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Desequilíbrio hormonal e disfunção menstrual em atletas de ginástica rítmica

Hormonal imbalances and menstrual dysfunction in high-performance rhythmic gymnastics

Desequilibrio hormonal y la disfunción menstrual en atletas de gimnasia rítmica

Resumo

Objetivou-se avaliar a magnitude das alterações de hormônios reguladores do ciclo menstrual (CM) e testosterona de atletas de ginástica rítmica (GR) de alto rendimento, em período pré-competitivo para a Olimpíada de Beijing. Foram realizadas coletas de sangue em 4 momentos, com intervalos de 7 dias. Os hormônios estrogênio, progesterona, luteinizante (LH), folículo estimulante (FSH) e testosterona foram mensurados por quimioluminescência. As atletas (n = 7) relataram disfunção menstrual e houve expressiva variação hormonal intra e entre indivíduos. Das amostras de estrogênio, 65% ficaram abaixo do valor referencial clínico, enquanto que as concentrações de progesterona e LH ficaram próximas ao limite inferior. Para FSH e testosterona, 10% e 30% das amostras, respectivamente, ficaram abaixo do referencial. Conclui-se que atletas de alto rendimento em GR apresentam maior risco de desequilíbrio hormonal e disfunção menstrual, o que inspira necessidade de atenção clínica.

PALAVRAS-CHAVE
Atletas; Ginástica; Hormônios; Ciclo menstrual

Abstract

This study aimed to evaluate the behavior and magnitude of alteration of hormones that regulate menstrual cycle (MC) and testosterone from Olympic-level Rhythmic Gymnastics (RG). It was studied a population of Olympic-level athletes of RG in pre-competitive period to the Beijing Olympic Games. Blood samples were taken at four opportunities, of seven in seven days. The chemiluminescence technical was used to analyze the estrogen, progesterone, luteinizing hormone (LH), follicle stimulating hormone (FSH) and testosterone. All athletes had menstrual dysfunction. There was high intra and interindividual hormonal variation. To the estrogen, 65% of the samples had results lower than reference ranges. The progesterone and LH concentrations were closed with the lower limit of the clinical reference, and 10% and 30% of the values to FSH and testosterone, respectively, were lower than reference. Thus, RG athletes show increased risk to hormonal imbalances and menstrual dysfunction that justify clinical care

KEYWORDS
Athletes; Gymnastics; Hormones; Menstrual cycle

Resumen

El objetivo fue evaluar la magnitud de la variación de las hormonas que regulan el ciclo menstrual (MC) y la hormona testosterona en atletas de GR. Participaron del estudio una población de atletas de alto rendimiento en GR en el pre-competitivo para los Juegos Olímpicos de Beijing. Las muestras de sangre se recogieron en 4 periodos con un intervalo de 7 días. Se utilizó el análisis de quimioluminiscencia de las hormonas estrógeno, progesterona, hormona luteinizante (LH), hormona estimulante del folículo (FSH) y la testosterona. Todos los atletas tenían disfunción menstrual y hormonal, y variación significativa dentro y entre individuos. Además, las muestras de estrógeno, el 65% estaba por debajo del valor de referencia clínica. Las muestras de FSH y testosterona, 10% y 30%, respectivamente, estaban por debajo de los valores de referencia. Por lo tanto, los atletas RG muestran un aumento del riesgo de desequilibrios hormonales y disfunción menstrual que merecen la atención clínica.

PALABRAS CLAVE
Atletas; Gimnasio; Hormonas; Ciclo menstrual

Introdução

A Ginástica Rítmica (GR) é um desporto praticado exclusivamente por mulheres. Esse esporte envolve danças de variados tipos, movimentos e manejo de aparelhos específicos que são realizados em harmonia com a música escolhida. O treinamento nessa modalidade, de vasta dificuldade técnica, inicia-se precocemente, e é geralmente direcionado para o alto desempenho e formação de atletas, de modo que as praticantes são submetidas a altas cargas de treinamento (Caçola, 2007Caçola PA. Iniciação esportiva na ginástica rítmica. REFELD. 2007;2(1):9-15.).

Na busca por melhores resultados, atletas de GR também convivem com elevado estresse psicológico e rigorosa restrição calórica para manter o baixo peso corporal. Esses fatores podem acarretar alterações no perfil hormonal e, assim, causar disfunção menstrual (DM) (Bonen, 1994Bonen A. Exercise-induced menstrual cycle changes. A functional, temporary adaptation to metabolic stress. Sports Med 1994;17(6):373-92.; Manore, 2002Manore MM. Dietary recommendations and athletic menstrual dysfunction. Sports Med. 2002;32(14):887-901.; Meira e Nunomura, 2010Meira TB, Nunomura M. Interação entre leptina, ginástica artística, puberdade e exercício em atletas do sexo feminino. Rev Bras Ciênc Esporte. 2010;32(1):185-99.).

