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Efeito de exercícios físicos e de lazer sobre os níveis de cortisol plasmático em pacientes com Aids

Effect of physical exercises and leisure on cortisol levels in Aids patients

Efecto del ejercicio físico y el ocio en los niveles de cortisol plasmático en pacientes con sida

Resumo

O advento dos antiretrovirais para o tratamento dos indivíduos com Aids proporcionou aumento no tempo de sobrevida, porém o paciente, apesar de apresentar-se muitas vezes assintomático, pode apresentar importantes transtornos na esfera psicossocial, dentre eles o enfraquecimento das relações sociais, as quais se perdem com a descoberta da contaminação. A prática regular de exercícios físicos pode ser uma estratégia interessante de combate a problemas psicológicos associados à infecção pelo HIV. Indivíduos engajados em um programa de treinamento físico podem apresentar melhoria do bem-estar, elevação da autoestima e diminuição dos sintomas de depressão e ansiedade, que proporcionam maior interação social. Pacientes infectados com o HIV geralmente têm maior cortisol basal sérico e alguns estudos apontam que altos níveis de cortisol podem comprometer a função do sistema imune e atuar como aceleradores da progressão viral e do desenvolvimento da Aids. O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito de exercícios físicos e de lazer sobre os níveis de cortisol plasmático em pacientes com Aids. Pacientes selecionados foram divididos em dois grupos: Grupo I participou de atividades de exercício físico e Grupo II participou de atividades de lazer, ambos por 16 semanas. A avaliação consistiu da dosagem do cortisol plasmático antes do início das atividades e após 16 semanas: 57% dos pacientes apresentaram melhoria nos níveis do cortisol plasmático após o programa aplicado. Este trabalho sugere que o exercício físico e o lazer induzem uma melhoria fisiológica da resposta do cortisol em pacientes com Aids.

PALAVRAS-CHAVE
Atividade física/lazer; Estresse; Cortisol; Aids

Abstract

The advent of antiretroviral drugs for the treatment of AIDS individuals provided an increase in survival time, however, despite having the patient is often asymptomatic, can present significant disturbances in psychosocial sphere, among them, the weakening of social relations, which are lose with the discovery of the contamination. Regular physical exercise can be an interesting strategy to combat the psychological problems associated with HIV infection. Individuals engaged in a physical training program may have improved well -being, increased self-esteem, decrease in symptoms of depression and anxiety, but also provide greater social interaction. Patients infected with HIV generally have higher baseline serum cortisol and some studies suggest that high levels of cortisol can impair the function of the immune system, acting as accelerators of viral progression and development of AIDS. The objective of this study was to evaluate the effect of physical exercise and leisure on plasma cortisol levels in patients with AIDS. Selected patients were divided into two groups: Group I participated in physical activity and exercise Group II participated in leisure activities, both for a period of 16 weeks. The evaluation consisted of measurement of plasma cortisol before the start of activities and after 16 weeks. 57% of patients showed improvement in the levels of plasma cortisol after the program applied. This work suggests that physical exercise and leisure induce a physiological improvement cortisol response in patients with AIDS.

