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Futebol e a construção da imagem de treinadores pela mídia: um estudo a partir das notícias de um site de grande visitação na web

Soccer and the image construction of soccer coaches by the media: a study based on the news from a site of great visitation on the web

Lo fútbol y la construcción de la imagen de los entrenadores de fútbol por los medios de comunicación: un estudio a partir de las noticias de un sitio web de grande visitación

Resumos

A relação entre esporte e mídia é indissociável nos dias de hoje. Assim, o presente estudo teve como objetivo quantificar o número de notícias sobre o futebol profissional masculino e analisar a construção da imagem do treinador. Para isso, foram coletadas todas as notícias esportivas de um site de grande visitação durante trinta dias. Concluiu-se que há, nesse site, um direcionamento das notícias para o futebol masculino profissional e seus treinadores, sendo que as ideias transmitidas sobre eles são principalmente ligadas a sua competência e à articulação tática/técnica da equipe.

Mídia; Futebol; Treinadores de futebol; Internet


The relationship between sport and media is inseparable today. Therefore, this study aimed to quantify the number of news reports about male professional soccer, and analyze the construction of the image associated with soccer coaches. To this end, every sports news from a largely accessed website was collected for 30 days. It was concluded that, in Brazil, these news are directed to male professional soccer and its coaches, with the ideas concerning the latter being mainly related to their competence and the tactical/technical articulation of the team.

Media; Soccer; Soccer coaches; Internet


La relación entre el deporte y los medios de comunicación es indivisible. Así siendo, el estudio presente tuvo como objetivos cuantificar el número de noticias sobre fútbol profesional masculino analizando la construcción de la imagen del entrenador. Para eso fueron recopiladas todas las noticias deportivas de una página web de grande visitación durante 30 días. Se concluyó que existe, en Brasil un direccionamiento de las noticias para el fútbol masculino profesional y sus entrenadores, siendo que las ideas transmitidas sobre estos son principalmente vinculadas a su competencia y a la articulación táctica/técnica del equipo.

Medios de comunicación; Fútbol; Entrenadores de fútbol; Internet


Introdução

"Já não é possível referir-se ao esporte contemporâneo sem associá-lo aos meios de comunicação de massa." A partir dessa frase de Betti (1998)Betti, M. A janela de vidro: esporte, televisão e educação física. Campinas: Papirus, 1998., é possível se ter consciência da importância da mídia na divulgação, transmissão e, por que não dizer, existência do esporte contemporâneo. Nesse sentido, Sanfelice (2010)Sanfelice, G.R. Campo midiático e campo esportivo: suas relações e construções simbólicas. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 31, n. 2, p. 137-153, janeiro 2010. corrobora com o estudo, apontando que o campo esportivo possui uma dependência em relação ao campo midiático, expressando-se na legitimidade simbólica desse discurso.

Consequentemente, há um aumento significativo no valor do financiamento recebido por ligas, federações e comitês para a midiatização de seus eventos, possibilitando a utilização deles como veículos publicitários de marcas e produtos. Inúmeros esportes acabam, inclusive, por alterar suas regras com o objetivo de melhor adaptar-se às exigências impostas pela mídia, conseguindo uma boa exposição, como são os casos recentes do voleibol e do basquetebol (Marchi Júnior, 2001Machi Júnior, W. "Sacando" o voleibol: do amadorismo à espetacularização da modalidade no Brasil (1970-2000). Tese (Doutorado) - Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 2001.).

Essa relação indissociável entre esporte e mídia é explicada em sua origem e evolução por Gastaldo (2005, p. 2)Gastaldo, E.L. Uma arquibancada eletrônica: reflexões sobre futebol, mídia e sociabilidade no Brasil. Campos - Revista Antropologia Social, v. 6, p. 113-123, 2005.:

Na gênese histórica do mundo contemporâneo, é interessante notar o surgimento quase concomitante do esporte moderno e dos meios de comunicação de massa, em fins do século XIX. Por exemplo, a primeira Olimpíada da era moderna (1896) foi realizada no ano seguinte à primeira sessão pública de cinema (1895); a Copa do Mundo de 1938 ensejou a primeira transmissão de rádio intercontinental, enquanto a Copa de 1998 foi também a ocasião da primeira transmissão internacional de televisão de alta definição (HDTV).

Para Betti (1998), principalmente a partir da década de 1960, com o aumento significativo das transmissões ao vivo de eventos esportivos, teve origem uma nova e importante figura na história do esporte, o telespectador. Prochnik (2010)Prochnik, L. O futebol na telinha: a relação entre o esporte mais popular do Brasil e a Mídia. In: Xv Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste, Vitória, 2010. Anais do XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste. São Paulo: Intercom, 2010. destaca que aproximadamente 10% da programação líquida de uma das maiores emissoras televisivas do país são destinados ao esporte, o que denota a dimensão dessa relação.

A midiatização do esporte no Brasil, sobretudo do futebol, continua a gerar constantes recordes de audiência. Nas transmissões dos jogos da Copa do Mundo de Futebol, por exemplo, a audiência televisiva supera os 100 milhões de espectadores, mesmo em um Brasil x Inglaterra, transmitido às três da madrugada do horário brasileiro, como no Mundial de 2002 (Gastaldo, 2005Gastaldo, E.L. Uma arquibancada eletrônica: reflexões sobre futebol, mídia e sociabilidade no Brasil. Campos - Revista Antropologia Social, v. 6, p. 113-123, 2005.). Inclusive os espectadores presentes nos estádios e ginásios muitas vezes carregam consigo um rádio de pilha para ouvir os comentários do jogo ou acompanham os replays dos lances decisivos através da tela de um telefone celular ou de um telão instalado no próprio local (Prochnik, 2010Prochnik, L. O futebol na telinha: a relação entre o esporte mais popular do Brasil e a Mídia. In: Xv Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste, Vitória, 2010. Anais do XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste. São Paulo: Intercom, 2010.).

