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Sem tempo de ser criança: a pressa no contexto da educação de crianças e implicações nas aulas de educação física

No hay tempo para ser un niño: prisa en el contexto de la educación de los niños y sus repercusiones en las clases de educación física

No time to be a child: a hurry in the context of education for children and implications in physical education classes

Resumos

Este texto caminha no sentido de refletir sobre o tempo no processo de educação das crianças, dando destaque ao culto a tudo que é veloz. Procuramos mostrar que a maneira pela qual a sociedade de maneira hegemônica tem percebido o tempo está relacionada com as mudanças mais radicais e menos perceptíveis da nossa modernidade. Na Educação Física, a compreensão fenomenológica do movimento humano ajuda a compreender o brincar e o "se-movimentar"- conceito desenvolvido no Brasil por Kunz (2000) - como as principais possibilidades de respeitar a criança no que ela é e deseja no presente de sua vida e de se posicionar criticamente diante de uma lógica do apressamento do tempo, que faz sucumbir à quantidade em detrimento da qualidade.

Educação física; educação infantil; tempo e brincadeira


Este texto se mueve a reflexionar sobre el tiempo en el proceso de educar a los niños, haciendo hincapié en la adoración de todo lo que es rápido. Se demuestra que la manera en que la sociedad se ha dado cuenta del tiempo de manera hegemónica está relacionada con los cambios más radicales y menos visibles de nuestra modernidad. En Educación Física, la comprensión fenomenológica del movimiento humano ayuda a comprender la obra y "mover a sí mismo" - un concepto desarrollado en Brasil por Kunz (2000) como las principales posibilidades de respetar al niño como el es y lo que el quiere de su vida, así como posicionarse criticamente delante de una lógica fundamental de agilizar el tiempo, que hace sucumbir a la cantidad sobre la calidad.

Educación física; educación infantil; tiempo; play


This text moves towards to reflect on time in the process of educating children, emphasizing the worship of everything that is fast. We show that the manner in which the company has noticed the way hegemonic time is related to the most radical changes and less noticeable of our modernity. In Physical Education, the phenomenological understanding of human movement helps to understand the play and "moving oneself" - a concept developed in Brazil by Kunz (2000) as the main possibilities of respecting the child as she is and wants of his life in this and to stand before a critical logic of expediting the time, which is succumbing to quantity over quality.

Physical education; child education; time; play


ARTIGOS ORIGINAIS

Sem tempo de ser criança: a pressa no contexto da educação de crianças e implicações nas aulas de educação física

No time to be a child: a hurry in the context of education for children and implications in physical education classes

No hay tempo para ser un niño: prisa en el contexto de la educación de los niños y sus repercusiones en las clases de educación física

Ms. Gilmar StaviskiI; Ms. Aguinaldo SurdiII; Dr. Elenor KunzIII

IMestre em Educação Física pelo Centro de Desportos da Universidade Federal de Santa Catarina (CDS/UFSC), Professor colaborador do Centro de Ciências da Saúde e do Esporte (CEFID) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) (Florianópolis – Santa Catarina – Brasil) E-mail: staviski2010@yahoo.com.br

IIProfessor do Departamento de Ciências Humanas e Sociais, Letra e Educação Física. Área de Educação Física. Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), doutorando em Educação Física na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) (Videira – Santa Catarina – Brasil) E-mail: aguinaldosurdi@yahoo.com.br

IIIProfessor titular do Departamento de Educação Física do Centro de Desportos da Universidade Federal de Santa Catarina (CDS/UFSC), doutorado na Universidade de Hannover – Alemanha) (Florianópolis – Santa Catarina – Brasil) E-mail: elenkunz@terra.com.br

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Gilmar Staviski Av. Engº Max de Souza, 1327 Ed. São Gabriel, apto 101 Coqueiros – Florianópolis – SC CEP: 88080-000

RESUMO

Este texto caminha no sentido de refletir sobre o tempo no processo de educação das crianças, dando destaque ao culto a tudo que é veloz. Procuramos mostrar que a maneira pela qual a sociedade de maneira hegemônica tem percebido o tempo está relacionada com as mudanças mais radicais e menos perceptíveis da nossa modernidade. Na Educação Física, a compreensão fenomenológica do movimento humano ajuda a compreender o brincar e o "se-movimentar"- conceito desenvolvido no Brasil por Kunz (2000) - como as principais possibilidades de respeitar a criança no que ela é e deseja no presente de sua vida e de se posicionar criticamente diante de uma lógica do apressamento do tempo, que faz sucumbir à quantidade em detrimento da qualidade.

Palavras-chave: Educação física; educação infantil; tempo e brincadeira;

ABSTRACT

This text moves towards to reflect on time in the process of educating children, emphasizing the worship of everything that is fast. We show that the manner in which the company has noticed the way hegemonic time is related to the most radical changes and less noticeable of our modernity. In Physical Education, the phenomenological understanding of human movement helps to understand the play and "moving oneself" - a concept developed in Brazil by Kunz (2000) as the main possibilities of respecting the child as she is and wants of his life in this and to stand before a critical logic of expediting the time, which is succumbing to quantity over quality.

Keywords: Physical education; child education; time; play.

