Introdução
As exigências da competição de alto nível e a iniciação precoce na ginástica artística feminina (Feeley et al., 2016, Smith, 2015) são objeto de interesse de pesquisadores da detecção de talentos (Pion et al., 2016), i.e., a implantação de princípios e normas que ofereçam garantias de minimização de erros decisionais quando se antecipa o sucesso de jovens atletas (Maia, 1996).
Não obstante haver distintas definições de seleção esportiva (Hadavi e Zarifi, 2009, Vaeyens et al., 2008), neste estudo abordaremos o tema da detecção de talentos em ginástica considerando a fase inicial de seleção, cujo propósito central é identificar candidatas dispostas a participar de um programa de formação esportiva geral básica. Na ginástica artística feminina (GAF) essa é a fase centrada no recrutamento para a modalidade. O termo seleção é aqui entendido em termos de seleção sequencial em que meninas praticantes da modalidade são escolhidas para ser submetidas a treino de alto rendimento (Böhme, 2007, Vaeyens et al., 2008).
O processo de detecção de talentos em GAF ocorre entre os 5 e 7 anos (Callender, 2010, Nunomura et al., 2009), uma vez que a média de idade nos jogos olímpicos é de 18 anos (Sands et al., 2012) e são necessários 8 a 10 anos, em média, para a formação de uma ginasta com vista à obtenção de títulos nacionais e internacionais (Arkaev e Suchilin, 2004, Bajin, 1987). Na GAF, a referência internacional sobre detecção e seleção de talentos foi agrupada em um livro publicado por Blaine et al. (1987). Além disso, vários países dispõem de programas de detecção e seleção de ginastas (Byounggoo, 2014, Hoare, 1996, Kozel, 1996, Wu-Tien, 2000) e mais recentemente de programas de treinamento em longo prazo (Fink et al., 2008, USA-Gymnastics, 2014). Adicionalmente, a Federação Internacional de Ginástica (FIG) sugere o uso de testes físicos e técnicos por forma a melhorar as decisões de seleção dos treinadores (FIG, 2015a). A detecção e a seleção de ginastas são feitas de forma distinta em diversos países. Por exemplo, a Federação Americana de Ginástica usa o Talent Opportunity Program centrado em avaliações periódicas, que permite selecionar as melhores ginastas em um sistema de ranking por faixa etária que envolve testes físicos, técnicos e artísticos (USA-Gymnastics, 2014). Nunomura e dos Santos Oliveira (2014) referem que no Brasil os treinadores tendem a privilegiar a idade de ingresso, as características antropométricas e os testes físico-motores para detectar e selecionar talentos para a modalidade.
A convocação de ginastas para seleções nacionais brasileiras é feita pela Confederação Brasileira de Ginástica (CBG, 2016a), enquanto as federações estaduais são responsáveis pela modalidade e pelas competições locais (Schiavon et al., 2013). Não obstante os regulamentos proporem instrumentos que estimulem e orientem o desenvolvimento da ginástica brasileira (CBG, 2016b), as fases iniciais da seleção, e consequentemente as mais importantes na carreira futura das ginastas, ocorrem nos clubes. Nesse sentido, o treinador tem um papel fundamental na seleção (Nunomura e dos Santos Oliveira, 2014, Russell, 1987) condicionada pela resposta esperada ao treino e às exigências da competição (Maia, 1996).
A forma como os treinadores decidem sobre a escolha de atletas tem sido reportada em diferentes modalidades (Christensen, 2009, Hancock et al., 2013, Neely et al., 2016). Apesar de alguma subjetividade do processo de detecção na GAF (Côté e Salmela, 1996), há evidências de avaliações objetivas (Russell, 1987). Adicionalmente, as decisões do treinador não parecem ser independentes do contexto clubístico (políticas de seleção e treino, objetivos competitivos, infraestruturas e equipamentos disponíveis). Não obstante os estudos de Albuquerque e Farinatti (2007) e Nunomura e dos Santos Oliveira (2014), não localizamos pesquisa sobre o conteúdo e a extensão de programas institucionais de detecção e seleção de talentos que guiem as ações dos treinadores. Nesse sentido, o presente artigo pretende: (1) descrever e interpretar procedimentos adotados por treinadores na detecção e seleção de ginastas; (2) examinar a importância atribuída aos indicadores de seleção e (3) apresentar as características de clubes brasileiros que têm programas de seleção.