Entre os diversos meios de comunicação de massa que dão conta do fenômeno esportivo, a internet é o mais recente. Esse tipo de mídia, porém, vem crescendo de forma significativa devido à democratização e ao aumento da tecnologia de acesso, que permitem ao usuário conectar-se ao mundo virtual por meio de redes sem fio em computadores, celulares e outros equipamentos. Uma vantagem desse meio de comunicação sobre os demais é a grande capacidade e velocidade de atualização das informações, possibilitando ao interessado ler, ouvir ou assistir a uma notícia quase simultaneamente ao acontecimento. Além disso, a internet permite que o usuário busque os sites que disponibilizam os conteúdos que lhe interessam.

Entretanto, apesar da reconhecida importância da mídia para o fenômeno esportivo, é necessário se ter consciência de suas limitações e do seu poder de distorção, o que leva Betti (2001) a afirmar que não existe esporte na mídia, e sim esporte da mídia. Para o autor, a mídia ignora a polissemia ligada à palavra esporte, enfatizando o alto rendimento e o binômio vitória-derrota em detrimento do esporte como oportunidade de socialização, autoconhecimento e educação, entre outros.

[...] importa tanto a forma de mostrar o esporte como seu conteúdo.q nós, propõe um certo "modelo" do que é "esporte" e "ser esportista". Mas, sobretudo, fornece ao telespectador a ilusão de estar em contato perceptivo direto com a realidade, como se estivesse olhando através de uma janela de vidro, conforme a metáfora proposta por Willem Hesling (1986) (Betti, 1998, p. 34Betti, M. A janela de vidro: esporte, televisão e educação física. Campinas: Papirus, 1998.).

É importante entender que o esporte da mídia é transmitido dentro de uma lógica específica, uma "corrida" pela audiência que, no entanto, não entre em conflito com as ideias político-econômicas dos responsáveis e patrocinadores do veículo de divulgação em que essa notícia é vinculada (Bourdieu, 1997Bourdieu, P. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.).

Para Bourdieu (1997)Bourdieu, P. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997., além da autocensura que a mídia se impõe, a veiculação da notícia também é condicionada às propensões inerentes ao jornalista e sua profissão, sendo fruto de sua formação, sua visão de mundo, entre outros fatores. "Os jornalistas têm 'óculos' especiais a partir dos quais veem certas coisas e não outras; e veem de certa maneira as coisas que veem. Eles operam uma seleção e construção do que é selecionado" (Bourdieu, 1997Bourdieu, P. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997., p. 25).

No centro da relação entre esporte e mídia se encontra o futebol, esporte com a maior movimentação financeira e apelo sociocultural no país. A exposição e divulgação midiática sobre os feitos, dramas e êxitos nessa modalidade o transformam em um valioso bem de consumo (Proni, 1998Proni, M.W. Esporte espetáculo e futebol empresa. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 1998.).

O autointitulado "País do Futebol" vive uma aguda e estreita relação diária com o jogo, o que gera uma identificação de seu povo com os ídolos presentes dentro das quatro linhas (Gastaldo, 2006______. A pátria na "imprensa de chuteiras": futebol mídia e identidades brasileiras. In. Gastaldo, E.L.; Guedes, S.L. (orgs.) Nações em campo: Copa do mundo e identidade nacional. Niterói: Intertexto, 2006, p. 87-102.; Prochnik, 2010Prochnik, L. O futebol na telinha: a relação entre o esporte mais popular do Brasil e a Mídia. In: Xv Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste, Vitória, 2010. Anais do XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste. São Paulo: Intercom, 2010.). Essa relação de identidade e identificação é concebida pela mídia por meio de um discurso que salienta as características compartilhadas, entre jogadores e espectadores, fazendo com que ocorra um constante processo de construção de identidade (Macneill, 2006Macneill, M. Estudos de mídia do esporte e a (re)produção de identidades. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 28, n. 1, p. 9-38, setembro 2006.). O sentimento de identidade e identificação é diretamente proporcional ao espaço de que um atleta ou uma prática esportiva dispõe nos meios de comunicação: assim, quanto mais forem capazes de satisfazer o "orgulho nacional", de mais espaço e prestígio junto à mídia eles gozarão (Bourdieu, 1997Bourdieu, P. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.).

Drigo (2007)Drigo, A.J. O Judô - Do modelo artesanal ao modelo científico: Um estudo sobre as lutas, formação profissional e construção do Habitus. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007. destaca o discurso midiático como aglutinador de ideias. Esse discurso pode ser usado tanto na tentativa de desconfigurar uma realidade específica quanto no intuito de incutir valores em um determinado feito ou evento esportivo. Betti (1998)Betti, M. A janela de vidro: esporte, televisão e educação física. Campinas: Papirus, 1998. dá a esse discurso o nome de falação, termo originário de Umberto Eco (apud Betti, 1998Betti, M. A janela de vidro: esporte, televisão e educação física. Campinas: Papirus, 1998., p. 68), que o define:

[...] o esporte é uma "falação" que se apresenta nos noticiários e programas esportivos, nas "mesas-redondas", nos telejornais e em reportagens especiais que, em princípio, aparecem em qualquer programa de televisão. Pode ser ao vivo ou não. Como é óbvio, a fala é a forma mais importante, secundada por legenda e números (Betti, 1998Betti, M. A janela de vidro: esporte, televisão e educação física. Campinas: Papirus, 1998., p. 68).