RESUMEN

Este texto se mueve a reflexionar sobre el tiempo en el proceso de educar a los niños, haciendo hincapié en la adoración de todo lo que es rápido. Se demuestra que la manera en que la sociedad se ha dado cuenta del tiempo de manera hegemónica está relacionada con los cambios más radicales y menos visibles de nuestra modernidad. En Educación Física, la comprensión fenomenológica del movimiento humano ayuda a comprender la obra y "mover a sí mismo" - un concepto desarrollado en Brasil por Kunz (2000) como las principales posibilidades de respetar al niño como el es y lo que el quiere de su vida, así como posicionarse criticamente delante de una lógica fundamental de agilizar el tiempo, que hace sucumbir a la cantidad sobre la calidad.

Palabras claves: Educación física; educación infantil; tiempo; play.

INTRODUÇÃO

Considerando a forma peculiar como a criança concebe o seu viver – com a atenção para o momento presente de sua vida e sem esperar por resultados – um dos assuntos que suscita ser refletido no âmbito do ensino, principalmente no que diz respeito às crianças pequenas, é a questão do tempo, tempo do viver.

Quando vemos muitas vezes o interesse de pais e professores em potencializar capacidades nas crianças para que estas possam ser futuramente um adulto bem sucedido no mercado de trabalho, ou ainda querer torná-la um adulto de maneira precoce, forçando sua participação em aulas de música, dança ou outro esporte, atribuindo um sentido estritamente utilitarista ao seu viver, este agir do adulto pode estar roubando o que é mais valioso para a criança, que é justamente o seu tempo de ser criança.

Este estudo, ao reconhecer em nossa modernidade uma lógica do culto ao "tudo rápido", conforme discutido por Honoré (2007), pretende considerar a criança como ponto de partida das reflexões para então pensar nas demais estruturas e elementos organizacionais pedagógicos. O esforço de procurar primeiramente compreender o que é uma criança é fundamental para posteriormente pensar no que ela precisa. Corsino (2007) afirma que a partir de um olhar sensível para as produções infantis, que permite conhecer os interesses e conhecimentos que estão sendo apropriados por elas, que será possível desenvolver um trabalho pedagógico em que as crianças estejam realmente em foco.

Neste sentido, o tempo, entendido por Elias (1998) como o transcorrer das nossas vidas, é percebido como veloz e de uma capacidade de pressionar a vida das pessoas como nunca antes, a ponto de atingir e interferir nas esferas de crescimento e desenvolvimento na mais tenra idade. A criança, por sua própria natureza, envolvida no seu tempo e espaço, não percebe o mundo como o adulto, com pressões e atenção nos resultados das ações. O tempo da criança não é igual ao tempo do adulto, pois esta, conforme Santos, (2008) brinca com o tempo, e por brincar com ele, é quem verdadeiramente entende do tempo. Por outro lado, é interessante destacar que a artificialidade dos brinquedos e a quantidade de objetos que são oferecidos às crianças nos dias de hoje, acabam por interferir no próprio ato de brincar e consequentemente no modo de viver. Meira (2003) destaca como a criança contemporânea é afetada pelo meio no qual está inserida, e como passa a reproduzir um viver acelerado, revelando como a formação do inconsciente que se desenha nas vias da linguagem também é marcada pelo social.

Em um mundo no qual a pressa do tempo passa a influenciar diretamente o que pode e o que não pode ser feito, inclusive a maneira ou nível de qualidade de como devem ser conduzidas as atividades, a lógica de acelerar a infância pode fazer muito sentido e suas implicações passarem despercebidas, devido, sobretudo, à própria falta de tempo para refletir com atenção. Por trás deste movimento de tentar apressar os processos relacionados ao desenvolvimento das crianças, escondem-se problemas que podem ser desencadeados na vida adulta, justamente, devido a uma infância fragilizada, na qual a criança não teve tempo de ser criança, brincar livre e espontaneamente, sem preocupar-se com os resultados do seu agir.

Assim, embora ao longo do nosso processo histórico a criança já tenha passado por diferentes compreensões – tanto de negação quanto de submissão – e denúncias dessas formas tenham sido feitas, mais do que nunca, nos últimos tempos, o brincar espontâneo e prazeroso da criança vem sendo ameaçado e desvalorizado por uma lógica utilitarista que é imposta pelo adulto (HONORÉ, 2009). Uma maneira de viver orientada para os resultados das ações, para a busca da especialização precoce e para as preocupações que se encontram exclusivamente no futuro. Desta forma, esquecendo-se do presente e não aceitando a criança como ela se encontra no agora, e sim, na expectativa do que ela poderá vir a ser.

Estes apontamentos iniciais se configuram como importantes eixos para se pensar o papel da educação em nossa atualidade e, a partir destes, o da Educação Física. Não se pode deixar de pensar no papel pedagógico formativo que a educação tem, mas esquecer-se das circunstâncias atuais que a nossa sociedade apresenta e das diferentes influências que as crianças podem receber de todo este processo, pois educação e sociedade caminham juntas e estão intimamente relacionadas.