KEYWORDS
Physical/recreational activity; Stress; Cortisol; Aids

Resumen

La llegada de los medicamentos antirretrovirales para el tratamiento de las personas con sida aumentó el tiempo de supervivencia. Sin embargo, a pesar de que el paciente permanece a menudo asintomático, puede presentar alteraciones significativas en la esfera psicosocial y, entre ellas, el debilitamiento de las relaciones sociales, que se pierden con el descubrimiento de la infección. El ejercicio físico regular puede ser una estrategia interesante para combatir los problemas psicológicos asociados con la infección por VIH. Las personas que participan en un programa de entrenamiento físico pueden mejorar el bienestar, el aumento de la autoestima, la disminución de los síntomas de depresión y ansiedad, y éste también proporciona mayor interacción social. Los pacientes infectados con el VIH tienen generalmente mayores niveles de cortisol basal sérico y algunos estudios sugieren que los niveles elevados de cortisol pueden perjudicar la función del sistema inmunitario al actuar como aceleradores de la progresión vírica y el desarrollo del sida. El objetivo de este estudio fue evaluar el efecto del ejercicio físico y el ocio en los niveles de cortisol en plasma en pacientes con sida. Los pacientes seleccionados se dividieron en dos grupos: el grupo I participó en actividades físicas mientras que el grupo II participó en actividades de ocio, ambos por un período de 16 semanas. La evaluación consistió en la medición de cortisol en plasma antes del inicio de las actividades y después de las 16 semanas. El 57% de los pacientes mostró una mejora en los niveles de cortisol en plasma después de la aplicación del programa. Este trabajo sugiere que el ejercicio físico y el ocio provocan una mejora fisiológica de la respuesta de cortisol en pacientes con sida.

PALABRAS CLAVE
Actividad física/ocio; Estrés; Cortisol; Sida

Introdução

Desde o início da epidemia, em 1980, até junho de 2012, o Brasil teve 656.710 casos registrados de Aids. Em 2011, foram notificados 38.776 e a taxa de incidência foi de 20,2 casos por 100 mil habitantes (Brasil, 2013Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pagina/o-que-e-hiv. Acesso em 3 de junho de 2013.
http://www.aids.gov.br/pagina/o-que-e-hi...
).

O advento dos antirretrovirais para o tratamento dos indivíduos com Aids tem proporcionado aumento no tempo de sobrevida, porém, apesar de o indivíduo apresentar-se muitas vezes assintomático, pode desenvolver importantes transtornos na esfera psicossocial, dentre eles o enfraquecimento das relações sociais, as quais se perdem com a descoberta da contaminação (Canini et al., 2004Canini SRMS, Reis RB, Pereira LA, Gir E, Pelá NTR. Qualidade de vida de indivíduos com HIV/Aids: uma revisão de literatura. Rev Latino-Am Enfermagem. 2004;12:940-5.; Herold et al., 2010Herold P, Pimentel GGA, Pupulin ART. Pessoas vivendo com HIV/Aids e suas representações sobre o lazer em diferentes fases da vida. Revista Lazer & Sociedade. 2010;:89-105.).

Pessoas que vivem com HIV experimentam um declínio em suas atividades de lazer, que ficam reduzidas ao âmbito familiar e chegam até ao isolamento total. A carência social causa um impacto direto na sua qualidade de vida e o lazer passa, assim, a apresentar uma possibilidade de terapêutica para pessoas com HIV (Herold et al., 2010Herold P, Pimentel GGA, Pupulin ART. Pessoas vivendo com HIV/Aids e suas representações sobre o lazer em diferentes fases da vida. Revista Lazer & Sociedade. 2010;:89-105.).

A prática regular de exercícios físicos pode ser uma estratégia interessante de combate a problemas psicológicos associados à infecção pelo HIV. Indivíduos engajados em um programa de treinamento físico podem apresentar melhoria do bem-estar (Gomes et al., 2010Gomes RD, Borges JP, Lima DB, Farinatti PTV. Efeito do exercício físico na percepção de satisfação de vida e função imunológica em pacientes infectados pelo HIV: ensaio clínico não randomizado. Rev Bras Fisioter. 2010;14:390-5.), elevação da autoestima e diminuição dos sintomas de depressão e ansiedade, que proporcionam maior interação social (Lira, 1999Lira VA. Atividade física e a infecção pelo HIV: uma análise crítica. Rev Bras Med Esporte. 1999;5:99-107.). Além disso, esses fatores podem interferir no nível de estresse, que é essencial para o prognóstico da Aids, e influenciar diretamente no perfil imunológico dessas pessoas (Venker et al., 2010Venker CA, et al. Associação entre estresse, cortisol e HIV/Aids. NewsLab. 2010;101:120-5.).