Neste sentido observa-se que:

Surgida como elevação à enésima potência daquele desperdício inicial (e calculado) que era o jogo esportivo, a falação esportiva é a magnificação do desperdício e por isso o ponto máximo de consumo. Sobre ela e nela o homem da civilização de consumo consome diretamente a si próprio. (Eco, 1984Eco, U. A falação esportiva. In: Viagem na irrealidade cotidiana. 9. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. p. 220-226., p. 224).

Como um dos principais assuntos das notícias e da falação, está o desempenho das equipes e dos treinadores de futebol. Os diferentes meios de comunicação estão sempre prontos para glorificar os "heróis" ou massacrar os "vilões" ao final de cada jogo.

Nas duas últimas décadas, os treinadores passaram a receber papel de destaque junto aos meios de comunicação e, consequentemente, à torcida, o que se revela quando observamos o sentimento de pertencimento da equipe, antes conferido apenas aos "craques", como: o "Santos de Pelé", a "Argentina de Maradona" e o "Flamengo de Zico", hoje também dividido com os treinadores: o "Barcelona de Guardiola", o "São Paulo de Telê Santana" ou a 'Seleção Brasileira de Felipão, a família Scolari" (Costa, 2006Costa, I.T. Análise do perfil de liderança de treinadores de futebol do campeonato brasileiro série A/2005. Dissertação (Mestrado) - Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.).

Junto ao reconhecimento citado, os treinadores tiveram também maior necessidade de lidar constantemente com esses meios de comunicação. Ao entrevistar treinadores da primeira divisão do campeonato brasileiro de futebol, Marturelli Junior e Oliveira (2005)Marturelli Junior, M.; Oliveira, A.L. Treinadores de futebol de alto nível: as evidentes dificuldades que cercam a produtividade destes profissionais. In: XI Simpósio Internacional. Processo Civilizador, Tecnologia e Civilização. Ponta Grossa, Paraná. 2005. Disponível em: <http://www.uel.br/grupo-estudo/processoscivilizadores/portugues/sitesanais/anais9/artigos/mesa_debates/art23.pdf> Acesso em: 5 fev. 2012.
http://www.uel.br/grupo-estudo/processos...
confirma esse cenário, tendo constatado que a interferência da mídia é uma das cinco maiores dificuldades referenciadas pelos treinadores em seu trabalho diário.

Machado (2010)Machado, A.A. A imagem dos treinadores de futebol na perspectiva dos jornalistas. Pulsar, Jundiaí, v. 2, n. 2, 2010. relata que os treinadores se confrontam a todo momento com o poder da mídia, pois é ela quem confere credibilidade e prestígio, denotando competência ou incompetência aos técnicos de futebol. O reconhecimento social está atrelado a esse tipo de conotação, tendo em vista que a estabilidade profissional depende também desse reconhecimento.

O autor continua explicitando a difícil tarefa dos treinadores na relação com os meios de comunicação:

[...] aos treinadores de futebol cabe a difícil e aparentemente paradoxal missão de retirar forças do "quarto poder" para ganhar poder perante ele e, simultaneamente, fazê-lo aceitar essa perda de força concedendo a deferência de reproduzir o prestígio desses mesmos treinadores. (Machado, 2010Machado, A.A. A imagem dos treinadores de futebol na perspectiva dos jornalistas. Pulsar, Jundiaí, v. 2, n. 2, 2010., p. 06).

O embate entre treinadores e jornalistas adquire papel fundamental no conjunto de funções desse treinador, uma vez que a reprodução midiática de um desempenho pode conduzir ou não ao reconhecimento social amplificado e de repercussões inimagináveis sobre sua competência profissional (Machado, 2010Machado, A.A. A imagem dos treinadores de futebol na perspectiva dos jornalistas. Pulsar, Jundiaí, v. 2, n. 2, 2010.). Isso ocorre porque, segundo Betti (1998)Betti, M. A janela de vidro: esporte, televisão e educação física. Campinas: Papirus, 1998., a mídia cria "autoridades" em potencial, pois possibilita ao senso comum acompanhar eventos, resultados, estatísticas e comentários, possibilitando que essas "autoridades" se julguem suficientemente conhecedoras do assunto em questão.

Como descrito, existe uma importante relação entre o fenômeno esportivo e a mídia. Desse modo, a partir da coleta de notícias da seção esportiva de um site de grande visitação na web, o presente estudo teve como objetivo quantificar o número de notícias sobre o futebol profissional masculino analisando a construção da imagem do treinador.

Metodologia

O presente trabalho foi caracterizado como um estudo de caso, uma vez que buscou analisar todas as notícias publi cadas durante um mês em um único site da web. Esse site possui grande visitação diária e uma sessão dedicada apenas às notícias esportivas do Brasil e do mundo. O mês de realização da coleta foi escolhido aleatoriamente, independentemente das competições esportivas que ocorriam no período.

