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ENTRE LITERATURA E EDUCAÇÃO: AS TRAJETÓRIAS INTERTEXTUAIS DAS ESCRITORAS LINDANOR CELINA E MARIA LÚCIA MEDEIROS

BETWEEN LITERATURE AND EDUCATION: THE INTERTEXTUAL TRAJECTORIES OF THE WRITERS LINDANOR CELINA AND MARIA LÚCIA MEDEIROS

RESUMO

O presente artigo traz uma análise dialógica intertextual da trajetória de vida, da obra e do pensamento das professoras e escritoras bragantinas Lindanor Celina e Maria Lúcia Medeiros. Ambas estrearam na literatura da Amazônia paraense com prosas ficcionais dando destaque às personagens femininas transgressoras e insubmissas. São seus livros: Estradas do tempo-foi (1971) e o romance Menina que vem de Itaiara (1996), de Lindanor Celina, e a coletânea de contos Zeus ou a menina e os óculos (1988), de Maria Lúcia Medeiros. Em termos metodológicos, esta pesquisa é de abordagem qualitativa, do tipo documental. Assim, entende-se que há aproximação intertextual nas trajetórias de educação, formação feminina e infância das referidas escritoras.

Palavras-chave
Intertextualidade; Lindanor Celina; Maria Lúcia Medeiros; Educação; Literatura

ABSTRACT

This article presents an intertextual dialogical analysis of the trajectories of life, work and thought of teachers and writers Lindanor Celina and Maria Lúcia Medeiros, from Bragança (PA), Brazil. Both debuted in the literature of the Amazon in Pará with fictional prose highlighting the transgressive and insubmissive female characters. Their books are Estradas do tempo-foi (1971) and the novel Menina que vem de Itaiara (1996), by Lindanor Celina, and the collection of tales Zeus ou a menina e os óculos (1988), by Maria Lúcia Medeiros. In methodological terms, this research has a qualitative, documentary approach. Thus, it is understood that there is an intertextual approach in the writers’ trajectories of education, female training, and childhood.

Keywords
Intertextuality; Celina Lindanor; Maria Lúcia Medeiros; Education; Literature

Introdução

A literatura de duas escritoras oriundas da Amazônia paraense do século XX é, neste artigo, objeto de nossa análise, pois se entende a literatura como expressão da estética poética da realidade histórica e social. Com base nesse princípio, o texto literário, contrário ao texto científico, não apresenta compromisso com a verdade, mas com a verossimilhança, com a realidade. Ou seja, trata-se de um encontro com uma realidade possível.

No caso de estudos sobre história da educação de mulheres no Pará, o texto literário enquanto gênero textual é a matéria-prima para a historiografia de mulheres na Amazônia paraense. Segundo Roger Chartier (2001)CHARTIER, R. Cultura escrita, literatura e história. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001., a fonte literária permite ter acesso aos lugares expressivos e das sensibilidades difusas, carregados de memória e elementos alegóricos que podem realçar as ferramentas mentais e as evoluções dos sentidos, misturando os objetos, as práticas e os sonhos.

Este estudo teve como objetivo realizar uma análise dialógica intertextual da trajetória de vida, da obra e do pensamento das mulheres, professoras e escritoras bragantinas Lindanor Celina (1917–2003) e Maria Lúcia Medeiros (1942–2005). Ambas tiveram experiências vivenciais no município de Bragança (PA), iniciaram a função docente no ensino normal e, após a formação educacional em Letras Português (Licenciatura Plena) pela Universidade Federal do Pará (UFPA), passaram então a desempenhar a docência na referida instituição.

As duas estrearam na literatura da Amazônia paraense com prosas ficcionais que apresentam personagens femininas de posturas transgressoras e insubmissas. São seus livros: Estradas do tempo-foi (1971) e o romance Menina que vem de Itaiara (1996), de Lindanor Celina, e a coletânea de contos Zeus ou a menina e os óculos (1988), de Maria Lúcia Medeiros. Neles tanto uma literata quanto a outra experimentaram ousar por meio da palavra, e foi possível aventurar-se, conhecer o mundo e conhecer-se, a fim de consolidar suas identidades, bem como legitimar suas existências.

De tal modo, uma das preocupações desta pesquisa consistiu na seguinte questão investigativa: quais aspectos intertextuais sobre educação feminina e infância estão materializados nos textos literários das escritoras bragantinas Lindanor Celina e Maria Lúcia Medeiros?