Altos níveis de estresse podem comprometer a função do sistema imune, atuar como aceleradores da progressão viral e desenvolvimento da sintomatologia da Aids (Venker et al., 2010Venker CA, et al. Associação entre estresse, cortisol e HIV/Aids. NewsLab. 2010;101:120-5.). Relatos de estresse e depressão estão associados a altos níveis plasmáticos de cortisol (Leserman et al., 2000Leserman J, Petitto JM, Golden RN, Gaynes BN, Gu H, Perkins DO, et al. Impact of stressful life events, depression, social support, coping, and cortisol on progression to Aids. Am J Psychiatry. 2000;157:1221-8.).

O cortisol tem importância no controle do sistema imune, do metabolismo e da inflamação. Além disso, o processo de hipercortisolemia está associado com mudanças no funcionamento dos linfócitos T helpers (Th), que são direcionadores da imunidade celular, resultam em baixos valores de interleucina (IL-2), interferon gama e aumento dos valores de IL-4 e IgE (Norbiato et al., 1994Norbiato G, Galli M, Righini V, Morovi M. The syndrome of acquired glucocorticoid resistance in HIV infection. Bailieres Clin Endocrinol Metab. 1994;8:777-87.).

A progressão da infecção HIV é acompanhada por alterações na produção de esteroides suprarrenais. Os níveis de cortisol são aumentados na infecção pelo HIV, enquanto que os de dehidroepiandrosterona (DHEA), um antagonista fisiológico das atividades imunomoduladoras de cortisol, diminuem (Clerici et al., 1997Clerici M, Trabattoni D, Piconi S, Fusi ML, Ruzzante S, Clerici C, et al. A possible role for the cortisol/anticortisols imbalance in the progression of human immunodeficiency virus. Psychoneuroendocrinology. 1997;22(Suppl 1):S27-31.). Assim, pacientes infectados com o HIV geralmente têm maior cortisol basal sérico e menores concentrações séricas de dehidroepiandrosterona do que indivíduos soronegativos e alguns estudos apontam uma correlação linear negativa entre a contagem de células CD4 e o cortisol elevado (Mayo et al., 2002Mayo J, Collazos J, Martinez E, Ibarra S. Adrenal function in the human immunodeficiency virus-infected patient. Arch Intern Med. 2002;162:1095-8.).

Existem poucos estudos sobre atividade física e de lazer em pacientes com HIV/Aids. Por meio deste estudo pretendeu-se avaliar o efeito dessas atividades sobre os níveis de cortisol plasmático nesses pacientes e com isso analisar a eficácia dessas intervenções para essa população.

Material e métodos

Foram selecionados para o estudo 14 pacientes com HIV/Aids que participam do projeto Núcleo de Estudos e Apoio ao Paciente HIV/Aids no Setor de Parasitologia/Departamento de Ciências Básicas da Saúde/Universidade Estadual de Maringá (PR). Foram usados como critérios de inclusão no trabalho pacientes que usavam terapia antirretroviral e apresentavam taxa de linfócitos T CD4+ estável por um ano. Os pacientes eram convidados a participar das atividades físicas e de lazer após explicação do trabalho. Uma vez que aceitavam, escolhiam o grupo de que gostariam de participar: Grupo I – Participação em atividades de exercício físico, Grupo II – Participação em atividades de lazer. Assinavam então o termo de consentimento livre e esclarecido aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (parecer nº 690/2009).

Durante os encontros as atividades foram elaboradas, feitas e orientadas por um profissional de educação física e desenvolvidas no Centro de Excelência em Atividade Fisica (Ceaf) da Universidade Estadual de Maringá (UEM).