O sistema reprodutivo feminino é altamente sensível a estresses. De fato, anormalidades reprodutivas, incluindo menarca tardia e amenorreia ocorrem entre 6% e 79% das mulheres engajadas em atividades de alto rendimento (Nattiv, 2007Nattiv A, Loucks AB, Manore MM, Sanborn CF, Sundgot-Borgen J, Warren MP. American College of Sports Medicine position stand: the female athlete triad. Med Sci Sports Exerc 2007;39(10):1867-82.). Além de anormalidades de hormônios sexuais, atletas com amenorreia exibem também distúrbios neuroendócrinos no eixo hormônio do crescimento (GH)-fator de crescimento semelhante à insulina (IGF-I) (Stafford, 2005Stafford DEJ. Altered hypothalamic-pituitary-ovarian axis function in young female athletes implications and recommendations for management. Treatment Endocrinol 2005;4(3):147-54.; Waters et al., 2001Waters DL, Qualls CR, Dorin R, Veldhuis JD, Baumgartner RN. Increased pulsatility, process irregularity, and nocturnal trough concentrations of growth hormone in amenorrheic compared to eumenorrheic athletes. J Clin Endocrinol Metab 2001;86(3):1013-9.) e no padrão de lipoproteínas séricas (Friday et al., 1993Friday KE, Drinkwater BL, Bruemmer B, Chesnut C, Chait A. Elevated plasma low-density lipoprotein and high-density lipoprotein cholesterol levels in amenorrheic athletes: effects of endogenous hormone status and nutrient intake. J Clin Endocrinol Metab. 1993;77(6):1605-9.). O desequilíbrio das concentrações de hormônios sexuais pode acarretar, entre outros, prejuízos na densidade mineral e na microarquitetura óssea com consequente aumento do risco de fraturas (Ackerman et al., 2011Ackerman KE, Nazem T, Chapko D, Russell M, Mendes N, Taylor AP, et al. Bone microarchitecture is impaired in adolescent amenorrheic athletes compared with eumenorrheic athletes and nonathletic controls. J Clin Endocrinol Metab. 2011;96:3123-33.; Stafford, 2005Stafford DEJ. Altered hypothalamic-pituitary-ovarian axis function in young female athletes implications and recommendations for management. Treatment Endocrinol 2005;4(3):147-54.), infertilidade reversível, redução de hormônios secretados pela tireoide e risco aumentado de carcinoma no endométrio (Brucker-Davis et al., 2001Brucker-Davis F, Thayer K, Colborn T. Significant effects of mild endogenous hormonal changes in humans: considerations for low-dose testing. Environ Health Perspect 2001;109(Suppl 1):21-6.).

O ciclo menstrual (CM) é regulado pelo eixo hipotálamo-hipófise-ovário. O hipotálamo estimula a produção do fator de liberação das gonadotrofinas (GnRH) pela pré-hipófise que, por sua vez, estimula a produção de LH e FSH. Estes últimos estimulam o ovário a produzir estrogênio e progesterona (Miller, 1999Miller O. Laboratório para o clínico. São Paulo: Atheneu; 1999.). O CM regular se inicia com produção crescente de FSH e quantidades moderadas de LH. Esses hormônios são responsáveis por estimular o crescimento de folículos ovarianos com posterior produção de estrogênio pelo ovário. Os estrógenos são responsáveis por alterações sequenciais na secreção da pré-hipófise. Inicialmente, inibem por feedback negativo a liberação de FSH e LH e, num segundo momento, sinalizam para a pré-hipófise produzir e liberar uma abrupta descarga de hormônios gonadotrópicos, principalmente LH, resultando em seu pico plasmático (Miller, 1999Miller O. Laboratório para o clínico. São Paulo: Atheneu; 1999.).

Tal fenômeno é responsável pelo rápido desenvolvimento final de um dos folículos e sua posterior ruptura. Esse fenômeno, denominado ovulação, ocorre em torno do 14° dia e promove o desenvolvimento do corpo lúteo, que passa a secretar grandes quantidades de estrogênio e progesterona. Esses hormônios voltam a inibir a pré-hipófise, o que provoca um profundo declínio da liberação de FSH e LH. Sem o estímulo desses dois hormônios, o corpo lúteo involui e, por consequência, diminui as concentrações de progesterona e estrogênio. Nesse momento, ocorre a menstruação motivada pela privação dos hormônios ovarianos (Miller, 1999Miller O. Laboratório para o clínico. São Paulo: Atheneu; 1999.).

