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A cidadania reclamada nas mediações pedagógicas da capoeira com crianças em situação de acolhimento social

Claimed enfranchisement in the pedagogical mediations of capoeira with children in social welfare

La ciudadanía reclamada en las mediaciones pedagógicas de la capoeira con niños en acogimiento social

RESUMO

Analisa-se um processo socioeducativo com crianças em situação de acolhimento social, mediada pela capoeira, com foco no desenvolvimento da cidadania reclamada. Trata-se de uma pesquisa-ação, desenvolvida com 10 crianças acolhidas pela Casa Lar de Serra/ES, em que, no período de julho a dezembro de 2021, ocorreram 46 encontros. As experiências vivenciadas valorizaram as práticas autorais e a coparticipação das crianças na construção das mediações pedagógicas com a capoeira, fomentando, dessa maneira, um modelo de cidadania em que os sujeitos assumem os discursos e as práticas sobre si.

Palavras-chave:
Crianças; Capoeira; Acolhimento social; Cidadania reclamada

ABSTRACT

It analyzes a socio-educational process with children in a situation of social care, mediated by capoeira, with a focus on the development of the claimed enfranchisement. This is an action research, developed with 10 children welcomed by Casa Lar de Serra/ES. From July to December of 2021, occurred 46. The experiences in pedagogical mediations with capoeira built with the chindren, valued authorial practices and the co-participation of children, thus fostering a model of citizenship in which subjects assume the discourses and practices about themselves.

Keywords:
Children's; Capoeira; Social care; Claimed enfranchisement

RESUMEN

Analiza un proceso socioeducativo con niños en situación de acogimiento social, mediada por la capoeira, con foco en el desarrollo de la ciudadanía reivindicada. Es una investigación acción, desarrollada con 10 niños asistidos por Casa Lar de Serra/ES. De julio a diciembre de 2021, ocurrió 46 encuentros. Las experiencias vividas valoraron las prácticas autorales y la coparticipación de los niños en la construcción de las mediaciones pedagógicas con capoeira, fomentando así un modelo de ciudadanía en el que los sujetos asumen los discursos y prácticas sobre sí mismos.

Palabras-clave:
Niños; Capoeira; Acogimiento social; Ciudadanía reclamada

INTRODUÇÃO

De maneira geral, a infância é a categoria geracional mais afetada pela pobreza e pelas desigualdades sociais. De acordo com Sarmento et al. (2007), aSarmento MJ, Fernandes N, Tomás CA. Políticas públicas e participação infantil. Braga: Universidade do Minho; 2007. infância é o grupo social mais vulnerável “[...] entre todos os grupos e categorias sociais excluídas, quer pela relativa invisibilidade face às políticas públicas e aos seus efeitos, quer porque é geralmente excluída do processo de decisão na vida colectiva”.

Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 2022, demonstram que existem no Brasil, aproximadamente, 30 mil crianças e adolescentes que vivem em abrigos, em situação de acolhimento social. Segundo esses dados, parte considerável dos acolhidos possui família. Diante dessa realidade, as instituições de acolhimento social buscam compreender o histórico dos sujeitos para tentar reconstruir os seus vínculos afetivos e familiares.

Os principais motivos de as crianças estarem abrigadas, segundo Silva (2004)Silva ER. O direito à convivência familiar e comunitária: os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil. Brasília: IPEA/CONANDA; 2004., são: condições socioeconômicas precárias das famílias; abandono pelos pais ou responsáveis; violência doméstica; dependência química ou morte dos responsáveis; prisão dos genitores; e abuso sexual por parte dos responsáveis. Uma parcela considerável da população infantil se insere em um quadro em que esses problemas sociais estão presentes, embora a maioria dessa parcela não esteja acolhida por abrigos sociais (Vectore e Carvalho, 2008Vectore C, Carvalho C. Um olhar sobre o abrigamento: a importância dos vínculos em contexto de abrigo. Psicol Esc Educ. 2008;12(2):441-9. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-85572008000200015.
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), sofrendo as consequências inerentes a essas situações sem nenhum tipo de apoio por parte do poder público.

De acordo com o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), o principal objetivo do abrigo institucional é promover o acolhimento dos indivíduos com vínculos familiares rompidos ou fragilizados, a fim de garantir a sua proteção integral. Existem diferentes unidades de acolhimento social, que variam de acordo com o público-alvo atendido. Quando se trata de crianças e adolescentes, a modalidade de acolhimento é a Casa Lar ou o Abrigo Institucional.