A análise de conteúdo, proposta por Bardin (1977Bardin, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977., p. 9), serviu como referencial metodológico para a análise dos dados. Esse tipo de análise é definido pela própria autora:

O que é a análise de conteúdo atualmente? Um conjunto de instrumentos metodológicos cada vez mais sutis em constante aperfeiçoamento que se aplicam a "discursos" (conteúdos e continentes) extremamente diversificados. O fator comum dessas técnicas múltiplas e multiplicadas - desde o cálculo de frequências que fornece dados cifrados até a extração de estruturas traduzíveis em modelos - é uma hermenêutica controlada baseada na dedução: a inferência. Enquanto esforço de interpretação, a análise de conteúdo oscila entre os dois polos, do rigor da objetividade e da fecundidade da subjetividade.

Dentro da análise de conteúdo optou-se pela análise documental na qual se busca, através de uma operação ou um conjunto de operações, representar o documento em uma forma diferente da original. A análise documental tem como objetivo principal entender a informação de outro modo, possibilitando a evidenciação de aspectos subjacentes à própria mensagem (Bardin, 1977Bardin, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.).

Dentro da análise documental foram realizadas análises quantitativas, nas quais a informação é extraída da frequência com que surgem certas características do conteúdo, e qualitativa, na qual a presença ou ausência de determinada característica ou conjunto de características presentes no conteúdo torna-se objeto de análise (Bardin, 1977Bardin, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.).

As análises quantitativas permitiram dimensionar o número de notícias apresentadas sobre o futebol e seus treinadores. Consequentemente, possibilitaram a discussão sobre o direcionamento das notícias, relacionando ao universo de esportes divulgados no site.

Já a análise qualitativa buscou a interpretação das notícias sobre os treinadores de futebol. Para Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1998)Alves-Mazzotti, A.J.; Gewandsznajder, F. O método nas ciências naturais e sociais. São Paulo: Pioneira, 1998., esse tipo de análise torna o pesquisador o principal instrumento de análise, porém lhe confere a responsabilidade de realizar uma visão holística que advenha de um contato significativo com o objeto de estudo.

Desenvolvimento das categorias

No que diz respeito às notícias sobre os treinadores, foram criadas categorias de classificação a partir da análise das notícias vinculadas no site investigado. Essas categorias têm o intuito de facilitar as análises quantitativa e qualitativa, tornando possível observar as ideias vinculadas nas notícias sobre treinadores. Para tal, as categorias também foram utilizadas para classificar os comentários dos leitores, possibilitando avaliar e analisar qual a interpretação que o público faz dessas notícias.

Bardin (1977)Bardin, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. chama essa de análise categorial, que busca a consideração da totalidade do texto, passando-o pelo crivo de classificar a partir da frequência ou ausência de itens de sentido. A autora ainda afirma que o método de categorias atua como uma espécie de "gavetas" que permitem a classificação dos elementos de significação que constituem a mensagem. Essa organização faz se constituir ordem na aparente desordem.

As categorias foram criadas de acordo com as notícias analisadas, e não o contrário, gerando a criação de categorias específicas para as diferentes notícias. Essas foram analisadas e discutidas com a participação de todos os autores, sendo que apenas após consenso houve a criação efetiva delas. O mesmo procedimento ocorreu no enquadramento das notícias em suas respectivas categorias.

Após a avaliação e reavaliação dos dados, 986 notícias e 967 comentários foram distribuídos em 35 categorias. Com o intuito de facilitar o entendimento do leitor e produzir maior clareza sobre os dados, as 35 categorias foram divididas em três macrocategorias. Dentre essas foi criada a categoria "outros", na qual foram enquadradas as notícias de difícil classificação ou pouca relevância, na opinião dos autores. Será possível perceber que algumas categorias poderiam se enquadrar em duas macrocategorias, situação na qual foi focada a ideia principal das notícias dessa categoria.

Macrocategoria 1: Treinador nas relações

Esta macrocategoria foi composta por categorias e notícias que apresentam como ideias principais as relações do treinador com a equipe, adversário, imprensa, torcida, árbitro, dirigentes ou patrocinadores. Possuem a ideia do comportamento do treinador nessas relações. Fazem parte as seguintes categorias:

  1. Arrogante;

  2. Articulador tático/técnico;

  3. Conivente;

  4. Conservador/Retranqueiro;

  5. Disciplinador/Exigente;

  6. Fomentador de fair play;

  7. Fomentador de rivalidade;

  8. Formador de opinião;

  9. Investigador;

  10. Líder;

  11. Negociador;

  12. Ousado;

  13. Observador;

  14. Preparador físico;

  15. Protetor;

  16. Torcedor/Jogador.

Macrocategoria 2: Perfil do treinador

Na macrocategoria 2 foram colocadas as categorias que possuíam notícias nas quais se entrevia a intenção de descrever o perfil do treinador a partir de uma atitude ou declaração:

  1. Apaziguador;

  2. Cauteloso;

  3. Crítico;

  4. Humilde;

  5. Inseguro;

  6. Irreverente;

  7. Irritado;

  8. Modesto;

  9. Polêmico;

  10. Seguro;

  11. Sincero.

Macrocategoria 3: Situação no cargo e competência profissional

Categorias compostas por notícias que possuíam como ideia central o julgamento sobre as capacidades do treinador ou a situação do mesmo no cargo. Compuseram esta macrocategoria:

  1. Competente;

  2. Desgastado;

  3. Experiente;

  4. Incompetente;

  5. Pressionado;

  6. Predestinado;

  7. Preocupado;

  8. Visado.

A partir da classificação das notícias nas categorias e macrocategorias apresentadas é possível ter clareza da ideia aglutinada a elas. A utilização das mesmas classificações na análise dos comentários dos visitantes do site possibilitou a visualização da influência ou não do discurso da mídia sobre o grande público.