Vários estudos têm descrito e investigado disfunções do CM ou do comportamento de diferentes hormônios em atletas de diferentes modalidades esportivas (Friday et al., 1993Miller O. Laboratório para o clínico. São Paulo: Atheneu; 1999.; Harber et al., 1998Harber VJ, Petersen SR, Chilibeck PD. Thyroid hormone concentrations and muscle metabolism in amenorrheic and eumenorrheic athletes. Can J Appl Physiol 1998;23(3):293-306.; Hohtari et al., 1988Hohtari H, Elovainio R, Salminen K, Laatikainen T. Plasma corticotropin-releasing hormone, corticotropin, and endorphins at rest and during exercise in eumenorrheic and amenorrheic athletes. Fertil Steril. 1988;50(2):233-8. e 1991Hohtari H, Elovainio R, Salminen K, Laatikainen T. Response of plasma endorphins, corticotropin, cortisol, and luteinizing hormone in the corticotropin-releasing hormone stimulation test in eumenorrheic and amenorrheic athletes. Fertil Steril 1991 Feb:55-60.; Lindholm et al., 1993Lindholm C, Hirschberg AL, Carlström K, von Schoultz B. Hormone anabolic/catabolic balance in female endurance athletes. Gynecol Obstet Invest 1993;36(3):176-80.; Peltenburg et al., 1984Peltenburg AL, Erich WB, Thijssen JJ, Veeman W, Jansen M, Bernink MJ, et al. Sex hormone profiles of premenarcheal athletes. Eur J Appl Physiol Occup Physiol 1984;52(4):385-92.; Pirke et al., 1990Pirke KM, Schweiger U, Broocks A, Tuschl RJ, Laessle RG. Luteinizing hormone and follicle stimulating hormone secretion patterns in female athletes with and without menstrual disturbances. Clin Endocrinol 1990;33(3):345-53.; Rickenlund et al., 2010Rickenlund A, Thorén M, Nybacka A, Frystyk J, Hirschberg AL. Effects of oral contraceptives on diurnal profiles of insulin, insulin-like growth factor binding protein-1, growth hormone and cortisol in endurance athletes with menstrual disturbance. Hum Reprod 2010;25(1):85-93.; Waters et al., 2001Waters DL, Qualls CR, Dorin R, Veldhuis JD, Baumgartner RN. Increased pulsatility, process irregularity, and nocturnal trough concentrations of growth hormone in amenorrheic compared to eumenorrheic athletes. J Clin Endocrinol Metab 2001;86(3):1013-9. e 2003Waters DL, Dorin R, Qualls CR, Ruby BC, Baumgartner RN, Robergs RA. Estradiol effects on the growth hormone/insulin-like growth factor-1 axis in amenorrheic athletes. Can J Appl Physiol 2003;28(1):64-78.). E embora se saiba que o exercício físico de alta intensidade contribua para irregularidades do CM (Mantoanelli et al., 2002Mantoanelli G, Vitalle MSS, Amancio OMS. Amenorrhea and osteosporosis in adolescents athletes. Rev Nutr 2002;15(3):319-40.; Stafford, 2005Stafford DEJ. Altered hypothalamic-pituitary-ovarian axis function in young female athletes implications and recommendations for management. Treatment Endocrinol 2005;4(3):147-54.), a magnitude das alterações dos hormônios sexuais especificamente em atletas de elite em GR (nível Olímpico) ainda não foi descrita. Além disso, há uma lacuna na literatura científica quanto aos tipos de hormônios mais afetados pelo treinamento físico intenso, em particular em atletas de elite de GR.

Diante disso, o principal objetivo do presente estudo foi avaliar a magnitude das alterações de hormônios envolvidos na regulação do CM e do hormônio testosterona em atletas de GR que competem em nível Olímpico.

Métodos

Delineamento do estudo

O estudo é de característica descritiva com delineamento do tipo série de casos. O estudo foi realizado em uma população de 7 atletas de GR de alto rendimento. O critério para inclusão no estudo era pertencer à seleção de atletas de GR que representaria seu País nas Olimpíadas de Beijing 2008, China. Não houve critério de exclusão previamente estabelecido, entretanto, durante a coleta de dados, os resultados hormonais de duas atletas tiveram que ser excluídos, uma delas por fazer uso de contraceptivo e a outra por ter sido afastada dos treinamentos em virtude de uma lesão. Dessa forma, a caracterização da amostra e prevalência de disfunção menstrual envolveu toda população (n = 7), enquanto os dados hormonais envolveram cinco atletas. A coleta de dados foi realizada num intervalo de 30 dias (entre maio e junho de 2008). As atletas assinaram termo de consentimento livre e esclarecido, e o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo (CEP 008/08).

Coleta de dados

A coleta de sangue foi feita em 4 momentos distintos, sendo a primeira coleta realizada na primeira quarta-feira do mês de estudo e as demais realizadas de 7 em 7 dias (datas: 28/05; 04/06; 11/06; e 18/06/2008). A decisão pela coleta em 4 momentos distintos com intervalos regulares foi porque as atletas não tinham informações precisas acerca da periodicidade do CM. Além disso, a variação de hormônios reguladores do CM é bastante expressiva em diferentes fases do mês e, por esse motivo, a obtenção de sangue em 4 momentos foi necessária para permitir uma melhor representação dessa variação e obtenção do valor hormonal médio. O mês de coleta de dados representava o período pré-competitivo para as Olimpíadas de Beijing 2008. A coleta de sangue foi realizada por um profissional treinado. O sangue foi imediatamente acondicionado em ambiente refrigerado e, na sequência, encaminhado para um centro de análise especializado.

O peso corporal (Balança Filizola, 100 g) e a estatura (estadiômetro Filizola, 0,5 cm) também foram obtidos nos mesmos dias e periodicidade da coleta de sangue, e a média foi usada no cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC = peso/estatura2).

Análise bioquímica

Os hormônios analisados foram: Estrogênio (pg/ml), Progesterona (ng/dl), Hormônio Luteinizante (LH) (mUI/ml), Hormônio Folículo Estimulante (FSH) (mUI/ml) e Testosterona (ng/dl). A análise hormonal foi realizada por laboratório especializado (Tommasi Laboratório, CRF–ES 644) utilizando-se da técnica analítica de quimioluminescência que se fundamenta na detecção da luz emitida resultante da reação química entre o hormônio de interesse e substrato quimioluminescente. Os valores de referência clínica de limites inferior e superior para a faixa etária de estudo foram: Estrogênio, 18,9-570,8 pg/mL; Progesterona, 0,14-22,71 ng/mL; LH, 1,6-62,0 mUI/mL; FSH, 1,9-20,0 mUI/mL, Testosterona, 20-75 ng/d, conforme Miller (1999)Miller O. Laboratório para o clínico. São Paulo: Atheneu; 1999..

