Introdução
Os indicadores sociais objetivos e subjetivos desempenham importante papel na compreensão da posição social observada e percebida dos sujeitos na sociedade. No entanto, a maior parte dos estudos considera somente os indicadores sociais objetivos, como renda e classe social, em suas análises. Euteneuer (2014) aponta que a percepção do status social subjetivo é considerada uma medida abrangente da posição social em que o sujeito se encontra em determinado ambiente (comunidade, trabalho, escola). Além disso, Hoebel et al. (2013) discorrem que, complementarmente aos indicadores de status social objetivos, o status social subjetivo oferece um potencial adicional para descrever e explicar desigualdades na saúde.
O status social subjetivo tem sido definido como o senso de colocação social que o sujeito tem de si dentro de uma hierarquia (Adler & Stewart, 2008). Essa subjetividade é pouco explorada pelas medidas convencionais de status socioeconômico, que no caso dos adolescentes baseiam-se na posse de bens dos pais ou pela descrição do nível de escolaridade dos próprios adolescentes. Karvonen e Rahkonen (2011) ressaltam que essas medidas podem não refletir adequadamente as diferenças sociais emergentes na adolescência, pois incluem medidas de posições que não se concretizaram ainda plenamente, tal como o nível de escolaridade. No entanto, vale ressaltar que tanto o status social subjetivo quanto o status social objetivo são importantes para o desenvolvimento humano.
Evidências apontam que sujeitos que se consideram com status social subjetivo alto apresentam menores riscos para o desenvolvimento de doenças cardíacas (Subramanyam et al., 2012), menor incidência de sintomas depressivos (Destin et al., 2012) e menores taxas de hipertensão (Adler et al., 2008) e diabetes (Demakakos et al., 2008) quando comparados com os sujeitos com status social subjetivo mais baixo. Além disso, pesquisas apontam que sujeitos que se percebem com baixo status social subjetivo exibem piores condições de saúde (Hu et al., 2005; Franzini & Fernandez-Esquer, 2006; Demakakos et al., 2008). Com relação a uma possível ligação entre status social subjetivo e estresse, Derry et al. (2013) apontaram que os sujeitos com menor status social são mais responsíveis às cargas estressoras de ordens fisiológicas e psicológicas.
Na adolescência, a percepção do status social subjetivo pode ser especialmente importante quando relacionada a questões de sobrepeso e obesidade (Goodman et al., 2001). Em estudo de Lemershow et al. (2008) foi possível identificar que a baixa percepção do status social na escola previu um aumento de 1,69 vez mais chance de adolescentes do sexo feminino adquirirem quantidade excessiva de adiposidade. Spence et al. (2012) identificaram diferenças significativas entre os escores da percepção do status social subjetivo na escola entre adolescentes com peso normal e excesso de peso, aqueles sujeitos com excesso de peso apresentaram os escores mais baixos.
Além dessas questões, o status social subjetivo pode ser relacionado com outras variáveis importantes. Hoebel et al. (2013) investigaram a relação entre qualidade de vida e status social subjetivo em 2.827 alemães adultos e identificaram que baixos escores de percepção de saúde e altos escores de comprometimentos do bem-estar, devido a dores corporais, depressão e solidão, associaram-se com baixo status social subjetivo tanto nos homens como nas mulheres. A literatura indica também que a percepção do status social subjetivo, especialmente de adolescentes, pode apresentar diferenças nas questões sociodemográficas, como sexo (Goodman et al., 2005), idade (Goodman et al., 2007), etnia (Goodman et al., 2003) e escolaridade dos pais (Goodman et al., 2005).
Particularmente em contextos de crescente heterogeneidade étnica e socioeconômica no interior da escola, a relevância da relação do privilégio ou privação pode ser aumentada e perpetuar padrões sistêmicos de disparidades entre os alunos. Essas disparidades podem ser reforçadas pelas diferenças dos níveis de habilidades e competências esportivas entre os alunos, que podem influenciar na posição hierárquica em que se percebem nas aulas de educação física. Nesse caso, a baixa percepção de status social nessa disciplina pode estar relacionada à baixa participação nas aulas, que por sua vez diminui as oportunidades de atividades e exercícios físicos e apresenta repercussões negativas na qualidade de vida na adolescência (Valois et al., 2004). Além disso, a baixa participação nas aulas de educação física e o baixo rendimento nos esportes estão associados à inatividade física na idade adulta (Tammelin et al., 2003).