Em termos metodológicos, seguimos uma abordagem qualitativa, do tipo documental. Vale assinalar que, neste trabalho, encaramos o texto literário como um documento histórico capaz de fornecer aspectos elementares para a interpretação da realidade de dada época. Logo, utilizamos aspectos conceituais de gênero fundamentados nos postulados de Margareth Rago (1985)RAGO, M. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar. Brasil 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. e Guacira Lopes Louro (2002)LOURO, G. L. Mulheres na sala de aula. In: DEL PRIORE, M. (org.). História das mulheres no Brasil. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2002. p. 443-509., bem como de educação feminina e infância, com base nos estudos de Adriene Pimenta e Maria Socorro França (2015)PIMENTA, A. S. F. P.; FRANÇA, M. P. S. G. S. A. Educação de meninas órfãs na concepção do intendente Antônio Lemos em Belém do Pará (1900-1906). In: ARAÚJO, S. M. S. A.; FRANÇA, M. P. S. G. S. A.; ALVES, L. M. S. A. (org.). Educação e instrução pública no Pará imperial e republicano. Belém: EDUEPA, 2015. p. 245-269., Eliane Sabino e Laura Maria Alves (2015)SABINO, E. B.; ALVES, L. M. S. A. Colégio Nossa Senhora do Amparo e a educação de meninas desvalidas na Província do Grão Pará. In: ARAÚJO, S. M. S. A.; FRANÇA, M. P. S. G. S. A.; ALVES, L. M. S. A. (org.). Educação e instrução pública no Pará imperial e republicano. Belém: EDUEPA, 2015. p. 105-132., Benedito Costa e Maria Socorro França (2016)COSTA, B. G.; FRANÇA, M. P. S. G. S. A. (org.). Educação de meninas no Asilo de Santo Antônio: regência das Dorotéias sob o olhar romanizador do Bispo D. Antônio de Macedo Costa, na Amazônia (1878-1888). Curitiba: CRV, 2016. e outros.

A análise do discurso intertextual das escritoras seguiu a ótica das teorias propostas por Mikhail Bakhtin (1981BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoievski. Tradução de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1981.; 2003BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.; 2014)BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 16. ed. São Paulo: Hucitec, 2014.. Assim, pela visão bakhtiniana, foi possível a identificação das diferentes vozes coexistentes no interior dos textos literários de Lindanor Celina e Maria Lúcia Medeiros, vozes de caráter plenivalente, independente e imiscível e que defendem seus próprios discursos.

O artigo estrutura-se em duas partes. A primeira parte aborda a autobiografia das escritoras paraenses, com ênfase nos elementos que constituíram sua vida, suas obras e sua trajetória profissional. Em seguida, realizou-se a intertextualidade nas obras das escritoras apontando uma polifonia discursiva, por meio das narrativas, aspectos sobre educação feminina, concepção de mulheres e infância na região bragantina.

(Auto)biografia das escritoras da Amazônia Paraense

A (auto)biografia apresenta uma troca dialógica, apesar de a narrativa biográfica ter vínculos com a vida real e a autobiográfica apresentar ligação com o mundo ficcional. Assim sendo, há um encontro dialógico entre as escritoras Lindanor Celina e Maria Lúcia Medeiros no contexto da Amazônia paraense que possibilita uma análise intertextual, bem como dialógica, à luz do pensamento de Bakhtin (1981BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoievski. Tradução de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1981.; 2003BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.; 2014)BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 16. ed. São Paulo: Hucitec, 2014., visto que ambas possuem textos tecidos polifonicamente por fios dialógicos de vozes que, no interior dos discursos, se entrecruzam, se completam, respondem uns aos outros ou polemizam entre si.

Lindanor Celina nasceu em 21 de outubro de 1917 no município de Castanhal, localizado no estado do Pará. Ela era filha primogênita do casal Oscar d’Andrade Shmidlim Coelho e Francisca de Borja de Souza Coelho. Depois de certo tempo, a família mudou-se para Bragança, onde Lindanor passou a infância e a passagem desta para a adolescência. Em meio a esse cenário, a jovem teve experiências que a marcaram profundamente, uma vez que as práticas socioculturais interferiram no fato de reconhecer-se como bragantina.

Assim que Lindanor terminou o ensino primário, mudou-se para Belém do Pará, onde ingressou no Colégio Interno Santo Antônio, para conquistar o diploma de educadora e dividir as responsabilidades de criação e manutenção da família com o pátrio poder, pois considerava relevante ter uma formação no campo da educação e atuar como professora normalista. Diz ela sobre a importância de trabalhar na docência e ajudar seu pai no sustento familiar: “Importante era eu me formar, arranjar um lugar como professora e me manter, ajudar a educar minhas irmãs, pois ele, a esse tempo, estaria velho, cansado daquela vida da Estrada de Ferro, filho homem não tinha, comigo é que contava” (Celina, 1996CELINA, L. Menina que vem de Itaiara. 3. ed. Belém: Cejup/Secult, 1996., p. 124). Após a conclusão do ensino no educandário das freiras, ela voltou para Bragança com o diploma de normalista. Com esse regresso às terras bragantinas, teve a oportunidade de começar a carreira profissional como secretária de um grupo escolar, o que abriu a chance de tornar-se professora primária.