Análise estatística

Os dados foram analisados por estatística descritiva. Os resultados foram apresentados como valores individuais utilizando-se de medida de tendência central (média) seguida por medida de variabilidade (desvio padrão) (média ± desvio padrão) ou por valores percentuais.

Resultados

Os resultados para idade, estatura, peso corporal e IMC foram, respectivamente, 19,4 ± 1,1 anos, 1,68 ± 0,04 m, 52,5 ± 1,4 kg e 18,6 ± 0,7 kg/m2 (média ± DP). Houve grande variação hormonal intraindividual no curso temporal do mês de coleta. Todas as atletas relataram disfunção menstrual (oligomenorreia ou amenorreia). A tabela 1 apresenta os resultados hormonais de todas as atletas obtidos nas quatro medições intervaladas semanalmente.

Tabela 1
Concentração de hormônios reguladores do ciclo menstrual e do hormônio testosterona de atletas de Ginástica Rítmica em período pré-competitivo para as Olimpíadas de Beijing

Dos 20 valores amostrais para estrogênio (destacado na tabela 1), 13 (65%) desses valores ficaram abaixo do limite inferior do referencial clínico (18,9 pg/mL), e a variação intraindividual e entre indivíduos para esse hormônio foi expressiva. A figura 1 apresenta os resultados em média ± DP para a concentração sanguínea de estrogênio de cada atleta. Das cinco atletas avaliadas, três apresentaram média de estrogênio inferior ao mínimo do referencial clínico, e as outras duas atletas apresentaram valores bem próximos do limite inferior do referencial.

Figura 1
Média e variação da concentração sanguínea do hormônio estrogênio das atletas de Ginástica Rítmica em período pré-competitivo para as Olimpíadas de Beijing. Dados apresentados como média ± desvio padrão; A1 a A5 = atletas enumeradas de 1 a 5; nas extremidades inferior e superior da seta pontilhada (a direita da figura) estão apresentados, respectivamente, os limites inferior e superior do referencial clínico.

Na figura 2 estão apresentados os resultados de progesterona das cinco atletas. Os valores de desvio padrão evidenciam a alta variação intraindividual. Também está evidente a alta variação entre indivíduos. De maneira geral, as médias das concentrações sanguíneas de progesterona se aproximaram muito mais do limite inferior do referencial clínico (0,14 ng/mL), mas nenhum valor individual (tabela 1) ficou abaixo desse referencial.

Figura 2
Média e variação da concentração sanguínea do hormônio progesterona das atletas de Ginástica Rítmica em período pré-competitivo para as Olimpíadas de Beijing. Dados apresentados como média ± desvio padrão; A1 a A5 = atletas enumeradas de 1 a 5; nas extremidades inferior e superior da seta pontilhada (a direita da figura) estão apresentados, respectivamente, os limites inferior e superior do referencial clínico.

Similar ao observado para progesterona, a concentração sanguínea média de LH se aproximou muito mais do limite inferior do referencial clínico (1,6 mUI/mL) (Fig. 3), mas nenhum valor individual (tabela 1) ficou abaixo desse referencial. Houve também grande variação intra e entre indivíduos para este hormônio.

Figura 3
Média e variação da concentração sanguínea do hormônio luteinizante (LH) das atletas de Ginástica Rítmica em período pré-competitivo para as Olimpíadas de Beijing. Dados apresentados como média ± desvio padrão; A1 a A5 = atletas enumeradas de 1 a 5; nas extremidades inferior e superior da seta pontilhada (a direita da figura) estão apresentados, respectivamente, os limites inferior e superior do referencial clínico.

Na figura 4, estão representados os resultados da concentração sanguínea média de FSH. Dos 20 valores amostrais (tabela 1), 2 (10%) estavam abaixo do limite inferior que é de 1,9 mUI/mL, e houve grande variação intra e entre indivíduos. Uma das atletas, atleta 3, não apresentou nenhuma variação importante para FSH durante o mês de estudo, o que se distancia do comportamento esperado.

Figura 4
Média e variação da concentração sanguínea do hormônio folículo estimulante (FSH) das atletas de Ginástica Rítmica em período pré-competitivo para as Olimpíadas de Beijing. Dados apresentados como média ± desvio padrão; A1 a A5 = atletas enumeradas de 1 a 5; nas extremidades inferior e superior da seta pontilhada (a direita da figura) estão apresentados, respectivamente, os limites inferior e superior do referencial clínico.

Em relação aos resultados de testosterona, os valores foram apresentados apenas individualmente (tabela 1), e não como média ± DP. Essa estratégia foi necessária porque a técnica utilizada não tinha precisão de medida para valores abaixo de 20 ng/dL. Desse modo, valores abaixo de 20 eram identificados como 20 ng/dL, que é o valor referencial clínico de limite inferior. Como é possível verificar na tabela 1, todas as atletas apresentaram pelo menos um valor igual (ou menor) a 20 ng/dL. Houve, ao todo, seis amostras com valor igual ou menor a 20 ng/dL. Portanto, pode-se afirmar que 30% dos valores estavam no limite inferior ou abaixo do valor referencial.

Discussão

Foi possível identificar que o comportamento dos hormônios investigados no presente estudo, de atletas de elite de GR em uma fase pré-competição, apresentou padrão diferente do esperado para mulheres de mesma idade e com CM regular. De fato, os hormônios reguladores do CM e o hormônio testosterona apresentaram valores ou abaixo do referencial clínico ou muito próximos do limite inferior. Além disso, a variação dos diferentes hormônios em todas as atletas foi completamente diferente do esperado, sugerindo desequilíbrio hormonal, como discutido adiante.