Pensando desta forma, este trabalho tem como objetivo geral refletir sobre o tempo e suas implicações na maneira como estamos organizando nossas vidas, sobretudo, o agir pedagógico dos professores de Educação Física dentro da educação infantil. Neste sentido, este estudo também pretende desvelar elementos que orientem os professores, diariamente envolvidos com crianças e com os tempos da escola, creches ou instituições afins, sobre os aspectos de aceleramento do modo de viver, uma das características do mundo contemporâneo.

Estas articulações pretendem avançar em direção às respostas frente a um modo desacelerado, para que satisfaçam inquietações em torno de como é possível adequar o tempo produtivo do adulto ao tempo vivido na educação das crianças.

O TEMPO E A PRESSA DO TEMPO – O MUNDO ACELERADO

O tempo é um enigma dentro filosofia e para todos nós, dele pouco sabemos. Se tentássemos defini-lo, seu sentido se perderia nas palavras (BORGES, 1984 apud POMMER, 1991). Refletir sobre o tempo é um esforço enorme, um desafio. Conhecer mais sobre o tempo é conhecer mais sobre nós mesmos.

Segundo Elias (1998), por muito tempo a compreensão do tempo esteve situada em duas esferas, de um lado visto como um dado objetivo, independente da realidade humana e por outro como uma estrutura a priori do espírito. Para este autor, estas duas concepções, embora possam divergir em muitos aspectos, apresentam elementos em comum; ambas consideram o tempo como um dado natural, porém, em um dos casos, trata-se de um dado objetivo, que existe independente da experiência humana, e no outro, de uma simples representação subjetiva, enraizada na natureza, ou seja, que para existir necessita de uma consciência que permite imaginar uma temporalidade.

Para Santo Agostinho há uma grande deficiência quanto à natureza do ser do tempo, o que providencia, segundo Ricoeur (2010), uma espécie de paradoxo ontológico, tanto que com um estilo interrogativo e até aporético, pois foi Santo Agostinho um dos primeiros a conseguir falar algo sobre o tempo de maneira admirável. Para este autor, segundo Comte-Sponville (2000, p. 17), "se ninguém me pergunta o que é o tempo eu sei, mas se me perguntam e quero explicar, já não sei mais".

Ricouer (2010, p. 16), ao extrair a sua análise sobre o tempo, em grande parte a partir das meditações de Santo Agostinho, descreve a aporia fundamental que surge da compreensão da sua natureza: "a do ser ou do não ser do tempo. Pois só pode ser medido o que, de algum modo, é". A partir desta dúvida lógica, argumenta-se a favor de um ser do tempo ou de um não ser do tempo. Assim, há aqueles que dirão que o tempo não tem ser, porque o futuro ainda não é, porque o passado já não é mais e o presente não permanece. Contudo, aqueles que defendem o ser do tempo argumentarão que as coisas que estão por vir serão, que as coisas passadas foram e que as coisas presentes passam; mesmo que passar equivalha a nada.

Considerando as duas hipóteses, a do ser ou do não ser do tempo, Ricouer (2010) questiona como se pode medir algo que não é? O mesmo autor destaca que é somente por meio do uso da linguagem, em particular as narrativas, que é possível fazer muito dos jogos com a nossa experiência temporal, que se não fossem elas, permaneceriam inacessíveis. As narrativas revelam-se mediadoras entre um ponto de partida e um ponto de chegada, entre uma determinada configuração do mundo e outra. Por constituírem-se como ficção, descoladas da pretensão de fazer uma referência imediata à realidade, tornam-se espaço privilegiado para exercícios de experimentação, como as variações imaginativas da experiência temporal.

Assim, o tempo parece fugir da nossa compreensão, não o vemos, não o tocamos e também não o ouvimos. O tempo não pode ser percebido pelos nossos sentidos, afirma Elias (1998), parece não existir, mas é justamente quando pensamos que ele nos falta, que mais forte ele se torna e se faz presente.

Os relógios, aparelhos construídos para auxiliar o homem a coordenar as suas funções, pelo fato de permitir comparar durações, frequentemente são confundidos como algo que mede o tempo, quando não, com o próprio tempo. Os relógios não medem o tempo, se eles permitem medir alguma coisa, não é o tempo invisível, mas algo perfeitamente passível de ser captado, como a duração de um dia de trabalho ou a velocidade de um corredor na prova dos cem metros. Os relógios são elementos físicos que a sociedade padronizou, decompondo-os em sequência modelo de referncia regular, como as horas e os minutos (ELIAS, 1998). Os relógios, juntamente com outros instrumentos e recursos da nossa era moderna, como o avião e a internet, somam para transformar a nossa maneira de viver e tornar o mundo uma extensão mais semelhante e controlável para o homem.

Da criação dos relógios como meio de orientação e da generalização do seu uso, surge uma questão que, refletida com base no estilo de vida das pessoas em nossa sociedade, tem se tornado cada vez mais proeminente: o tempo está tão enraizado na nossa consciência, que parece materializar-se a ponto de ser possível tocá-lo. Temos a impressão que o tempo passa, quando na verdade o que acontece é o transcorrer das nossas vidas. O tempo não existe em si, afirma Elias (1998), mas é um símbolo social, resultado de um longo processo de aprendizagem.