Em 1966, residindo na cidade de Belém, ingressou no curso de Letras e Artes na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFPA. Por causa da sua aptidão como professora primária, antes mesmo de concluir o curso de graduação e ser diplomada em Letras e Artes, passou a atuar na referida universidade na condição de professora de Estética, matéria que a colocava em contato com as artes e com muitos amigos e amantes das letras.

Após anos lecionando na supracitada instituição, decidiu que seria o momento de mudar-se para a França para cursar o doutorado na Universidade de Paris, na qual se formou em Língua e Literatura Francesa e Civilização Fonética. Ela concluiu o doutorado no ano de 1972 com a tese intitulada Quelques aspectes du conte chez Mário de Andrade.

Em 1975, Lindanor decidiu fixar residência definitiva em Paris, após ser convidada a lecionar na Universidade de Lille III, onde seu valor foi, com o decorrer dos anos, grandemente reconhecido. Nesse período de intensa atuação universitária, também procurou difundir a cultura brasileira, sobretudo a paraense, em terras francesas, organizando mesas-redondas sobre o modernismo brasileiro e mais especialmente sobre um dos seus principais protagonistas, Mário de Andrade, bem como palestras e leituras de obras literárias que retratam a cultura do estado do Pará.

Por sua vez, Maria Lúcia Medeiros nasceu no dia 15 de fevereiro de 1942, na cidade de Bragança, onde a infância foi marcada por experiências relacionadas à passagem de um rio e de um trem. Nesse lugar, cercado de práticas culturais típicas da região bragantina, ela viveu até os 11 anos de idade, em uma “cidade simples no interior, com um trem de ferro e um rio na frente” (Medeiros, 2005MEDEIROS, M. L. Céu caótico. Belém: Secult, 2005., p. 61). No início da década de 1950 a família se mudou para a capital paraense, onde a escritora confessou que viveu sua adolescência repleta de “fantasmas que viviam sob as mangueiras, nas ruas largas, na arquitetura imponente de uma cidade de 250 mil habitantes que era Belém dos anos 50” (Medeiros, 2005MEDEIROS, M. L. Céu caótico. Belém: Secult, 2005., p. 61).

Nos anos 1950, Maria Lúcia, já adolescente, foi aluna do Colégio Gentil Bittencourt, educandário de freiras destinado aos ensinos primário e normal para o público feminino da capital paraense. Nessa época, a jovem frequentou inúmeros restaurantes da cidade, nos quais era comum a presença de escritores paraenses, além do cinema, que despertou o seu fascínio pela linguagem audiovisual. Quando adulta, formada como professora normalista, cursou Letras na UFPA e, anos depois, assumiu a função docente de Comunicação e Expressão em Língua Portuguesa, no início da década de 1970. Mais tarde, começou a trabalhar como docente e pesquisadora na UFPA, onde foi a primeira professora de Redação e Literatura Infantojuvenil, disciplina inserida na matriz curricular do curso de Letras na época. Ademais, foi colaboradora da Universidade da Amazônia.

É possível observar na biografia das referidas escritoras certa familiaridade em suas trajetórias de vida. Ao escreverem suas produções literárias, Lindanor Celina e Maria Lúcia Medeiros incorporaram marcas (auto)biográficas em suas obras de ficção, pois os acontecimentos vivenciados por ambas aparecem descritos nos fatos, bem como na vida de suas personagens, revelando diminuta relação entre o real e a ficção.

Intertextualidade nas obras das escritoras Lindanor Celina e Maria Lúcia Medeiros

As escritoras Lindanor Celina e Maria Lúcia Medeiros apresentam proximidades na trajetória educacional, apesar do período histórico traçado por ambas. Elas estudaram em colégios renomados de Belém do Pará para a aquisição do diploma do Curso Normal, também ingressaram na UFPA e cursaram Letras Português (Licenciatura Plena), assumindo cargos docentes nessa instituição. Portanto, existe intertextualidade na trajetória educacional das referidas escritoras com significado e sentido, embora em períodos históricos diferentes. Há, então, um percurso de educação de mulheres que norteou a formação das duas como escritoras que usam as vozes das protagonistas para denunciar como a mulher era silenciada e invisibilizada pela sociedade paraense nas primeiras décadas do século XX.

Esse percurso na área da educação é retratado nas páginas das produções literárias de autoria das literatas, que destacaram o ensino de meninas na Amazônia paraense no século XX. As supracitadas obras evidenciam o processo de ensino-aprendizagem nos momentos em que as duas escritoras estudaram. Nesse contexto, percebe-se a relação intertextual entre a vida cotidiana real e a ficcional existente na formação desses sujeitos femininos.

Na abordagem bakhtiniana, a intertextualidade é uma categoria que envolve a troca dialética, uma vez que ocorre intercessão entre Lindanor Celina (sujeito 1) e Maria Lúcia Medeiros (sujeito 2). Assim sendo, esse processo dialético influencia a formação do eu, o qual se baseia na tríade o eu para mim, o eu para os outros e os outros para mim. Em outras palavras, a consciência do eu dá-se a partir da consciência do outro.