Devido à importância de se investigar o status social subjetivo do adolescente, além de se investigar o status social na escola, no presente estudo também foi investigada a percepção do status social subjetivo na educação física, a fim de buscar relações entre o status social subjetivo nessa disciplina e questões sociodemográficas, status de peso, atividade física e qualidade de vida. Tanto quanto se sabe, este é o primeiro estudo nacional a investigar os fatores associados sobre o status social subjetivo especificamente na educação física, em amostra de adolescentes do país.
Diante disto, o presente estudo tem como objetivo identificar os fatores associados à percepção do status social subjetivo na escola e nas aulas de educação física de adolescentes de Florianópolis (SC).
Método
A amostra foi composta por 312 estudantes adolescentes (53,2% meninas), entre 10 e 16 anos, regularmente matriculadas no ensino fundamental de 5° ao 8° ano de uma escola da rede pública municipal de Florianópolis (SC). Foi entregue aos adolescentes o termo de consentimento livre e esclarecido, que foi assinado pelos pais ou responsáveis. Além do termo de consentimento assinado pelos pais ou responsáveis, os estudantes assinaram o termo de assentimento no qual declararam estar cientes de que tinham interesse em participar da pesquisa e compreenderam as atividades que seriam feitas.
Foram avaliadas as seguintes questões: a) status social subjetivo na escola e nas aulas de educação física; b) qualidade de vida; c) atividade física e comportamento sedentário; d) status de peso e e) características sociodemográficas. Os protocolos de análise considerando os blocos de variáveis citados foram:
Status social subjetivo na escola e na educação física
Com o intuito de avaliar a autopercepção de status dos adolescentes frente aos aspectos de status social subjetivo na escola e na educação física, o presente estudo usou o instrumento Escala MacArthur de Status Social Subjetivo: versão para jovens (Goodman et al., 2001). Essa escala tem sido usada em estudos epidemiológicos recentes (Spence et al., 2012; Sweeting & Hunt, 2014; Subramanyam et al., 2012).
Essa escala é composta pela imagem de uma "escada social", conforme ilustrado na figura 1, é uma forma de retratar o ambiente escolar. O enunciado apresentado aos sujeitos foi: "No topo da escada (parte de cima) estão os alunos com o maior respeito, com posição social mais elevada, que tiram as notas mais altas, são bons no esporte e são mais populares. No fundo (parte de baixo) estão as pessoas que poucos respeitam, poucos querem tê-los no time e que geralmente têm mais dificuldade para aprender os conteúdos." Esse enunciado foi apresentado complementarmente a duas escadas. Nesse sentido, os alunos foram orientados a responder em uma escada, considerar o contexto da escola, e na outra escada considerar o contexto das aulas de educação física. Em cada escada o sujeito marcou um "X" no degrau em que percebia se encontrar. Para verificar a pontuação, foi marcado "1" se houvesse um "X" no degrau mais baixo ou no espaço acima dele; "2" para o próximo degrau ou no espaço acima e assim por diante, até o último degrau, equivalente a "10". Quanto mais alta a posição marcada na escada, maior a percepção do status social do indivíduo.
Além disso, para o presente estudo foi usada a escada de status social subjetivo para os professores indicarem qual posição social em que seus alunos se encontravam especificamente na educação física.
Qualidade de vida
A qualidade de vida foi verificada por meio do PedsQL 4.0, um questionário genérico de avaliação da qualidade de vida, desenvolvido na língua inglesa por Varni et al. (2001). O questionário apresenta três versões para crianças de acordo com o nível cognitivo: cinco a sete anos, oito a 12 anos e de 13 a 18 anos. A versão do instrumento, a partir de oito anos, tem 23 itens, divididos em quatro domínios: físico, emocional, social e escolar. Cada item tem cinco opções de resposta numa escala Likert (nunca = 0 a quase sempre = 4). Esses valores são operacionalizados posteriormente, transformados numa escala linear inversa de 0 a 100, no qual a maior pontuação representa melhor estado de qualidade de vida. O questionário tem pontuação total e pontuação por dimensões, feita a partir da média das pontuações dos itens correspondentes. Neste estudo foi usada apenas a versão do questionário a ser respondido pelas crianças e adolescentes, visto que a literatura aponta que a adesão dos pais nesse tipo de procedimento é pequena.
