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Violência e bullying: manifestações e consequências nas aulas de Educação Física escolar

Violence and bullying: expressions and consequences of Physical Education classes

Violencia y bullying: manifestaciones y consecuencias em las clases de Educación Física

Resumos

O presente estudo teve como objetivo identificar a ocorrência de situações de violência e bullying nas aulas de Educação Física, bem como o sentimento dos alunos que vivenciaram e/ ou sofreram com tais situações durante as aulas. Este se desenvolveu por meio de entrevista com 55 alunos de uma escola pública da cidade de Cuiabá, MT, de idades entre 10 e 14 anos, da 5ª e 6ª séries (6º e 7º ano). Foi possível observar que o entendimento de violência e bullying estão relacionados às vivências de seu cotidiano escolar, familiar e comunitário, definindo as brigas, xingamentos, ameaças e coação com bastante naturalidade, como situações comuns do dia a dia. Quanto ao sentimento das vítimas diante das agressões, identificamos nos relatos tristeza, mágoa, vergonha, raiva, vontade de sair do local.

Violência; Bullying; Educação Física; alunos


The present study aimed to identify the occurrence of violence and bullying situations in physical education classes, as well as the feelings of students who experienced and / or suffered these situations in class. This research was developed with the interview of 55 students from a public school in the city of Cuiabá, MT, with ages between 10 and 14 years of the 5th and 6th grades (or 6th and 7th years). It was observed that the understanding of violence and bullying is linked to the experiences of their school life, family and community, and they define the fights, name calling, threats and coercion very naturally, as common situations of day-to-day. The feelings of the victims identified in this study were: attacks, sadness, grief, shame, anger and desire to leave.

Violence; Bullying; Physical Education; Students


El estudio tuvo como objetivo identificar la ocurrencia de situaciones de violencia y bullying em las clases de educación física, y el sentimiento de los estudiantes que han experimentado y/o han sufrido con estas situaciones en classe. El estudo se realizo con la entrevista de 55 estudiantes con edades entre 10 y 14 años de los 5º y 6º año escolar, de una escuela publica en la ciudad de Cuiabá,MT. Se ha observado que la comprensión por violencia y bullying está relacionada con el habito escolar, familiar y comunitário, determinando los enfrentamientos, los insultos, amenazas y apremio con bastante naturalidad, como rutineiras. Cuanto al sentimento de las víctimas defronte de los ataques, identificamos en los relatos tristeza, lastima, verguenza, rabia y gana de marchar del local de los ataques.

Violencia; bullying; Educación Física; estudiantes


INTRODUÇÃO

BULLYING: CONCEITOS E DEFINIÇÕES

Nossa sociedade vive constantemente rodeada por acontecimentos que geram ou são causados por atos violentos. A mídia noticia muitos conflitos em diversos segmentos sociais, aumentando dia após dia o medo e a insegurança de grande parte da população.

Entende-se que a violência, de um modo geral, deve ser vista sob diferentes facetas e estudada em sua complexidade por filósofos, sociólogos, antropólogos, profissionais da saúde, da educação e deve ser discutida também no âmbito das políticas públicas. (BOTELHO; SOUZA, 2007BOTELHO, R. G.; SOUZA, J. M. C. Bullying e Educação Física: características, casos, consequências e estratégias de intervenção. Revista de Educação Física, Niterói, n. 139, p. 58-70, dez. 2007.).

Sposito (1998SPOSITO, M. P. A instituição escolar e a violência. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 104, p. 58-75, jul. 1998., p. 60), não se detendo aos fatores multifacetados da violência, afirma que "[...] a violência é tudo que implica na ruptura de um nexo social, pelo uso da força". A autora destaca ainda que a banalização da violência gera consequências, principalmente no âmbito escolar, uma vez que estrutura várias formas de relacionamento que retiram o caráter eventual ou episódico de determinados acontecimentos de destruição ou de uso da força.

As diversas formas de manifestação da violência dificultam ainda mais sua compreensão que, muitas vezes, se confunde com agressão de um modo geral e teve vários significados ao longo da história, porém, acaba por definir-se conforme a visão de cada povo e de acordo com sua cultura e valores (KAMINSKI; EL TASSA, 2010KAMINSKI, M. G. A.; EL TASSA, K. O. M. A prática pedagógica de educação física e a violência no contexto escolar. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/2514-6.pdf. Acesso em: 07 nov. 2010.
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/por...
).

Laterman (2000), citado por Kaminski e El Tassa (2010)KAMINSKI, M. G. A.; EL TASSA, K. O. M. A prática pedagógica de educação física e a violência no contexto escolar. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/2514-6.pdf. Acesso em: 07 nov. 2010.
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/por...
, partilha do mesmo pensamento, abordando que a violência tem variado em seus significados, não só devido ao contexto em que ocorre ou está inserida, mas também no conjunto das normas morais, éticas e culturais de cada sociedade.

Na escola a violência também encontra diversas maneiras de se manifestar, direcionando-se a quase todos os que estão ligados à instituição escolar: alunos, professores, funcionários, não definindo sexo ou idade (BOTELHO; SOUZA, 2007BOTELHO, R. G.; SOUZA, J. M. C. Bullying e Educação Física: características, casos, consequências e estratégias de intervenção. Revista de Educação Física, Niterói, n. 139, p. 58-70, dez. 2007.).