Cada grupo consistiu de sete pacientes e as atividades desenvolvidas foram:

Grupo I: Musculação – Exercícios contrarresistidos, com variáveis de carga, amplitude, tempo de contração e velocidade controláveis. Essas atividades aconteceram em três sessões por semana, com duração de uma hora cada. Os exercícios se iniciaram com alongamento, seguido de aquecimento (10 minutos). Na sequência, 40 minutos de exercícios contrarresistidos, com aparelhos específicos para a modalidade, halteres, caneleiras e colchonetes. No fim, mais 10 minutos de alongamento. Grupo II: Atividades de lazer voltadas para o divertimento, entretenimento, relaxamento e a interação. Foram feitas atividades diferenciadas a cada encontro, tais como:

  • Ginástica geral: caminhada e uso dos aparelhos da academia da terceira idade, conhecida como ATI;

  • Dança: movimentos corporais rítmicos, acompanhados de música, que seguiram um padrão e funcionaram como forma de comunicação, expressão e recreação;

  • Parede de escalada: parede com agarras, com o objetivo de atingir o topo, com técnica, força e concentração;

  • Passeios: atividades em locais diferentes;

  • Alongamento/Relaxamento: com objetivo de desenvolver maior flexibilidade, prevenir lesões e melhorar a postura e a consciência corporal;

  • Brincadeiras recreativas: de rua, ao ar livre, de recreação, de salão, folclóricas, gincanas e dinâmicas de grupo.

A avaliação laboratorial consistiu da dosagem do cortisol plasmático, cuja coleta foi feita antes do início e no fim das atividades, após 16 semanas. A coleta de sangue fori feita sempre no mesmo horário, 7h e 9h, de acordo com o protocolo de dosagem de cortisol.

A dosagem de cortisol plasmático foi feita pelo método de quimioluminescência automatizada do tipo competição no sistema Immulite ®- DPC (Los Angeles, CA)

Os dados foram comparados com o programa GraphPrism 5,0, 2007 (GraphPad, San Diego, CA, USA) com o teste t para comparação entre os grupos com nível de significância de 5%.

Resultados

Participaram das atividades 14 pacientes, sete nas atividades de exercício contrarresistido (quatro mulheres e três homens) e sete nas atividades de lazer (cinco homens e duas mulheres). A idade variou de 35 a 55 anos, com média de 45.

Os resultados obtidos das avaliações do cortisol plasmático do Grupo I (musculação) estão mostrados na tabela 1.

Tabela 1
Níveis de cortisol plasmático (µg/dL) em pacientes com HIV/Aids do Grupo I (musculação)

Observa-se que quatro (57%) pacientes apresentaram melhoria nos níveis do cortisol plasmático (diminuição) após o programa de exercícios. Três (43%) apresentaram aumentos nos níveis de cortisol plasmáticos após o programa de exercícios. Os pacientes que não obtiveram melhoria nos níveis de cortisol apresentaram durante o período infecções e tiveram várias faltas durante as atividades.

Os resultados obtidos das avaliações do cortisol plasmático do Grupo II (lazer) estão mostrados na tabela 2.

Tabela 2
Níveis de cortisol plasmático (µg/dL) em pacientes com HIV/Aids do Grupo II (lazer)

Observa-se que nas atividades de lazer houve diferenças significativas nos níveis de cortisol plasmático dos pacientes antes e após 16 semanas de intervenções.

Discussão

Sabe-se que é difícil formar grandes grupos com esse tipo de paciente, pois a chance de evasão por problemas clínicos é significativa. Além disso, trata-se de pacientes que nem sempre querem ter divulgada sua condição. Por essa razão, a maior parte dos estudos disponíveis sobre as relações entre Aids e exercício trabalhou com amostras pequenas (Gomes et al., 2010Gomes RD, Borges JP, Lima DB, Farinatti PTV. Efeito do exercício físico na percepção de satisfação de vida e função imunológica em pacientes infectados pelo HIV: ensaio clínico não randomizado. Rev Bras Fisioter. 2010;14:390-5.), assim como nosso estudo.

O aumento crônico dos níveis de liberação de cortisol diminui a reação imunológica de um indivíduo em função de sua ação supressora sobre as células circulantes plasmáticas envolvidas com a defesa contra patógenos externos. Tal condição é fundamental para a evolução da infecção por HIV, visto que nos portadores dessa síndrome já existe depressão na resposta imune, o que é imprescindível para que os níveis de cortisol se mantenham dentro da faixa de normalidade (Venker et al., 2010Venker CA, et al. Associação entre estresse, cortisol e HIV/Aids. NewsLab. 2010;101:120-5.).