Material e métodos
Amostra
Foram selecionados, por conveniência, 26 clubes de GAF, ∼23% do universo dos clubes pertencentes às regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, de seis estados (Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Distrito Federal e Mato Grosso do Sul) onde a ginástica é bastante difundida (Schiavon et al., 2013). Essa escolha foi em função, também, da sua participação e classificação nos campeonatos brasileiros em todas as categorias competitivas (CBG, 2016c). Desses clubes foram amostrados 40 treinadores (17 homens e 23 mulheres), entre 21 e 52 anos, que exercem a função de treinador chefe (60%), treinador auxiliar (12,5%) e treinador de base (27,5%). Os dados foram coletados entre junho e outubro de 2015.
Informação sobre os treinadores
Os dados foram coletados com base em um questionário que resultou de consulta a um painel de peritos (treinadores e investigadores em GAF portugueses e brasileiros) e que abrangeu as seguintes dimensões: (1) formação e experiência do treinador; (2) formato e periodicidade do recrutamento e seleção; (3) indicadores de seleção e sua importância; (4) métodos de seleção. O questionário foi aplicado via online por meio do Google Drive. Foi inserida uma pergunta aberta no fim do questionário. Nas questões fechadas havia a opção "outros" caso nenhuma das opções fosse adequada. Os testes presentes no questionário foram listados com base em Albuquerque e Farinatti (2007).
Informação sobre os clubes
Por meio de questionário foram coletados dados sobre: (1) dimensões físicas; (2) participação competitiva; (3) existência de programas de seleção. A construção do questionário foi similar à dos treinadores, assim como a aplicação, e foi respondido pelos diretores dos clubes ou pessoas com funções semelhantes.
Análise estatística
Os dados estão descritos em termos de frequências relativas (%) e as análises foram feitas no programa estatístico SPSS 20.0.
Procedimentos éticos
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Católica Dom Bosco (CAAE 42967215.9.0000.5162), e pelo diretor técnico da GAF de cada clube. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado por treinadores e dirigentes antes do preenchimento dos questionários.
Resultados e discussão
Em 70% dos casos o treinador é o principal responsável pela tomada de decisão na seleção e, por vezes, acumula o papel de coordenador (25% dos casos). Todos os treinadores (chefes, auxiliares e de base) têm formação acadêmica superior em educação física e 60% têm pós-graduação. Mais da metade (55%) tem até 10 anos de experiência, 27,5% de 11 a 20 anos e 17,5% mais de 20 anos e a maioria (97,5%) foi ginasta. Os testes motores aplicados no processo de seleção são referidos por 87,5% dos treinadores.
Os resultados indicam o papel decisivo dos treinadores na detecção e seleção das ginastas nos clubes estudados. Essa decisão é condicionada pelos conhecimentos do treinador, sua formação acadêmica e trajetória profissional. No entanto, o contexto clubístico condiciona, também, parte das decisões face às suas características e estratégias competitivas, i.e., alguns treinadores não usam recursos de detecção e seleção por conta da política do clube onde trabalham (Nunomura e dos Santos Oliveira, 2014). A decisão baseada no conhecimento considera o perfil (do inglês profiling) de ginasta que decorre da literatura e do contato com outras ginastas em competições nacionais e internacionais. No Brasil a formação acadêmica superior é exigência legal para a certificação de treinadores (Brasil, 1998). À formação inicial soma-se a experiência adquirida ao longo da sua trajetória profissional, na prática dentro do ginásio, nos cursos para treinadores (COB, 2016) e na experiência anterior como atleta, que pode ser um recurso valioso na sua formação (Irwin et al., 2004), é frequente no Brasil (Nunomura e Nista-Piccolo, 2003). Há estudos em GAF que referem testes e critérios de seleção (Albuquerque e Farinatti, 2007, Nunomura e dos Santos Oliveira, 2014, Pion et al., 2015, Sleeper et al., 2012), mas não exploram os processos pelos quais os treinadores tomam decisões bem como a utilidade esperada.
