A ciência e a RBCE em mais um ano de pandemia

O ano de 2021 foi mais um ano de desafios profundos e ataques em diversas áreas, especialmente a ciência.

Ainda devido à covid-19 e o necessário distanciamento social, o Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE) realizou o seu principal evento de forma on-line. Defender vidas e afirmar as ciências foi o mote das discussões do XXII Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte (Conbrace) e IX Congresso Internacional de Ciências do Esporte (Conice) (CBCE, 2021).

A comunidade científica brasileira está atenta ao desmonte das políticas públicas sanitárias, científicas, educacionais e socioambientais no país, principalmente nesse contexto de desafios agravados pela pandemia do novo coronavírus. Esteve mobilizada todo o ano, comprometida com a defesa da vida, a saúde e o SUS, a vacinação gratuita para todos, a solidariedade aos mais atingidos pela crise econômica, o meio ambiente, a democracia, a ciência, a educação etc. (SBPC, 2022).

Não obstante, a Covid-19 levou a óbito 412 mil pessoas no Brasil em 2021. Desde o início da pandemia, são 629 mil vítimas no país (em 3/2/2022). Lamentamos e nos solidarizamos aos amigos e familiares diante de suas perdas.

Muitas das mortes poderiam ter sido evitadas. De um lado, omissões na coordenação nacional para organizar o combate à pandemia e prover recursos. De outro, a existência de uma estratégia institucional de propagação do coronavírus promovida pelo governo federal, com medidas que dificultaram a implementação do distanciamento social e estimularam o uso de drogas sem comprovação científica (Hallal, 2021; Conectas Direitos Humanos, 2021).

A responsabilidade pelas mortes e essa estratégia foram objeto de investigação em Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal, a CPI da Pandemia. Em seu relatório final, foram vários indiciados, inclusive o presidente da República, por diferentes crimes: epidemia com resultado de morte, crimes contra a humanidade, crimes de responsabilidade, dentre outros (Brasil, 2021).

Abrimos, portanto, o volume 44 da Revista Brasileira de Ciências do Esporte (RBCE) ainda inseridos num contexto de grave crise econômica, sanitária, política e social. Todavia, é certo que o avanço da vacinação tem levado a um quadro mais esperançoso. Passados dois anos desde que o coronavírus causador da Covid-19 foi descoberto, o mundo parece estar mais próximo do fim da pandemia. Para que esse término realmente se torne realidade, é preciso reduzir a desigualdade na distribuição das vacinas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), vacinar ao menos 70% da população mundial é a única maneira de conter o avanço da Ômicron e o surgimento de outras variantes do coronavírus (ONU Brasil, 2022).

Quanto ao desmonte das políticas científicas, importante seguir denunciando a falta de recursos financeiros para as revistas científicas nacionais, com algumas até paralisando suas atividades. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e outras entidades se manifestaram contra os cortes orçamentários que inviabilizam a continuidade das revistas científicas no país (SBPC, 2021).

O tema do financiamento e as dificuldades impostas aos periódicos da área da Educação Física foi também objeto de discussão na Reunião de Editores de Periódicos Científicos da Área de Conhecimento da Educação Física, organizada pelo CBCE, durante o XXII Conbrace e IX Conice (CBCE, 2021).

No caso da RBCE, a descontinuidade do financiamento público a faz dependente dos recursos próprios do CBCE e das Taxas de Processamento de Artigos (APCs – Article Processing Charges). Esta é uma realidade a ser discutida junto a nossa comunidade: quanto custa um artigo? quanto custa a RBCE?

Conforme Grossmann e Brembs (2021), a composição dos custos de publicação de um periódico científico envolve todo o custo associado à publicação de artigos de pesquisa, desde a submissão, passando pela avaliação por pares, publicação, indexação e arquivamento.