Resultados e discussão

A partir da presente investigação foi possível discutir a relação entre esporte e mídia no site investigado.

Essa discussão torna-se de fundamental importância para que os profissionais envolvidos nesse contexto consigam construir uma análise crítica a respeito das diferenças que existem, segundo Betti (2001)______. Esporte na mídia ou esporte da mídia?Motrivivência, Florianópolis, Ano XII, n. 17, p. 107-111, setembro 2001., do esporte da mídia e do esporte na mídia.

No que diz respeito aos dados do estudo, foram coletadas 7.894 notícias durante os trinta dias de um mês escolhido aleatoriamente. Destas, 4.580 foram sobre futebol, equivalente a 58% das notícias publicadas, enquanto os outros 42% ficaram divididos entre 47 outras modalidades esportivas, conferindo a porcentagem de, em média, menos de 1% para cada modalidade.

O resultado reforça a ideia de que a mídia enfoca o futebol, sendo esse, sem comparação, o esporte que possui a maior relação cultural com o povo brasileiro (Betti, 2001______. Esporte na mídia ou esporte da mídia?Motrivivência, Florianópolis, Ano XII, n. 17, p. 107-111, setembro 2001.; Prochnik, 2010Prochnik, L. O futebol na telinha: a relação entre o esporte mais popular do Brasil e a Mídia. In: Xv Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste, Vitória, 2010. Anais do XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste. São Paulo: Intercom, 2010.; Helal, Cabo e Silva, 2009Helal, R.; Cabo, A.; Silva, C. Pra frente Brasil! Comunicação e identidade brasileira em copas do mundo. Esporte e sociedade. Ano 5, n. 13, p. 1-21, novembro 2009.). Apesar da intensa veiculação de notícias sobre o futebol e da identificação da população com a modalidade, Betti (1998)Betti, M. A janela de vidro: esporte, televisão e educação física. Campinas: Papirus, 1998. ressalta o poder das mídias de fragmentar e analisar o esporte a partir da seleção de imagens, cenas e inserções de comentários específicos sobre elas, criando um modelo do que é esporte. A partir dessa constatação torna-se necessária uma reflexão sobre a expressão "País do Futebol", largamente vinculada nos meios de comunicação. A fragmentação do espetáculo esportivo pelas mídias faz com que, apesar de as notícias sobre futebol dominarem os noticiários, pouco se trate a respeito das demais classes do esporte, como o futebol feminino, o das categorias menores, o amador, além das modalidades derivadas do mesmo, como o showball, o futebol de sete, o futsal e o futebol de areia, entre outros.

Na análise realizada no presente estudo, foram encontradas apenas 19 notícias das modalidades derivadas do futebol, um número referente a menos de 1% das notícias vinculadas no site, corroborando com Mourão e Morel (2005)Mourão, L.; Mourel, M. As narrativas sobre o futebol feminino: o discurso da mídia impressa em campo. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 26, n. 2, p. 73-86, janeiro 2005., que afirmam que o futebol feminino tem encontrado dificuldades na desmistificação como um esporte predominantemente masculino, sendo quase invisível, como se o futebol feminino não fizesse parte da cultura esportiva brasileira. Portanto, o correto seria dizer que o Brasil é o "país do futebol masculino profissional das equipes tradicionais dos principais estados", pois é sobre essa reduzida gama de jogadores e equipes que se transmite, fala, informa e discute-se, e não sobre o futebol e seus derivados em suas diversas manifestações. Para Betti (1998)Betti, M. A janela de vidro: esporte, televisão e educação física. Campinas: Papirus, 1998., um dos fatores que geram essa disparidade é que os agentes sociais da mídia têm ideias preestabelecidas sobre o que o público deseja saber, e, a partir dessas ideias, a programação é montada. Como não se vinculam outros conteúdos, reafirma-se a audiência nessa fórmula tradicional. Esse círculo vicioso faz com que raramente variem os conteúdos e as estratégias dos meios de comunicação de massa, uma vez que se julga que não são bem aceitos pelo público.

Outro fator significativo para a seleção apenas de conteúdos ligados ao futebol masculino profissional de clubes tradicionais é diretamente relacionado ao fator econômico e à busca por maiores índices de audiência que aumentem o valor pago pelas marcas que patrocinam as mídias e as competições (Bourdieu, 1997Bourdieu, P. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.). A relação apresentada reflete-se diretamente nas notícias sobre treinadores de futebol e de outras modalidades, já que esse profissional se tornou um importante "personagem" do espetáculo esportivo (Costa, 2006Costa, I.T. Análise do perfil de liderança de treinadores de futebol do campeonato brasileiro série A/2005. Dissertação (Mestrado) - Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.). O discurso e a falação de idolatria ou contestação sobre os treinadores de futebol possuem a capacidade de criar heróis ou vilões, gerar elogios ou críticas de proporções inimagináveis (Helal, 2003Helal, R. Mídia e esporte - A construção de narrativas de idolatria no futebol brasileiro. In: XXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação - Intercom (São Paulo), Rio de Janeiro, 2003, v. 4, n. 7, p. 19-36.). A falação midiática a respeito de um treinador influencia diretamente a atuação desse profissional, mas muitas vezes a análise realizada é pouco fundamentada e racionalizada (Machado, 2010Machado, A.A. A imagem dos treinadores de futebol na perspectiva dos jornalistas. Pulsar, Jundiaí, v. 2, n. 2, 2010.; Betti, 1998Betti, M. A janela de vidro: esporte, televisão e educação física. Campinas: Papirus, 1998.).