Pôde-se perceber que as atletas apresentaram comportamento e magnitude de alteração hormonal com características bem individuais, entretanto, todas as atletas apresentaram oligomenorreia ou amenorreia. Esse resultado permite interpretar que a disfunção do CM pode ocorrer com diferentes comportamentos e magnitudes de alteração hormonal.

Vários estudos investigaram e descreveram disfunções do CM, prejuízos na resposta de diferentes hormônios, na função neuroendócrina, no perfil lipoproteico e de outros parâmetros, de atletas de diferentes modalidades esportivas. Peltenburg et al. (1984)Peltenburg AL, Erich WB, Thijssen JJ, Veeman W, Jansen M, Bernink MJ, et al. Sex hormone profiles of premenarcheal athletes. Eur J Appl Physiol Occup Physiol 1984;52(4):385-92. compararam ginastas e nadadoras pré púberes, e verificaram que os níveis de estrona, testosterona e androstenediona foram menores no grupo de ginastas, embora essas diferenças desapareceram quando próximo da puberdade. Hohtari et al. (1988)Hohtari H, Elovainio R, Salminen K, Laatikainen T. Plasma corticotropin-releasing hormone, corticotropin, and endorphins at rest and during exercise in eumenorrheic and amenorrheic athletes. Fertil Steril. 1988;50(2):233-8.verificaram que a capacidade de secreção de corticotropina e endorfinas de atletas amenorreicas após uma sessão aguda (80 a 100% do VO2max) em cicloergômetro não diferiu significativamente de atletas eumenorreicas, embora, nas atletas amenorreicas, a secreção de endorfina apresentou elevação na condição de repouso. Posteriormente, esse mesmo grupo de pesquisa apresentou resultados sugestivos de resposta prejudicada do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal em atletas amenorreicas (Hohtari et al., 1991Hohtari H, Elovainio R, Salminen K, Laatikainen T. Response of plasma endorphins, corticotropin, cortisol, and luteinizing hormone in the corticotropin-releasing hormone stimulation test in eumenorrheic and amenorrheic athletes. Fertil Steril 1991 Feb:55-60.).

Pirke et al. (1990)Pirke KM, Schweiger U, Broocks A, Tuschl RJ, Laessle RG. Luteinizing hormone and follicle stimulating hormone secretion patterns in female athletes with and without menstrual disturbances. Clin Endocrinol 1990;33(3):345-53. estudaram 31 atletas e verificaram ciclos anovulatórios em 8 delas e prejuízo da secreção de progesterona durante a fase lútea em outras 9 atletas. As outras 14 atletas apresentaram ciclo normal, entretanto os ciclos foram mais curtos e apresentaram menores concentrações de estradiol, progesterona e LH quando comparadas a sedentárias. Friday et al. (1993)Friday KE, Drinkwater BL, Bruemmer B, Chesnut C, Chait A. Elevated plasma low-density lipoprotein and high-density lipoprotein cholesterol levels in amenorrheic athletes: effects of endogenous hormone status and nutrient intake. J Clin Endocrinol Metab. 1993;77(6):1605-9. verificaram LDL e colesterol aumentados em atletas amenorreicas. Entretanto, nesse mesmo estudo, as concentrações de HDL também estavam aumentadas nas atletas amenorreicas, de maneira que a relação LDL/HDL não foi diferente do grupo de atletas eumenorreicas. Lindholm et al. (1993)Lindholm C, Hirschberg AL, Carlström K, von Schoultz B. Hormone anabolic/catabolic balance in female endurance athletes. Gynecol Obstet Invest 1993;36(3):176-80. não encontraram alterações importantes em hormônios anabólicos de atletas oligomenorreicas, mas encontraram hipercortisolismo, sugerindo desequilíbrio hormonal com predomínio catabólico. Os hormônios tiroxina e triiodotironina também foram encontrados em menor concentração em desportistas amenorreicas comparadas a eumenorreicas, e o metabolismo muscular estava prejudicado no grupo amenorreica (Harber et al., 1998Harber VJ, Petersen SR, Chilibeck PD. Thyroid hormone concentrations and muscle metabolism in amenorrheic and eumenorrheic athletes. Can J Appl Physiol 1998;23(3):293-306.).

Resultados encontrados por Waters et al. (2001)Waters DL, Qualls CR, Dorin R, Veldhuis JD, Baumgartner RN. Increased pulsatility, process irregularity, and nocturnal trough concentrations of growth hormone in amenorrheic compared to eumenorrheic athletes. J Clin Endocrinol Metab 2001;86(3):1013-9., ao estudarem atletas, sugerem que o estado amenorreico prejudica o controle neuroendócrino de GH. Posteriormente esse mesmo grupo de pesquisa apresentou resultados sugestivos de que esse prejuízo de controle neuroendócrino seria multicausal, onde treinamento físico, estado nutricional e menor produção de estrogênio teriam impactos independentes (Waters et al., 2003Waters DL, Dorin R, Qualls CR, Ruby BC, Baumgartner RN, Robergs RA. Estradiol effects on the growth hormone/insulin-like growth factor-1 axis in amenorrheic athletes. Can J Appl Physiol 2003;28(1):64-78.). Rickenlund et al. (2010)Rickenlund A, Thorén M, Nybacka A, Frystyk J, Hirschberg AL. Effects of oral contraceptives on diurnal profiles of insulin, insulin-like growth factor binding protein-1, growth hormone and cortisol in endurance athletes with menstrual disturbance. Hum Reprod 2010;25(1):85-93. constataram menor concentração de insulina e maiores concentrações de GH, cortisol e proteínas ligantes de IGF-I em atletas com distúrbio menstrual quando comparadas a atletas e não atletas com ciclo menstrual regular. Esses parâmetros foram normalizados após tratamento com contraceptivo hormonal oral, sugerindo que tais alterações tinham causa hormonal.