Colaborando com a discussão sobre a natureza do tempo, encontra-se o francês Comte-Sponville, que estudou o tempo dentro da perspectiva que ele chama de o "tempo da consciência" e que assim permite compreendê-lo como a sucessão do passado, do presente e do futuro (COMTE-SPONVILLE, 2000, pg. 18). Desta compreensão do tempo – o tempo da consciência – surge seu caráter metafísico, pois se o passado não existe, uma vez que já aconteceu; nem o futuro, uma vez que ainda não existe, só resta então o tempo presente, que é o único tempo no qual algo pode ser vivido, seja quando nossa consciência se encontra em lembranças ou quando projeta expectativas, a concepção de um passado e de um presente respectivamente.

Assim, embora a categoria tempo ocupe um dos principais pilares neste estudo, a intenção neste momento não é esgotar a sua compreensão, mesmo porque se trata de algo com diversas interpretações. Entretanto, com base nesta prévia fundamentação, podemos perceber que ele pode ser entendido como o transcorrer de nossas vidas, recorrendo a uma interpretação mais sociológica, ou como a sucessão do passado, do presente e do futuro, aludindo a uma concepção filosófica.

Considerando estas duas compreensões, para uma grande parcela de pessoas em nossa sociedade, caracterizadas pelo ritmo acelerado de suas vidas, o tempo que possuem se mostra frequentemente insuficiente. Neste sentido, se o tempo é o transcorrer das nossas vidas, como afirma Elias (1998), e se temos a impressão de que ele já não é mais suficiente, embora as horas dos dias e os segundos dos minutos continuam os mesmos, ou seja, não foram acrescidos e nem retirados os segundos, tampouco modificado os calendários, o que pode então ter mudado foi o nosso comportamento, ou seja, a nossa maneira de viver em sociedade e controlar as nossas vidas.

Segundo Honoré (2007), vivemos em uma sociedade mergulhada em uma cultura do culto à velocidade que tenta tornar tudo produtivo, encaixando coisas e mais coisas em cada hora do dia; não o bastante, é exatamente o culto à velocidade, materializado na exploração e otimização do tempo, que tem movimentado o mundo. O discurso da otimização do tempo tem proporcionado umas das mudanças mais significativas nos afazeres dos dias de hoje e de um passado não muito distante, qual seja, o desejo crescente pela eficiência. Assim, o tempo necessário para a realização de uma tarefa vem se tornando, com o passar dos anos, cada vez menor, bastando verificar como hoje, para escrever um trabalho acadêmico, podemos utilizar os computadores que possibilitam facilmente reparar um erro de escrita, não muito distante, para nos comunicarmos com uma pessoa de outra cidade ou país, o tempo que o correio necessitava para fazer chegar ao destinatário uma correspondência não se compara ao tempo que hoje é utilizado pelo sedex e tão pouco ao que as tecnologias de mensagens eletrônicas necessitam. Para Honoré (2007) a internet revolucionou as nossas vidas, a ponto de abalar algumas leis da física ao permitir que o tempo prevaleça sobre o espaço. Por meio da internet, uma mensagem pode estar presente em qualquer lugar do planeta e ser vista por diferentes pessoas em diferentes lugares ao mesmo tempo.

Ampliando essa reflexão para além do olhar filosófico, um sociólogo que também considerou a categoria tempo em seus estudos, ao descrever o comportamento das pessoas na sociedade contemporânea, foi Zygmunt Bauman. O autor, ao descrever suas considerações sobre o tempo, o faz sempre interligado com a categoria espaço.

Para Bauman (2001) não há dúvidas sobre a complexidade que advém de uma definição sobre o tempo, e pontua que se as pessoas fossem incitadas a explicar o que entendiam por "espaço" e "tempo", diriam que espaço é o que se pode percorrer em certo tempo, e que tempo é o que se precisa para percorrê-lo, entretanto, se fossem pressionadas a definir com exatidão, não entrariam no jogo da definição.

O sociólogo pontua essas reflexões por considerar que a história do tempo, como uma categoria que controla e domina o espaço, começou com a modernidade. Aprendemos com os intelectuais, os valentes cavaleiros da razão, que podíamos ser eficazes, velozes, medir distâncias e velocidades dos corpos celestes, expressando tudo isso em números. Kant inclusive concebeu espaço e tempo como duas categorias transcendentalmente separadas e mutuamente independentes do conhecimento humano (BAUMAN, 2001). Esse controlar o espaço a partir do tempo tem expressão na própria construção de veículos, que podiam se mover mais rápido do que as pernas humanas ou dos animais, e tais veículos podem se tornar mais e mais velozes, de tal modo que atravessar distâncias e alcançar terras cada vez mais distantes tomará cada vez menos tempo.

Bauman (2001) considera que a emancipação do tempo em relação ao espaço está associada à era moderna e às facetas das práticas humanas. Assim, com a modernidade, o tempo é utilizado contra o espaço como ferramenta de conquista de espaço e da apropriação de terras, tornando-se subordinado à inventividade e à capacidade técnica humana. O domínio do espaço veio significar máquinas mais velozes, eliminando o tempo improdutivo, ocioso, vazio e, portanto, desperdiçado. A essa reflexão, Bauman caracteriza como estado da modernidade pesada, ou modernidade sólida.