VIOLÊNCIA E ESCOLA: O BULLYING

No contexto escolar encontramos uma forma mais específica de violência, que ocorre de maneira velada e silenciosa, causando transtornos nos envolvidos em sua prática, a esse tipo de violência dá-se o nome de bullying.

Bullying é uma palavra inglesa que caracteriza condutas agressivas sistematizadas, movidas pelo desejo consciente e deliberado de maltratar uma pessoa, colocá-la sob tensão, também utilizada para conceituar comportamentos agressivos e antissociais. (FANTE, 2005FANTE, C. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2. ed. rev. ampl. Campinas: Verus, 2005.).

Ainda não há uma palavra em português que traduza fielmente o vasto significado de tal comportamento. Quanto à sua raiz verbal, bully quer dizer "tiranizar", "brutalizar", "amedrontar"; já como adjetivo a palavra transforma-se em termos como "valentão", "tirano"; porém, outros países utilizam expressões que materializam, com mesma significância, o fenômeno bullying. Noruega e Dinamarca utilizam a expressão mobbing, na França denomina-se harcèlement quotidièn, na Itália tem-se prepotenza ou bullismo, no Japão é conhecido como yjime ou ijime, na Alemanha como agressionen unter shülern, na Espanha como acoso y amenaza entre escolares e em Portugal como maus tratos entre pares (FANTE, 2005FANTE, C. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2. ed. rev. ampl. Campinas: Verus, 2005.; BOTELHO; SOUZA, 2007BOTELHO, R. G.; SOUZA, J. M. C. Bullying e Educação Física: características, casos, consequências e estratégias de intervenção. Revista de Educação Física, Niterói, n. 139, p. 58-70, dez. 2007.).

Weinhold (2000 apud CATINI, 2004CATINI, N. Problematizando o "bullying" para a realidade brasileira. 2004. 139 f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Pontifica Universidade Católica de Campinas, Centro de Ciências da Vida, Campinas, 2004.) trata o bullying como um comportamento danoso, contínuo por certo tempo, em que a vítima se vê sob o poder de seu agressor graças ao poder exercido sobre ela, seja de tamanho, força, idade ou gênero. Caracteriza-se por atitudes agressivas intencionais e repetidas, que ocorrem sem motivação evidente contra um ou mais estudantes a fim de causar danos, mas são ignorados ou não valorizados, tanto por professores quanto pelos pais. (LOPES NETO, 2005LOPES NETO, A. A. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, n. 81, supl. 5, p. 164-172, 2005.).

Por sua vez, Olweus (1999 apud CATINI, 2004CATINI, N. Problematizando o "bullying" para a realidade brasileira. 2004. 139 f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Pontifica Universidade Católica de Campinas, Centro de Ciências da Vida, Campinas, 2004., p. 2) sustenta que "um estudante está sendo vitimizado quando é exposto, repetidamente e por um tempo prolongado, a ações negativas por parte de um ou mais estudantes", caracterizando-se da seguinte forma:

  1. Comportamento agressivo que pode causar danos; acontece de maneira repetida tendo um caráter degradante e ofensivo e, mesmo com a emissão dos sinais de oposição e desagrado da vítima, as agressões são mantidas

  2. Comportamento repetido por um tempo, não de forma esporádica ou ocasionalmente, geralmente a vítima ocupa essa posição durante anos, assim como o agressor

  3. Relacionamento interpessoal com um evidente desequilíbrio de força, principalmente quando os agressores estão em grupo, em alguns casos a vítima não é fisicamente mais fraca, mas o agressor aproveita que ela se sente mentalmente mais fraca, julgando-se incapaz de se defender e impetra a agressão

Observando tais características pode-se dizer que o bullyingconstitui-se numa categoria específica de violência ou comportamento agressivo. No entanto, existem comportamentos agressivos que não podem ser classificados como bullying, pois diferentemente de confusões esporádicas, brigas ou agressões que só acontecem de tempos em tempos, o bullying apresenta suas próprias características como intencionalidade do comportamento com objetivo de provocar mal estar e ganhar controle sobre a outra pessoa. Essa prática se estende por um longo e ininterrupto período de tempo, pois o agressor, identificando um desequilíbrio de forças, identifica suas vítimas como alvo fácil (FANTE, 2005FANTE, C. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2. ed. rev. ampl. Campinas: Verus, 2005.; CARVALHO; LIMA; MATOS, 2001CARVALHO, S. F.; LIMA, L.; MATOS, M. G. Bullying: a provocação/vitimação entre pares no contexto escolar português. Revista Análise Psicológica, Lisboa, ano 19, n. 4, p. 523-537, 2001.).

Considera-se alvo o aluno que, exposto a ações negativas, constrangedoras e humilhantes durante algum tempo, perpetradas e repetidas de forma intencional, por um ou mais alunos, apresenta dano, ferimentos e incômodo. Geralmente as vítimas são pessoas de comportamento tranquilo, submissas, tímidas e não dispõem de recursos, status ou habilidade para reagir às agressões (LOPES NETO, 2005LOPES NETO, A. A. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, n. 81, supl. 5, p. 164-172, 2005.).