Atividade física e comportamento sedentário
A atividade física foi verificada por meio do questionário proposto por Florindo et al. (2006). Esse questionário é composto por 15 questões que abrangem exercícios físicos praticados nos últimos 12 meses. Tal instrumento tem bons atributos, pois foi desenvolvido e validado especificamente para adolescentes brasileiros, já que a maioria das ferramentas disponíveis para uso no Brasil é validação de instrumentos internacionais, que em alguns casos não se adaptam à realidade brasileira. O uso desse questionário possibilita a avaliação de quais exercício ou modalidades esportivas foram praticadas, a frequência semanal (dias por semana), a duração por sessão (horas expressas em minutos por dia), a quantidade de meses por ano e em que turno praticaram as atividades físicas, os exercícios físicos ou esportes, fora do período de aula escolar. Foram considerados como insuficientemente ativos os adolescentes com duração de atividade física semanal inferior a 300 minutos (Florindo et al., 2006). O comportamento sedentário foi verificado por meio das questões "Quanto tempo você permanece sentado durante um dia normal de semana?" e "Quanto tempo você permanece sentado durante um dia do fim de semana?"
Status de peso
As variáveis antropométricas para verificar o status de peso foram massa e estatura conforme as técnicas de Alvarez e Pavan (2003). A massa, em kg, foi mensurada pela balança digital de marca Tânita, com escala de 100 gramas. O avaliado permaneceu na posição ortostática (de pé, com o corpo ereto), com o peso dividido em ambos os pés, manteve a cabeça de acordo com o plano de Frankfourt, ombros descontraídos e braços soltos lateralmente. A estatura, em metros, foi mensurada por meio do estadiômetro vertical da marca Sanny, com 2 m e resolução de 0,1 cm. O avaliado permaneceu na posição ortostática, a parte superior das costas tocava o estadiômetro, cabeça de acordo com o plano de Frankfourt, ombros descontraídos e braços soltos lateralmente. Além disso, o avaliado inspirou profundamente antes da mensuração de estatura. Essa técnica tem como objetivo diminuir o efeito da compressão gravitacional diária. Após esses procedimentos foi calculado o IMC. A partir do cálculo do IMC os adolescentes foram classificados em relação ao status de peso como eutróficos (baixo peso e eutróficos) e com excesso de peso (sobrepeso e obesos), de acordo com as classificações de Cole et al. (2007). Foram considerados como eutróficos os adolescentes com IMC até 24,9 kg/m2 e com excesso de peso adolescentes com IMC ≥ 25 kg/m2.
Características sociodemográficas
Os adolescentes responderam a um questionário de caracterização sociodemográfica em que indicaram a classe social à qual pertenciam e a escolaridade dos pais. A determinação das classes sociais foi feita por meio do Critério de Classificação Econômica Brasil 2015, de acordo com as recomendações propostas pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (2014). Essa análise considera a posse de bens móveis, ter serviços públicos na sua residência e o grau de escolaridade do chefe da família, distribui as famílias nas classes A1, A2, B1, B2, C, D e E. Para um melhor agrupamento os dados foram subdivididos em classe alta (A1, A2), classe média (B1, B2, C) e classe baixa (D, E).
Análise estatística
O programa estatístico usado para a análise dos dados foi o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) for Windows versão 20.0. A normalidade da distribuição dos dados foi analisada por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov. Verificou-se que as variáveis não apresentaram normalidade na distribuição dos dados e, devido a isso, recorreram-se a análises não paramétricas. A análise de diferença entre as médias foi feita por meio do teste de Kruskal-Wallis com post-hoc de Dunn. A associação entre as variáveis foi verificada por meio do qui-quadrado. Para as análises de correlação foi usado teste de correlação de Spearman. Para todas as análises foi considerado um nível de significância de 5%.
Resultados
A amostra foi composta por adolescentes com média de 12,26 (1,34) anos, não foram observadas diferenças significativas de idade entre meninos e meninas (p = 0,104). Os adolescentes apresentaram pontuação média de status de peso igual a 19,76 (4,04). Em relação às questões dirigidas à qualidade de vida, foi encontrada diferença significativa em relação ao item escola (p = 0,023). O total de atividade física durante a semana apresentou média de 476,37 (579,44) minutos, foi significativamente diferente entre meninos e meninas (p < 0,001). Quanto ao tempo sentado durante a semana, a média total foi de 6,38 (4,46) horas por dia, não foi observada diferença entre os sexos (p = 0,653). Em relação à percepção do status social tanto na escola quanto nas aulas de educação física, foi observada diferença significativa entre meninos e meninas (p = 0,003), (p = 0,015) respectivamente (tabela 1).