Apesar desses vários estudos supramencionados, eles diferem quanto ao momento da coleta e análise hormonal, tipo de modalidade esportiva e padrão de treinamento. Sabemos que a concentração hormonal varia muito ao longo do CM, e que dependendo do tipo de modalidade esportiva há maior ou menor valorização das qualidades físicas força, flexibilidade, velocidade, agilidade e capacidades aeróbica/anaeróbica. Além disso, as periodizações de treinamento assumem padrões muito distintos. Diante disso, o confrontamento dos resultados do nosso estudo com os resultados dos estudos supramencionados teriam contribuição clínica limitada. Diante disso, nesse estudo optamos por uma discussão que confrontasse nossos resultados com os valores de referência clínica.

Os valores referenciais clínicos foram estabelecidos em adultos saudáveis e são bem conhecidos há décadas (Miller, 1999Miller O. Laboratório para o clínico. São Paulo: Atheneu; 1999.) permitindo melhor compreender a magnitude das alterações hormonais encontradas. Embora os valores referenciais clínicos minimizem a ausência de um grupo controle, é preciso destacar que o delineamento ideal para o presente estudo seria uma cohort com medidas “antes vs. depois”, em que cada atleta seria controle de si mesma. Isso, entretanto, não foi possível porque as alterações do CM dessas atletas precedeu a data de realização deste estudo.

O CM regular, em virtude de variações hormonais esperadas, pode ser dividido em 3 fases: 1a fase) Do 1° ao 12° dia; 2a fase) Do 12° ao 14° dia; e 3a fase) 14° ao 28° dia.

Do 1° ao 12° dia a concentração sanguínea de estrogênio é, inicialmente, 2 vezes maior que de progesterona e, ao final desse intervalo, a concentração de estrogênio pode alcançar 12 vezes a de progesterona. Nessa mesma fase, a concentração de FSH é aproximadamente 2 vezes maior que de LH. Do 12° ao 14° dia, a concentração de estrogênio não ultrapassa 7 vezes a de progesterona, enquanto a concentração de LH alcança valores de até 2 vezes em relação a de FSH. Do 14° ao 28° dia, a concentração de progesterona é até 2 vezes superior à de estrogênio e a concentração de FSH é 2 vezes superior ao LH (Miller, 1999Miller O. Laboratório para o clínico. São Paulo: Atheneu; 1999.).

No presente estudo, entretanto, a variação da concentração sanguínea de estrogênio e progesterona das atletas apresentou comportamento muito diferente do esperado. De fato, a concentração de estrogênio manteve-se entre 33 a 147 vezes superior à concentração de progesterona. Esse comportamento foge completamente do padrão esperado para qualquer uma das fases supramencionadas (Miller, 1999Miller O. Laboratório para o clínico. São Paulo: Atheneu; 1999.).

Em relação ao LH e FSH, apenas para a atleta 1 a concentração de LH foi maior (2,5 vezes) que a concentração de FSH, e o esperado seria que a concentração de LH em algum momento se apresentasse também superior ao FSH nas demais atletas. As atletas 4 e 5 apresentaram comportamento completamente diferente do esperado. De fato, a concentração de FSH alcançou valores até 56 vezes acima da concentração de LH, o que é fisiologicamente incompatível com o padrão clínico normal. É importante destacar que, pelas concentrações hormonais, foi impossível identificar em que fase do CM as atletas se encontravam, dado o comportamento alterado das respostas hormonais.

Apesar da grande variação do comportamento hormonal intra e entre indivíduos, os resultados são inequívocos quanto ao desequilíbrio hormonal dessas atletas. Embora os resultados tenham sido confrontados apenas com valores de referência clínica e não com um grupo controle, as alterações hormonais foram tão expressivas que facilitaram a interpretação.

Esse desequilíbrio hormonal é aparentemente mediado por alteração na função do eixo hipotálamo-pituitária-ovário, com perda da secreção de LH e, posteriormente, redução da produção de estrógeno (Stafford, 2005Stafford DEJ. Altered hypothalamic-pituitary-ovarian axis function in young female athletes implications and recommendations for management. Treatment Endocrinol 2005;4(3):147-54.). Hormônios sexuais possuem importantes funções fisiológicas como, por exemplo, na densidade mineral e microarquitetura óssea (Stafford, 2005Stafford DEJ. Altered hypothalamic-pituitary-ovarian axis function in young female athletes implications and recommendations for management. Treatment Endocrinol 2005;4(3):147-54.; Ackerman et al., 2011Ackerman KE, Nazem T, Chapko D, Russell M, Mendes N, Taylor AP, et al. Bone microarchitecture is impaired in adolescent amenorrheic athletes compared with eumenorrheic athletes and nonathletic controls. J Clin Endocrinol Metab. 2011;96:3123-33.), fertilidade, secreção de hormônios da tireóide e proliferação celular (Brucker-Davis et al., 2001Brucker-Davis F, Thayer K, Colborn T. Significant effects of mild endogenous hormonal changes in humans: considerations for low-dose testing. Environ Health Perspect 2001;109(Suppl 1):21-6.) e síntese de outros hormônios (Christo et al., 2008Christo K, Cord J, Mendes N, Miller KK, Goldstein MA, Klibanski A. Acylated ghrelin and leptin in adolescent athletes with amenorrhea, eumenorrheic athletes and controls: a cross-sectional study. Clinical Endocrinology. 2008;69:628-33.; Nakamura et al., 2011Nakamura Y, Aizawa K, Imai T, Kono I, Mesaki N. Hormonal responses to resistance exercise during different menstrual cycle states. Med Sci Sports Exerc 2011;43(6):967-73.). Dessa forma, a compreensão da magnitude das alterações hormonais é importante para a tomada de decisão referente à intervenção clínica (Stafford, 2005Stafford DEJ. Altered hypothalamic-pituitary-ovarian axis function in young female athletes implications and recommendations for management. Treatment Endocrinol 2005;4(3):147-54.).

