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Gestão de revistas: algumas considerações e sugestões para o debate

Journal Management: some considerations and suggestions for the debate

Dirección de revistas académicas: algunas consideraciones y sugerencias para el debate

Resumo

O autor parte da discrepância entre os artigos mais lidos e as qualificações no sistema de avaliação de periódicos da CAPES (Qualis). A partir da discussão da infl uencia das publicações, descreve efeitos práticos, por vezes não desejados, do modo de operação das revistas mediante pareceristas e o sistema SEER. Aponta que se corre o risco de publicar mais do mesmo, muito do já sabido. Salienta relação imbricada entre avaliação de revistas, de pesquisadores e de programas de pós-graduação. Seu objetivo é o de contribuir para a discussão da atividade editorial na área da Educação Física, embora suas questões e críticas também sejam válidas em outras áreas.

© 2014 Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Publicado por Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.

Política editorial; Critérios de avaliação; Efeitos não desejados; Publicação e intervenção

Abstract

The author observes the discrepancies between the quantity of articles readings and their qualifications in the evaluation system of CAPES (Qualis). He presents and discusses some practical effects, sometimes unwanted, derived from publications infl uences, operating modes of journals and peers through the SEER system. The author points out the already known risk of publishing more of the same. Then he stresses the entangled relationship between journals, researchers and postgraduate programs evaluation metrics. His goal is to contribute to the discussion of editorial policies in the field of Physical Education, although the questions and criticisms that are raised are also valid in other research field.

© 2014 Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Published by Elsevier Editora Ltda. All rights reserved

Editorial policy; Evaluation criteria; Unwanted effects; Publication and intervention

Resumen

El autor parte de la discrepancia entre los artículos más leídos e las califi caciones en el sistema de evaluación de periódicos de la CAPES (Qualis). A partir de la discusión de las influencias de las publicaciones describe efectos prácticos, por veces no deseados, del modo de operación de las revistas mediante réferis y el sistema SEER. Apunta que se corre el riesgo de publicar más de lo mismo, mucho de lo ya sabido. Enfatiza la relación imbricada entre la evaluación de las revistas y la de los investigadores y programas de pos graduación. Su objetivo es el de contribuir para la discusión de la política editorial en el área de la Educación Física, aunque sus cuestiones y críticas también serían válidas en otras áreas.

Política editorial; Criterios de evaluación; Efectos no deseados; Publicación e intervención

Introdução

Sou da opinião de que o sistema brasileiro de formação de e de produção cientifica avançou consideravelmente desde a política pública sustentada pelo Estado, sobretudo, a partir das ações do CNPq, FINEP, CAPES, as fundações estaduais e as numerosas organizações científicas por áreas e subáreas disciplinares e das pós-graduações. Creio que temos uma base relativamente sólida a partir da qual podemos enfrentar os motivos remanentes de "infelicidade" no campo científico e tecnológico.

Fomos convocados a escrever sobre um vetor importante da formação das comunidades científica, sua produção e difusão conhecimentos: os periódicos científicos. Em particular, sobre a atividade editorial no campo da área dita Educação Física e creio que por iniciativa do ativo e irrequieto editor da Revista da CBCE, Dr. Alexandre Fernandez Vaz. Conheço o Dr. Vaz faz mais de duas décadas e sempre admirei seu rigor e seu espírito crítico aliados em boa forma a uma capacidade de entendimento e realização prática que, reconheçamos, estava ausente em um de seus mentores filosóficos, T. W. Adorno. A aliança mencionada não é muito frequente em nosso meio acadêmico e, portanto, não podemos perder a oportunidade de apontá-la e elogiá-la.

A infelicidade começa em uma pergunta simples: será que estamos fazendo a coisa certa? Continua quando enunciamos aspectos que não nos satisfazem totalmente ou quando salientamos que alguns objetivos desejados não estão sendo alcançados ou que obtemos resultados por baixo do desejado. A infelicidade pode ser mais ampla entre os participantes da área que operam a partir de matrizes "moles" teóricas e metodológicas das ciências sociais e humanas. Talvez seja bem menor entre os pesquisadores orientados por matrizes "duras" da biologia, a fisiologia e a biomecânica, entre outras disciplinas fundadoras, da área da Educação Física (EF).