Tabela 1 Características da amostra com valores médios e desvio padrão
Variáveis | Total* | Masculino* | Feminino* | p-valor |
---|---|---|---|---|
Idade, anos | 12,26 (1,34) | 12,40 (1,40) | 12,13 (1,29) | 0,104 |
Faixa etária, % | ||||
10 a 12 anos | 180 (57,9%) | 80 (54,8%) | 100 (60,6%) | 0,300 |
13 a 16 anos | 131 (42,1%) | 66 (45,2%) | 65 (39,4%) | |
IMC (kg/m 2 ) | 19,76 (4,04) | 19,78 (4,35) | 19,75 (3,75) | 0,516 |
Status de peso, % | ||||
Eutrófico | 190 (64%) | 92 (65,7%) | 98 (62,4%) | 0,555 |
Excesso de peso | 107 (36%) | 48 (34,3%) | 59 (37,6%) | |
Qualidade de vida, pontos | ||||
Saúde e atividade | 81,28 (16,11) | 80,15 (18,29) | 82,28 (13,86) | 0,648 |
Sentimentos | 68,60 (17,7) | 69,71 (16,22) | 67,62 (18,90) | 0,440 |
Convívio com outras pessoas | 86,83 (15,4) | 87,23 (14,33) | 86,47 (16,42) | 0,645 |
Escola | 68,02 (18,10) | 65,41 (18,86) | 70,33 (17,12) | 0,023** |
Geral | 77,23 (11,94) | 76,78 (11,84) | 77,62 (12,05) | 0,480 |
Classe socioeconômica, % | ||||
Baixa | 129 (44,0%) | 54 (39,1%) | 75 (48,4%) | |
Média | 112 (38,2%) | 60 (43,5%) | 52 (33,5%) | 0,190 |
Alta | 52 (17,7%) | 24 (17,4%) | 28 (18,1%) | |
Escolaridade do pai, % | ||||
< 8 anos | 232 (74,4%) | 110 (75,3%) | 122 (73,5%) | 0,709 |
≥ 8 anos | 80 (25,6%) | 36 (24,7%) | 44 (53,2%) | |
Escolaridade da mãe, % | ||||
< 8 anos | 206 (66%) | 97 (66,4%) | 109 (65,7%) | 0,885 |
≥ 8 anos | 106 (34%) | 49 (33,6%) | 57 (53,8%) | |
Total ativ fís (semana), min | 476,37 (579,44) | 626,12 (672,398) | 344,67 (445,22) | <0,001** |
Tempo sentado (semana), horas | 6,38 (4,46) | 5,36 (4,44) | 4,99 (4,30) | 0,653 |
Percepção social escola, pontos | 7,26 (1,89) | 6,91 (2,06) | 7,56 (1,70) | 0,003** |
Percepção social na ed. fis. Pontos | 7,54 (2,22) | 7,85 (2,13) | 7,28 (2,26) | 0,015** |
*Valores expressos em média (desvio-padrão) ou frequência relativa.
**Diferença significativa entre as frequências relativas (p < 0,05).
Na figura 2, observou-se correlação negativa significativa (r = −0,202; p = 0,001) entre status de peso e percepção do status social nas aulas de educação física. Essa análise indicou que à medida que aumenta o status de peso a percepção do status social na educação física diminui. No entanto, quando comparado o status de peso com o status social na escola, não foi encontrada correlação significativa entre as variáveis (r = −0,102; p = 0,080).
Observou-se correlação negativa significativa (r = −0,127; p = 0,026) entre tempo sentado durante a semana e percepção do status social nas aulas de educação física, ou seja, quanto maior o tempo sentado durante a semana, menor a percepção do status social nas aulas de educação física. Em relação ao tempo total de atividade física observou-se correlação positiva significativa entre as variáveis (r = 0,372; p < 0,001), em que quanto maior a prática de atividade física maior a percepção do status social nas aulas de educação física (fig. 3). Quando comparado o status social na escola com tempo sentado durante a semana e com o tempo total de atividade física, não foram encontradas correlações significativas (r = 0,008; p = 0,891), (r = 0,073; p = 0,200) respectivamente.