A tabela 1 apresenta os dados mais frequentemente obtidos na seleção.
Tabela 1 Dados sobre informação na seleção e testes motores
Informações obtidas pelos treinadores na seleção | % |
---|---|
Antropométricas | 70,0% |
Testes motores | 62,5% |
Nível técnico | 47,5% |
Psicológicas | 25,0% |
Nível social e condições familiares | 22,5% |
Fisiológicas | 20,0% |
Medidas antropométricas usadas | |
Peso | 100% |
Altura | 95,0% |
Dobras cutâneas | 35,0% |
Comprimentos | 17,5% |
Altura sentado e diâmetros ósteo-transversos | 12,5% |
Perímetros | 7,5% |
Testes motores usados | |
Ponte | 80,% |
Corrida de 20 metros, flexão de cotovelos em suspensão, espacate ântero-posterior | 75,0% |
Flexão de tronco sentada com membros inferiores unidos | 72,5% |
Subida na corda (3 metros), flexibilidade de ombros | 67,5% |
Abdução de quadril (na posição sentada) | 65,0% |
Abdução de quadril com flexão de tronco (posição sentada) | 60,0% |
Flexão de quadril em suspensão (espaldar) | 57,5% |
Flexão de tronco em pé com membros inferiores unidos | 45,0% |
Salto horizontal | 35,0% |
Salto vertical, rolamento | 32,5% |
Flexão de braços no solo | 25,0% |
Outros (pular corda, roda, caminhar na trave, parada de mãos) | 15,0% |
Momento em que usam as informações | |
No acompanhamento das turmas de rendimento | 75,0% |
Na detecção | 12,5% |
Na seleção para turmas de rendimento ou periodicamente com ginastas do clube | 12,5% |
Informações antropométrica, motora e técnica (70,0%, 62,5%, 47,5%, respectivamente) são obtidas no ambiente de treinamento, uma vez que não consomem muito tempo nem recursos. O uso sistemático de dados antropométricos está mais presente no monitoramento do treino do que na detecção. A ênfase nas medidas antropométricas (peso, altura e dobras cutâneas) deve-se à influência estética na modalidade, i.e., a um perfil somático compatível, também, com vantagens biomecânicas na execução das tarefas nos aparelhos (Borms e Caine, 2003). Côté e Salmela (1996) identificaram o monitoramento do peso e da estética como umas das tarefas organizacionais do treinador de GAF. Contudo, vale salientar que o exagero nesse monitoramento é apontado como fator de risco para desordens alimentares e pode afetar o desempenho (Bergeron et al., 2015, Pinheiro et al., 2014). Ademais, a informação sobre peso usada individualmente é relativamente "frágil", uma vez que é esperado ganho com o aumento da idade (Baxter-Jones et al., 2002). O uso dos pontos de corte (Cole et al., 2000) para o índice de massa corporal, por exemplo, poderia ser uma opção mais efetiva e condizente com o período de crescimento e desenvolvimento das ginastas. O recurso mais usado na seleção em GAF são os testes motores com especificidade contextual e validade ecológica (Bergeron et al., 2015). Aproximadamente 90% dos treinadores usam-nos na seleção; são de fácil implantação e execução, embora nem sempre os resultados sejam objeto de análise com base nas técnicas estatísticas de profiling (Tatsuoka e Lohnes, 1988). Os testes apresentados estão referenciados em pesquisa anterior com treinadores brasileiros (Albuquerque e Farinatti, 2007) e de outros países (Pion et al., 2015, USA-Gymnastics, 2014). A ausência de valores de referência, a par da explicitação de valores de corte, i.e., de critérios de qualificação do desempenho, limita a objetividade da decisão dos resultados obtidos pelas ginastas. Ou seja, o resultado e seu significado são interpretados de modo subjetivo, sem uso claro de pontos de corte na decisão final, por exemplo.