As infelicidades não significam que tudo o que fizemos estava errado. Crescentemente me inclino a pensar que avançamos de forma pendular ou, se algum estatístico preferir, com o andar do bêbado, de um lado para outro até alcançar a porta procurada. Sempre o bêbado corre o risco de descobrir que perdeu a chave, não sabe onde, e a procura embaixo do foco de luz ou que está dormido na porta do vizinho. Contudo, o que realmente importa é que, em algum momento, chegue são e salvo ao seu leito. Os lances negativos nos levam a entender que ainda que andemos como bêbados é importante refletir sobre o caminho, observar com atenção a porta e certificarmos que ainda estamos com a chave.

E isso o que tentarei fazer nesta comunicação entre colegas.

Os artigos mais acessados

A plataforma eletrônica da RBCE apresenta do lado direito uma lista dos artigos mais citados. O mais acessado, de Marcos Santos Ferreira, é de 2001 e conta com mais de 28.000 acessos e trata sobre saúde e Educação Física escolar; o segundo, com mais de 23.000 acessos, é de A. M. da Costa e S. B. Souza trata sobre a Educação Física e esporte adaptado e é de 2004; o terceiro, de Alexandre Palma, é de 2001 e trata sobre Educação Física, corpo e saúde e outros "modos de olhar", com mais de 15.000 acessos; o quarto, que trata sobre jogos cooperativos, é de 2006 e de autoria de M. M. Correia, mais de 12.000 acessos; por último, o quinto artigo, de Thaís Eleno, José Barela e Eduardo Kokubun, de 2002, trata sobre o esforço e as qualidades físicas no handebol, com mais de 10.000 acessos.

Se os artigos fossem julgados pelo seu interesse e influência, que implica em princípio o número de leitores, teríamos outra classificação ou escala de valor, muito diferente à elaborada a partir dos Qualis da CAPES de cada área de conhecimento.

Um artigo publicado em uma revista A1 que teve 1000 leitores e 30 citações seria mais importante que um artigo publicado em uma revista B3 que teve 30.000 leitores e citado cinco vezes? Um artigo que influencia de forma significativa a didática da EF é mais ou menos importante que um artigo cujas elaborações participam de 12 pesquisas que confirmam resultados anteriores de relações estatísticas entre variáveis? Creio que no momento esse é o tipo de questões que nos devemos fazer e encontrar respostas mais ou menos consensuais para instaurar novos processos avaliativos. Não devemos esquecer que na avaliação está de modo prático e poderoso, a orientação dos processos.

O primeiro que deveríamos destacar é diferença em temos de acesso dos artigos acima citados, de 23.000 a 10.000. O segundo ponto é a antiguidade dos artigos, dois com 12, um com 11, seguido por um com 9 e por último um com 7 ano de publicação. A média supera os 10 anos. Se partilharmos a ideia de que a produção científica avança rápida e significativamente nossa pequena lista não reflete esse processo. Três dos artigos podem ser abertamente classificados no gênero do ensaio e estão direcionados a propor mudanças ideológicas no campo da Educação Física. Temos ainda um quarto ensaio em perspectiva histórica e apenas um dos artigos parece ser resultado de pesquisa empírica. Os artigos são relativamente antigos e a elaboração ideológica argumentativa o ensaio prima sobre a apresentação de evidências, isto é, a pesquisa empírica. Então, como explicarmos os índices de acessos e o tempo transcorrido?

Redução da liberdade?

A liberdade para Hegel resulta da evolução da sociedade civil em um processo amplo de diferenciação e complexificação. Em outras palavras, a sociedade complexa ao mesmo tempo em que aumenta a dependência ou a necessidade de solidariedade, cria oportunidades de escolhas e esferas de liberdade subjetiva. Em vários sentidos o marxismo italiano de A. Gramsci é herdeiro dessa tradição, embora modificando a herança. O oposto da sociedade civil, para Hegel, poderia ser encontrado no despotismo oriental que apresenta grande homogeneidade social, quase uma relação linear entre famílias e Estado e, no qual, apenas um é livre (o déspota). No Estado evoluído, a monarquia constitucional na preferência de Hegel, se devem integrar as contradicções de uma sociedade civil ativa e diversificada com interesses contraditórios. Digamos que o Estado garante a ordem civil e o aumento das liberdades dos atores sociais.