Para se ter uma noção da realidade particular na qual o futebol e seus treinadores se enquadram, das 4.580 notícias sobre futebol, 986 foram dedicadas aos treinadores, número correspondente a 21,5% do total, que geraram 967 comentários por parte dos visitantes do site. Analisando as demais modalidades somadas, encontrou-se um número de 3.314 notícias, das quais apenas 62 tinham como foco o treinador, ou seja, 1,8% do total, gerando apenas 13 comentários em um mês.

Os dados apresentados reafirmam o foco relatado anteriormente e dão a noção da realidade peculiar em que vivem os treinadores de futebol em comparação com os treinadores de outras modalidades esportivas.

No estudo de Marturelli Junior e Oliveira (2005)Marturelli Junior, M.; Oliveira, A.L. Treinadores de futebol de alto nível: as evidentes dificuldades que cercam a produtividade destes profissionais. In: XI Simpósio Internacional. Processo Civilizador, Tecnologia e Civilização. Ponta Grossa, Paraná. 2005. Disponível em: <http://www.uel.br/grupo-estudo/processoscivilizadores/portugues/sitesanais/anais9/artigos/mesa_debates/art23.pdf> Acesso em: 5 fev. 2012.
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, ao serem indagados sobre as principais dificuldades do cargo de treinador de futebol, 42% dos entrevistados responderam a instabilidade no cargo, enquanto 12% se referiram à interferência da mídia. Porém, é necessário entender que a mídia também exerce grande influência sobre a estabilidade profissional desses treinadores, uma vez que é a partir dela que o torcedor interage com o que está acontecendo em seu clube (Machado, 2010Machado, A.A. A imagem dos treinadores de futebol na perspectiva dos jornalistas. Pulsar, Jundiaí, v. 2, n. 2, 2010.).

Para tratar das ideias aglutinadas às notícias sobre treinadores de futebol serão apresentadas quatro tabelas, três compostas pelas macrocategorias apresentadas anteriormente e uma com as dez categorias com o maior número de notícias.

A tabela 1 foi composta por categorias nas quais se enquadraram notícias e comentários que possuem como conteúdo principal o treinador em suas relações com: equipe, adversários, imprensa, diretores e torcedores, entre outros.

Tabela 1
Macrocategoria 1. Treinador nas relações.

Nas cinco primeiras categorias apresentadas na tabela, com exceção da categoria "formador de opinião", as notícias têm como ideia central a relação do treinador com sua equipe. Essa relação é a principal atribuição de um treinador desportivo, sendo que ele deve ser um constante gerenciador dos recursos que tem na busca por, através de treinamentos, formar uma equipe capaz de atingir os objetivos (Marturelli Junior; Oliveira, 2005Marturelli Junior, M.; Oliveira, A.L. Treinadores de futebol de alto nível: as evidentes dificuldades que cercam a produtividade destes profissionais. In: XI Simpósio Internacional. Processo Civilizador, Tecnologia e Civilização. Ponta Grossa, Paraná. 2005. Disponível em: <http://www.uel.br/grupo-estudo/processoscivilizadores/portugues/sitesanais/anais9/artigos/mesa_debates/art23.pdf> Acesso em: 5 fev. 2012.
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).

Destacam-se dentro dessas relações principalmente as funções de articulador tático/técnico, de disciplinador/exigente e protetor. Nas categorias: disciplinador/exigente e protetor é transmitida uma ideia de perfil de liderança na relação, liderança esta que, segundo Costa (2006)Costa, I.T. Análise do perfil de liderança de treinadores de futebol do campeonato brasileiro série A/2005. Dissertação (Mestrado) - Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006., é indispensável para o êxito no cargo de treinador.

Também é necessário destacar a categoria formador de opinião, que mostra o reconhecimento por parte da mídia do papel do treinador junto à torcida e à sociedade (Machado, 2010Machado, A.A. A imagem dos treinadores de futebol na perspectiva dos jornalistas. Pulsar, Jundiaí, v. 2, n. 2, 2010.; Helal; Cabo e Silva, 2009Helal, R.; Cabo, A.; Silva, C. Pra frente Brasil! Comunicação e identidade brasileira em copas do mundo. Esporte e sociedade. Ano 5, n. 13, p. 1-21, novembro 2009.).

Analisando o número de categorias e notícias apresentadas nessa macrocategoria, tem-se uma ideia da complexidade existente nas relações do cargo de treinador, pois extrapolam, e muito, os limites do campo de jogo. Contudo, é necessário que o profissional esteja preparado e constantemente atento, com o intuito de extrair o melhor possível dessas diferentes relações (Costa, 2006Costa, I.T. Análise do perfil de liderança de treinadores de futebol do campeonato brasileiro série A/2005. Dissertação (Mestrado) - Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.).