Os alvos apresentam ainda características como ansiedade, insegurança, dificuldade de relacionamento. Em muitos casos, mostram-se depressivos e com baixa autoestima, habitualmente não se mostram agressivos, mas podem ser provocativos em alguns casos; tais características culminam em sinalizar aos agressores que são inseguros e incapazes de se defender das agressões sofridas.

Os agressores geralmente são: mais fortes fisicamente; vistos como populares no ambiente escolar, popularidade associada ao medo das outras pessoas em tornarem-se vítimas; apresentam vários desvios comportamentais podendo desenvolver uma variedade de comportamentos antissociais sendo, muitas vezes, agressivos até mesmo com os adultos; apresentam opiniões positivas sobre si mesmos; sentem satisfação em dominar, causar danos e controlar e, às vezes, julgam que podem ter benefícios materiais e sociais com sua conduta; não apresentam rendimento na aprendizagem; não gostam da escola; apresentam conflito com a família; possuem maior tendência para apresentarem comportamentos de risco como o uso de tabaco, álcool, drogas, porte de armas e até marginalidade. Geralmente andam em pequenos ou grandes grupos liderados por um que delega "responsabilidades" aos seus seguidores, que se subordinam à liderança por medo ou por satisfação de pertencerem ao grupo dominante. (OLWEUS, 1993 apud CATINI, 2004CATINI, N. Problematizando o "bullying" para a realidade brasileira. 2004. 139 f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Pontifica Universidade Católica de Campinas, Centro de Ciências da Vida, Campinas, 2004.; DAWKINS, 1995 apud LOPES NETO, 2005LOPES NETO, A. A. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, n. 81, supl. 5, p. 164-172, 2005.).

Outros personagens desses atos são classificados como alvos/ autores (vítimas/ agressores). Contudo, há uma pequena porcentagem destes envolvidos que combinam a autoestima baixa com atitudes agressivas, em sua maioria possuem alterações psicológicas, merecendo atenção especial. Esse grupo pode apresentar traços depressivos, são inseguros e inoportunos, procuram humilhar seus colegas para encobrir suas limitações e diferenciam-se dos alvos típicos por serem impopulares e amplamente rejeitados por toda a turma. Pensamentos suicidas são mais comuns nesse grupo (LOPES NETO, 2005LOPES NETO, A. A. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, n. 81, supl. 5, p. 164-172, 2005.).

Temos no contexto do bullying as testemunhas que não se envolvem diretamente e se calam por medo de serem as próximas vítimas, por não saberem como agir e também por desacreditarem na intervenção da escola. (LOPES NETO, 2005LOPES NETO, A. A. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, n. 81, supl. 5, p. 164-172, 2005.). O clima de silêncio e "aceitação" é interpretado pelos autores como afirmação de seu poder, o que acaba por mascarar esses atos. A maioria das testemunhas sente simpatia pelas vítimas, não as culpam e desejam a intervenção eficaz dos professores. (DAWKINS, 1998 apud LOPES NETO, 2005LOPES NETO, A. A. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, n. 81, supl. 5, p. 164-172, 2005.).

Diante do exposto surgiram as seguintes indagações: qual a ocorrência de atos violentos nas aulas de Educação Física? Quais os principais sentimentos vividos pelos alunos que sofrem constantes agressões? Como os alunos imaginam as aulas de Educação Física sem situações de violência e agressão?

Para tanto, buscou-se investigar a ocorrência de situações de violência e bullying nas aulas de Educação Física, bem como o sentimento dos alunos que vivenciaram e/ ou sofreram com tais situações durante as aulas.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A presente pesquisa se caracteriza como descritiva com abordagem qualitativa, uma vez que pretende descrever particularidades de determinada população ou fenômeno (GIL, 1999GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999.) e não há a intenção de quantificar um problema e sim apresentar relações entre as variáveis (OLIVEIRA, 2000OLIVEIRA, S. L. Tratado de metodologia científica: projetos de pesquisa, TGI, TCC, monografias, dissertações e teses. São Paulo: Pioneira, 2000.).

O universo da pesquisa foi uma escola pública estadual de Ensino Fundamental e Médio, localizada na região central do município de Cuiabá, MT, que apresenta um número elevado de alunos no recorte geracional, agrega crianças e jovens de diversas regiões do município, pela condição geográfica/ central e pela tradição local.

Os sujeitos foram os alunos da 5ª e 6ª série (6º e 7º ano) do período vespertino, mas que realizavam as aulas de Educação Física no contraturno escolar. Dessa forma participaram do estudo 55 alunos com idades entre 10 e 14 anos, sendo 33 do sexo masculino e 22 do sexo feminino. O critério de seleção para a escolha dos sujeitos foi por tipicidade ou intencional, uma vez que, segundo Gil (1999)GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999., consiste em selecionar um subgrupo de uma população que represente com base em informações todo o grupo.

Na abordagem dos sujeitos, estes foram inicialmente esclarecidos sobre o objetivo da pesquisa e a condição de voluntariedade para participar da mesma. Após tal explicação, foi entregue a cada um dos sujeitos o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE para que seus pais e/ ou responsáveis assinassem, uma vez que os sujeitos são menores de 18 anos. Uma via ficou com os pais e/ ou responsáveis e a outra com os pesquisadores. Ao todo, foram distribuídos aproximadamente 80 TCLEs, tendo em média 40 alunos por turma.