A tabela 2 apresenta os métodos e os indicadores de seleção usados. A idade e os testes motores são os indicadores mais relevantes tanto de forma objetiva como subjetiva.
Tabela 2 Indicadores usados pelos treinadores
Sim | Não | |
Uso de modelos e métodos | ||
Método de seleção | 90,0% | 10,0% |
Método usado | ||
Método objetivo | 15,0% | |
Método subjetivo | 30,0% | |
Método misto | 55,0% | |
Informações em cada método | Método objetivo | Método subjetivo |
Idade | 85,0% | 57,5% |
Testes motores | 80,0% | 57,5% |
Antropométricas | 57,5% | 40,0% |
Técnicas | 50,0% | 52,5% |
Psicológicas | 27,5% | 57,5% |
Fisiológicas | 22,5% | 17,5% |
Sociais e familiares | 7,5% | 37,5% |
O método misto (subjetivo e objetivo associados) é o mais reportado (55%). Além de informações antropométricas e motoras os treinadores recorrem ao conhecimento pessoal para decidir sobre a inclusão ou permanência das ginastas. Ao combinar diferentes metodologias, buscam reduzir os erros nas decisões e aumentar a utilidade esperada nas expectativas que colocam nas ginastas. Adicionalmente, 10% dos treinadores não usam qualquer método, o que reflete, eventualmente, aspectos da "política e as necessidades do clube em termos de recrutamento", a ausência de crença em um sistema específico de seleção ou o reduzido número de candidatas no recrutamento.
O uso do método subjetivo (30% dos treinadores) é recorrente na história da ginástica e está presente em outras modalidades (Christensen, 2009, Uezu et al., 2008). No estudo de Côté e Salmela (1996), os treinadores referiram o uso da avaliação subjetiva de capacidades físicas e mentais das ginastas na detecção de jovens dotadas. Também Russell (1987) sugere esse tipo de avaliação de forma complementar à avaliação objetiva. O método subjetivo é reforçado pela avaliação do desempenho competitivo das ginastas. Apesar de ter como base critérios objetivos bem definidos no Código de Pontuação (FIG, 2015b) e de atualmente recorrer ao vídeo das competições, a avaliação na GAF apresenta certa carga de subjetividade (Pajek et al., 2014).
Os resultados sobre a importância dos indicadores de seleção estão na tabela 3.
Tabela 3 Importância atribuída pelos treinadores aos indicadores de seleção (n = 40)
Indicadores de seleção | ||
Sem importância | Importante | |
Antropométricos, motores, psicológicos, idade | - | 100% |
Fisiológicos | 10,0% | 90,0% |
Técnicos | 17,5% | 82,5% |
Sociais e familiares | 27,5% | 72,5% |
Indicador Idade | ||
Idade sugerida pelos treinadores | ||
Depois dos 8 anos | 5,0% | |
Entre 4 e 8 anos | 95,0% | |
Idade em que a seleção é efetivada no clube | ||
7 anos ou mais | 15,0% | |
Entre 4 e 8 anos | 85,0% | |
Indicador de maturação biológica | Sim | Não |
Benefícios da maturação tardia para a evolução na GAF | 87,5% | 12,5% |
Acompanhamento do processo de maturação biológica | 27,5% | 72,5% |
Maturação tardia como parte da "seleção natural" | 65,0% | 35,0% |
A valorização dos indicadores antropométricos influencia, sobremaneira, a sua decisão, o que reflete a presença de um cânon estabelecido para as ginastas por treinadores e árbitros (Borms e Caine, 2003). Tem-se observado alteração nas variáveis antropométricas das ginastas nos últimos anos. Por exemplo, ginastas olímpicas americanas têm se tornado mais altas a partir de 1990 (Sands et al., 2012), o que acompanha o aumento da idade de participação em competições como Jogos Olímpicos e campeonatos mundiais (Atiković et al., 2017). No entanto, corpos pequenos e com valores baixos de massa gorda continuam a ser características das ginastas da elite mundial (Bacciotti et al., 2017b). Entre as ginastas brasileiras parece haver um protótipo físico que perpassa as idades e categorias competitivas (Bacciotti et al., 2017a).