Estudos têm apontado que a proporção de não atletas com incidência de DM é muito pequena em comparação a de atletas (Vigário e Oliveira, 2005Vigário OS, Oliveira FP. Disfunções menstruais em atletas de elite. Arquivos em Movimento 2005;1(1):25-31.; De Souza et al., 2010De Souza MJ, Toombs RJ, Scheid JL, O’Donnell E, West SL, Williams NI. High prevalence of subtil and severe menstrual disturbances in exercising woman: confirmation using daily hormone measure. Hum Reprod. 2010;25(2):491-503.). A prevalência de amenorreia em não atletas é de 2 a 5%, enquanto que em atletas pode chegar a 66% (Vigário e Oliveira, 2005Vigário OS, Oliveira FP. Disfunções menstruais em atletas de elite. Arquivos em Movimento 2005;1(1):25-31.). Estudo realizado com atletas de GR da Grécia e do Canadá encontrou prevalência de CM irregulares em torno de 61% (Beals e Meyer, 2007Beals KA, Meyer NL. Female athlete triad update. Clin Sports Med. 2007:26-30.). Em outro estudo (De Souza et al., 2010De Souza MJ, Toombs RJ, Scheid JL, O’Donnell E, West SL, Williams NI. High prevalence of subtil and severe menstrual disturbances in exercising woman: confirmation using daily hormone measure. Hum Reprod. 2010;25(2):491-503.) constatou-se prevalência de função ovariana anormal, incluindo deficiência na fase lútea e anovulação (ausência de ovulação), de 52% em mulheres fisicamente ativas, enquanto que em sedentárias foi de apenas 5%. Os autores desse último estudo destacam que são escassos os dados sobre a prevalência de disfunções menstruais sutis como deformidade na fase lútea e anovulação de mulheres ativas, seja atleta ou não.

É importante salientar que a maioria dos estudos envolvendo atletas de alto rendimento avaliou apenas disfunções do CM e não a magnitude das alterações dos hormônios envolvidos na regulação do CM. Dessa forma, os resultados do presente estudo são importantes para dimensionar o comportamento de hormônios sexuais de atletas de elite em GR, e assim oferecer suporte de informação para clínicos e treinadores. Entretanto, ainda não se sabe completamente o quanto o treinamento intenso e exaustivo contribui para tais desequilíbrios hormonais.

É bem conhecido que o treinamento físico intenso pode alterar a liberação pulsátil de GnRH e, dessa forma, induzir alterações do CM. Acredita-se que se trata de um mecanismo adaptativo para poupar energia e, assim, proteger importantes processos fisiológicos (Brucker-Davis et al., 2001Brucker-Davis F, Thayer K, Colborn T. Significant effects of mild endogenous hormonal changes in humans: considerations for low-dose testing. Environ Health Perspect 2001;109(Suppl 1):21-6.). Acredita-se também que os hormônios grelina e leptina possam participar desse mecanismo (Christo et al., 2008Christo K, Cord J, Mendes N, Miller KK, Goldstein MA, Klibanski A. Acylated ghrelin and leptin in adolescent athletes with amenorrhea, eumenorrheic athletes and controls: a cross-sectional study. Clinical Endocrinology. 2008;69:628-33.; Meira e Nunomura, 2010Meira TB, Nunomura M. Interação entre leptina, ginástica artística, puberdade e exercício em atletas do sexo feminino. Rev Bras Ciênc Esporte. 2010;32(1):185-99.). Mas as restrições alimentares também são comuns em atletas de GR (Beals e Meyer, 2007Beals KA, Meyer NL. Female athlete triad update. Clin Sports Med. 2007:26-30.) e podem contribuir para as alterações hormonais e desordens menstruais (Williams et al., 2006Williams NI, Leidy HJ, Flecker KA, Galucci A. Food attitudes in female athletes: Association with menstrual cycle length. J Sports Sci 2006;24(9):979-86.). Desvios alimentares frequentemente resultam em diversas disfunções reprodutivas, como diminuição ou supressão da fase lútea, anovulação, menarca tardia, oligomenorreia e amenorreia (Harber, 2004Harber VJ. Energy balance and reproductive function in active woman. Can J Appl Physiol 2004;29(1):48-58.). A prevalência de DM entre atletas são maiores nas modalidades cujo baixo peso corporal e o baixo percentual de gordura são enfatizados (Vigário e Oliveira, 2005Vigário OS, Oliveira FP. Disfunções menstruais em atletas de elite. Arquivos em Movimento 2005;1(1):25-31.). A GR se enquadra nesse padrão.