Posso então perguntar: nossa política de comunicação científica mediante a qualificação do Qualis da CAPES está fazendo isso? Está promovendo os objetivos postos pelo filósofo que, segundo nos contam, era um dedicado e excelente jogador de cartas (sua valorização do jogo o faz um favorito da EF)? Ou estamos em um processo de padronização crescente e onde o que importa é a publicação do artigo em revistas de alto Qualis? Se assim for, a liberdade, entendida no sentido acima apontado está sendo resguardada?

Minha leitura de Hegel pode ser parcial e talvez errada. Contudo, ela me serve para situar uma pergunta que considero significativa: a atividade editorial no campo da Educação Física contribui para o aumento da liberdade acadê mica, a formação profissional e cívica (ética)? A pergunta apenas faz sentidos se sentimos que a produção editorial está crescentemente posta como atividade dependente da avaliação da produção científica e dos programas de pós-graduação no Brasil. Ou seja, a atividade editorial quando regulada dentro da política de orientação e avaliação da pós-graduação promove a liberdade ou a restrição a partir de seus ideais normativos? Como estimular a criatividade com tantas restrições? Todos sabem que a produção científica e os programas de pós-graduação têm derivado em uma coisa única ou quase. Uma revista (ou periódico, usarei ambas as denominações indistintamente) é valorizada por sua posição no respectivo Qualis da CAPES, posição que depende de critérios profundamente marcados pela participação das revistas nos diversos indexadores que circulam por aqui e pelo mundo fora. O cientista permanece em um programa de pós-graduação, ganha bolsa de pesquisa, recebe recursos financeiros para pesquisa em função dos pontos que acumula pela publicação de artigos em revistas qualificadas. Na verdade, se o artigo é lido ou não talvez pouco importe, o que importam são os pontos. O colega nos diz euforicamente que acabam de aceitar um artigo seu para uma revista A1, não nos diz o nome do periódico, nem do artigo nem qual foi seu "descobrimento"!

Gosto da piada inglesa da venda de sardinhas em tempo de guerra. Um inspetor da saúde pede para abrir duas latas de um imenso depósito cheio delas e confere que estão estragadas. O dono lhe diz: e daí, elas não são para comer são para comprar e vender! O valor substantivo, ou de uso, desaparece e com ele a eticidade do produto. Tenho a desagradável sensação de que isto está crescendo de forma sensível na área. Não vejo outra solução que conversarmos sobre o problema. Talvez o pêndulo se deslocou demais apenas em uma direção mecânica, formalista e com vícios avaliativos.

Entendemos axiomaticamente que os indexadores refletem o interesse da leitura na ponderação das citações. Observemos que eles não refletem os leitores em sentido amplo, porem o leitor que usa o artigo para gerar artigos destinados às revistas do Qualis que de praxe não informam o número de leitores. Os indicadores estão centrados sobre si mesmos. Ou seja, não são para comer, são para comprar e vender. Na verdade, o valor de um produto científico cresce quando a mídia divulga seus resultados até de forma pouco exata ou quando o autor envereda pela produção de livros atendendo a um público culto, mas diversificado. O cientista, assim, pode virar por um tempo estrela da mídia e ser convidado a falar em programas de televisão e mesmo até ter seu próprio programa. O biólogo evolucionista Dawkins é um claro exemplo. Está na televisão porque antes publicou livros para um público amplo de excelente vendagem!

Talvez a revista mais lida da área, por estas terras, seja EFDeporteseditada por Don Túlio Guterman, pois seus acesos se contam por milhões (por sorte é online, pois caso contrário poderia ficar sem papel na Argentina. Que antecipação política a de Don Túlio!). Qualquer leitor pode perguntar a seu editor pelo número dos mesmos, ele responde com rapidez e certeza e tem um tremendo orgulho em fazer isso. Muitos de nossos colegas iniciaram sua vida de escritores de artigos científicos publicando nessa revista. Faz uma década atrás, ela tinha uma pontuação Qualis bem superior à atual. Falta de registros de indexação fizeram descer sua importância. Ou, talvez, muitos avaliadores e pareceristas decidiram não reconhecer seu próprio passado nessa revista, escolheram um pedigree mais indexado.