Marturelli Junior e Oliveira (2005)Marturelli Junior, M.; Oliveira, A.L. Treinadores de futebol de alto nível: as evidentes dificuldades que cercam a produtividade destes profissionais. In: XI Simpósio Internacional. Processo Civilizador, Tecnologia e Civilização. Ponta Grossa, Paraná. 2005. Disponível em: <http://www.uel.br/grupo-estudo/processoscivilizadores/portugues/sitesanais/anais9/artigos/mesa_debates/art23.pdf> Acesso em: 5 fev. 2012.
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ainda relacionam o sucesso do treinador de futebol a três principais fatores: capacidade de relacionamento, visão da modalidade e qualidade de comunicação. Nota-se, portanto, que a capacidade de relacionamento e comunicação é tão importante quanto o conhecimento da modalidade.

Machado (2010)Machado, A.A. A imagem dos treinadores de futebol na perspectiva dos jornalistas. Pulsar, Jundiaí, v. 2, n. 2, 2010. concorda com a necessidade de boa comunicação dos treinadores ao referir-se sobre a implicação de tais profissionais estarem constantemente em contato com jornalistas, tendo que argumentar com profissionais da comunicação e, durante a fala, afirmar sua autoridade de modo a ser reconhecido, sem, no entanto, ser mal interpretado ou julgado de forma ruim por eles.

A macrocategoria 2 é formada pela aglutinação de categorias com o intuito de apresentar o perfil do treinador por meio de uma característica marcante de sua personalidade. Via de regra, porém, o perfil abordado na notícia é traçado sem análise criteriosa e, consequentemente, pode perseguir o treinador durante sua trajetória profissional, facilitando, ou não, seu valor perante o mercado.

A tabela 2 é composta pelas seguintes categorias:

Tabela 2
Macrocategoria 2. Perfil do treinador.

Na tabela apresentada, é possível perceber a tendência das notícias a criticar o treinador, uma vez que as três primeiras categorias com maiores números de notícias possuem uma conotação considerada negativa (crítico, polêmico e inseguro).

Esse tipo de perfil, muitas vezes criado ou elegido através de uma atitude ou resposta, acaba se naturalizando e tornando-se referência do treinador, ou até uma característica comum aos treinadores de uma região, como por exemplo: o treinador gaúcho é irritado, o carioca é irreverente, entre outros. No entanto, essas afirmações quando repetidas muitas vezes acabam ganhando ares de verdades absolutas e criam um pré-conceito a respeito desses treinadores.

Há também de se ter a consciência da grande subjetividade que ocorre quando um jornalista "traça o perfil" de um treinador, pois junto à notícia está agregada as formações profissional e pessoal do jornalista, sua visão de mundo e sua capacidade de julgamento (Bourdieu, 1997Bourdieu, P. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.).

O autor citado também trata da circulação circulante da notícia, que nada mais é do que referenciar que os jornalistas escrevem para outros jornalistas, como forma de ascensão profissional. Significa dizer que, na busca de se tornarem estabelecidos na profissão, muitas vezes os profissionais da mídia não se preocupam a respeito do julgamento que a sociedade e o senso comum farão de suas matérias, e sim de como elas serão recebidas pelos outros jornalistas. Isso faz com os referidos perfis criados pela imprensa se reafirmem de forma contínua.

A tabela 3 trata de uma importante situação vivenciada pelos treinadores, que segundo Marturelli Junior e Oliveira (2005)Marturelli Junior, M.; Oliveira, A.L. Treinadores de futebol de alto nível: as evidentes dificuldades que cercam a produtividade destes profissionais. In: XI Simpósio Internacional. Processo Civilizador, Tecnologia e Civilização. Ponta Grossa, Paraná. 2005. Disponível em: <http://www.uel.br/grupo-estudo/processoscivilizadores/portugues/sitesanais/anais9/artigos/mesa_debates/art23.pdf> Acesso em: 5 fev. 2012.
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é a maior dificuldade dessa profissão: a instabilidade no cargo. Saber como os meios de comunicação de massa lidam com a vertente e qual sua possível influência nesse processo é extremamente relevante para uma análise crítica sobre a relação futebol e mídia.

Tabela 3
Macrocategoria 3. Situação no cargo e capacidade profissional.

A tabela 3 apresenta a polarização das notícias e dos comentários entre incompetente e competente. O grande problema que se faz nesse tipo de análise é que não há clareza de quais os critérios utilizados nessa classificação, ou seja, essa importante análise com grande capacidade de influenciar a opinião dos torcedores e até de dirigentes é feita de forma pouco criteriosa, baseada muitas vezes na opinião pessoal do jornalista.

Bourdieu (1997)Bourdieu, P. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997. diz que no esporte a frequência da opinião pessoal e da análise pouco criteriosa é ainda maior do que em outros setores, como na política, por exemplo. Isso porque esportes e entretenimento são considerados assuntos de menor importância, que devem ter linguagem mais acessível ao senso comum, não necessitando de uma reflexão coerentemente embasada. Para visualizar tal fato, basta notar como a opinião sobre os treinadores muda constantemente. O mesmo treinador taxado de incompetente e demitido de uma equipe em uma semana é contratado e considerado pela mídia o "salvador da pátria" de outra equipe na semana seguinte, dados confirmados pelo período de observação das reportagens, referenciadas pela mídia como "ciranda dos técnicos".

Esse tipo de comportamento coletivo já é considerado uma cultura do futebol brasileiro, pois não acontece da mesma forma no futebol europeu, por exemplo. Enquanto alguns treinadores na Inglaterra chegam a comandar uma mesma equipe durante 20 anos, no Brasil encontrar treinadores que dirigem o mesmo clube durante mais de uma temporada é um fato raro.