Mesmo possuindo uma tarefa nobre, de relevante importância social, no sentido de acolher e buscar reconstruir os vínculos familiares de crianças e adolescentes em situação de extrema vulnerabilidade, muitas instituições não possuem um trabalho pedagógico sistematizado para preencher o tempo relacionado ao contraturno escolar. Em que pese toda a dedicação dos gestores, geralmente realizada de forma voluntária e filantrópica, crianças/adolescentes acolhidos por essas instituições passam grande parte do tempo de forma ociosa, com pouco acesso às atividades de lazer, de caráter socioeducativo, que contribuam para o desenvolvimento pessoal e coletivo desses sujeitos. Oliveira (2014)Oliveira LSM. Crianças em acolhimento institucional: brincadeiras, espaços e interações [dissertação]. Belém: Universidade Federal do Pará, Programa de Pós-graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento; 2014. ressalta que

[...] o uso do tempo das crianças que residem em instituições é limitado pelo fato de a instituição possuir uma rotina padronizada, em que nem sempre os adultos (cuidadores) estão disponíveis para se envolverem em atividades lúdicas com a criança. (Oliveira, 2014, pOliveira LSM. Crianças em acolhimento institucional: brincadeiras, espaços e interações [dissertação]. Belém: Universidade Federal do Pará, Programa de Pós-graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento; 2014.. 41).

As atividades socioeducativas mediadas pelos adultos podem promover a cidadania de crianças e adolescentes acolhidos por abrigos sociais. Referimo-nos a um modelo de cidadania reclamada (Stoer et al., 2004Stoer SR, Magalhães AM, Rodrigues D. Os lugares da exclusão social: um dispositivo de diferenciação pedagógica. São Paulo: Cortez; 2004.) constituída na heterogeneidade das diferenças, em que os sujeitos são capazes de dizer e pensar sobre si. Esse modelo de cidadania opõe-se à cidadania tutelada, na qual a condição de cidadão é outorgada pelo outro, gerando uma passividade dos sujeitos na luta e na busca pelos seus direitos.

Na perspectiva da cidadania reclamada, é preciso desenvolver práticas pedagógicas que assegurem a autonomia e a participação coletiva dos envolvidos. Crianças e adolescentes devem ser ouvidos, e as suas agências, valorizadas, para que exerçam o direito de escolher e construir aquilo que consideram bom para si. Para Arantes (2009)Arantes EMM. Pensando a proteção integral. Contribuições ao debate sobre as propostas de inquirição judicial de crianças e adolescentes como vítimas ou testemunhas de crimes. In: Conselho Federal de Psicologia, editor. Falando sério sobre escuta de crianças e adolescentes envolvidos em situações de violência e a rede de proteção. Propostas do Conselho Federal de Psicologia. Brasília: Conselho Federal de Psicologia; 2009. p. 79-100.,

[...] pensar os direitos humanos de crianças e adolescentes requer o reconhecimento de uma tensão, mas não necessariamente de uma contradição, entre pessoa em desenvolvimento e sujeito de direitos, entre proteção e autonomia. (Arantes, 2009Arantes EMM. Pensando a proteção integral. Contribuições ao debate sobre as propostas de inquirição judicial de crianças e adolescentes como vítimas ou testemunhas de crimes. In: Conselho Federal de Psicologia, editor. Falando sério sobre escuta de crianças e adolescentes envolvidos em situações de violência e a rede de proteção. Propostas do Conselho Federal de Psicologia. Brasília: Conselho Federal de Psicologia; 2009. p. 79-100., p. 86).

Com base nos pressupostos da Sociologia da Infância (Corsaro, 2009Corsaro WA. Reprodução interpretativa e cultura de pares. In: Müller F, Carvalho AMA, organizadores. Teoria e prática na pesquisa com crianças: diálogos com Willian Corsaro. São Paulo: Cortez; 2009. p. 31-50.; Sarmento, 2002Sarmento MJ. Infância, exclusão social e educação como utopia realizável. Educ Soc. 2002;23(78):265-83. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302002000200015.
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), compreendemos que a ação social da criança não se restringe à reprodução do mundo adulto. Concebemos as crianças como produtoras de culturas, como atores sociais, que participam ativamente em seus processos de desenvolvimento e de socialização. Retirar as crianças da situação de anomia social e concebê-las como sujeitos de direitos implica, entre outras coisas, reconhecer e valorizar suas agências e seus protagonismos nos processos socioeducativos nas quais estão inseridas.