É válido ressaltar que os episódios da vida educativa de Lindanor Celina contêm traços de recordação no romance Menina que vem de Itaiara, no qual se observa a protagonista, Irene, vivenciando esse percurso quando inicia seus estudos no Externato Santo Afonso, em Bragança, onde o ensino era marcado por uma educação tradicional pautada na memorização e castigos, em que a tabuada era cantada e repetida, para que ocorresse a memorização. Em virtude desse perfil educacional, as crianças encaravam uma rotina escolar em que o aprendizado era mediante a repetição aos gritos, em um coro que ultrapassava a sala de aula. Como se lê no seguinte excerto presente no romance: “Do externato, guardo nos ouvidos a cantoria, nós enfileirados nos bancos, as pernas balançando, na cadência do: ‘cinco vez uma cinc’ cinco vez duas dez cinco vez três quinz cinco vezes quatruvint’, até cinco vez dez cinqüeeeeeeeeeent’” (Celina, 1996CELINA, L. Menina que vem de Itaiara. 3. ed. Belém: Cejup/Secult, 1996., p. 21).

Na narrativa de Lindanor Celina o ensino ofertado à criança bragantina era oriundo de uma escola arquitetada em uma educação rígida e disciplinadora. A escritora descreve a escola como um lugar opressivo, declaradamente rejeitado pela criança e de limitada formação intelectual, pois a voz da menina Irene questiona e denuncia o valor do diploma ofertado pela escola: “Aos sete anos, depois de um de externato, tirei o diploma. De quê, não sei. Papai foi me fazer perguntas, botou a mão na cabeça, eu não sabia era nada. Só entoava tabuada, isso mesmo de cor, cantava hinos e declamava Bilac” (Celina, 1996CELINA, L. Menina que vem de Itaiara. 3. ed. Belém: Cejup/Secult, 1996., p. 21). Por causa do precário ensino ofertado pelo Externato Santo Afonso, a menina esclarece: “Quando me matricularam no grupo fui parar nas primeiras letras, burra, burra” (Celina, 1996CELINA, L. Menina que vem de Itaiara. 3. ed. Belém: Cejup/Secult, 1996., p. 31).

Outro espaço educacional da infância da escritora descrito no seu romance Menina que vem de Itaiara é o Grupo Escolar Doutor Brandão. Dessa instituição, Lindanor Celina guardou recordações dos tempos de peraltices, descobertas e namorados que serviram de inspiração para criar suas páginas de ficção: “No quinto ano, quase todas tínhamos namorados. Nancy namorava Julião, Rosa vivia de conversa com um sobrinho do dentista, dr. Bernardes, um brancoso, boca peba, um tal de Alan” (Celina, 1996CELINA, L. Menina que vem de Itaiara. 3. ed. Belém: Cejup/Secult, 1996., p. 190).

Com aproximadamente 11 anos de idade, Lindanor iniciou os estudos no Colégio Santo Antônio, referência de ensino feminino na capital paraense, uma vez que o internato contava não apenas com a formação intelectual, mas também com os ensinos moral, religioso e de prendas domésticas destinados às jovens aprendizes. No excerto retirado do romance Estradas do tempo-foi, a escritora, por meio da voz da narradora e protagonista, Irene, relata o rigoroso regime disciplinar da escola, repleto de missas e regras: “O acordar com bater de palmas, predispunha-a mal para o resto do dia. Naquela casa tudo se opera através das palmas, de toques de sino. Palavras raras” (Celina, 1971CELINA, L. Estradas do tempo-foi. Rio de Janeiro: JCM, 1971., p. 39).

Em virtude dessa filosofia e da missão do Colégio Santo Antônio, a procura pelo estudo no referido estabelecimento escolar era considerável, em decorrência do molde de perfil feminino exigido pela sociedade naquela época. Contudo, para muitas meninas, a escola representava um ambiente opressivo, disciplinado e até mesmo entediante: “Primeiros tempos, que tédio, missa uma chatura” (Celina, 1971CELINA, L. Estradas do tempo-foi. Rio de Janeiro: JCM, 1971., p. 39). O referido colégio seguia uma formação feminina desenvolvida pela congregação das Irmãs Dorotéias, que atuaram na manutenção de uma educação conservadora.

Já Maria Lúcia Medeiros estudou na década de 1950 no Colégio Gentil Bittencourt. Apesar de nesse momento histórico a instituição escolar não funcionar mais na condição de abrigo/asilo para meninas gentias como no início do século XX, a escritora retratou nas obras literárias essa experiência de meninas transgressoras que estudavam em colégios internos, como, por exemplo, no conto “Caminhos de São Tiago”, pertencente à coletânea Zeus ou a menina e os óculos: “Reviu o rosto da freira no dia em que abriu no choro em meio à aula de bordado. O rosto vermelho agitado, montando cenário para as palavras que saíam em cachoeira: louca, loucura, doença, médico, Deus, pecado...” (Medeiros, 1988MEDEIROS, M. L. Zeus ou a menina e os óculos. [S.l.]: Roswitha Kempf, 1988., p. 37).