Utilizou-se como instrumento de pesquisa uma entrevista estruturada, composta por treze perguntas, questionando o entendimento sobre violência, bullying, como se relacionam com os colegas, bem como identificam situações de agressão e violência, o sentimento que os acometem quando passam por situações de bullying, dentre outras. Optou-se pela entrevista por considerarmos que a mesma permite um "diálogo assimétrico", uma vez que o pesquisador formula questões que conduzirão o sujeito da pesquisa a externalizar o que pensa, sabe, espera, sente, deseja, fez, faz ou fará (GIL, 1999GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999.), bem como por ser uma técnica de coleta de dados mais flexível dentre as que existem. Vale destacar que as entrevistas foram realizadas e gravadas em sistema de áudio por um dos autores para, posteriormente, serem transcritas/ digitadas, analisadas e utilizadas pelos pesquisadores no presente estudo.

A análise dos dados ocorreu a partir do método interpretativo, que para Gil (1999)GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999. procura um sentido mais amplo para os dados, por meio de sua ligação a outros conhecimentos já obtidos.

As questões fechadas foram dispostas em gráficos, e para as questões abertas utilizamos o sistema de codificação por proximidade das respostas, procurando regularidades e padrões presentes nos dados, elaborando categorias que oferecem meios para classificar os dados (BOGDAN; BIKLEN, 1994BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto, 1994.).

ANÁLISE DOS DADOS

A idade dos participantes da pesquisa variou entre 10 e 14 anos. Dos 55 participantes da pesquisa, 32 eram do sexo masculino (58%) e 23 eram do sexo feminino (42%).

Após as perguntas de identificação de dados pessoais, a seguinte buscou identificar o entendimento dos alunos sobre o que é violência e a maioria das respostas foi relacionada às agressões físicas:

Xingamento, a pessoa fala que vai bater em você, às vezes a pessoa bate. (Aluna 16).

Violência pra mim é a pessoa que briga, que é sem educação, que bate nos colegas, no colega dele e xinga, sem noção, não sabe nada, é ruim de escola e etc. (Aluno 19).

Outros alunos tomam a violência como ameaças de morte ou como um crime, alguns relatos evidenciam isso:

Falar que o outro vai matar o outro, pra mim isso daí já é muita violência. (Aluno 11).

Violência é quando vai brigar com a pessoa, pega faca, pega arma, igual de manhã, de manhã teve tiro quase pego numa mulher ai, uma mulher idosa tava passando. (Aluna 21).

Houve relatos que relacionaram a violência a atos que ocorrem durante a aula de Educação Física:

Violência é quando, por exemplo, na [educação] física, nós jogando bola, bater, chega dá carrinho, isso daí machuca [...] (Aluno 10).

Ah, é quando você tá, por exemplo, jogando bola, vai uma pessoa lá e te derruba, aí fica um pouco chato, ai começa a briga. (Aluna 18).

Alguns relatos relacionam a violência com o bullying, racismo ou apresentam um conceito de bullying apenas como sendo uma forma de violência verbal:

Tem muito caso de violência, bullying principalmente, racismo, briga, isso é violência pra mim. (Aluno 23).

Uma coisa muito feia. Violência oral que é o bullying, corporal que é um bate no outro. (Aluno 31).

O conceito de violência e bullying apresentado pelos alunos é que estas manifestações se definem como atos de bater, ameaçar. Ademais, se o aluno presencia ou vivencia com maior frequência casos de violência verbal, tem sua definição de violência voltada aos xingamentos, ofensas e coação moral, via de regra na adolescência são comuns as ofensas verbais, como destaca Marriel et al. (2006)MARRIEL, L. C. et al. Violência escolar e auto-estima de adolescentes. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 36, n.127, p. 35-50, jan./ abr. 2006., ao afirmarem que nessa fase o termo mais usado para identificar essa relação entre os colegas é o da "zuação", gíria que carrega em seu significado diversos sinônimos como encarnação, humilhação, violação e outras maneiras de violência.

A pergunta seguinte procurou saber dos alunos o que entendiam por bullying:

Bullying? É uma coisa que pode estar ofendendo o colega através da linguagem verbal [...] xingando ele ou batendo nele. (Aluno 6).

Hum, é tipo assim, quando alguém vai xingar o outro ele fica quieto, ai vai xingando, xingando, ai ele fica quieto, aqui na escola também tem esse bullyingjá. (Aluno 24).

Parte considerável dos alunos não apresenta um conceito claro ou formado sobre bullying, ou ainda o definiram como xingamentos e confusões corriqueiras nas aulas, nos corredores, pátio e sala de aula, tais como empurrões, puxões de cabelo, tapas, dentre outros. Não que isso fuja completamente da definição do termo, mas percebeu-se que ainda não há discussão do tema com os alunos na escola em que a pesquisa ocorreu, e isso acaba por manter a ocorrência do fenômeno bullying de forma velada e silenciosa em detrimento da falta de orientação por parte do estabelecimento de ensino.

Em outro trecho da entrevista perguntou-se aos alunos se algum colega da sala ou da escola já os tinha agredido verbalmente. Para tanto, foram oferecidas quatro opções de resposta, a saber: sempre, muitas vezes, algumas vezes ou nunca. Assim, procedemos com outras questões, conforme descreveremos a seguir.