Os autores pesquisadores, na sua abrumadora maioria, membros da pós se orientam pelo Qualis e, de forma crescente, começam a escrever tendo em mente o periódico, sua classificação e suas normas editoriais. Ou seja, o valor do escrito cede lugar para a possibilidade de publicação em uma revista bem avaliada no Qualis. Importa menos aquilo que se diz do que onde foi publicado. Alguns colegas se tornaram ironistas e dizem que esse é o jogo e a ele jogaremos. Enfim, as sardinhas não são para comer! Esses são os periódicos que importam: os que estão no jogo.

Pareceria que de fato a liberdade de escolha está restrita pela avaliação dos periódicos que faz a avaliação do pesquisador. Importam menos suas contribuições substantivas que o nível das revistas onde publicou seus artigos. A aplicação de regras por parte dos referis é mais importante que a criatividade e o valor de uso do produzido. A liberdade se reduz ou sua manutenção implicaria enfrentar desafios institucional e intencionalmente criado?

Alguns críticos, agrupados no blogspot Democracia e transparência(htpp://democracia-e-transparencia.com.br/), no qual ganharam destaque os artigos de O.A.S. Carpintero aponta a formação de uma "oligarquia" no CNPq e discutem seus critérios de excelência sob o ponto de vista das duas palavras chaves do blog (Democracia e transparência). Creio que seria preferível utilizar a palavra aristocracia, ao invés de oligarquia, pois a operação dos membros é legal e submetida a normas, eles não representam a degradação e centralização do poder sem regras. Ocorre que as normas são elaboradas pelos mesmos aos quais se aplicam: os programas excelentes escolhem a maioria dos membros de excelência que participam das comissões do CNPq e da CAPES que elaboram as normas de definição da excelência que se aplicam a si mesmos! No campo da editoração, o ícone principal é o Qualis das revistas por área. Como resultado, a separação de poderes inexiste. Critérios que operam em outras áreas de políticas públicas, como inclusão e desigualar para igualar, existem de forma marginal nos organismos que se ocupam dos pesquisadores. De fato, promover ciência e tecnologia significa, basicamente, promover pesquisadores distribuindo benefícios que os potencializam (bolsa de produtividade e editais diversos). No campo editorial a coisa não é diferente. São financiadas revistas de excelência e talvez algumas promissoras. Assim, a política editorial confirma e faz a excelência ao mesmo tempo em que aposta, nem sempre, em novas emergências. Se nossas revistas fossem online e avaliadas pelos acessos e os comentários, o perfil resultante seria semelhante ao do qualis? E Efdeportes teria a melhor pontuação? O DR. Ronaldo Helal, pesquisador do CNPQ, comentou-me em várias oportunidades que é dessa revista de onde mais recebe perguntas e contribuições. Pode ser uma evidência de um caso particular, também pode que seja uma evidência mais geral que os membros da área da EF ocultam? O Qualis parece que funciona com restrição para a liberdade de comunicação em nome da excelência.

Sob o ponto de vista ético, seus argumentos favoráveis são de tipo utilitaristas: geraria consequências favoráveis para o desenvolvimento da ciência. Vejamos, porque publicar em revistas de alto Qualis? Bom, isto melhora o currículo dos pesquisadores, favorece a obtenção de bolsas de produtividade e outros financiamentos, os que publicam nelas são convocados para as comissões e organismos que orientam a ciência — no caso da CAPES, são os pesquisadores dos programas de excelência que, via de regra, estão nos cargos institucionalizados de poder — enfim, publicar nas revistas "A" favorece a aquisição de poder nos pesquisadores. Mesmo no caso que aceitemos que o sistema não pode ser modificado, mesmo que reconheçamos e nos lamentemos pelos efeitos colaterais, isto não significa que não procuremos realizar mudanças para minimizar seus efeitos.

Em segundo lugar, o Sistema SEER de Editoração contribui para que o processo de pensar a edição da revista se reduza às informações para os pareceristas que constam nos arquivos. Tornou-se uma poderosa ferramenta instrumental facilitadora da edição e da vida do editor. Mais ainda, o autor coloca seu artigo no sistema que seleciona o referi que fará a avaliação, suponho que a partir de palavras chaves ou códigos que indicam seu campo de atuação, isto é, uma competência suposta gerada a partir de sua qualificação como autor nas revistas. Parece que o sistema se fecha sobre si mesmo e temos o cachorro mordendo seu próprio rabo. Um sistema impessoal, codificado, abstrato e com baixo nível de informação substantivo para os pareceristas. Um sistema que leva na direção de um único tipo ideal de artigo cientifico que resulta de um único roteiro de procedimentos. Isto me parece particularmente evidente no campo das disciplinas "duras" da Educação Física. Creio que os pareceristas têm serias dificuldades em rejeitar um artigo experimental feitos com os procedimentos aceitos e padronizados, embora seus resultados sejam arquiconhecidos, mais ainda, se algum dos autores do artigo é um pesquisador de "Excelência" e ainda mais quando figure como orientador produtivo. Obervo que na produção cada vez mais especializada, os pareceristas aspirantes descobrem facilmente o autor principal, geralmente citado várias vezes na bibliografia. Alguns pareceristas fazem chegar ao autor principal do artigo avaliado sua aprovação, depois de tudo, é dando que se recebe.

