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Potência acadêmica da mídia-educação física brasileira e internacionalização do diálogo: reflexões a partir do livro Digital technologies and learning in physical education: pedagogical cases

Casey, A; Goodyear, VA; Armour, KM. Digital technologies and learningin physical education: pedagogical cases. New York: Routledge, 2017

Na intenção de promover reflexões sobre o impacto das tecnologias digitas nas práticas pedagógicas dos professores de educação física e no aprendizado de jovens foi apresentado à comunidade acadêmica em 2017 o livro Digital technologies and learning in physical education: pedagogical cases, com extenso diálogo internacional e perspectivas interdisciplinares instigantes. A intenção desta resenha, mais do que apresentar a obra ao público, é estabelecer um diálogo com o campo ao qual ela se endereça na cena brasileira.

Os organizadores são Ashley Casey1 1 Loughborough University. , Victoria A. Goodyear2 2 University of Limerick. e Kathleen M. Armour3 3 University of Birmingham. , pesquisadores parceiros de outras produções que abordam o tema das tecnologias digitais no campo pedagógico da educação física (Ex: Casey, Goodyear & Armour, 2016Casey A, Goodyear VA, Armour KM. Rethinking the relationship between pedagogy, technology and learning in health and physical education. Sport, Education and Society. 2016;22(2):288-304, http://dx.doi.org/10.1080/13573322.2016.1226792.
http://dx.doi.org/10.1080/13573322.2016....
). Composta por 15 capítulos distribuídos em 264 páginas, a coletânea conta com mais de 60 autores dispersos em oito países (Suécia, Estados Unidos da América, Inglaterra, Irlanda, Canadá, Espanha, Austrália e Dinamarca) com dois elementos em comum: o tema das tecnologias digitais no ensino de educação Física e a estrutura metodológica de casos pedagógicos (Armour, 2014Armour KM (Org.). Pedagogical Cases in Physical Education and Youth Sport. Oxon: Routledge, 2014.).

Considerando a existência de um capítulo de apresentação em que os organizadores apresentam conceitos gerais e um capítulo de encerramento em que ponderam os avanços e as limitações, a riqueza empírica do livro está registrada em 13 narrativas em diversos níveis de ensino. Em cada um deles uma mesma estrutura, que segue a lógica dos casos pedagógicos: (1) narrativa, em primeira pessoa, de um professor que relata o uso de tecnologia digital em suas aulas, com destaque para oportunidades e desafios da experiência; (2) análise da narrativa por diferentes pesquisadores imersos no mesmo contexto nacional e com abordagens teóricas distintas ou que representem distintas subáreas; (3) síntese das análises por um pesquisador do campo pedagógico da educação física, distinto dos primeiros, que faz um balanço da experiência e das análises; e (4) reflexão do professor que originou a experiência a partir das análises dos pesquisadores, com a culminância da resposta à seguinte questão: Como o uso de tecnologias digitais pode acelerar o aprendizado de alunos?

A riqueza das experiências narradas transita entre conteúdos (basquete, dança etc.) ou temas variados (saúde pública, corpo etc.) e são analisadas de forma multidisciplinar (abordagens desenvolvimentistas, foucaultianas, neurofisiológicas, teorias de autodeterminação etc.). Cada narrativa é analisada por, no mínimo, três perspectivas que apontam leituras por vezes controversas, mas recorrentemente complementares. Os usos de tecnologia digital pelos professores ora se centram em dispositivos (tabletes, frequencímetros etc.) ora em seus recursos (aplicativos, sensores cinéticos etc.), ou mesmo nas formas de interações (redes sociais, formulários on-line etc.), com a crença de melhorias de suas práticas pedagógicas.

Ao passo que o diálogo entre pesquisadores e professores apresentado na obra possa ser entendido como uma contribuição na socialização da metodologia dos "casos pedagógicos", segundo avaliação dos organizadores, não se compreendeu completamente ainda o impacto da escolha da tecnologia digital no ensino e nos resultados de aprendizagem dos alunos, mesmo com análises multidisciplinares.

Destaca-se o rigor da autocrítica na experiência de construção coletiva do livro quando os organizadores assinalam que, apesar de terem vislumbrado inovação nos casos pedagógicos, "o conceito tradicional de educação física permaneceu praticamente intacto, com a tecnologia agindo para reforçar suas práticas4 4 Tradução nossa. " (Casey, Goodyear & Armour, 2017, p. 255). Essa arguta reflexão talvez seja tributária de uma perspectiva centrada no aprendizado como um produto, quando os organizadores indicam, ainda na apresentação da obra, que a intenção de centrar nos casos pedagógicos é para buscar explicar "como e por que a tecnologia é usada [...] para avançar e acelerar o aprendizado" (p. i). Nesse sentido, ao considerar a tecnologia como ferramenta para abreviar o tempo pedagogicamente necessário para aprendizagem, não é surpreendente que a noção e as práticas da educação física não tenham sido modificadas, mas reforçadas.