Estudos recentes relatam uma relação entre modulação de virulência de HIV-1 e receptor de glicocorticoides (Hapgood e Tomasicchio, 2010Hapgood JP, Tomasicchio M. Modulation of HIV-1 virulence via the host glucocorticoid receptor: towards further understanding the molecular mechanisms of HIV-1 pathogenesis. Arch Virol. 2010;155:1009-19.).

Relatos de estresse e depressão são relacionados à progressão da Aids (Leserman et al., 2000Leserman J, Petitto JM, Golden RN, Gaynes BN, Gu H, Perkins DO, et al. Impact of stressful life events, depression, social support, coping, and cortisol on progression to Aids. Am J Psychiatry. 2000;157:1221-8.; Leserman et al., 1997Leserman J, Petitto JM, Perkins DO, Folds JD, Golden RN, Evans DL. Severe stress, depressive symptoms, and changes in lympocyte subsets in human immunodeficiency virus-infected men. A 2-year follow-up study. Arch Gen Psychiatry. 1997;54:279-85.), porém com mecanismos não muito bem explicados, somente associados a altos níveis plasmáticos de cortisol (Leserman et al., 2000Leserman J, Petitto JM, Golden RN, Gaynes BN, Gu H, Perkins DO, et al. Impact of stressful life events, depression, social support, coping, and cortisol on progression to Aids. Am J Psychiatry. 2000;157:1221-8.; Van Eck et al., 1996Van Eck M, Berkhof H, Nicolson N, Sulon J. The effects of perceived stress, traits, mood states, and stressful daily events on salivary cortisol. Psychosom Med. 1996;58:447-58.). Desse modo torna-se relevante o estudo que aborda níveis de cortisol plasmático em pacientes com Aids.

No presente estudo, observamos na maioria dos pacientes uma diminuição nos níveis de cortisol plasmático após 16 semanas de treinamento. Isso sugere que o condicionamento físico obtido pelo programa de exercícios foi benéfico com relação ao nível de cortisol liberado.

Estudos também sugerem que a resposta ao cortisol excede 25 µg/dL em pacientes com Aids (Shashidhar e Shashikala, 2012Shashidhar PK, Shashikala GV. Low dose adrenocorticotropic hormone test and adrenal insufficiency in critically ill acquired immonudeficiency syndrome patients. Indian J Endocrinol Metab. 2012;16:389-94.). Anormalidades na função adrenal são mais comuns em pacientes HIV positivos do que na população em geral, especialmente em pacientes com Aids (Lo e Grinspoon, 2010Lo J, Grinspoon SK. Adrenal function in HIV infection. Curreot Opinion in endocrinology. Diabetes and Obesity. 2010;17:205-9.). A população por nós estudada consistiu de pacientes com Aids. Apesar de não termos encontrado níveis elevados de cortisol plasmático, alguns pacientes demonstraram níveis próximos aos valores superiores de referência. Isso sugere nesses pacientes um menor equilíbrio fisiológico com relação ao cortisol.

Encontram-se ainda estudos que relatam o aparecimento de síndrome de Cushing em pacientes com Aids que usam o antirretroviral Ritonavir (Mahlab-Guri et al., 2011Mahlab-Guri K, Asher I, Gradstein S, Zung A, Radian-Sade S, Elbirt D, et al. Inhaled fluticasone causes iatrogenic cushing's syndrome in patients treated with Ritonavir. J Asthma. 2011;48:860-3.). Todos os pacientes do grupo estudado usam terapia antirretroviral. O Ritonavir é um medicamento bastante usado, embora não tenhamos buscado neste trabalho a correlação entre o tipo de antirretroviral usado e os níveis de cortisol plasmático.