Tomando como exemplo a RBCE e aplicando o modelo proposto pelos autores, podemos dizer que os custos de sua publicação são formados por dois componentes: custos diretos e custos indiretos. Estes últimos, custos indiretos, como despesas de pessoal, imóvel, energia etc., estão a encargo da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade Federal de Goiás (UFG), instituições às quais estão vinculados seus editores-chefes. Os custos diretos compreendem três etapas do trabalho editorial: aquisição de conteúdo, preparação de conteúdo; e disseminação de conteúdo.

Vejamos quais são os custos diretos da RBCE:

• Na etapa de aquisição de conteúdo, o SciELO Brasil oferece, sem custos para periódicos indexados, a opção da ScholarOne, plataforma desenvolvida e mantida pela Clarivate Analytics. A RBCE vem utilizando a ScholarOne como sistema de gestão on-line desde 2020. Assim, nesta etapa, devem ser contabilizados os serviços de gestão do processo de busca e atribuição de pareceristas, a comunicação com pareceristas, a comunicação com autores e gestão do processo de ressubmissão que, na RBCE, são realizados pelos editores associados e assistentes, com bolsas renumeradas de apoio técnico. Outro serviço desta etapa, a detecção de plágio por meio do software iThenticate^® é contratada junto à Editora Cubo, especializada na prestação de serviços para publicações científicas no Brasil, que atende o CBCE, dentre 80 periódicos nacionais, vários também da coleção SciELO Brasil;

• Na segunda etapa, de preparação de conteúdo, os serviços de produção editorial que envolvem verificação técnica do manuscrito, revisão, normalização, edição de texto, editoração, formatação de figuras e gráficos, marcação XML e metadados, processamento de correções do autor também são contratados junto à Editora Cubo;

• Na terceira e última etapa, de disseminação de conteúdo, a RBCE conta com duas plataformas de hospedagem em acesso aberto, também sem custos. A principal plataforma é o SciELO (Scientific Electronic Library Online), uma biblioteca de acesso aberto, baseada na web, cujo modelo é usado por 17 países, integrando uma rede de coleções nacionais com mais de 1.200 periódicos indexados, publicando 50 mil novos artigos por ano e cobrindo todas as áreas do conhecimento (Packer, 2019). Outra plataforma usada pela RBCE como repositório é a OJS (Open Journal Systems), desenvolvida no país pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) e disponível gratuitamente para uso de qualquer periódico. Nela estão hospedados volumes da RBCE anteriores à sua indexação no SciELO. Finalmente, os serviços de atribuição de DOI aos artigos (Crossref) e envio dos pacotes XML para o SciELO são realizados pela Editora Cubo.

Assim, considerando todas as etapas do trabalho editorial, pode-se dizer que um artigo na RBCE custa aproximadamente US$ 225,00, bem abaixo do valor médio no mercado editorial de US$ 600 para publicar um artigo em acesso aberto com todos os serviços editoriais incluídos, conforme levantamento de Grossmann e Brembs (2021). Os custos variam de menos de US$ 200 por artigo preprint em plataformas de publicação modernas e de grande escala a cerca de US$ 1.000 por artigo em periódicos de prestígio com taxas de rejeição superiores a 90%. Em geral, segundo os autores, os custos de publicação de um artigo acadêmico representativo hoje chegam a cerca de US$ 400.

Para a RBCE, o custo de US$ 225,00 representa a somatória de todos os serviços contratados junto à Editora Cubo e o pagamento de bolsas de apoio técnico em 2021, valor dividido pelo total de 60 artigos publicados no volume do mesmo ano. Portanto, o custo de um artigo na RBCE é bem próximo do preço de APC praticado pela revista, de US$ 250,00. Mas vale lembrar que para os artigos cujos autores são associados ao CBCE, há isenção da APC, o que repercute nessa diferença. De todo modo, sabemos que esse valor de APC é alto, tendo em vista o perfil de nossos autores e a falta de apoio em suas instituições para o pagamento. Mas o fato é que a RBCE não é autossuficiente financeiramente e, para manter seu funcionamento, necessita fechar esta conta, com custos diretos de publicação chegando a algo em torno de US$ 13.500,00 anuais, o que equivale a aproximadamente R$ 70.000,00 de custos diretos anuais.