Embora se acredite que as disfunções menstruais tenham origem multifatorial, de modo que o treinamento físico intenso, estresse psicológico e balanço energético negativo seriam as possíveis causas, é preciso destacar que a baixa disponibilidade de energia, seja por restrição energética ou gasto energético excessivo, tem sido apontada por vários pesquisadores (Beals e Meyer, 2007Beals KA, Meyer NL. Female athlete triad update. Clin Sports Med. 2007:26-30.; Doyle-Lucas et al., 2010Doyle-Lucas AF, Akers JD, Davy BM. Energetic efficiency, menstrual irregularity, and bone mineral density in elite professional female ballet dancers. J Dance Med Sci. 2010;14(4):146-54.; Harber, 2004Harber VJ. Energy balance and reproductive function in active woman. Can J Appl Physiol 2004;29(1):48-58.; Meira e Nunomura, 2010Meira TB, Nunomura M. Interação entre leptina, ginástica artística, puberdade e exercício em atletas do sexo feminino. Rev Bras Ciênc Esporte. 2010;32(1):185-99.; Nattiv et al., 2007Nattiv A, Loucks AB, Manore MM, Sanborn CF, Sundgot-Borgen J, Warren MP. American College of Sports Medicine position stand: the female athlete triad. Med Sci Sports Exerc 2007;39(10):1867-82.; Stafford, 2005Stafford DEJ. Altered hypothalamic-pituitary-ovarian axis function in young female athletes implications and recommendations for management. Treatment Endocrinol 2005;4(3):147-54.; Wilmore et al., 2010Wilmore JH, Costill DL, Kenney WL. Fisiologia do exercício e do esporte. 4ª ed Barueri: Manole; 2010.) como o principal fator para o surgimento de DM.

De fato, a simples indução de um balanço energético negativo em mulheres eumenorreicas resultou em alterações hormonais significativas associadas à amenorreia (Wilmore et al., 2010Wilmore JH, Costill DL, Kenney WL. Fisiologia do exercício e do esporte. 4ª ed Barueri: Manole; 2010.), e o treinamento físico não mostrou efeito supressor sobre a pulsatilidade de LH quando a ingestão de energia foi aumentada para compensar o dispêndio energético do exercício (Nattiv et al., 2007Nattiv A, Loucks AB, Manore MM, Sanborn CF, Sundgot-Borgen J, Warren MP. American College of Sports Medicine position stand: the female athlete triad. Med Sci Sports Exerc 2007;39(10):1867-82.).

Embora o hormônio testosterona não participe da regulação do CM, o presente estudo também avaliou suas concentrações sanguíneas por ser um importante hormônio anabólico e, portanto, baixas concentrações poderiam sugerir menor capacidade anabólica e de recuperação muscular das atletas. O estudo verificou que 30% das medidas de concentração de testosterona estiveram no limite inferior do referencial clínico ou abaixo desse referencial. O efeito do treinamento intenso sobre as concentrações de testosterona de mulheres ainda é pouco conhecido. Os resultados, até então encontrados, ora sugerem que o treinamento físico por mulheres pode aumentar a produção de andrógenos, como a testosterona, e ora sugerem que podem reduzir suas concentrações (Enea et al., 2011Enea C, Boisseau N, Fargeas-Gluck MA, Diaz V, Dugué B. Circulating androgens in woman: exercise-induced changes. Sports Med 2011;41(1):1-15.; Nakamura et al., 2011Nakamura Y, Aizawa K, Imai T, Kono I, Mesaki N. Hormonal responses to resistance exercise during different menstrual cycle states. Med Sci Sports Exerc 2011;43(6):967-73.). Pesquisas adicionais, com rígido controle de variáveis intervenientes, serão necessárias para esclarecer esses achados divergentes.

Em resumo, conclui-se que o comportamento das concentrações dos hormônios responsáveis pelo CM e do hormônio testosterona em atletas de GR de alto rendimento, em uma fase pré-competitiva, se distanciou de forma expressiva dos valores de referência clínica. A magnitude dessas alterações é de tal grandeza que vislumbra cuidados clínicos, uma vez que podem causar prejuízo na densidade mineral e microarquitetura óssea, infertilidade (ainda que reversível), redução de hormônios secretados pela tireoide e, até mesmo, risco aumentado de carcinoma no endométrio.

Apesar das sugestivas evidências, é preciso ponderar que o estudo apresentou algumas limitações que devem ser consideradas na interpretação dos resultados para que não haja imediata extrapolação dos resultados. Uma dessas limitações refere-se ao desenho experimental que foi do tipo estudo de casos, e não de acompanhamento, o que permitiria avaliar o curso-temporal dos fenômenos estudados. O número de atletas estudadas, apesar de se tratar de uma população, também foi pequeno, o que limita generalizações. A coleta de dados ocorreu no período pré-competitivo, ou seja, numa fase em que possivelmente ocorra significativo estresse psicológico. Por último, embora a alimentação tenha sido prescrita por nutricionista, o ideal seria certificar-se da adequação do aporte calórico e de micronutrientes. Os novos estudos sobre o tema precisarão considerar tais limites e buscarem estratégias para superá-los.

Agradecimentos

A Mônika Queiroz e Juliana Coradini, pelo apoio e suporte a execução do estudo.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    07 Fev 2013
  • Aceito
    17 Set 2013
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