O gráfico indica que 44% dos alunos entrevistados são agredidos verbalmente algumas vezes, sempre e muitas vezes somam 9% da frequência de agressões verbais e 47% relatam que nunca foram agredidos verbalmente.

Em números absolutos, 53%, ou seja, mais da metade dos entrevistados já foram agredidos verbalmente alguma vez, fato que realmente se torna preocupante, pois segundo Lopes Neto (2005)LOPES NETO, A. A. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, n. 81, supl. 5, p. 164-172, 2005., o tempo e a regularidade das agressões podem agravar efeitos já existentes na vítima, tais como o medo e a preocupação com sua imagem, aumentando a insegurança e ansiedade e, consequentemente, interferindo no desenvolvimento escolar.

Além das agressões verbais temos a questão que trata da agressão física. Perguntamos aos alunos entrevistados se algum colega de sala ou da escola já o havia agredido fisicamente.

Percebe-se que quando falamos de agressão física, 15% da amostra admite ter sido vítima desse tipo de agressão algumas vezes, 5% relatam sofrer sempre com isso, enquanto 80% dizem que nunca foram vítimas de agressão física.

Segundo Lopes Neto (2005)LOPES NETO, A. A. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, n. 81, supl. 5, p. 164-172, 2005., é pouco provável que a vítima revele espontaneamente a agressão sofrida, seja por vergonha de ser visto como ainda mais fraco e vulnerável, seja por temer retaliações, por não acreditar nas intervenções favoráveis da escola ou por recear possíveis críticas.

Fante (2005)FANTE, C. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2. ed. rev. ampl. Campinas: Verus, 2005. destaca ainda que é comum que a vítima não conte aos professores e aos pais o que lhe acontece na escola por medo de repressão ou da incompreensão das partes. Daí a importância da discussão do assunto em sala, oferecendo meios para que a vítima, em segurança, possa revelar os fatos e ações sejam tomadas.

Outra questão procurava saber se essas agressões haviam ocorrido nas aulas de Educação Física:

Percebe-se que 45% dos alunos disseram que algumas vezes essas situações de agressão ocorrem nas aulas de Educação Física, 47% afirmam nunca ter ocorrido nenhuma dessas situações nas aulas de Educação Física, 2% disseram que sempre acontecem, 4% relataram que acontece muitas vezes e 2% não responderam.

Segundo Fante (2005)FANTE, C. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2. ed. rev. ampl. Campinas: Verus, 2005., os professores devem ser capacitados para lidar com esse fenômeno, pois também são atingidos diretamente por ele, considerando o rendimento dos alunos em sua aula, afetando também, de forma velada e estressante, dentre outros motivos, pelo fato de ser o professor um ser emocional, capaz de perceber e captar tanto as atitudes de interesse dos alunos como o clima emocional da turma.

A pergunta seguinte referia-se ao sentimento dos alunos quando acometidos por situações de violência. Muitos relatam sentimentos de tristeza e mágoa:

Triste né, porque um colega meu tá sendo agredido e eu não posso fazer nada, isso daí é muita palhaçada, dois batendo em um e a gente não pode fazer nada, só o professor que toma atitude! (Aluno 11).

Eu me sinto magoada né, porque eu não gosto de ver uma pessoa vai e bate na outra, aí a pessoa vai e sai chorando, e a outra pessoa sai rindo que bateu nela, só isso! (Aluna 19).

Outros alunos responderam que se sentiram assustados ou com medo na hora ou depois da situação:

Fiquei assustado, só! (Aluno 6).

Ah, um pouco de frio na barriga. (Aluna 18).

Medo né, ah sei lá, as vezes quando a pessoa tá com raiva, quer bater em todo mundo que tá na frente. (Aluna 44).

Houve também respostas isoladas, em que os sentimentos dos alunos transitam entre deixar a escola, se calar, se sentir culpado, reagir e até chamar responsáveis:

Eu fiquei culpado porque eu estava no meio, mas só que eu não briguei. (Aluno 8).

Ah, eu fico assim, olhando assim pensando pra que isso, não vai levar a lugar nenhum! (Aluna 17).

Ah, se fosse bullying, eu por exemplo, eu denunciaria, mais quando acontece essas coisas eu falo pra diretora! (Aluna 50).

Lopes Neto (2005)LOPES NETO, A. A. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, n. 81, supl. 5, p. 164-172, 2005. pontua que pessoas que sofrem agressão ou bullying têm maior tendência a desenvolver depressão e baixa autoestima quando adultos; Fante (2005)FANTE, C. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2. ed. rev. ampl. Campinas: Verus, 2005.concorda e ainda elucida que as consequências desse tipo de agressão afeta a todos os envolvidos e em todos os níveis, mas a vítima é particularmente afetada podendo sofrer esses efeitos negativos fora do período escolar, gerando o desinteresse pela escola, déficit de concentração e aprendizagem, dentre outras consequências que podem levar a evasão escolar.

Também há fortes indícios de que as crianças ou adolescentes que praticam o bullying tenham forte tendência a tornarem-se adultos com problemas de relacionamentos, antissociais e até desenvolver comportamentos psicóticos e criminosos (BALLONE, 2005).