Deixem me narrar umas experiências pessoais de parecerista. Recentemente fiz um parecer para uma revista muito bem qualificada de nossa área. Na primeira linha do resumo eu já sabia os resultados e não por ser especialista ou demasiadamente inteligente, mas porque o artigo era uma obviedade. O artigo era excelente sob o ponto de vista formal e seguia todas as recomendações editoriais. Qual seria a coisa certa a fazer? No meu tempo de editor artesanal eu lia rapidamente todos os artigos e rejeitava os que eram muito fracos por serem óbvios ou por falta de interesse. Também me comunicava com os pareceristas dizendo o que esperávamos e qual era a política da revista, não as normas editoriais, coisa nada importante quando o artigo era relevante sob um ponto de vista substantivo. Supostamente o Editor é o mediador entre as orientações do Conselho, quando ele se reúne e as formula, e os pareceristas. Supõe-se que os periódicos têm outras intenções alem de ser reconhecido pelo SCIELO ou por outros indexadores para galgar posições no Qualis? Ou será que todos os periódicos aspiram apena a isso? No caso que estou relatando, fiz os comentários críticos do artigo e escolhi "comentários" na escolha de avaliação final do SEER. Poucas horas depois chegou um email da revista no qual me informavam que eu não tinha dado o parecer final sobre o artigo. De fato, eu estava dizendo para o editor: "caro amigo você deve decidir se publica ou rejeita um artigo formalmente muito bem feito e que não agrega em termos substantivos". A decisão, que deveria depender da política do periódico, se está deslocando para o mundo dos referis! Dois referis em acordo decidem o destino do artigo; em caso de desencontro se espera pela opinião de um terceiro referi.

A segunda experiência. O parecerista recebe um artigo elaborado por membros do segundo grau e que os editores acharam que talvez devesse ser publicado. Por boas razões ficaram entusiasmados com o artigo. A decisão parece que comete ao Editor e ao Conselho em seus entendimentos da política editorial, mas não a um parecerista externo.

O editor e os membros do conselho não tem mais opinião? Eles não se importam sobre o desencontro dos referis e apenas chamam um terceiro para o desempate? Isto pode ser politicamente correto, mas significa que o periódico não tem política editorial nem competência avaliativa que é externa. O editor é um administrador do fluxo de pareceres. Seria bom que, como parte da política editorial as revistas, informassem a quantidade de artigos recebidos no ano, o número de rejeitados e de aprovados. Esta contagem poderia nos levar na direção de pensar quantas vezes é apresentado um artigo no ano e em quantas revistas. São dados numéricos que possibilitariam um melhor dimensionamento de nosso campo editorial.

Eu me situo como um editor tradicional. Quando recebia um artigo minha primeira tarefa era uma leitura dinâmica tendo em mente duas perguntas: o artigo está dentro do escopo da revista e, em caso afirmativo, quem poderá ser um bom avaliador? Isto significa que o editor devia conhecer sua área de atuação para poder escolher referis adequados. Creio que hoje são os pareceristas quem acabam respondendo as duas perguntas. Mais ainda, creio que a primeira muitas vezes nem é formulada. O automatismo leva a avaliar o artigo sob o ponto de vista formal, adequação às normas de revista, e creio pelas minhas leituras que cada vez menos sob o ponto de vista substantivo. Isto explicaria a abundancia de dois tipos de artigo: a) mais sobre o mesmo e b) muito sobre coisa nenhuma. Leitor, por favor, pense e dois artigos publicados em periódicos da área (Qualis do A1 ao B3) que lhe tenham impactado favoravelmente e que, por certo, não sejam os seus. Envie para meu email a identificação do artigo que eu farei uma pesquisa sobre eles.