Todavia, ao fazer referência à atualidade, Bauman pontua uma mudança: se antes existiam tais categorias tempo e espaço como uma predominando sobre a outra, hoje existe uma "irrelevância do espaço, disfarçada de aniquilação do tempo" (BAUMAN, 2001, p. 136). Com o universo dos softwares, os espaços podem ser atravessados literalmente em nenhum tempo. Não existe assim a diferença entre o "longe" e "aqui". O autor alude a existência da instantaneidade e a leveza do ser, que se refere a um movimento muito rápido e a um tempo muito curto, denotando a ausência do tempo como elemento no cálculo de valor. Com um tempo instantâneo, praticamente inexistente, as relações pessoais e as experiências sofrem danos, pois, para o sociólogo, ao estar em vários lugares ao mesmo tempo, não estamos em espaço algum; a instantaneidade favorece um tempo sem consequências, significa realização imediata, de fácil acesso, e assim não há razão para uma passagem válida por um longo tempo. Eis então, o que o autor denomina de modernidade líquida ou leve.

São estas mudanças que nos permitem sentir certo domínio sobre o tempo, pois o quanto demoramos em chegar a um determinado lugar tem, nos dias de hoje, forte relação com a qualidade da escolha, ou seja, se vamos andando, de carro, de avião ou se um simples click em um site nos poupa do empenho despendido em uma viagem. Por outro lado, como paradoxo da modernidade, são justamente as filas de espera em aeroportos e engarrafamentos no trânsito, consequência do aumento na procura por estes serviços e do elevado número de veículos que trafegam nos grandes centros, que nestes locais as pessoas têm experimentado uma das mais interessantes experiências com o tempo; nunca em outra época, o ser humano conseguiu perceber tanto o tempo, porque ao sentir-se preso nas filas ou engarrafamentos, o que lhe falta é justamente o tempo; o que, segundo Comte-Sponville (2000), reforça a ideia de um tempo que parece existir quando da sua ausência.

Assim, seja no simples transcorrer das nossas vidas ou na sucessão do presente, passado e futuro – que ganham forma os processos que chamamos de mentais ou da mente interior – a percepção que mais se evidencia e se torna clara nos dias de hoje é a de que o tempo é um tempo acelerado e que, ao mesmo tempo em que ele nos falta, também nos pressiona. A expressão "correr contra o tempo" torna-se a cada dia mais frequente, providenciando certa "pobreza de experiência" e uma insensibilidade para o momento presente de nossas vidas, tornando nosso agir mais instrumentalizado.

ENTRE O PASSADO E O FUTURO – NOSSA INSENSIBILIDADE DIANTE DO PRESENTE

Maturana e Verden-Zöller (2004) defendem que é a nossa orientação cultural para a produção que nos insensibiliza, a cada momento, para o presente. É ela que dirige continuamente nossa atenção para um passado ou um futuro, que só acontecem no espaço da descrição de nossas expectativas ou queixas, fora do domínio de nossas ações num dado momento.

Ao realizar algo pensando apenas nas consequências do que estamos fazendo, desviamos nossa atenção do presente e o direcionamos para o futuro, onde se encontram as nossas expectativas. Ao realizar algo com o pensamento em nossas frustrações, desviamos a nossa atenção do presente e a orientamos para o passado. Isto, contudo, não quer dizer que o presente desapareça, mas que a nossa atenção não se encontra naquilo que está sendo feito, seja por estar direcionada ao passado, quando vêm à tona as nossas frustrações, ou ao futuro, quando desejamos pelos resultados das nossas ações.

Em nossa cultura, aprendemos a nos orientar para a produção em tudo o que fazemos, como se isso fosse algo natural. Maturana e Verden-Zöller (2004) alertam que, exclusivamente em nossa cultura ocidental, não fazemos apenas o que fazemos, trabalhamos para alcançar um fim. Não descansamos simplesmente, nós o fazemos com o propósito de recuperar energia, não comemos simplesmente, ingerimos alimentos nutritivos, não brincamos simplesmente com nossas crianças, nós as preparamos para o futuro. O resultado é que, em geral, enquanto interagimos com outros seres humanos, a nossa atenção está voltada para além da interação, isto é, para as consequências, que não mais sabemos viver o momento em si; estamos perdendo a nossa sensibilidade para o presente de nossas vidas, e isto vem se constituindo como a conduta normal.

Um sentimento de produtividade nos pressiona e nos faz acreditar que tudo o que fazemos deve ser útil1 1 . É interessante refletir que o que torna algo útil ou não é o valor que atribuímos a ele. Neste sentido, as mudanças de valores em nossa sociedade também refletem o que deve ou não ser considerado útil e perseguido em cada época. Com base em Maffesoli (2005) é possível pensar que o interesse culinário, o jogo das aparências, os pequenos momentos festivos, as perambulações diárias e o lazer não podem ser mais vistos como elementos sem importância na vida social. Por que então buscamos tanto estes momentos? e gerador de resultados imediatos. Somos pressionados a acreditar que em todos os momentos as nossas ações devem ser produtivas e que constantemente devemos estar aprendendo e de maneira consciente. Os nossos desejos estão orientados de tal forma para as consequências das nossas ações, que grande parte do que fazemos não mais vale por si só, mas como meio dirigido a conseguir algo.