O exercício físico gera um desvio do estado de homeostase orgânica, leva à reorganização da resposta de diversos sistemas, entre eles o sistema imune. Assim, os componentes da resposta imune vão sofrer modificações de acordo com o estímulo recebido (Shephard e Shek, 1994Shephard RJ, Shek PN. Potential impact of physical activity and sport on the immune system – A brief review. Br J Sports Med. 1994;28:247-55.).

O exercício, quando praticado dentro de limites fisiológicos, acarreta benefícios para todos os sistemas orgânicos, inclusive o sistema imunológico (Costa Rosa e Vaisberg, 2002Costa Rosa LFPB, Vaisberg MW. Influências do exercício na resposta imune. Rev Bras Med Esporte. 2002;8:167-72.). Considerando os resultados encontrados nos níveis de cortisol dos pacientes antes e após o programa de exercícios físicos, podemos afirmar que o programa aplicado foi benéfico para os pacientes, uma vez que houve diminuição nos níveis de cortisol e nos pacientes nos quais isso não ocorreu, não houve aumento acima dos valores de referência do cortisol plasmático.

O exercício físico contribui de maneira eficaz para a redução da ansiedade e da depressão e para a melhoria do bem-estar e da qualidade de vida em indivíduos saudáveis. Diversos estudos têm evidenciado tais benefícios em indivíduos infectados pelo vírus HIV (Neidig et al., 2003Neidig JL, Smith BA, Brashers DE. Aerobic exercise training for depressive symptom management in adults living with HIV infection. J Assoc Nurses AIDS Care. 2003;14:30-40.; Galantino et al., 2005Galantino ML, Shepard K, Krafft L, Laperriere A, Ducette J, Sorbello A, et al. The effect of group aerobic exercise and tai chi on functional outcomes and quality of life for persons living with acquired immunodeficiency syndrome. J Altern Complement Med. 2005;11:1085-92.; Fillipas et al., 2006Fillipas S, Oldmeadow LB, Bailey MJ, Cherry CL. A six-month, supervised, aerobic and resistance exercise program improves self-efficacy in people with human immunodeficiency virus: a randomized controlled trial. Aust J Physiother. 2006;52:185-90.).

Um pior estado de ânimo, um maior nível de estresse ou estratégia de enfrentamento são destinados à solução de problemas e relação ativa com o aumento na replicação viral e a possível pioria no prognóstico. Acredita-se, então, que fatores psicossociais influem no sistema imunológico (Ulla e Remor, 2002Ulla S, Remor EA. Psiconeuroimunologia e infecção pelo HIV: realidade ou ficção? Psicologia: Reflexão e Crítica. 2002;15:113-9.).

O aumento de eventos estressantes está diretamente relacionado a uma grande redução de células natural killer (NK), especialmente em casos de depressão (Leserman et al., 2000Leserman J, Petitto JM, Golden RN, Gaynes BN, Gu H, Perkins DO, et al. Impact of stressful life events, depression, social support, coping, and cortisol on progression to Aids. Am J Psychiatry. 2000;157:1221-8.) e declínio rápido de T CD4+ (Kemeny e Dean, 1995Kemeny ME, Dean L. Effects of Aids-related bereavement on HIV progression among New York City gay men. Aids Educ Prev. 1995;7:36-47.). Porém, a hipótese de que o cortisol altera a produção de citocinas pelas células T é contestada em outros estudos (Leserman et al., 2000Leserman J, Petitto JM, Golden RN, Gaynes BN, Gu H, Perkins DO, et al. Impact of stressful life events, depression, social support, coping, and cortisol on progression to Aids. Am J Psychiatry. 2000;157:1221-8.; Goodkin et al., 1998Goodkin K, Feaster DJ, Asthana D, Blaney NT, Kumar M, Baldewicz T, et al. A bereavement support group intervention is longitudinally associated with salutary effects on the CD4 cell count and number of physician visits. Clinical Diagnostic Laboratorial Immunology. 1998;5:382-91.).