A questão seguinte identificou se os alunos já haviam recebido apelidos, já haviam sido xingados ou zombados durante as aulas de Educação Física:

O gráfico mostra que 49% dos alunos dizem que nunca receberam apelidos ou xingamentos nas aulas de Educação Física, enquanto 33% admitem ter recebido apelidos às vezes, 14% admitem sempre receber apelidos ou serem zombados nas aulas de Educação Física e 4% disseram que isso acontece muitas vezes. Mais uma vez temos a soma de mais de 50% de alunos que já sofreram de alguma forma com apelidos, zombaria ou xingamentos.

Segundo Camacho (2001)CAMACHO, L. M. Y. As sutilezas das faces da violência nas práticas escolares de adolescentes. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 27, n. 1, p. 123-140, jan./jun. 2001., a atribuição de apelidos pode ser considerada como brincadeira para quem os atribuem, mas quase nunca por quem os recebe.

Para entender o sentimento dos alunos quando expostos a situações como essas, perguntamos aos entrevistados o que eles sentiram quando foram apelidados ou xingados e depois como costumavam agir diante dessas situações, tendo o primeiro grupo de alunos respondido que se sentiram envergonhados tristes ou magoados:

Ah, eu fico, eu fico com vergonha porque tem gente olhando, daí tem pessoas que vai escuta e começa a falar mais coisa de você. (Aluna 16).

Ah, senti triste né, porque os caras xingam você assim, porque vem aqui na escola quase todo dia, pra jogar bola, ai você vai para aprender, ai o professor vai e deixa, os guri xingarem, não fala nada. E começa a rir também. (Aluno 24).

Outros alunos responderam que preferiram ficar quietos ou se afastar:

Procuro sair do local. (Aluno 11).

Ah, eu ficava quieto, sentava no meu canto não falava nada, pra não sobrar pra mim. (Aluno 22).

Alguns alunos relatam sentir raiva:

Raiva né, por causa que se fosse pra mim escolher eu não ia escolher um beiço grande, e eu num acho que eu tenho uma boca grande. (Aluna 44).

Raiva! (Aluno 49).

Outra parte dos entrevistados reage às agressões da mesma forma com que são agredidos, com violência:

Ai eu, porque quase todo mundo aqui tem um apelido, ai eu pego e chamo eles pelo apelido deles, ou então xingo eles. (Aluno 25).

Às vezes eu xingo, o outro falou o apelido dele, eu não xingo, só falo o apelido. (Aluno 31).

Também para essa questão obtivemos algumas respostas isoladas que iam desde agir normalmente diante da agressão até falar com o professor ou a diretora:

Ué, eu ajo normalmente! (Aluno 3).

Ah, quando eles vão bater eu pego e me defendo, ponho a minha mão na cabeça e me defendo, mas quando eles me chamam eu fico do meu lado, não faço nada. (Aluno 9).

Fante (2005)FANTE, C. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2. ed. rev. ampl. Campinas: Verus, 2005. afirma que a violência psicológica afeta a estrutura psíquica da criança, que se sente desprotegida, desvalorizada e não amada:

Com efeito, as testemunhas se calam, pois temem ser a "próxima vítima", além de não saberem como agir e por descrerem nas atitudes da escola, o que é interpretado pelos agressores como afirmação de seu poder e como ajuda para acobertar e manter seus atos de agressão. Contudo, o autor destaca que quando as testemunhas interferem e tentam cessar o bullying ou agressão, essas ações se tornam efetivas na maioria dos casos (LOPES NETO, 2005LOPES NETO, A. A. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, n. 81, supl. 5, p. 164-172, 2005.).

Posteriormente, perguntamos aos alunos se eles já haviam presenciado situações de agressão e/ ou violência entre colegas nas aulas de Educação Física.

Para tanto, a questão dispunha de quatro alternativas: sempre; muitas vezes; algumas vezes; nunca; e, quando identificavam situações de agressão contra colegas, o que eles costumavam fazer: sempre intervinham, nunca intervinham ou apenas observavam.

Os gráficos 5 e 6 ilustram as respostas:

Gráfico 1
Agressão verbal sofrida pelo aluno.

Gráfico 2
Agressão física sofrida pelo aluno.

Gráfico 3
Frequência de situações de agressão nas aulas de Educação Física

Gráfico 4
Apelidos, xingamentos e zombaria nas aulas de Educação Física

Gráfico 5
Frequência de testemunho de situações de agressão nas aulas de Educação Física

Gráfico 6
Comportamento dos alunos frente a situações de bullying ou agressão nas aulas de Educação Física.

Gráfico 7
Envolvimento em situações de agressão.

O gráfico mostra que 13% sempre presenciam colegas serem vítimas de agressão durante as aulas, 15% relatam que isso acontece muitas vezes, 43% algumas vezes e 29% nunca presenciaram situações de agressão nas aulas de Educação Física. Em números gerais, 71% dos alunos já presenciaram situações de agressão nas aulas de Educação Física.

O gráfico 6 reforça o que os autores demonstram a respeito das testemunhas, personagens que tendem a não se envolver, se calam, sentem simpatia pelas vítimas e, em sua maioria, condenam os atos de agressão e bullying, mas preferem não agir por medo de se tornarem vítimas também (LOPES NETO, 2005LOPES NETO, A. A. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, n. 81, supl. 5, p. 164-172, 2005.), visto que 58% (45% apenas observam e 13% nunca intervêm) não manifestam qualquer tipo de intervenção.