Este modo de viver, pensando exclusivamente nos resultados das atividades, é um modo de existir que só faz sentido para o adulto e que acaba desviando a atenção para longe do presente. As crianças não brincam pensando nos efeitos positivos ou negativos do seu brincar, não chutam uma bola ou pulam amarelinha pensando nos ganhos motores e cognitivos desta atividade; elas simplesmente brincam, porque esta é a sua maneira espontânea e natural de existir.

Kunz (2004) nos alerta que perdemos nossa sensibilidade emocional e amorosa com nossos filhos ou crianças se a nossa preocupação com eles se orienta apenas na comparação ao padrão social e culturalmente preestabelecido, não se deixando ver ou perceber os reais desejos e vontades manifestos pelos pequenos. A perda da sensibilidade emocional é consequência de uma excessiva concentração na razão guiada pelo cálculo e pela comparação, valores que são construídos e fortalecidos em nossa sociedade pela aceleração do tempo e por um desejo de progresso a qualquer custo. Ao perdermos a sensibilidade para viver o presente, as nossas ações também se tornam mais instrumentalizadas.

A instrumentalização das relações humanas é fruto da submissão diante da atitude produtiva exigida por nossa cultura, que exige a rapidez e a quantidade em detrimento do calmo e da qualidade. As relações, desta forma, tornam-se obrigações e passam a configurar-se como frias, preocupadas exclusivamente com os resultados. No caso específico das crianças, na interação do adulto para com estas, a falta de sensibilidade para o presente, a instrumentalização nas relações e a velocidade ou apressamento das ações têm forçado um quadro no qual a criança é frequentemente negada, justamente no período que ela mais necessita ser aceita.

O BRINCAR NA VIDA DA CRIANÇA COMO POSSIBILIDADE DE VIVER O TEMPO PRESENTE

Ao refletir sobre a importância da brincadeira no processo de desenvolvimento da criança, percebe-se que o brincar, atividade caracterizada por ser válida em si mesma, é um dos poucos momentos nos quais tanto a criança quanto os adultos podem se encontrar naquilo que estão fazendo e, de fato, viver o presente da realização.

Brinquedos e brincadeiras, de uma maneira geral, sempre foram lembrados quando se pensou em discutir o desenvolvimento da criança, mesmo que na maioria destas discussões o que dominou foi o aspecto funcionalista (desenvolvimento motor, cognitivo, socialização) presente no ato de brincar. Não que estes elementos não estejam presentes ou não sejam importantes, mas a brincadeira não pode ser compreendida apenas como uma atividade com um fim preestabelecido.

Muitos educadores e pais, pelo fato das crianças brincarem de imitar atitudes dos adultos, compreendem a brincadeira como uma excelente ferramenta para preparar para o futuro, como se este fosse o seu propósito biológico. Uma visão que entende a brincadeira somente pela ótica do adulto e que se preocupa exclusivamente com os supostos benefícios gerados por ela, ou seja, os aspectos funcionalistas, não reconhecem os desejos e subjetividades presentes no sujeito principal desta relação enquanto brinca a criança.

Ao discutir sobre a infância, Benjamim (1984) afirma que, de uma maneira geral, os brinquedos documentam como os adultos se colocam em relação ao mundo da criança. Concordamos com as argumentações deste autor e, se analisados ao longo do tempo, os brinquedos podem ajudar a compreender a história de como os adultos pensaram e o que desejaram em relação às crianças, inclusive o que se pensa e deseja em tempos atuais. Assim, se hoje vemos cada vez mais brinquedos industrializados e com objetivos claros de potencializar as capacidades das crianças, como pontua Honoré (2007), percebe-se que o adulto, na busca de preparar a criança para o futuro, pode a negar quando não considera seus desejos e vontades.

O livre brincar da criança pode ser compreendido como o agir espontâneo e sem preocupação com os resultados. O faz de conta e a fantasia são conceitos típicos na vida da criança e também revelam o que ela é e sente no presente de sua existência (OAKLANDER, 1980). Brincar é uma atividade realizada como plenamente válida em si mesma e consumida em sua própria realização. No cotidiano, Maturana e Verden-Zoller (2004, p. 144) "distinguem como brincadeira qualquer atividade vivida no presente de sua realização e desempenhada de modo emocional, sem nenhum propósito que lhe seja exterior". Assim, a brincadeira na vida diária é aquela atividade realizada sem objetivos, mesmo que, por outro lado, tenha propósitos. Os mesmos autores acrescentam que frequentemente a realizamos de modo espontâneo, tanto na infância quanto na vida adulta, quando fazemos o que fazemos atendendo em nosso emocionar ao fazer, e não às suas consequências.

Kunz (2003) afirma que a brincadeira, quando exclusivamente imposta pelo adulto e com objetivos claros de extração cognitivista, repercute em uma limitação na capacidade de conhecer a si mesmo, dificulta a autonomia e artificializa as relações humanas. Quanto mais cedo a criança deixar de brincar de maneira espontânea e com prazer, mais cedo ela entrará no mundo do adulto e a compartilhar das pressões e preocupações presentes neste mundo.

