sujeitos envolvidos no processo e suas condições concretas, à dinâmica formativa e aos aspectos político-pedagógicos que consubstanciam o ato educativo, envolvendo a aquisição e a produção de conhecimentos e saberes significativos, a avaliação formativa, a definição coletiva de base comum nacional que garanta a unidade na diversidade. É preciso pensar em processos avaliativos mais amplos, vinculados a projetos educativos democráticos e emancipatórios, contrapondo-se à centralidade conferida à avaliação como medida de resultado, que se traduz em instrumento de controle, ranqueamento e competição institucional. É preciso subverter a lógica privatizante, meritocrática e excludente que envolve boa parte do aparato educativo.

Agradecimentos

As autoras agradecem ao prof. Luiz Fernandes Dourado pelas horas disponibilizadas à entrevista e ao conhecimento compartilhado.

  • Número temático organizado por: Regiane Helena Bertagna https://orcid.org/0000-0003-4415-0978 e Maria Simone Ferraz Pereira https://orcid.org/0000-0001-7009-7571
  • Financiamento

    Não se aplica.

Disponibilidade de dados da pesquisa

Não se aplica.

Referências

  • AGUIAR, M. A. S.; DOURADO, L. F. A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas. [Livro Eletrônico]. – Recife: ANPAE, 2018. Disponível em: https://anpae.org.br/website/noticias/424-2018-05-24-18-14-11
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  • BRASIL. Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009. Acrescenta § 3º ao art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (...).. Brasília, DF, 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc59.htm Acesso em: 15 mar. 2022.
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  • BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014 Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências. Brasília, DF, 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm Acesso em: 15 mar. 2022.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm
  • BRASIL. Resolução CNE/CP nº 02/2015, de 1º de julho de 2015. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 124, p. 8-12, 02 jul. 2015. Disponível em: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=02/07/2015&jornal=1&pagina=8&totalArquivos=72. Acesso em: 13 jul. 2022.
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  • BRASIL. Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016. Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Brasília, DF, 2016. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm Acesso em: 16 mar. 2022.
    » https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm
  • BRASIL. Resolução CNE/CP nº 2, de 20 de dezembro de 2019. Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação). Brasília, DF, 2019. Disponível em: https://normativasconselhos.mec.gov.br/normativa/view/CNE_RES_CNECPN22019.pdf Acesso 22 jun. 2022.
    » https://normativasconselhos.mec.gov.br/normativa/view/CNE_RES_CNECPN22019.pdf
  • BRASIL. Resolução CNE/CP nº 1, de 27 de outubro de 2020 Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica (BNC-Formação Continuada). Brasília, DF, 2020. Disponível em: https://normativasconselhos.mec.gov.br/normativa/view/CNE_RES_CNECPN12020.pdf?query=Educacao%20Ambiental Acesso em: 16 mar. 2022.
    » https://normativasconselhos.mec.gov.br/normativa/view/CNE_RES_CNECPN12020.pdf?query=Educacao%20Ambiental
  • BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 1.388/2022. Altera as Leis nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), e 8.069, de 13 de julho de 1990, (Estatuto da Criança e do Adolescente), para dispor sobre a possibilidade de oferta domiciliar da educação básica. Brasília: Senado Federal, 23 mai. 2022. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/153194 Acesso em: 16 mar. 2022.
    » https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/153194
  • DOURADO, L. F.; OLIVEIRA, J.F.; SANTOS, C.A. A qualidade da educação: conceitos e definições. Série Documental Textos para Discussão, INEP/MEC, Brasília, n. 24, 2007. Disponível em: http://td.inep.gov.br/ojs3/index.php/td/article/view/3848 Acesso em 15 abr. 2022.
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  • DOURADO, L. F.; OLIVEIRA, J. F. A qualidade da educação: perspectivas e desafios. Cadernos CEDES Campinas, vol.29, n.78, p.201-2015, maio/ago.2009. https://doi.org/10.1590/S0101-32622009000200004
    » https://doi.org/10.1590/S0101-32622009000200004

Editoras Associadas:

Ana Luiza Bustamante Smolka https://orcid.org/0000-0002-2064-3391 e Daniela Dias dos Anjos https://orcid.org/0000-0002-7695-835X

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    22 Nov 2022
  • Aceito
    21 Jun 2023
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