A leitura da obra proporcionou uma reflexão sobre como o mesmo nicho acadêmico/pedagógico tem se comportado no Brasil. Nesse sentido, considerando que esse campo de produção do conhecimento completa, no Brasil, duas décadas e que se registra crescimento em diversas vertentes – tais como os estudos descritivos e de recepção, os estudos de mediações pedagógicas, ou de análise de produtos da mídia, dentre outros (Pires, Lazzarotti Filho & Lisboa, 2012Pires GL, Lazzarotti Filho A, Lisboa MM. Educação física, mídia e tecnologias – incursões, pesquisa e perspectivas. Revista Kinesis. 2012;30:55-79.) – já temos assistido alguns reflexos pedagógicos no fazer docente (Araújo, 2014Araújo AC. Comunicação e educação física: movimentos concêntricos no diálogo entre as áreas e seus reflexos na e para a escola. Cadernos de Formação RBCE. 2014;5:10-3, n. 10.).

Contudo, apesar do claro crescimento quantitativo e qualitativo registrado escritos de Santos et al (2016)Santos SM, et al. Estudo da produção científica sobre Educação Física e mídia/TICs em periódicos nacionais (2006-2012). Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Florianópolis. 2016;36:123-39, suplemento., pouco se tem registrado o diálogo com pesquisadores e contextos internacionais5 5 Com ressalva para incursões da UFSC com pesquisadores italianos e com a Universidade de Barcelona, além de parcerias de pesquisadores da FEEVALE e UFRN com a Universidade de Sevilha. . Essa constatação, à revelia da potência acadêmica da mídia-educação física, tem limitado o diálogo com o campo mais amplo de debate e, talvez, dificultado seu desenvolvimento pleno e a visibilidade de suas contribuições para área.

Tomemos como exemplo a obra em tela. Ao passo que o campo da mídia-educação física brasileira teria a ganhar ao aproximar-se de estratégias de análises multidisciplinares, como a dos casos pedagógicos, ou mesmo com os diferentes usos da mídia e tecnologia experimentados por professores, estou certo de que teríamos muito a contribuir. Primeiramente porque percebo no campo brasileiro uma preocupação de não instrumentalizar de forma simplista a tecnologia, registrar experiências ricas (Ex: Queiroz da Costa & Betti, 2008Costa AQ, Betti M. Mídias e jogos: do virtual para uma experiência corporal educativa. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. 2008;27:165-78, n. 2.; Oliveira e Pires, 2005Oliveira MRR, Pires GL. O primeiro olhar experiência com imagens na educação física escolar. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. 2005;26:117-33, n. 2.) que primam não só pela dimensão instrumental da mídia e tecnologia, mas também pelas dimensões crítica e produtiva. Bem como porque penso que não temos estimulado distinção dos professores que experimentam o uso da tecnologia e pesquisadores que promovem suas análises. O que tem se visto na literatura nacional é um fazer e pensar o processo de ensino-aprendizagem junto dos professores.

Por fim, mais do que incentivar um jogo de valorização da produção internacional ou de um massagear o ego da produção nacional, o convite que se faz é do diálogo produtivo à revelia das linhas geográficas.

  • 1
    Loughborough University.
  • 2
    University of Limerick.
  • 3
    University of Birmingham.
  • 4
    Tradução nossa.
  • 5
    Com ressalva para incursões da UFSC com pesquisadores italianos e com a Universidade de Barcelona, além de parcerias de pesquisadores da FEEVALE e UFRN com a Universidade de Sevilha.

Referências

  • Araújo AC. Comunicação e educação física: movimentos concêntricos no diálogo entre as áreas e seus reflexos na e para a escola. Cadernos de Formação RBCE. 2014;5:10-3, n. 10.
  • Armour KM (Org.). Pedagogical Cases in Physical Education and Youth Sport. Oxon: Routledge, 2014.
  • Casey A, Goodyear VA, Armour KM. Rethinking the relationship between pedagogy, technology and learning in health and physical education. Sport, Education and Society. 2016;22(2):288-304, http://dx.doi.org/10.1080/13573322.2016.1226792
    » http://dx.doi.org/10.1080/13573322.2016.1226792
  • Oliveira MRR, Pires GL. O primeiro olhar experiência com imagens na educação física escolar. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. 2005;26:117-33, n. 2.
  • Pires GL, Lazzarotti Filho A, Lisboa MM. Educação física, mídia e tecnologias – incursões, pesquisa e perspectivas. Revista Kinesis. 2012;30:55-79.
  • Costa AQ, Betti M. Mídias e jogos: do virtual para uma experiência corporal educativa. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. 2008;27:165-78, n. 2.
  • Santos SM, et al. Estudo da produção científica sobre Educação Física e mídia/TICs em periódicos nacionais (2006-2012). Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Florianópolis. 2016;36:123-39, suplemento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Publicado
    8 Nov 2018
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