A troca constante de treinadores também impossibilita ao clube ter um projeto de longo prazo, uma vez que acaba sendo refém das mudanças que a troca de treinador traz, o que contribui para a dificuldade de se realizar um trabalho de longo prazo no futebol brasileiro, um problema vivido pelo futebol do país atualmente.

Na tabela 4 são apresentadas as dez categorias com o maior número de notícias veiculadas, permitindo perceber o direcionamento das notícias publicadas no site analisado.

Tabela 4
Dez categorias com maior número de notícias.

A tabela demonstra a principal responsabilidade do treinador: articulação tática e técnica de sua equipe, o que gerou um alto número de comentários, concordando ou discordando com a escalação dos onze titulares. No entanto, essas inferências são feitas sem que os internautas acompanhem os treinamentos e tenham maiores informações de como o treinador trabalha no seu dia a dia.

O binômio incompetente-competente tem relação direta com a fragmentação do fenômeno esportivo e da fomentação do binômio derrota-vitória tratado por Betti (2001)Bardin, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.. Os comentários dos "internautas" sobre os treinadores são uma importante ferramenta de reflexão, pois os "especialistas" descritos por Betti (1998)Betti, M. A janela de vidro: esporte, televisão e educação física. Campinas: Papirus, 1998. estão, devido às inovações tecnológicas, expandindo as discussões sobre futebol, antes restritas a bares e bancas de jornal, para o mundo virtual no qual a opinião é dada online.

Por fim, o altíssimo número de notícias vinculadas sobre o futebol e treinadores de futebol revela dados importantes. O esporte obteve 4.580 notícias em um mês, uma média de aproximadamente 152 notícias por dia, enquanto os treinadores foram tema de 986 notícias em um mês, aproximadamente 33 notícias por dia.

Os dados confirmam duas importantes ideias sobre a mídia e a mídia esportiva. A primeira é sobre a falação tratada por Betti (1998)Betti, M. A janela de vidro: esporte, televisão e educação física. Campinas: Papirus, 1998., segundo o qual esta tem o objetivo de entreter, informar, criar expectativas, heróis, vilões, criticar e atualizar. Para o autor a falação informa sobre literalmente tudo, porém privilegia o futebol, "esporte que mais emociona os brasileiros".

Em comunhão com essa ideia, Bourdieu (1997)Bourdieu, P. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997. trata sobre a constante luta por um maior número de espectadores, leitores ou visitantes, o que gera uma urgência de estar constantemente "cobrindo" as notícias "cobertas" pelos rivais. A constante pressão cria a "urgência e o fast thinking(pensamento rápido)". Para o autor, a quantidade exorbitante de informações e sua atualização constante impedem o pensamento crítico e a reflexão. O autor destaca a importante relação entre pensamento e tempo, utilizando a oposição feita por Platão entre os filósofos, que dispõem de tempo, e as pessoas que estão na ágora, na praça pública, e são tomadas pela urgência.

Essas duas relações são fundamentais para entender a realidade turva que muitas vezes é apresentada pela mídia sobre o fenômeno esportivo, em particular o futebol. O gigantesco número de notícias não apenas impossibilita uma investigação mais aprofundada por parte da mídia como reflete diretamente na incapacidade de o senso comum desenvolver a reflexão sobre as informações que recebe. O entendimento dessas relações se faz urgente, uma vez que o Brasil está às vésperas de receber dois dos maiores eventos esportivos da era moderna, a Copa do Mundo de Futebol e a Olimpíada. A reflexão apresentada não tem como intuito apontar culpados e elencar vilões na relação entre esporte e mídia, pelo contrário, visa gerar discussões para se entender o contexto e os interesses que permeiam essas relações.

Segundo Bourdieu (1997)Bourdieu, P. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997., quanto melhor se compreende como funciona um meio, mais se nota que aqueles que o manipulam também são manipulados, e, frequentemente, quanto mais são manipulados melhor manipulam. Entender e refletir sobre tal contexto é fundamental para que os eventos acrescentem significativamente no desenvolvimento sociocultural da população brasileira, e não apenas se findem na falação e no fast thinkinginteressados em lucros.

Considerações finais

Diante dos resultados apresentados, foi possível concluir que há no site investigado um direcionamento significativo das notícias para o futebol, porém elas tratam de uma reduzida gama de clubes e jogadores de futebol masculino profissional.

Pouco foi publicado sobre futebol feminino, de categorias menores e de modalidades advindas do futebol, como futsal, futebol de areia e futebol de sete, showball, entre outros.

Com relação às notícias sobre treinadores, o cenário se repete. A proporção é de 16/1 entre futebol e outras modalidades, sendo que não foram encontradas notícias sobre treinadores de futsal, futebol de areia, futebol feminino etc.

Sobre as ideias vinculadas às notícias a respeito do treinador de futebol, constatou-se que articulador tático/técnico, incompetente e competente, formador de opinião e disciplinador/exigente foram as mais frequentes. Entretanto, parte significativa das notícias coletadas é direcionada para a estereotipia e acusação ao treinador de forma que ele seja criticado ou valorizado sem o devido critério técnico de análise de seu desempenho.

Por fim, o número de notícias sobre o futebol possibilitou o paralelo com teorias sobre a mídia e expôs a necessidade de reflexão e entendimento do contexto, tanto por profissionais da Educação Física como do Jornalismo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    01 Mar 2012
  • Aceito
    22 Set 2012
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