Outra micronarrativa ficcional que faz parte da coletânea se intitula “Chuvas e Trovoadas” e frisa o ensino destinado especificamente às meninas na cidade de Belém do Pará. Nessa trama há a presença de uma personagem infantil e transgressora, a qual apresenta resistência às aulas de costura e bordado realizadas na casa de uma professora particular, rígida e exigente que se orgulhava em “vê-las ali, trabalhos manuais executando, era encher de graça e placidez, um mundo de meninas laboriosas, aprendizes, um mundo comportado” (Medeiros, 1988MEDEIROS, M. L. Zeus ou a menina e os óculos. [S.l.]: Roswitha Kempf, 1988., p. 52).

No mundo comportado descrito no excerto exibido, talvez muito semelhante ao vivenciado na infância da escritora, vê-se um espaço de formação de meninas em respeitadas mulheres da sociedade. Com base nessa concepção, a professora sonhava em transformar as dóceis meninas costureiras em “futuras jovens senhoras, ‘mãos de fada’, orgulho dos maridos, da família. Proibido falar em mundo perdido. Vislumbrava-o inteiro naquelas meninas tão meninas, tão delicadas, louçãs, gentis” (Medeiros, 1988MEDEIROS, M. L. Zeus ou a menina e os óculos. [S.l.]: Roswitha Kempf, 1988., p. 54).

Maria Lúcia, ou simplesmente Lucinha, como era popularmente conhecida, conquistou o diploma de professora normalista tal qual Lindanor Celina. Além disso, também se graduou em Letras Português na UFPA e começou a função docente na referida universidade por meio do curso de Comunicação e Expressão em Língua Portuguesa na década de 1970, bem como foi a primeira professora de Redação e Literatura Infantojuvenil.

Essa proximidade entre o trajeto das escritoras no campo da educação possibilita a ocorrência do fenômeno da intertextualidade, o qual acontece não apenas nos aspectos biográficos, mas também nos autobiográficos, pois as literatas escreveram obras literárias com diferentes vozes de protagonistas transgressoras que se reportam ao seu passado. Logo, as narrativas ficcionais podem ser consideradas autobiografias marcadas, nesse diálogo intertextual, pela presença de discursos narrativos de Lindanor e de Maria Lúcia.

Com base nesse pressuposto, pode-se afirmar que o percurso educacional de Lindanor Celina dialoga com o de Maria Lúcia Medeiros, assim como os discursos autobiográficos presentes nas produções literárias dessas duas escritoras. Por conseguinte, compreende-se esse jogo intertextual provocado pela construção discursiva que ocorre entre autoras/personagens, embora existam peculiaridades. Mikhail Bakhtin (2003, p. 331)BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. elucida: “Por trás de todo texto, encontra-se o sistema da língua; no texto, corresponde-lhe tudo quanto é repetitivo e reproduzível, tudo quanto pode existir fora do texto”.

O romance Menina que vem de Itaiara, de Lindanor Celina (1996)CELINA, L. Menina que vem de Itaiara. 3. ed. Belém: Cejup/Secult, 1996., e a coletânea de contos Zeus ou a menina e os óculos, de Maria Lúcia Medeiros (1998)MEDEIROS, M. L. Zeus ou a menina e os óculos. [S.l.]: Roswitha Kempf, 1988., apresentam um cruzamento de vozes de meninas transgressoras do século XX. Pode-se dizer que as obras formam uma polifonia repleta de narrativas sobre a formação de mulheres, por meio das protagonistas femininas. No que tange às produções literárias em estudo, as autoras rompem com a ideia idealizada de criança das primeiras décadas do século XX, pois a obediência e a passividade da criança foram desmistificadas ao trazer nas personagens uma infância em que a menina é questionadora e tem comportamento que fugia dos padrões femininos. Vale destacar ainda que, pelas personagens femininas, ambas as autoras levam o leitor a conhecer uma infância feminina carregada de princípios e concepções morais que transgrediam socialmente. Elas trazem uma infância geracional e com práticas culturais arraigadas nos saberes e conhecimentos da região bragantina.

As práticas sociais e culturais que marcaram o referido período das sociedades bragantina e belenense naquela época, por intermédio das protagonistas, apresentam experiências no contexto da Amazônia paraense que remetem a uma infância que ficou perdida no tempo. Sendo assim, tem-se a possibilidade de perceber a representação da infância bragantina que fornece a expressão cultural infantil das primeiras décadas do século passado, mediante os discursos narrativos das escritoras paraenses.