Estudos mostram que em indivíduos com comportamento de evasão social ocorre um aumento de atividade do eixo HPA, importante sistema do estresse, ativação que resulta em liberação de cortisol (Roelofs et al., 2009Roelofs K, van Peer J, Berretty E, Jong Pd, Spinhoven P, Elzinga BM. Hypothalamus-pituitary-adrenal axis hyperresponsiveness is associated with increased social avoidance behavior in social phobia. Biol Psychiatry. 2009;65:336-43.).

Ações para a inserção social de indivíduos portadores de HIV/Aids são importantes para o aumento da qualidade de vida, assim como estudos devem ser feitos para esclarecer a associação fisiológica relacionada ao cortisol com a infecção pelo HIV (Venker et al., 2010Venker CA, et al. Associação entre estresse, cortisol e HIV/Aids. NewsLab. 2010;101:120-5.).

O aumento de cortisol é também responsável por uma diminuição dos RNAs mensageiros que codificam o receptor de serotonina (no nível do hipocampo) (Deresz et al., 2007Deresz LF, Lazzarotto AR, Manfroi WC, Gaya A, Sprinz E, Oliveira ÁR, et al. O estresse oxidativo e o exercício físico em indivíduos HIV positivo. Rev Bras Med Esporte. 2007;13:275-9.) e levam a uma diminuição do número desses receptores. Esses efeitos combinados vão contribuir para a diminuição dos níveis cerebrais de serotonina, típica da depressão (Saraiva et al., 2005Saraiva EM, Soares Fortunato JM, Gavina C. Oscilações do cortisol na depressão e sono/vigília. Revista Portuguesa de Psicossomática. 2005;7:1-2.).

O lazer da pessoa com HIV/Aids depois do advento da infecção pelo vírus passa a ter outros parâmetros, definidos de acordo com os sintomas vivenciados no dia a dia e também com o aval da família. Além disso, a pessoa com Aids não se sente merecedora de momentos de descontração pelo preconceito inerente da sociedade em relação à doença (Herold et al., 2010Herold P, Pimentel GGA, Pupulin ART. Pessoas vivendo com HIV/Aids e suas representações sobre o lazer em diferentes fases da vida. Revista Lazer & Sociedade. 2010;:89-105.).

Com relação aos resultados obtidos das avaliações dos níveis de cortisol plasmático nos pacientes que participaram das atividades de lazer (Grupo II), observa-se que houve alterações significativas nos níveis de cortisol plasmático. Os pacientes ao longo do desenvolvimento do trabalho demonstraram melhoria subjetiva e relataram bem-estar nesse parâmetro. Além de os efeitos positivos do próprio exercício poderem estar relacionados com essa melhoria, o fato das aulas terem sido dadas em grupo e reunido pessoas que compartilhavam do mesmo problema e das mesmas ansiedades, pode ter sido um fator que também contribuiu para os resultados obtidos.

O exercício físico pode proporcionar ao sistema imunológico dos portadores do vírus HIV o aumento no número de linfócitos T CD4+. Com relação aos aspectos psicológicos, diminui os níveis de estresse, ansiedade e depressão em indivíduos soropositivos e os faz sentirem-se melhores fisicamente. Como resultado, ocorre uma melhoria da autoestima, bem como da percepção do próprio corpo. E se tratando dos aspectos sociais, através da atividade física o portador do vírus HIV pode cuidar de importantes aspectos da doença enquanto mantém boa qualidade de vida e volta a se sociabilizar (Eidam et al., 2005Eidam CL, Lopes AS, Oliveira OV. Prescrição de exercícios físicos para portadores do vírus HIV. R Bras Ci e Mov. 2005;13:81-8.).

Conclusão

O exercício físico é benéfico e deve ser usado como agente terapêutico na infecção pelo HIV.

Dessa forma, observamos na atividade física e de lazer possibilidades de contribuição para uma melhoria na qualidade de vida e atenção às pessoas com HIV/Aids em busca proporcionar outros caminhos para obtenção e promoção da saúde.

  • Financiamento
    Fundação Araucária de Apoio à Pesquisa.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    22 Maio 2013
  • Aceito
    17 Abr 2014
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