Os que elaboram os artigos reclamam do tempo de demora das publicações, reclamam, mas não fazem alguma coisa para modificar a situação. Se levarmos em conta que no campo da ciência a prioridade é fundamental teria que se reconhecer que para os editores e pareceristas (e talvez até para os autores) os artigos não tem prioridade nenhuma ou a prioridade não importa. Podemos deduzir que quando um artigo demora em ser publicado é porque não diz nada novo. Revistas internacionais de prestígio publicam os artigos de excelência quase que imediatamente, aqui vigora a prioridade e dar a conhecer os resultados é urgente. Se nossas revistas não fazem isso podemos pensar que é porque não recebem artigos de excelência e que, como domina a mediocridade, então, o artigo pode aguardar dois anos para se publicado? De fato, eles apenas se situam no grupo de artigos que mais uma vez diz o mesmo. De novo, o que importam são os pontos contados para a avaliação trienal da CAPES e as bolsas do CNPq?

Colegas me comentam que enviam artigos ainda crus para que os pareceristas os comentem (alguns pareceristas fazem comentários formais tão detalhados que funcionam como revisores). Mesmo que os artigos sejam rejeitados, os autores usam os comentários dos pareceristas para melhorar o artigo. O processo pode se repetir várias vezes. Os informantes do processo dizem que finalmente o artigo é publicado. Destaquemos, o que está em jogo é o domínio da forma sobre o conteúdo. A mecânica parece funcionar, contudo, não sabemos qual é seu custo e muito menos quais os benefícios fora do sistema de avaliação dos cursos universitários, sobretudo de pós-graduação, embora não exclusivamente. Certamente, os pesquisadores declaram que fazem ciência para contribuir com a sociedade. Como a contribuição se viabiliza raramente é explicitado.

A internet se tornou um foco de contribuição juntamente com a mídia. Semana passada recebi um detalhado PPS no qual se explicitavam as virtudes do aspargo para prevenir e curar o câncer. A receita indicada mais ou menos quatro aspargos por dia. As provas eram do tipo: eu fui testemunha e conheço outros que também constataram. Se isto continuar eu investiria na produção de aspargos cuja demanda aumentará durante algum tempo. Se gostarmos de aspargos e temos recursos porque não comer quatro deles todos os dias para nos salvar do câncer de pulmão (que ocupa o terceiro lugar nas estatísticas, de mortalidade e também em dados da internet de médicos especialistas que tem seu próprio site, isto quando se descartam a morte por homicídio e acidentes, causas externas, segundo lugar nas estatísticas do Ministério da Saúde). Na internet a contribuição é imediatamente reconhecida e, mais ainda, ela motiva a participar ativamente dos descobrimentos.

Na mídia se informou, dias passados, que a atividade física ajuda gerar ou regenerar novas células cerebrais e cardíacas. A novidade seria o protocolo da pesquisa, nem tanto a hipótese testada. Logo o Repórter da Sport TV passou uma longa matéria sobre a atividade física de alta intensidade como geradora de hormônios que viciam o cérebro em sua produção. Quando a atividade diminui, a depressão e outros sintomas passam a ser dominantes. De modo geral, a atividade física intensiva provocaria lesões que demandam tratamento e descanso para a recuperação. Os tratamentos implicam cirurgias, drogas, fisioterapia e descanso alem de efeitos não desejados. A própria inatividade com a queda da produção hormonal leva à depressão e a outros sintomas. A atividade física pode se tornar um vício, com tantas outras drogas. O velho valor universal do equilíbrio ou moderação volta a ser postulado como ideal na reportagem e eu já escrevi sobre como Aristóteles recomenda a moderação. Mais ainda, no Repórter mencionado, o ideal seria que você contasse com um entrenador personal para não cair no vicio. Minha pergunta é: as nossas revistas da área tem uma política editorial para avaliar e comentar o tipo de matéria exemplificado? O marketing da mídia e da internet parece ser muito bom. Os nossos periódicos o que fazem? Fazem a coisa certa? Como se situam em relação a eles?