PENSAR O TEMPO NA EDUCAÇÃO FÍSICA: O SE-MOVIMENTAR DA CRIANÇA

Crianças e adultos pensam e se expressam de formas diferentes. O professor, enquanto adulto, já mergulhado em um mundo de múltiplas pressões, constrói seu agir pedagógico com base nas suas experiências de vida, trabalho e formação. Já a criança, por constantemente viver na fantasia e no brincar, vive o seu tempo no presente, no qual a diversidade de medos, pressões e conflitos provenientes do mundo social ainda não estabelecem significados como que para o adulto. Por isto, dadas estas diferenças, aos adultos é e continua sendo difícil o esforço para se desvincular de uma funcionalidade da brincadeira e do tempo, enquanto que para a criança, embora afetada pela família, pela sua história ou pelo que os adultos esperam delas, o mundo basicamente acontece no presente, pois esta, enquanto brinca, não almeja nada além do prazer de brincar.

Com base no trabalho de Kunz (2007), se os professores desejarem como intuito dos seus momentos de Educação Física com as crianças, que estas tenham tempo para serem crianças e que sejam aceitas como se encontram no momento presente de suas vidas, o brincar livre e espontâneo - o se-movimentar, conceito difundido pelo autor, no qual a criança tem autonomia na escolha, no momento e na maneira de brincar – deve ser um conteúdo a ser seguido e valorizado em suas práticas. Brincar livremente não pode mais ser visto apenas como desperdício de tempo e tão pouco destituído de consequências na aprendizagem e no desenvolvimento, sobretudo quando se refere ao mundo das crianças (HOLT, 2006). O brincar assume aqui o centro de um pensar a pedagogia para as crianças, pois se brinca quando se vive o presente, e a Educação Física se destaca neste contexto por preocupar-se com o maior desejo expressivo da criança, seu movimento/Brincadeira.

O brincar e a brincadeira também estão presentes no momento da estruturação da imagem corporal, assim, certamente será diferente para a criança se ela encontrar à sua frente um robô, um vídeo game, uma bola ou terra. O estatuto do objeto que a criança tem acesso para brincar não é irrelevante, da mesma forma que os métodos educacionais utilizados na aprendizagem também não são irrelevantes (MEIRA, 2004).

Há uma pedagogia latente/implícita que, segundo Bondioli (2004), precisa ser valorizada e que ocorre paralelamente ao desenvolvimento das chamadas atividades conscientes no ambiente de ensino e que influenciam o processo de desenvolvimento e aprendizagem da criança. Assim, no mais simples silêncio ou posição imóvel que uma criança aparentemente possa adotar, uma infinidade de sentimentos e sensações estão envolvidas, e que jamais poderão ser identificadas em suas totalidades. Estes sentimentos e sensações são muitas vezes relacionados a um passado, às experiências de vida ou a complexos que se formam na mais tenra idade. Deste modo, o brincar espontâneo, da mesma forma que o tempo e sua utilização, geram influências no processo de formação das crianças, e não podem ser negligenciados e considerados aspectos neutros dentro deste contexto.

Considerando a consequente influência do tempo na forma e organização do ambiente de ensino nos dias de hoje, um dos grandes desafios que os professores enfrentam é conseguir se desprender das excessivas preocupações com caráter desenvolvimentista e cognitivista, no sentido de não permitir que o fluxo criativo das atividades seja comprometido pelo tempo, ou melhor, que a atenção dos professores e das crianças não seja desviada em demasia para longe daquilo que estão fazendo e daquilo que somente pode ser feito no agora. Desta forma, tornar-se sensível para os desejos das crianças e reconhecer as suas necessidades, sem privá-las do direito de vivenciar o que querem, é uma maneira dos professores não as negarem. Em outras palavras, observar e prestar atenção ao olhar, ao tom de voz, à postura corporal, à expressão facial e corporal, à respiração ou mesmo no seu silêncio, são indícios que nos permitem aproximarmos das crianças e enxergá-las como são no presente da realização (OAKLANDER, 1980).

Existe um conjunto de afazeres que são essenciais dentro da educação infantil que, analisados isoladamente, constituem a chamada "rotina" dentro da própria rotina do ensino infantil (BARBOSA, 2006). Estas atividades precisam e devem existir no dia-a-dia das crianças, mas que sob a percepção do adulto são difíceis de serem caracterizadas como brincadeiras. No entanto, se considerarmos que há uma intenção e uma intencionalidade no movimento humano e não apenas uma dimensão externa ou visível (MERLEAU-PONTY, 2006; KUNZ, 2003) estas atividades podem se tornar brincadeiras. Serão brincadeiras, quando realizadas sem uma preocupação orientada exclusivamente para as consequências do que faz, sem vistas para um futuro racionalizado.