Figura 3 Correlação entre a percepção de status social na educação física com tempo sentado durante a semana de atividade física.
Quando comparadas as médias do status social subjetivo na educação física e na escola, observamos algumas diferenças significativas relacionadas a indicadores sociodemográficos. A variável sexo apresentou diferença significativa tanto no status social subjetivo na educação física (p = 0,015) quanto na escola (p = 0,003), a percepção do status foi maior para os meninos nas aulas de educação física e maior para as meninas na escola. A escolaridade do pai (p < 0,001) e da mãe (p = 0,001) apresentou-se como indicadores significantes para o status social subjetivo na escola, a percepção de status social na escola mais elevado esteve relacionada com a escolaridade dos pais maior ou igual a oito anos. Além disso, a percepção do status social na educação física apresentou diferença significativa entre os adolescentes ativos e insuficientemente ativos fisicamente (p < 0,001) (tabela 2).
Tabela 2 Percepção do status social na educação física e percepção do status social na escola com relação aos indicadores sociodemográficos e atividade física da amostra
Variáveis | Percepção status social ed. fis.x̅ (dp) | p-valor | Percepção status social na escola x̅ (dp) | p-valor |
---|---|---|---|---|
Sexo | ||||
Masculino | 7,85 (2,13) | 0,015 | 6,91 (2,06) | 0,003 |
Feminino | 7,28 (2,26) | 7,56 (1,70) | ||
Escolaridade da mãe | ||||
< 8 anos | 7,72 (2,10) | 7,04 (1,84) | 0,001 | |
≥ 8anos | 7,20 (2,40) | 0,083 | 7,68 (1,93) | |
Escolaridade do pai | ||||
< 8 anos | 7,60 (2,19) | 0,457 | 7,02 (1,90) | < 0,001 |
≥ 8anos | 7,38 (2,30) | 7,96 (1,71) | ||
Nível socioeconômico | ||||
Alto | 7,43 (2,17) | 0,777 | 7,37 (1,99) | 0,058 |
Médio | 7,68 (2,13) | 7,56 (1,75) | ||
Baixo | 7,56 (2,22) | 6,97 (2,00) | ||
Atividade física | ||||
Insuficientemente ativo | 6,79 (2,43) | < 0,001 | 7,19 (1,84) | 0,405 |
Ativo | 8,31 (1,65) | 7,33 (1,65) |
As variáveis contínuas foram expressas em média (desvio-padrão) (x̅ [dp]).
Observaram-se correlações positivas em relação a todas as variáveis da qualidade de vida quando comparadas com o status social na escola e nas aulas de educação física, com exceção da variável "sentimentos", que não apresentou diferença significativa em ambos (p = 0,181; p = 0,830) (tabela 3).
Tabela 3 Correlação entre as variáveis de qualidade de vida com a percepção do status social na educação física e percepção do status social na escola
Qualidade de vida | Status social | ||||
---|---|---|---|---|---|
Educação física | Escola | ||||
r | p-valor | r | p-valor | ||
Saúde e atividade | 0,256 | < 0,001 | 0,162 | 0,005 | |
Sentimentos | 0,077 | 0,181 | 0,012 | 0,830 | |
Convívio com outras pessoas | 0,212 | < 0,001 | 0,193 | 0,001 | |
Escola | 0,158 | 0,006 | 0,466 | < 0,001 | |
Geral | 0,222 | < 0,001 | 0,264 | < 0,001 |
p-valor do teste de correlação de Sperman.
Discussão
O objetivo do presente estudo foi identificar os fatores associados à percepção do status social subjetivo na escola e nas aulas de educação física de adolescentes de Florianópolis (SC). Uma das medidas usadas para verificar o status social subjetivo é a escala MacArthur para jovens. É composta na sua forma original por duas escadas: uma relacionada ao lugar em que o adolescente se percebe na escola e outra na sociedade (Goodman et al., 2001). Para o presente estudo foi mantida a escada relacionada à escola e adotada uma segunda escada relacionada especificamente às aulas de educação física. Desse modo, além de os adolescentes indicarem a posição social em que se percebem na escola, apontaram a posição social em que se percebem nas aulas de educação física.