Abib (2004)Abib PRJ. Capoeira angola: cultura popular e o jogo dos saberes na roda [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação; 2004. considera que as manifestações da cultura popular, como a capoeira, contribuem para os processos educativos não formais. De acordo com o autor:

A capoeira garante aos seus participantes recursos para criticar a sociedade, tida como contraditória, excludente e autoritária. O que se aprende durante o jogo da capoeira se torna um aprendizado social, a partir do momento em que o aluno passa a conceber analogias entre a roda da capoeira e a ‘roda da vida’. (Abib, 2004, pAbib PRJ. Capoeira angola: cultura popular e o jogo dos saberes na roda [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação; 2004.. 137).

Segundo Gohn (2011)Gohn M. Educação não-formal e cultura política. São Paulo: Cortez; 2011., esses processos educativos acontecem em organizações sociais, geralmente fora da escola, e proporcionam ao sujeito o conhecimento de sua própria experiência em relação social com o outro. Diante do exposto, esta pesquisa tem como objetivo analisar um processo socioeducativo com crianças em situação de acolhimento social, mediado pela capoeira, com foco no desenvolvimento da cidadania reclamada. Nesse processo, focalizamos as práticas autorais e a coparticipação das crianças na construção das mediações pedagógicas.

PERCURSO METODOLÓGICO

Na intenção de mediar o processo socioeducativo com a capoeira, voltado para a promoção da cidadania reclamada das crianças envolvidas, recorremos à pesquisa-ação existencial (Barbier, 2002Barbier RA. Pesquisa-ação. Brasília: Plano Editora; 2002.). Esse método, aberto e dialético, viabiliza investigações que se organizam em torno dos sujeitos de determinado grupo social, considerando os seus problemas e as suas demandas cotidianas, a fim de produzir saberes e conhecimentos capazes de transformar a realidade local. Assim, o foco do professor-pesquisador é criar condições para que ocorra a construção coletiva dos processos pedagógicos e de pesquisa com os sujeitos envolvidos. Para Barbier (2002), aBarbier RA. Pesquisa-ação. Brasília: Plano Editora; 2002. pesquisa-ação existencial tem como finalidade:

[...] servir de instrumento de mudança social. Ela está mais interessada no conhecimento prático do que no conhecimento teórico. Os membros de um grupo estão em melhores condições de conhecer sua realidade do que as pessoas que não pertencem ao grupo. (Barbier, 2002, pBarbier RA. Pesquisa-ação. Brasília: Plano Editora; 2002.. 53).

A pesquisa-ação existencial (Barbier, 2002Barbier RA. Pesquisa-ação. Brasília: Plano Editora; 2002.), no campo de produção do conhecimento, focaliza a sensibilidade científica, tentando ir além da racionalidade presente nos métodos tradicionais. Esse método pressupõe um maior envolvimento entre o pesquisador e os sujeitos pesquisados, pois trata-se de um conhecimento produzido com os outros, e não sobre eles. Nessa perspectiva, valorizam-se as ações coletivas e uma aproximação diferenciada com a realidade estudada, pois busca-se certo grau de pertencimento e de implicação do pesquisador com o contexto de investigação. O pesquisador assume uma atitude de cooperação com os sujeitos, valorizando a autonomia, a autoria e a inventividade dos participantes da pesquisa. Segundo Barbier (2002, pBarbier RA. Pesquisa-ação. Brasília: Plano Editora; 2002.. 56), na pesquisa-ação existencial, “[...] os membros do grupo envolvido tornam-se íntimos colaboradores”.

A pesquisa ocorreu na Casa Lar, localizada em bairro periférico do município de Serra/ES. No período de realização da pesquisa (de julho a dezembro de 2021), essa instituição era composta por 10 meninos, sendo o mais novo com 4 anos e o mais velho com 14 anos de idade. Após a explicação do que realizaríamos naquele contexto, todas as crianças da Casa Lar foram convidadas a participar da pesquisa. Não houve recusa e todas assentiram em colaborar. O Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) foi elaborado em uma linguagem acessível aos participantes e lido coletivamente. Por meio desse termo, as crianças obtiveram informações sobre os objetivos da pesquisa, a sua justificativa e os procedimentos utilizados, riscos e benefícios, direitos e garantias, além de contatos para sanarem eventuais dúvidas (pesquisadores) ou denunciarem possíveis intercorrências (Comitê de Ética da UFES). O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi assinado pelo representante legal das crianças, o diretor da Casa Lar. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal do Espírito Santo (Parecer n. 4.847.170/2021).