Entretanto, Lopes Neto (2005)LOPES NETO, A. A. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, n. 81, supl. 5, p. 164-172, 2005. aponta para o perigo de a testemunha passar dessa condição e tornar-se autora de agressão e bullying, seja por pressão do grupo de colegas ou por passar a acreditar que somente com a utilização da hostilidade conseguirá o que deseja, como popularidade ou aceitação no grupo.

Posteriormente questionamos se situações de violência, agressão ou bullying ocorriam mais entre as meninas ou entre os meninos.

Diversos autores concordam com a diferença entre a participação masculina e feminina em episódios de agressão e bullying. Goto (2006)GOTO, C. Bullying: maldade sutil. Jornal da Cidade, Bauru, 12 fev. 2006. (Caderno Ser, p. 1- 3). elucida que é mais comum ver os meninos se enfrentarem, tirarem satisfação ou zombarem de alguém, brigarem na frente de qualquer pessoa ou grupo. Por sua vez, as meninas atraem menos atenção em suas ações, geralmente fazem fofoca, difamam, excluem, usam de chantagem. Assim, é maior a participação dos meninos em episódios de bullying e agressão, tanto como autores como vítimas, e o tipo de bullying mais praticado por eles é físico, bater, ameaçar de bater, enquanto as meninas se envolvem bem menos em episódios de bullying ou agressão e praticam predominantemente a agressão relacional indireta.

Na questão seguinte perguntamos aos alunos se as aulas de Educação Física seriam melhores se não houvesse situações de agressão ou bullying. As respostas foram as seguintes:

Seria legal, porque ia ficar um pouco sem violência, sem gritaria. (Aluna 55).

Aí acharia que ia ser muito bom, porque é bom ter harmonia, não ter briga. (aluna 50).

Para Andrade (2007)ANDRADE, M. P. Bullying: concepções dos atores envolvidos. 2007. 95 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Pedagogia) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências, Bauru, 2007., o professor deve auxiliar esses jovens a observar os múltiplos efeitos de suas condutas e Beaudoin (2006)BEAUDOIN, M. Bullying e desrespeito: como acabar com essa cultura na escola. Porto Alegre: Artmed, 2006. complementa, afirmando que os profissionais devem dar atenção à experiência dos alunos, uma vez que a mudança e a investigação só podem ocorrer a partir desse ponto de partida, consideração que encontra eco entre os alunos.

Ah, o professor tinha que agir mais. Ah, ele não faz nada, só fica sentado ali, ele tem que falar mais. Ah, para disso, para de fazer isso, para disso. (Aluno 12).

Não sei, não. O professor devia falar alguma coisa pra não ter briga. (Aluno 14).

Outros alunos declararam que puniriam de alguma forma os agressores para melhorar as aulas:

Ah... dá suspensão pra aqueles que brigam e os que já participam ficam brincando, fica separado dos que não respeitam. (Aluna 15).

Ah, eu acho que eu tiraria os bagunceiros né, que ficam colocando apelido nos outros, não deixaria, por exemplo, eles entrar, nem participar. (Aluna 18).

Alguns alunos adotariam a postura de conversar para mudar ou melhorar as aulas:

Hum, ia falar pra não ter briga nunca mais, pra ninguém ficar xingando. (Aluna 39).

Faria de tudo, conversar se alguém briga, quando eu sou amiga de uma pessoa mesmo, eu vou lá e falo pra ele pedir desculpa, ai ele vai lá pede desculpas e ficam amigos para sempre. (Aluna 42).

O discurso dos alunos, em muitos momentos, mostra insatisfação com as aulas e com o professor, outros entendem a necessidade do diálogo para uma melhor formação dos colegas e investiriam nisso, o que nos revela, de certa forma, a falta de diálogo. Outros vão mais longe, punindo os envolvidos em situações de agressão.

Lopes Neto (2005)LOPES NETO, A. A. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, n. 81, supl. 5, p. 164-172, 2005. pressupõe que os esforços de prevenção devem ser direcionados para a diminuição da exposição à violência no ambiente escolar, familiar, comunitário e até mesmo da mídia.

Assim, ações como o diálogo e campanhas informativas sobre o tema e os perigos relacionados a esta epidemia silenciosa podem trazer muitos benefícios, tanto para os alunos quanto para os professores, que devem primar pela busca de novos conhecimentos, principalmente quando estes são exigidos diariamente em sua prática pedagógica.

Ao final da entrevista perguntamos aos alunos porque situações como essas aconteciam em aula; como eles entendiam que seriam as aulas de Educação Física se essas situações não ocorressem; e o que fariam para mudar essa realidade.

Alguns alunos acreditam que a agressividade ou as brigas acontecem por causa de brincadeiras de mau gosto, xingamentos, dentre outros aspectos.

Ah, porque de repente assim, eles estão conversando alguma coisa, daí eles já interferem a mãe, xingamento normalmente que acontece e tem envolvimento da mãe, o menino não gosta pega e parte pra cima, aí começa a agressão, ai começa xingar, ai vão pra direção. (Aluna 17).