Há na literatura vários estudos que relacionaram excesso de peso e obesidade à baixa percepção do status social na escola em adolescentes (Goodman et al., 2003; Lemeshow et al., 2008; Quon & Mcgrath, 2014). Em estudo de Weintraub et al. (2015), por exemplo, no qual objetivaram analisar as múltiplas dimensões da posição social em relação aos comportamentos relacionados à obesidade de adolescentes, foi verificado que os adolescentes que abandonaram a escola e com menor posição social percebida dentro da sua comunidade foram mais propensos a estar em risco para comportamentos relacionados à obesidade do que aqueles com posição social percebida mais alta. Porém, tal relação especificamente com a disciplina de educação física ainda não foi investigada.
Os resultados das correlações do presente estudo apontaram que quanto menor a percepção no status social na educação física, maior o IMC, maior a quantidade de tempo sentado e menor o nível de atividade física dos adolescentes. Supõe-se que essa tendência ocorreu em virtude de que adolescentes com sobrepeso e/ou obesidade têm pior desempenho atlético (Bovet et al., 2007), sofrem mais bullying (Janssen et al., 2004) e apresentam mais sentimentos de inferioridade mental e física (Halfon et al., 2013) em relação aos colegas com peso normal. No entanto, essas mesmas variáveis não apresentaram correlação significativa com o status social na escola.
Não foram encontradas correlações das variáveis de IMC, tempo sentado e atividade física com status social subjetivo na escola, por elas apresentarem maior identidade e aproximação com a disciplina de educação física. Isso remete à importância dessa disciplina e do correto direcionamento da prática pedagógica para a mudança de comportamentos negativos relacionados à atividade física e tempo sentado dos adolescentes inseridos no ambiente escolar (Countinho et al., 2013). Consoante a isso, fazem-se necessárias a elaboração e a execução de projetos dentro dessa disciplina que aumentem o conhecimento dos adolescentes acerca dos prejuízos relacionados à falta de atividade física e ao aumento do tempo sentado (Spohr et al., 2014), assim como propõem Copetti et al. (2014) sobre o uso de abordagem interdisciplinar entre as disciplinas de ciências e educação física, para que essas sejam idealizadoras de atividades que englobem saúde e doença como conteúdo escolar.
No presente estudo a atividade física apresentou correlação importante com o status social subjetivo na educação física. Em estudo de Frerichs et al. (2014), no qual objetivaram investigar relações entre o status social subjetivo, status de peso e atividade física de quatro países da Ásia (Coreia do Sul, Japão, Taiwan e China), identificaram que índices elevados do status social subjetivo associaram-se significativamente com índices mais elevados de atividade física diária ou semanal nos quatro países investigados, com exceção dos sujeitos do sexo feminino da Coreia do Sul e do Japão. Ao passo que Ghaed e Gallo (2007) identificaram que menores escores do status social subjetivos estiveram associados com comportamentos menos saudáveis de alimentação e exercícios físicos em 92 mulheres americanas com risco cardiovascular. Os resultados do presente estudo, em que adolescentes mais ativos fisicamente apresentaram maior status subjetivo na educação física, corroboram os estudos discutidos acima.
Além das correlações com atividade física, comportamento sedentário e IMC, o presente estudo apresentou correlação significativa entre qualidade de vida e o status social subjetivo na escola e educação física. Choi et al. (2015), ao investigar associações entre percepção de qualidade de vida e status social objetivo e subjetivo de 12.250 adultos da Coreia do Sul, encontraram que aquelas pessoas com classe social e status social subjetivos mais elevados tinham melhores percepções de qualidade de vida. De modo semelhante, estudo feito na Alemanha por Hoebel et al. (2013) com 2.827 adultos encontrou associação entre percepção do status social e qualidade de vida, indivíduos com pior percepção do status social subjetivo apresentaram pior qualidade de vida. No presente estudo, apesar de a amostra não ser composta por adultos, os resultados encontrados foram semelhantes, maior percepção de status social tanto na escola como nas aulas de educação física foi correlacionada com a melhor percepção de qualidade de vida dos adolescentes.
Em relação às diferenças entre os sexos para a percepção do status social na escola e nas aulas de educação física, o presente estudo verificou que a pontuação média da percepção do status social na escola foi significativamente maior nas meninas quando comparadas com os meninos (p = 0,003). Já com relação à pontuação média da percepção do status social na educação física, essa foi maior entre os meninos (p < 0,001). A diferença de pontuação média do status social subjetivo na escola pode ser entendida pelo fato de que as meninas geralmente, além de apresentar níveis mais elevados de envolvimento na escola, são classificadas com melhor desempenho acadêmico do que os meninos de mesma faixa etária (Lam et al., 2012). Entretanto, na educação física os meninos se perceberam mais bem posicionados socialmente. Uma das justificativas que dão apoio a esse achado está relacionada ao declínio da atividade física recorrente no início da adolescência nas meninas (Dumith et al., 2011). Esse declínio precoce tende a despertar menor percepção de respeito e popularidade pelas mesmas nas aulas de educação física.