Desenvolvemos as mediações pedagógicas com a capoeira uma vez por semana, nas quartas-feiras, nos turnos matutino e vespertino, em um interstício de seis meses. Nesse período, ocorreram 46 mediações, sendo 23 no turno matutino e 23 no turno vespertino. Embora as mediações não tenham sido definidas a priori, pois, de acordo com a pesquisa-ação existencial (Barbier, 2002Barbier RA. Pesquisa-ação. Brasília: Plano Editora; 2002.), as decisões são tomadas por meio das relações dialógicas estabelecidas no cotidiano das instituições, alguns princípios mais gerais conduziram as ações com a capoeira, entre os quais destacamos a ludicidade. Por se tratar de um trabalho pedagógico com crianças, foram utilizados diversos jogos e brincadeiras no processo de ensino e aprendizagem dessa manifestação cultural. Também foram mobilizadas diferentes linguagens no trabalho com a capoeira, além dos fundamentos motores (golpes rodados e incisivos, esquivas, movimentos rasteiros, “desequilibrantes” e coreográficos). As dimensões rítmicas e musicais, históricas e ritualísticas foram abordadas por meio de vídeos, desenhos, produção de materiais, pintura de quadros, dentre outros recursos, valorizando, dessa forma, a vivência da capoeira mediante diferentes figuras do aprender (Charlot, 2000Charlot B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artes Médicas; 2000.).

As análises da pesquisa-ação existencial incidiram sobre as mediações pedagógicas realizadas com a capoeira, que buscaram reconhecer e valorizar as agências e o protagonismo das crianças na construção dos conhecimentos sobre essa manifestação cultural. Os dados foram produzidos por meio da observação participante, registrados em diário de campo. O foco de nossas análises incidiu sobre as mediações pedagógicas realizadas com a capoeira, sobretudo nas práticas autorais das crianças e na coparticipação delas na construção das mediações pedagógicas. As crianças participantes da pesquisa foram identificadas pelos apelidos (tradição na capoeira) que elas mesmas criaram para si em uma das atividades desenvolvidas, preservando, dessa forma, o anonimato desses sujeitos.

APROXIMAÇÃO AO CAMPO DE PESQUISA

Ao nos aproximarmos da Casa Lar, ainda em 2019, verificamos uma alta rotatividade de crianças, o que é positivo, pois denota que o abrigo é algo transitório na vida desses sujeitos, um momento necessário para que vínculos familiares sejam restabelecidos ou adoções sejam efetivadas. Contudo, no período de realização da pesquisa, que ocorreu de julho a dezembro de 2021, em função da pandemia de Covid-19, a rotatividade de crianças foi menor. Houve menos adoções e restabelecimento de vínculos familiares, o que acarretou mediações com um grupo mais permanente de crianças.

Nas primeiras inserções no campo, deixamos que as crianças reagissem à nossa presença, adotando como postura a entrada reativa (Corsaro, 2005Corsaro WA. Entrada no campo, aceitação e natureza da participação nos estudos etnográficos com crianças pequenas. Educ Soc. 2005;26(91):443-64. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302005000200008.
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), para conquistar o respeito e a confiança delas. Por meio dessa postura, tivemos a oportunidade de conhecer um pouco da história dos sujeitos abrigados, que foi por eles compartilhada de maneira espontânea.

Ao adotar um comportamento menos expansivo e invasivo, fomos conquistando o respeito e a confiança das crianças, pois elas perceberam que não estávamos ali para controlá-las, como geralmente fazem os outros adultos da instituição. Nesse processo, pudemos compreender um pouco mais sobre o grupo de crianças presentes na Casa Lar, suas racionalidades e seus motivos para ação, que estão fortemente marcados pelos condicionantes socioeconômicos, afetivos, emocionais, étnico-raciais e culturais que demarcam a sua condição de vulnerabilidade e de invisibilidade social.

Nessa perspectiva, não podemos falar de infância, no singular, mas de diferentes infâncias presentes em nossa sociedade, que são constituídas por meio de marcadores sociais. Para Finco e Oliveira (2011, pFinco D, Oliveira F. A sociologia da pequena infância e a diversidade de gênero e de raça nas instituições de Educação Infantil. In: Faria ALG, Finco D, organizadores. Sociologia da infância no Brasil. Campinas: Autores Associados; 2011. p. 55-79.. 60), a “[...] infância é uma construção social, que não pode ser inteiramente separada de outras variáveis, como classe social, sexo, pertencimento étnico”.