Nesse contexto de ataque à ciência, cortes orçamentários, descontinuidade no financiamento público e falta de recursos para os periódicos científicos brasileiros, como a conta não fecha, a RBCE vem sendo financiada com recursos próprios do CBCE, provenientes da anuidade paga por seus associados. Essa situação será objeto de exame e busca estratégica de alternativas pela equipe editorial da RBCE e direção nacional do CBCE neste ano, quando da construção do Plano de Desenvolvimento Editorial da revista para o novo quadriênio, PDE RBCE-SciELO 2025.

Por oportuno, parabenizamos o trabalho desenvolvido pela direção nacional do CBCE nas gestões 2018-2019 e 2020-2021, a quem, em nome de seu presidente, Vicente Molina Neto, agradecemos a parceria e confiança. Aos colegas que assumiram a nova direção nacional do CBCE, Gislene Alves do Amaral, Maria da Conceição dos Santos Costa, Tadeu João Ribeiro Baptista, Silvan Menezes dos Santos, Marina Ferreira Souza Antunes, Rodrigo Lema Del Rio Martins, Cláudio Marques Mandarino e Christiane Garcia Macedo, desejamos sucesso na gestão, renovando nosso compromisso em seguir contribuindo com a construção desse que constitui um dos maiores patrimônios de nossa entidade. Com essa perspectiva, seguimos buscando superar os desafios e qualificar ainda mais a RBCE.

Boa leitura!

Referências

• Brasil. Senado Federal. Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia. Relatório Final [Internet]. Brasília: Senado Federal; 2021 [citado 2022 Fev 3]. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/comissoes/comissao?codcol=2441
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• Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte – CBCE. Educação Física e Ciências do Esporte no tempo presente: defender vidas, afirmar as ciências [Internet]. Porto Alegre: CBCE; 2021 [citado 2022 Fev 2]. Disponível em: https://www.cbce.org.br/conbrace/
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• Conectas Direitos Humanos. Mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil. Boletim Direitos na Pandemia [Internet]. 2021 [citado 2022 Fev 3];10. Disponível em: https://www.conectas.org/publicacao/boletim-direitos-na-pandemia-no-10/
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• Grossmann A, Brembs B. Current market rates for scholarly publishing services. F1000 Res. 2021;10(20):1-25. http://dx.doi.org/10.12688/f1000research.27468.2 PMid:34316354.
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• Hallal PC. SOS Brazil: science under attack. Lancet. 2021;397(10272):373-4. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(21)00141-0 PMid:33493436.
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• Organização das Nações Unidas – ONU Brasil. OMS: vacinar 70% da população mundial é o único meio de conter a variante Ômicron [Internet]. Brasília: ONU Brasil; 2022 [citado 2022 Fev 3]. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/167609-oms-vacinar-70-da-populacao-mundial-e-o-unico-meio-de-conter-variante-omicron
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• Packer AL. O modelo SciELO de publicação como política pública de acesso aberto. SciELO em perspectiva. [Internet]. 2019 [citado 2022 Fev 3]. Disponível em: https://blog.scielo.org/blog/2019/12/18/o-modelo-scielo-de-publicacao-como-politica-publica-de-acesso-aberto/#.YgOq6S_5RKM
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• Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC. Entidades se manifestam sobre a situação dos periódicos científicos brasileiros [Internet]. 2021 [citado 2022 Fev 3]. Disponível em: http://portal.sbpcnet.org.br/noticias/entidades-se-manifestam-sobre-a-situacao-dos-periodicos-cientificos-brasileiros/
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• Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC. Retrospectiva 2021: mais um ano do luto à luta. Jornal da Ciência [Internet]. 2022 [citado 2022 Fev 3]. Disponível em: http://www.jornaldaciencia.org.br/retrospectiva-2021-mais-um-ano-do-luto-a-luta/
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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  28 Fev 2022
• Data do Fascículo
  2022