Quanto aos indicadores psicológicos não há consenso sobre o uso de escalas psicológicas (Anshel e Lidor, 2012). A idade sugerida pelos treinadores, bem como a que a seleção é realmente efetivada nos clubes (entre 4 e 8 anos), é mais baixa, embora próxima da sugerida na literatura relativa à seleção em GAF – entre 5 e 7 anos (Bajin, 1987, Callender, 2010). Daqui a indicação de Bergeron et al. (2015) de que a procura por eventuais talentos esportivos em idades relativamente baixas é mais prevalente e sistematizada do que no passado. Devem-se considerar, no entanto, erros de prognóstico (Maia, 1996) em idades precoces. Além disso, a idade apontada pelos treinadores para início da seleção (4 anos) requer discernimento em termos de eventuais prognoses sem fundamento empírico, uma vez que essa idade é ainda mais baixa do que a referida pela literatura mundial. Por exemplo, o estudo de Atiković et al. (2017) mostrou nos últimos 15 anos um aumento de 3,3 anos entre as ginastas em campeonatos mundiais e Jogos Olímpicos e sugere futuro aumento por conta da especialização em aparelhos. A maturação biológica é outro indicador de seleção. No entanto, apesar do conhecimento sobre a idade na, ou presença de, menarca ser de fácil acesso (Malina et al., 2004), é pouco usada pelos treinadores. Baxter-Jones et al. (1994) referem que a maturação tardia pode contribuir para a decisão de continuidade de uma jovem na GAF, o que enfatiza o papel do "relógio biológico" nas mudanças do tamanho, forma e composição do corpo e no desempenho (Bergeron et al., 2015). A falta de controle dessa variável pode levar a erros de interpretação do desempenho da ginasta, bem como dos seus comportamentos e aparência física. No Brasil, projetos sociais permitem acesso às crianças de baixa renda à GAF e talvez por isso os treinadores não valorizem tanto os indicadores sociais e familiares, apesar de a literatura indicar o papel da família e dos amigos no sucesso esportivo (Bloom e Sosniak, 1985, Coutinho et al., 2014).
Os resultados da tabela 4 mostram as características dos clubes e dos processos de recrutamento e seleção de ginastas.
Tabela 4 Características dos clubes e dos processos de recrutamento e seleção de ginastas
Variáveis | |
---|---|
Caracterização e dimensão do clube | |
Característica | |
Público | 46,0% |
Privado | 54,0% |
Quantidade de ginastas | |
Até 50 ginastas | 23,0% |
51 a 150 ginastas | 38,5% |
Acima de 150 ginastas | 38,5% |
Participação competitiva | |
Anos de experiência do clube em GAF competitiva | |
Até 10 anos | 26,9% |
Acima de 11 anos | 73,1% |
Programas institucionais de seleção | |
Tem programa institucional de seleção de talentos | |
Não | 69,2% |
Sim | 30,8% |
Frequência de recrutamento | |
Quando há necessidade de preenchimento de turmas | 38,5% |
Periodicamente | 61,5% |
Forma de recrutamento | |
Não é feito | 30,8% |
É feito de forma externa - divulgação em escolas e/ou meios de comunicação | 38,5% |
É feito de forma interna | 15,4% |
Interna e externa associadas | 15,4% |
Frequência de seleção | |
Quando há necessidade de preenchimento de turmas | 34,6% |
Continuamente | 26,9% |
Semestralmente, anualmente | 38,5% |
Forma de seleção | |
Externa | 7,7% |
Interna | 46,2% |
Interna e externa associadas | 46,2% |
As estratégias de seleção dos clubes estão voltadas para as realidades e os objetivos competitivos. Por exemplo, no Estado de São Paulo há clubes municipais que funcionam como projetos sociais, com acesso à prática da GAF por uma quantidade significativa de crianças. Nesses clubes, o foco da seleção visa a atender às competições locais, como jogos escolares (Tani et al., 2013), regionais e abertos, por exemplo. Assim, a feitura periódica do recrutamento para a prática tem como propósito manter um número significativo de ginastas na formação inicial. Já a seleção, além de ser feita de forma periódica, é efetivada quando há necessidade de preencher turmas devido à flutuação de ginastas e a necessidade de substituir as desistentes, já que o abandono da modalidade acontece principalmente entre 11 e 16 anos (Dubuc et al., 2010). É nessa idade que os atrativos do convívio social se sobrepõem às exigências do treinamento (Johns et al., 1990). Por fim, o recurso à seleção externa é usado nos clubes mais competitivos pela necessidade de manter os resultados e suprir a dificuldade de formação de novas ginastas.