Lindanor Celina e Maria Lúcia Medeiros viveram, sentiram e guardaram em suas memórias uma infância de lugares, espaços, artefatos e sociabilidades. Enfim, trabalhar com as autoras é fazer da literatura uma forma de compreensão do real, como Maria Cristina Gouvêa (2007, p. 23)GOUVÊA, M. C. S. A literatura como fonte para a história da infância: possibilidades e limites. In: LOPES, A.; FARIA FILHO, L. M.; FERNANDES, R. (org.). Para a compreensão histórica da infância. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. p. 19-38. diz: “A matéria-prima do texto literário são os signos, e é na fluidez e no deslizamento característicos da produção semiótica que essa escrita se localiza e locomove”.

É possível identificar um diálogo entre as meninas das produções literárias das escritoras, os sujeitos femininos com formação da consciência social ao longo das narrativas, haja vista que “a multiplicidade de vozes e consciências independentes e imiscíveis e a autêntica polifonia de vozes plenivalentes constituem, de fato, a peculiaridade fundamental dos romances, como os observados nos romances de Dostoiévski” (Bakhtin, 1981BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoievski. Tradução de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1981., p. 2). Assim sendo, percebe-se que Lindanor e Maria Lúcia escreveram seus contos e romances à consciência do autor criador da narrativa. Ou seja, “à luz da consciência una do autor, se desenvolve nos seus romances; é precisamente a multiplicidade de consciências equipolentes e seus mundos que aqui se combinam numa unidade de acontecimentos, mantendo a sua imiscibilidade” (Bakhtin, 1981BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoievski. Tradução de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1981., p. 2).

Na supracitada obra de Maria Lúcia Medeiros (1998)MEDEIROS, M. L. Zeus ou a menina e os óculos. [S.l.]: Roswitha Kempf, 1988., os contos “Corpo inteiro”, “Zeus ou a menina e os óculos”, “Era uma vez”, “Nimbus, Cirrus, Cumulus e Estratus”, “Caminhos de São Tiago”, “Espelho meu” e “Chuvas e trovoadas” dialogam com as vozes contidas nos romances Menina que vem de Itaiara e Estradas do tempo-foi, visto que a infância de menina é retratada, principalmente o modelo de educação, as brincadeiras, como deveria ser o comportamento de uma menina da sociedade, as mudanças físicas no corpo feminino, entre outros aspectos. Nesse ponto de vista, pode-se dizer que a relação com o outro e a formação da consciência social das primeiras décadas do século XX se destacam enquanto aspectos primordiais que enfatizam essas vozes, as quais ecoam simultaneamente nas narrativas literárias aqui estudadas.

O modelo de uma educação tradicional cruza as narrativas das escritoras, pois se priorizava naquela época não apenas o ensino formal para o público feminino, mas também o ensino de prendas domésticas, uma vez que a formação educacional estava atrelada à modelação do perfil feminino na sociedade. Em virtude dessa realidade, as meninas tinham aulas de costura e bordado nos colégios internos ou na casa de uma professora.

A educação feminina baseava-se também no aprendizado das prendas domésticas com agulhas e linhas. A mulher precisava ser preparada para ser uma boa dona de casa, para o casamento e para cuidar dos filhos (Costa; França, 2016COSTA, B. G.; FRANÇA, M. P. S. G. S. A. (org.). Educação de meninas no Asilo de Santo Antônio: regência das Dorotéias sob o olhar romanizador do Bispo D. Antônio de Macedo Costa, na Amazônia (1878-1888). Curitiba: CRV, 2016.). Ser boa mãe e esposa obediente era a égide comportamental que se exigia das mulheres ao longo das primeiras décadas do século XX.

Para Eliane Sabino e Laura Alves (2015, p. 128)SABINO, E. B.; ALVES, L. M. S. A. Colégio Nossa Senhora do Amparo e a educação de meninas desvalidas na Província do Grão Pará. In: ARAÚJO, S. M. S. A.; FRANÇA, M. P. S. G. S. A.; ALVES, L. M. S. A. (org.). Educação e instrução pública no Pará imperial e republicano. Belém: EDUEPA, 2015. p. 105-132., as instituições educativas para meninas desde o século XIX lhes davam a “formação primária com atividades de leitura, escrita, caligrafia, aritmética, gramática, além de orientações morais e religiosas”. Nessa mesma linha de pensamento, Guacira Louro (2002)LOURO, G. L. Mulheres na sala de aula. In: DEL PRIORE, M. (org.). História das mulheres no Brasil. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2002. p. 443-509. assinala que a formação e a educação das mulheres se restringiam “[às] habilidades com agulhas, os bordados, as rendas, as habilidades culinárias, bem como as habilidades de mando das criadas e serviçais” (Louro, 2002LOURO, G. L. Mulheres na sala de aula. In: DEL PRIORE, M. (org.). História das mulheres no Brasil. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2002. p. 443-509., p. 446). Desse modo, a educação doméstica era considerada fundamental para a formação feminina naquela época.