Em estudo de Severino et al. (2015), no qual tiveram como objetivo abordar a participação feminina nas aulas de educação física, com enfoque no basquetebol, percebeu-se pelo relato de 60 docentes que a educação física escolar no município de Volta Redonda (RJ) apresentou características com predominância masculina. Os autores sugerem que essa predominância possa ter ocorrido pelo fato de que o esporte é visto invariavelmente como uma prática dominada pelos homens, mesmo considerando o avanço significativo das mulheres nesse cenário. Além disso, destaca-se que a separação entre meninos e meninas nas aulas de educação física ocorra principalmente pelo discurso de que as meninas apresentam o paradigma de inferioridade esportiva (Bassani et al., 2003).
De acordo com Fotrousi et al. (2012), as diferenças relacionadas aos sexos tomam forma, além dos ambientes sociais e físicos, em determinadas situações criadas no decorrer das aulas de educação física. Sweeting et al. (2011), ao investigar as diferenças do status social subjetivo de 3.194 meninos e meninas com 15 anos, nos aspectos de popularidade, desempenho escolar, poder de persuasão, conflitos na escola, atratividade, respeito e esportividade, identificaram que os meninos apresentaram os maiores valores em todos os aspectos quando comparados com as meninas. A maior diferença foi com relação à esportividade, em que os meninos apresentaram pontuação média de 7,0 (2,6) pontos contra 4,9 (2,7) pontos das meninas (p < 0,001). Sabendo-se que no presente estudo houve maior percepção do status social na educação física dos rapazes comparados com as moças, os professores devem incentivar práticas de educação para a saúde e comportamentos mais ativos para as moças. Para isso, é necessária avaliação diagnóstica para o planejamento de atividades em que as moças apresentem maior identidade e interesse.
Além disso, em ambos os sexos a escolaridade dos pais apresentou relação com o status social na escola, os adolescentes com maiores pontuações de status social na escola foram aqueles em que o pai (p =< 0,001) e a mãe (p = 0,001) apresentavam maior escolaridade. Isso pode ser devido ao maior incentivo e envolvimento com os estudos por parte dos pais com maior escolaridade. Em estudo de Hill et al. (2004), os autores verificaram que pais com maior escolaridade estavam relacionados a menos problemas comportamentais e melhores desempenhos de seus filhos na escola. Um ambiente com pais mais escolarizados, portanto, tende a aumentar não só indicadores objetivos como no estudo citado, mas também na percepção do próprio adolescente acerca do seu status social.
Os resultados do presente estudo reforçam a importância da verificação do status social subjetivo pelo professor de educação física, para o direcionamento e planejamento individual de alunos com baixa percepção de status social nessa disciplina. Nesse ínterim, os professores têm autonomia para incentivar maiores níveis de atividade física, menor quantidade de tempo sentado, assim como atividades que promovam a qualidade de vida, como atividades dirigidas à convivência e cooperação e atividades voltadas para a educação para a saúde.
Aponta-se como principal limitação do presente estudo o delineamento de corte transversal, em que não foi possível estabelecer relações de causa e efeito entre as variáveis investigadas. Além disso, o uso de questionário ao invés de acelerômetro para avaliar a atividade física e o tempo sentado também é considerado como limitação do estudo.
Considerações finais
O presente estudo indicou relações importantes do status social subjetivo na educação física com a qualidade de vida, IMC, tempo sentado e atividade física dos adolescentes. Desse modo, supõe-se que adolescentes com status social subjetivo na educação física mais elevados são aqueles que praticam mais atividade física, apresentam melhor qualidade de vida, menor IMC e menor tempo sentado.
Sugerem-se mais estudos com amostras representativas que investiguem com maior profundidade as relações do status social subjetivo na educação física em crianças e adolescentes. Ademais, estudos posteriores com essa temática podem aplicar complementarmente o status subjetivo social percebido pelo professor, a fim de comparar com o status social subjetivo percebido pelos alunos tanto na escola como nas aulas de educação física.