Dos clubes do estudo, 8 (30,8%) têm PS. Desses, 6 são públicos e estão nos estados de São Paulo (n = 5), Minas Gerais (n = 2) e Mato Grosso do Sul (n = 1). Metade faz recrutamento periódico e outra metade quando há necessidade de preenchimento de turmas. A maioria (5 clubes) recorre a formas de seleção externa e interna associadas, 2 deles preferem a seleção interna e um a seleção externa. Todos têm mais de 11 anos de experiência competitiva na GAF, têm outras modalidades desportivas, tanto individuais como coletivas, e usam testes motores no processo de seleção. Os clubes que têm PS têm entre um e 4 ginastas de elite, i.e., 30% das ginastas de elite consideradas no nosso estudo. Os clubes que têm PS não são exclusivos de ginástica, o que permite a "circulação" de atletas nas modalidades. Por serem na maioria públicos, é possível que o grau de exigência na seleção não seja tão elevado quanto nos clubes privados. Assim, a implantação de PS nos demais clubes contribuiria para a descoberta de ginastas talentosas no Brasil, bem como para o estabelecimento de critérios mais objetivos de avaliação.
A GAF tem acompanhado as mudanças no cenário esportivo mundial: competições com premiação em dinheiro (copas do mundo) e valorização dos especialistas por aparelho, o que possibilita o aumento expressivo dos anos de carreira das ginastas (Atiković et al., 2017). Além de interferir na longevidade da carreira, o surgimento de especialistas indica a necessidade de repensar os "protótipos esperados" para as ginastas, uma vez que especialistas apresentam características morfológicas específicas. Assim, a detecção e a seleção de talentos na GAF devem contemplar essas mudanças, propor novos modelos de corpos e de estrutura de apoio ao desenvolvimento esportivo em longo prazo, tal como o referenciado pela Federação Canadense de Ginástica (Fink et al., 2008). Salientam-se ainda as estratégias inovadoras de treinamento físico/técnico e uso de recursos nutricionais baseados em estudos atuais. Fica ainda a necessidade de estabelecimento de pontos de corte para os testes usados, o que facilitaria a decisão dos treinadores na seleção.
Este estudo tem limitações: (1) o uso de questionários limitou o aprofundamento na interpretação da processologia da detecção e seleção; (2) a ausência de acesso aos documentos institucionais dos PS existentes. Não obstante, as informações recolhidas permitiram compreender as características dos clubes que têm tais programas. O estudo também tem pontos fortes: (1) ser uma pesquisa com participação substancial de clubes, (2) e treinadores de diferentes níveis competitivos, inclusive olímpicos, (3) provenientes de seis estados, (4) abrangeu uma parte da elite da GAF do Brasil (4) para melhor compreender aspectos da processologia da tomada de decisão na detecção e seleção.
Conclusão
Os treinadores têm um papel decisivo no processo de detecção e seleção de talentos em GAF no Brasil. Usam como principal recurso os testes motores e o método misto na tomada de decisão. Atribuem importância a indicadores de seleção, especialmente antropométricos, motores, psicológicos e idade. Uma quantidade reduzida de clubes tem programas de seleção. A implantação de novos programas de seleção em clubes de ginástica no Brasil, especialmente com parceria de universidades, contribuirá para a estruturação de programas científicos de detecção e seleção de talentos, bem como para a definição de critérios objetivos e sistemáticos para o desenvolvimento nacional e internacional da modalidade.