Para a educação das mulheres da elite paraense, a formação era mais refinada. A jovem deveria ser educada para o lar, aprender os afazeres domésticos, ser mãe de família, boa e amorosa, que pudesse cuidar do marido. Não era uma educação qualquer. Adriene Pimenta e Maria do Socorro França (2015, p. 262)PIMENTA, A. S. F. P.; FRANÇA, M. P. S. G. S. A. Educação de meninas órfãs na concepção do intendente Antônio Lemos em Belém do Pará (1900-1906). In: ARAÚJO, S. M. S. A.; FRANÇA, M. P. S. G. S. A.; ALVES, L. M. S. A. (org.). Educação e instrução pública no Pará imperial e republicano. Belém: EDUEPA, 2015. p. 245-269. explicam que essa mulher teria de ter “inteligência culta”. Segundo as autoras, a educação refinada estendia-se às aulas de francês, música, piano e coral. Toda essa formação dava uma educação social para as mulheres, uma vez que cabia a elas demonstrar seus dotes artísticos em ambiente privado.

No início do século XX havia um discurso hegemônico no qual as mulheres deveriam ser formadas com uma educação moral sólida, visando principalmente à formação de esposas e mães, em detrimento de uma educação escolar que emancipassem as mulheres (Gondra; Schuler, 2008GONDRA, J. G.; SCHULER, A. Educação, poder e sociedade no Império brasileiro. São Paulo: Cortez, 2008.).

Segundo Guacira Louro (2002, p. 453)LOURO, G. L. Mulheres na sala de aula. In: DEL PRIORE, M. (org.). História das mulheres no Brasil. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2002. p. 443-509., o “trabalho deveria ser exercido pela mulher de modo a não a afastar da vida familiar, dos deveres domésticos, da alegria da maternidade, da pureza do lar”. Por esse viés teórico, pode-se aferir que a educação feminina se restringia à vida doméstica. O sistema patriarcal estabeleceu sobre a mulher a concepção de sexo frágil, física, moral e intelectualmente inferior. Assim, é possível perceber o enfrentamento da disseminação desse discurso nas narrativas literárias das escritoras Maria Lúcia Medeiros e Lindanor Celina, por meio de personagens transgressoras.

Margareth Rago (1985, p. 65)RAGO, M. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar. Brasil 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. enfatiza que, infelizmente, ao longo do século XIX, “a construção de um modelo de mulher simbolizada pela mãe devotada, obediente e subserviente ao marido implicou sua completa desvalorização profissional, política e intelectual”, o que adentrou no século XX. Esse modelo de mulher do lar afastava sobremaneira as mulheres de atividades profissionais em ambientes públicos. Fora do ambiente privado, a mulher só poderia trabalhar no magistério, pois era uma tarefa considerada feminina naquele período, já que ela apresentava habilidades para o ensino das primeiras letras e sentimento para desenvolver a boa educação e o cuidado dos filhos.

Com relação às atividades lúdicas na infância feminina, as escritoras reportam o leitor para as brincadeiras e artefatos do século XX. As crianças brincavam de adivinhações, bodoque, quatro cantos e outras brincadeiras que ocorriam na maioria das vezes na rua ou no quintal de casa, no entanto as meninas não podiam participar de todas as brincadeiras por sua própria condição feminina, à qual a sociedade empunhava comportamentos. Por esse motivo, havia restrições para elas quanto à maneira de se comportar em público e em ambientes privados. As meninas eram reprimidas caso quebrassem essa regra social e moral. Basta observar no excerto a seguir fornecido pelo romance de Lindanor Celina (1996, p. 26)CELINA, L. Menina que vem de Itaiara. 3. ed. Belém: Cejup/Secult, 1996.: “Menina não brinque de bodoque, isso é pra moleque”.

Outrossim, as mudanças no corpo feminino foram ressaltadas nas tramas e estavam estreitamente relacionadas aos aspectos emocionais das personagens femininas. Isso porque o início da puberdade acarretava transformações físicas e psicológicas. Observa-se o seguinte fragmento narrativo do conto “Espelho meu”, de Maria Lúcia Medeiros (1988, p. 42)MEDEIROS, M. L. Zeus ou a menina e os óculos. [S.l.]: Roswitha Kempf, 1988.: “Do espelho gostava, o único gostar dentro daquele domingo [...]. A espinha no rosto, a primeira, os primeiros pêlos, o espelho revelou. E refletiu medos vários, angústias abafadas, coisa que não se esconde de espelhos”.