Salami Science, patentes e é "dando que se recebe"

O currículo tornou-se dominante. Creio que o currículo de Darwin deve ser menor que o de Dawkins, o de Newton menor que o de Hawking ou Penrose; o de Hobbes muito menor que o de Bobbio e por ai adiante. Contudo, vivemos mais dos primeiros gigantes que dos segundos grandes talentos mencionados. Indexação, Qualis e pareceristas formam uma resposta à montagem de currículos pouco significativos sob o ponto de vista qualitativo, isto é, de sua influência sobre uma disciplina ou sobre a sociedade. Na época de Maquiavel, Hobbes, Newton, Descartes, Darwin e Einstein tínhamos menos cientistas, menos publicações e menos recursos para eventos científicos e para infraestrutura de pesquisa.

Talvez também tivéssemos menos competição no campo científico e muitos menos assistentes técnicos e estudantes de graduação e de pós. Alguns afirmam que conhecimento passou a crescer geometricamente ao longo do século XX. Hoje não temos muito claro se há nações ricas porque, por meio de estratégias variadas, criaram condições para o desenvolvimento do conhecimento científico e aplicado ou as nações são ricas porque por outras razões (liberdade, competição, estabilidade institucional, segurança jurídica) desenvolveram ciência e tecnologia.

Diante do crescimento das comunidades cientificas os periódicos foram publicando artigos cada vez mais curtos. Uma boa parte do artigo é ocupado pela revisão bibliográfica e a metodologia, não raro, os resultados e as conclusões ocupam um espaço menor. A redução dos artigos pode ser boa sob o ponto de vista de que em sendo menores teremos mais autores, em este sentido muitas publicações conduziram as regras de editoração. Contudo, isto apenas funciona para edições impressas limitadas pelo orçamento. As restrições de orçamento não fazem sentido para publicações online, postas hoje como ecologicamente corretas. Contudo, a redução motiva para que fatiemos o artigo e fazer do que podia ser um dois, três ou quatro. Isto é o que se denomina Salami Science. Para que publicar um artigo se podemos publicar três ou quatro com a mesma pesquisa, o mesmo orçamento e quase o mesmo esforço? A reação a um estímulo pode ser dividida em três faixas etárias que por dois gêneros e uma comparação geral renderiam sete amigos. Isto é o que se denomina Salami Science. Este não é um mal apenas brasileiro e por isso esta sendo discutido alhures. Entretanto, a Salami Science se tornou um caminho de enchimento dos currículos. A primeira versão da teoria da relatividade de Einstein tinha por volta de 15 páginas e vejam o barulho que fez!

Artigos e patentes

No caso do Brasil, as pós-graduações favoreceram a produção de artigos científicos dando pouca ou nenhuma importância à produção de patentes. Ao mesmo tempo, criticamos a baixa produção de patentes, sobretudo, nas comparações com Coreia do Sul. Temos, por assim dizer, uma ciência aristocrática em um país de identidade popular (futebol samba e carnaval). Este efeito paradoxal pode também estar influído pela visão antiutilitária (sobretudo contra o lucro e a acumulação capitalista) dos intelectuais progressistas que pululam nas universidades. Para trabalhar a serviço do povo mediante a extensão não é necessário inventar muita coisa, o receituário existe faz muito tempo e tem grandes autores assinando seus capítulos.

O clima antipatente, no entanto, parece estar melhorando. Minha questão é: os conselhos editoriais a favor da criação e registro de patentes, e sua posterior transformação em inovações, fazem alguma coisa para divulgar as patentes e avaliar suas possibilidades de inovação? Ou de fato, estão tão penetradas pelo objetivo da produção de artigos científicos que esquecem totalmente das patentes? Quando os órgãos de financiamento apoiam os periódicos colocam alguma orientação em relação às patentes? O problema se coloca nos conselhos do CNPq e da CAPES? Creio que este tema deveria formar parte das reuniões dos editores científicos da área da Educação Física.

É dando que se recebe

O espírito cristão está em expansão. Como "se recebe dando ou é dando que se recebe" os cientistas assinam em reciprocidade artigos com os quais podem ter pouca ou nenhuma contribuição. Algumas revistas limitam o número, outras limitam o número de doutores; comissões de avaliação da CAPES tem critérios similares. Trata-se de coibir "o dando é que se recebe", também uma estratégia para acumular pontos e currículo Lattes.