Com base no estudo do tempo da consciência aliada à concepção de brincar de Mataruna e Verden-Zoller (2004) e aos estudos sobre o "Se-movimentar humano" de Kunz (2000, 2004, 2007), é possível afirmar que não são novos conteúdos que subsidiarão viver o presente e reencontrar as crianças em nossas práticas, mas sim, a forma como isto precisa acontecer. Neste sentido, as preocupações de ordem exclusivamente cognitivista, as atividades com forte orientação no desempenho de habilidades, os exercícios físicos sistematizados, as atitudes que negam vivências baseadas em estereótipos de todas as formas, como tentar prever que este aluno não será um atleta vencedor ou aquela criança não tem genética para tal esporte, ou mesmo tentar "garimpar" talentos, não devem ser eixos que orientem os professores no ensino de crianças, e isto só poderá ocorrer se os professores aprenderem a viver o tempo presente de suas vidas, semelhante com o que acontece no brincar, no qual a atenção dos envolvidos não se encontra em outro lugar que não no que fazem.

Viver no presente não significa desconsiderar radicalmente que temos expectativas e tampouco viver de maneira inconsequente. De fato, o tempo da consciência não se encontra no momento presente se estivermos preocupados com o futuro ou com a atenção no passado, por isso, as preocupações exageradas, que não deixam viver e encontrar o outro no agora, é que devem ser repensadas, sobretudo o preocupar-se exclusivamente com o desempenho visando o mercado de trabalho. No caso específico da nossa área, permitir que cada criança encontre ao seu tempo e gosto o seu potencial é uma maneira de proceder respeitando e auxiliando na sua formação e no desenvolvimento da consciência de si, como afirma Kunz (2004).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Aceitando a hipótese de que há aproximadamente 40.000 anos somos Homo Sapiens2 2 . Dado retirado de Cortella (2007, p. 15). , nos últimos 39.950 anos da nossa história nunca, em outro momento, o desenvolvimento da ciência e da tecnologia foi tão intenso como está sendo nos últimos 50 anos. A tecnologia encontra-se tão avançada, que já não se fala mais em novas criações, apenas em aperfeiçoamento daquilo que já existe.

E embora com toda a ciência e tecnologia que nossa geração conseguiu disponibilizar e com toda a agilidade e menor tempo que passou a necessitar nos seus processos, nunca em outro momento destes 40 mil anos de história, alguma geração reclamou de tanta falta de tempo como nós o fazemos nos dias de hoje.

Talvez as maiores mudanças ou mudanças mais radicais e menos perceptíveis que a humanidade já conseguiu realizar sejam as relativas às modificações do tempo. E, embora, também de difícil percepção consciente, são estas mudanças relacionadas ao tempo que mais fortemente influenciam e condicionam o nosso modo de pensar, sentir e agir no dia-a-dia (KUNZ, 2004). Como já afirmado anteriormente, o tempo parece não existir ao escapar dos nossos sentidos, mas é exatamente quando ele falta que mais presente se torna.

Neste sentido, se é por meio da concorrência e da competição que a humanidade vem caminhando, percebe-se que a corrida do avanço científico-tecnológico privilegia aqueles que conseguem se adaptar a estas condições e obter os melhores resultados. Isto leva a que se pense nos indicadores de poder a nível mundial, e que toda a conjuntura necessária para que esta trama se desenvolva passa amplamente pelo sistema educacional.

Deste modo, é sobre estas influências de um tempo superacelerado em nossa maneira de viver e, consequentemente, na educação, sobretudo de crianças, que tentamos ao longo deste trabalho discutir, pois, conforme Kunz (2004), o tempo sendo eletrônico e superacelerado, as informações recebidas também o são. E é justamente na tentativa de não tornar as relações mais frias e instrumentalizadas, que um exame atento sobre o tempo e suas faces necessita ser realizado, sob pena de reproduzir uma educação que distancia as pessoas dos valores que as tornam humanas.

Refletir sobre o tempo na educação de crianças é confirmar que a pressa pode comprometer a busca de uma educação equilibrada. Alguns processos não podem seguir a lógica do culto à velocidade. Cada criança tem seu tempo, e tentar não submeter o tempo subjetivo do indivíduo a um tempo homogêneo da sociedade é uma maneira de encontrar a criança na sua luta pela sobrevivência e de sermos facilitadores para que esta tenha o seu tempo de ser criança respeitado.

Do ponto de vista da Educação Física, os estudos que trazem por base os pressupostos da fenomenologia, tendo como referência o conceito do se-movimentar humano, indicam uma possível maneira de educadores posicionarem-se e respeitarem a criança no seu processo de luta pela sobrevivência, conforme argumenta Oaklander (1980). Enfim, crianças não podem ser mais compreendidas como adultos em miniatura.

Recebido em: 29 abr. 2011

Aprovado em: 17 out. 2011

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  • Endereço para correspondência:
    Gilmar Staviski
    Av. Engº Max de Souza, 1327
    Ed. São Gabriel, apto 101
    Coqueiros – Florianópolis – SC
    CEP: 88080-000
  • 1
    . É interessante refletir que o que torna algo útil ou não é o valor que atribuímos a ele. Neste sentido, as mudanças de valores em nossa sociedade também refletem o que deve ou não ser considerado útil e perseguido em cada época. Com base em Maffesoli (2005) é possível pensar que o interesse culinário, o jogo das aparências, os pequenos momentos festivos, as perambulações diárias e o lazer não podem ser mais vistos como elementos sem importância na vida social. Por que então buscamos tanto estes momentos?
  • 2
    . Dado retirado de Cortella (2007, p. 15).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      29 Abr 2011
    • Aceito
      17 Out 2011
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