Lindanor Celina (1996)CELINA, L. Menina que vem de Itaiara. 3. ed. Belém: Cejup/Secult, 1996., em um fragmento discursivo de Menina que vem de Itaiara, mantém um diálogo intertextual com Maria Lúcia ao também trazer à tona a preocupação de suas personagens com relação às transformações do corpo feminino: “Estava mocinha, meu corpo cada dia era uma surpresa. Isso me preocupava! Engraçado como de repente, de uns tempos para cá, talvez da metade do quarto ano em diante, eu dera para me atormentar com certas coisas que antes nem me passavam pela cabeça” (Celina, 1996CELINA, L. Menina que vem de Itaiara. 3. ed. Belém: Cejup/Secult, 1996., p. 193).

Tais discursos presentes nas obras das autoras dialogam entre si e revelam as visões de personagens em seus processos de transição da vida infantil para a mocidade. Essa passagem é considerada agitada pela exuberância do corpo, em ritmo de crescimento, que assusta e desperta encantos, curiosidades e promessas da idade. Assim, observa-se que a relação com o outro ocasiona, de fato, o discurso de outrem, o qual contribui com a formação da consciência social das protagonistas femininas criadas por Maria Lúcia Medeiros e Lindanor Celina. Ou seja, há influências no discurso das personagens femininas em decorrência da relação dialógica estabelecida com o sujeito, tendo em vista que “um produto ideológico faz parte de uma realidade (natural ou social) como todo corpo físico, instrumento de produção ou produto de consumo; mas, ao contrário destes ele também reflete e refrata uma outra realidade, que lhe é exterior” (Bakhtin, 2014BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 16. ed. São Paulo: Hucitec, 2014., p. 31).

Nos enunciados narrativos das obras analisadas de Lindanor Celina e Maria Lúcia Medeiros, podem-se constatar vozes de denúncia de uma educação feminina tradicional que incomodava as escritoras, sobretudo o discurso ideológico patriarcal, que silenciava as mulheres diante da sociedade. Ademais, as referidas escritoras romperam essa égide patriarcal na sua vida pessoal, uma vez que a formação nas letras e o envolvimento com a educação desenvolveram em ambas o desejo de que a mulher poderia ocupar efetivamente espaços até então não adequados para ela. Dando voz às personagens femininas, elas expressavam suas inquietações.

As escritoras paraenses Lindanor Celina e Maria Lúcia Medeiros se dedicaram a escrever contos e romances, mas também ocuparam outros espaços, como jornais e revistas. Lindanor Celina, por exemplo, colaborou com jornais do estado do Pará e com as revistas Guajarina, A Semana e Belém Nova. Já Maria Lúcia Medeiros teve papel importante na literatura infantojuvenil.

Considerações finais

No acervo analítico desta investigação foram encontrados textos literários de Lindanor Celina e Maria Lúcia Medeiros materializados por meio de um coro de vozes sociais contidas nas páginas de romances e contos, com elos dialógicos que versam principalmente sobre a intertextualidade e polifonia, as quais se deram sobretudo no seguinte aspecto: as literatas deixaram a região bragantina onde vivenciaram práticas culturais e sociais marcantes na trajetória de suas vidas.

Outro elemento relevante é a necessidade da busca de outras aprendizagens que influenciaram a referida partida, com a finalidade de garantir a formação educacional. Isso possibilitou um desenvolvimento enquanto professoras, escritoras e mulheres no contexto no qual estavam inseridas, pois o ingresso delas na docência em instituições de ensino primário e superior; a criação de acervos literários com personagens femininas ficcionais de posturas transgressoras, insubmissas e com conflitos semelhantes aos das mulheres da vida real; e a produção de diversas obras que trazem as problemáticas envolvendo a temática do tradicional eixo paradigmático educacional no estado do Pará refletiram aspectos relevantes da supracitada análise intertextual.

Nessa perspectiva, acredita-se que este estudo tenha possibilitado reflexões analíticas acerca da trajetória de sujeitos femininos na formação educacional nos contextos real e ficcional. Além do mais, ambas as escritoras apresentam uma história de vida vinculada ao âmbito educacional e influência na produção literária com protagonistas femininas que tentavam libertar-se de amarras sociais reproduzidas pelas instituições da época. Lindanor Celina e Maria Lúcia Medeiros encontram-se não somente na cidade bragantina, onde viveram a infância e juventude, mas nas memórias que constituem os discursos narrativos presentes em suas obras.

Agradecimentos

Agradecemos às mulheres e escritoras Lindanor Celina e Maria Lúcia Medeiros.

  • Número temático organizado por: Lia Machado Fiuza Fialho https://orcid.org/0000-0003-0393-9892, Hugo Heredia Ponce https://orcid.org/0000-0003-3657-1369, Manuel Francisco Romero Oliva https://orcid.org/0000-0002-6854-0682.
  • Financiamento

    Não se aplica.

Disponibilidade de dados da pesquisa

Não se aplica.

Referências

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Editoras Associadas:

Elizabeth dos Santos Braga https://orcid.org/0000-0002-8115-249X e Rita de Cassia Gallego https://orcid.org/0000-0003-4465-8173

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    04 Mar 2023
  • Aceito
    15 Set 2023
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