O sistema Lattes é uma grande inovação, contudo, temos que reconhecer que ela gera muita força gravitacional, efeitos colaterais ou efeitos perversos e, talvez, se torne uma poderosa camisa de força. Eu digo em brincadeira que o Brasil hoje parece ter duas classes sócias: a "classe Lattes" e a "classe não Lattes". Estou esperando que alguém recrie o Manifesto Comunista. Recentemente um colega que se aposentou e saiu da pós-graduação me contou de seu alivio, pois agora colocava no Lattes apenas o que considerava significativo. Há Lattes tão detalhados que refletem um cotidiano de 24 horas dedicado ao serviço universitário. Na verdade, eles apenas competem com outro Lattes! Qual é a importância de se detalhar no currículo Lattes disciplinas e participação em diversos tipos de comissões? Isto se faz para dizer: vejam como estou sendo solicitado, vejam como sou reconhecido, enfim, estamos no campo das bugigangas do espírito científico!

As comissões de avaliação das áreas da CAPES não são totalmente homogêneas em suas orientações para a avaliação da produção, além do valor do artigo segundo o Qualis elaborado pela área. Algumas pontuam diferencialmente os artigos com participação dos estudantes. Assim, quanto mais estudantes mais pontos. Pouco é sabido sobre a qualidade da participação dos estudantes e os autores doutores e podem se colocar nomes apenas para aumentar o valor do artigo. Creio que a apresentação dos artigos por parte dos estudantes em eventos científicos deveria ser valorizada. Supomos que se o estudante participa expondo é porque contribuiu na elaboração. Isto tem suas limitações. As exposições com projetores de imagens, alguns verdadeiros shows, por vezes lidas ao pé da imagem, até por doutores, fazem que a avaliação se torne relativa. Creio que os editores ajudariam se solicitassem parecer também a estudantes das pós. Os doutores pareceristas poderiam repassar os artigos, embora creia que isto seja proibido nas orientações do SEER.

A modo de "inconclusão"

Temos que tomar distancia do que fazemos. Voltar uma e outra vez sobre a pergunta sobre "o que é certo fazer". Temos que desenvolver uma leveza para julgar os critérios aos quais nos amarramos enquanto verdades sem possibilidades de questionamento. Temos que abrir para novos critérios de avaliação da produção.

Em áreas de intervenção, como a da EF ou de ciências aplicadas, a influência de um artigo para a ação é fundamental como também são altamente significativos os artigos que agem sobre as orientações fora da área de pesquisa ou, se preferirmos, sobre o sentido comum. A intervenção, base da Educação Física, demanda critérios que permitam avaliar sua incidência nos campos de atuação: conservação, desempenho, educação, estética corporal e lazer.

Creio que os que trabalham com matrizes da área mole na área de EF terão crescentemente problemas de publicação que se entrelaçaram com problemas de reconhecimento de suas linhas de pesquisa. Não vejo que possam continuar operando na área que a EF partilha com a fonoaudiologia, a fisioterapia e a terapia ocupacional da CAPES dentro da grande área de Ciências da Saúde. A área de avaliação é muito medicalizada para o amplo espectro da intervenção da EF. Creio os que pretendem operar no campo da EF a partir das ciências sociais e humanas deverão enfrentar o desafio de formular pós-graduações em outras áreas visando a produção de conhecimentos para melhorar as diversas formas de intervenção. Isto também significa projetos editoriais com políticas adequadas para o desenvolvimento. Lamentar-se e se zangar será em vão.

Referências

  • Correia, M. M. Jogos cooperativos: perspectivas, possibilidades e desafios na Educação Física escolar. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 27, n. 2, p. 149-164, jan. 2006.
  • Eleno, T. G.; Barela, J. A.; Kokubun, E. Tipos de esforço e qualidades físicas do handebol. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 24, n. 1, p. 83-98, set. 2002.
  • Ferreira, M. S. Aptidão física e saúde na Educação Física escolar: ampliando o enfoque. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 22, n. 2, p. 41-54, jan. 2001.
  • Martins da Costa, A.; Sousa, S. B. Educação Física e esporte adaptado: história, avanços e retrocessos em relação aos princípios da integração/inclusão e perspectivas para o século XXI. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 25, n. 3, p. 27-42, maio 2004.
  • Palma, A. Educação Física, corpo e saúde: uma reflexão sobre outros "modos de olhar". Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 22, n. 2, p. 23-39, jan. 2001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2014

Histórico

  • Recebido
    20 Jul 2014
  • Aceito
    13 Out 2014
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