Porque às vezes eles começam a brincar assim, e um se dá mal com outro e não aguentam as brincadeiras. (Aluna 23).

Outros alunos responsabilizaram a realização das atividades ou o que acontece durante as atividades pelo comportamento agressivo:

Por causa da briga, é por causa, se toco a bola pro outro, se erro o tocador, ele já começa xinga. (Aluno 14).

Ah porque muitas vezes, é porque tão jogando bola, ai um vai lá e derruba, ou da beliscão, ai fica xingando, coloca apelido, aí acontece isso. (Aluna 18).

Outras respostas isoladas que conferiam aos namoros e à fofoca a responsabilidade por situações de agressão:

Na minha opinião, tem uma fofoquinha ali, daí vai rolando, aí entra outra pessoa, acaba acontecendo, mais aqui na escola já aconteceu bastante briga né, aqui um guri bateu no outro ai vai lá separar, manda pra coordenação, aí depois fica tudo normal o guri que brigou com outro guri vai e conversa com o guri, pede desculpa fala assim, nunca mais se vai fazer isso, é a fofoca que faz rolar briga. (Aluna 19).

Por causa que é, tem vez que os meninos brigam com outras meninas, por causa de namoro aqui na escola, mas também muito difícil. (Aluna 21).

Andrade (2007)ANDRADE, M. P. Bullying: concepções dos atores envolvidos. 2007. 95 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Pedagogia) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências, Bauru, 2007. destaca que o comportamento agressivo tem origem no modelo educativo familiar, sendo a agressividade dos pais para punição e violência com os filhos capazes de influenciar no comportamento social do filho. Lopes Neto (2005)LOPES NETO, A. A. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, n. 81, supl. 5, p. 164-172, 2005. concorda e complementa dizendo que fatores sociais e culturais, bem como aspectos inatos, amigos, comunidade, podem influenciar o comportamento de crianças e adolescentes.

Importante saber que fatores de risco sempre existirão, sejam eles internos ou externos à escola ou família, entretanto é necessário que identifiquemos esses fatores fazendo prevalecer a integridade do ser humano e suas responsabilidades para consigo e para com o outro dentro de uma sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Inicialmente, destacamos que o foco da pesquisa é a Educação Física Escolar. Contudo, destacamos que foram observadas situações de violência ou bullying em contextos diversos da Educação Física, o que por si só, infelizmente, permite-nos afirmar que tais situações ocorrem no processo de escolarização de maneira geral.

Foi possível verificar que o entendimento dos alunos a respeito de violência ou bullying está muito relacionado às situações vividas em seu cotidiano escolar, comunitário e familiar. Para eles, violência ou bullying estão ligados a xingamentos, brigas, ameaças de morte, dentre outros. Certamente tais colocações não fogem ao conceito literal dos temas, principalmente a violência. Porém, quanto ao bullying nota-se que falta informação por parte dos alunos, que pouco conhecem as consequências devastadoras causadas por essa prática.

Quanto aos sentimentos que acometem os alunos quando agredidos, muitos relatam sentir tristeza, mágoa e vergonha, confirmando todas as colocações a respeito dos efeitos de tais práticas, que vão desde baixo rendimento escolar até o comprometimento comportamental relacionados à autoestima na vida adulta.

Diante disso, reiteramos a importância da criação de meios ou programas que permitam a discussão cada vez maior dos temas relacionados à violência, agressões e bullying. Cabe ao professor de Educação Física, ao corpo docente e aos gestores escolares participarem dessas discussões, criando sistemas de identificação e prevenção, pois a escola se traduz num campo de relações sociais que, ao mesmo tempo em que produz conhecimento, também produz os sujeitos que atuarão com esses conhecimentos e, uma escola sem violência ou uma aula sem violência, na própria visão dos alunos, seria bem melhor.

Para que isso aconteça, o diálogo é fator fundamental, pois a nova realidade da escola pede negociação em todos os momentos, e o professor deve compreender a nova realidade escolar, em que a hierarquia é menos visível e tudo é discutível (CAMACHO, 2001CAMACHO, L. M. Y. As sutilezas das faces da violência nas práticas escolares de adolescentes. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 27, n. 1, p. 123-140, jan./jun. 2001.).

Em suma, o problema da violência nas escolas e nas aulas de Educação Física deve ser motivo de constante atenção para os professores, que devem levar em consideração a importância do planejamento de suas aulas, tentando minimizar situações de competitividade excessiva e conflitos nocivos, deixando claro os limites e as regras de cada atividade, zelando para que as mesmas sejam respeitadas.

É claro que os conflitos sempre existirão, pois são inerentes ao relacionamento humano e deve-se considerar que estão vinculados ao processo de construção do conhecimento. Porém, é preciso que haja reflexão para que esse processo ocorra de forma saudável, com atividades que proporcionem o desenvolvimento do aluno nas aulas de Educação Física.

REFERÊNCIAS

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  • CATINI, N. Problematizando o "bullying" para a realidade brasileira. 2004. 139 f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Pontifica Universidade Católica de Campinas, Centro de Ciências da Vida, Campinas, 2004.
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  • SPOSITO, M. P. A instituição escolar e a violência. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 104, p. 58-75, jul. 1998.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2014

Histórico

  • Recebido
    11 Maio 2012
  • Aceito
    21 Mar 2013
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