Ao nos comportarmos como adultos atípicos1 1 Para Corsaro (2005), o adulto atípico tem um comportamento diferenciado em relação à maioria dos adultos. Ele busca superar relações assimétricas de poder com as crianças, no sentido de prescrever ou julgar o que elas fazem ou devem fazer. Antes, busca compreendê-las em suas culturas de pares, considerando suas lógicas e seus motivos para ação. (Corsaro, 2005Corsaro WA. Entrada no campo, aceitação e natureza da participação nos estudos etnográficos com crianças pequenas. Educ Soc. 2005;26(91):443-64. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302005000200008.
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), que não estavam ali para julgar ou para prescrever o que as crianças tinham que fazer, estabelecemos relações afetivas baseadas na confiança, no diálogo, na solidariedade e no respeito. Apesar de o local ser denominado como Casa Lar, as relações entre adultos e crianças nessas instituições, geralmente, são demarcadas por um viés jurídico-administrativo, prevalecendo um controle rigoroso das ações infantojuvenis, em que a tônica recai sobre as ameaças e as punições, como demonstra a fala de um Pai Social: “[...] ontem aconteceu um problema aqui, já te falaram? Os maiores estavam cortando e destruindo a bananeira do quintal e não pararam quando pedimos, tivemos que chamar a polícia” (Diário de Campo, 6 de outubro de 2021). Essa visão diferenciada que as crianças tinham sobre nós pode ser evidenciada na fala de Gavião: “[...] essa é a nossa tia da capoeira, ela é legal, faz passeio e não fala nada para ninguém” (Diário de Campo, 28 de julho de 2021).

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Durante os nossos encontros pedagógicos, os dados produzidos em diário de campo foram compilados em portfólio e nos auxiliaram na avaliação das ações empreendidas e na projeção de novas ações, pois, na perspectiva da pesquisa-ação existencial, os caminhos não estão definidos a priori, mas se constituem nas relações colaborativas que os participantes estabelecem entre si.

Valemo-nos da metáfora da viagem, proposta por Kohan (2020)Kohan WO. Tempos da escola em tempo de pandemia e necropolítica. Prax Educ. 2020;15(e2016212):1-9. http://dx.doi.org/10.5212/PraxEduc.v.15.16212.067.
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, para falar dos processos socioeducativos adotados em nossas mediações com a capoeira: sabemos o destino em que queremos chegar (desenvolvimento da cidadania reclamada). Contudo, os caminhos que nos levarão a esse destino não estão determinados no início da viagem; eles vão se configurando no próprio ato de viajar. Mais importante do que o ponto de chegada, é a travessia que se faz nesse processo de viagem.

Nesse sentido, as categorias de análise não foram estabelecidas antes da produção dos dados, mas sim após fazermos um exame crítico das experiências ocorridas na interlocução com os sujeitos. Para o escopo deste artigo, analisaremos os dados relativos às práticas autorais e a coparticipação das crianças nas mediações pedagógicas com a capoeira, evidenciando situações em que as crianças assumem ações e discursos sobre si, pressuposto fundamental para o desenvolvimento da cidadania reclamada.

Para a Sociologia da Infância, é preciso superar o olhar adultocêntrico que historicamente concebe os infantis apenas pelas suas ausências e incompletudes, por aquilo que eles ainda não são. De acordo com Sarmento (2013)Sarmento MJ. A sociologia da infância e a sociedade contemporânea: desafios conceituais e praxeológicos. In: Teodora R, Garanhani M, organizadores. Sociologia da infância e a formação de professores. Curitiba: Champagnat Editora; 2013. p. 13-46., as crianças, em relação aos adultos, não devem ser vistas por suas faltas, mas pelas suas alteridades, pois elas não são homúnculos, ou seja, adultos em miniatura. Para isso, é necessário retirá-las da condição de anomia social e considerá-las como sujeitos competentes para falar e agir sobre si em seus mundos de vida.

Nas práticas autorais, destacamos os momentos em que as crianças tiveram as suas criações reconhecidas e valorizadas. Logo no primeiro encontro da pesquisa-ação, fizemos uma dinâmica em que elas tinham que criar uma estrofe para a música Paranauê, como demonstra os seguintes exemplos extraídos do Diário de Campo (7 de julho de 2021): “O meu nome é Dinossauro e eu gosto de brincar, paraná” (Dinossauro); “Vou te dar um martelo e você voa no ar, paraná” (Tubarão). Esta simples dinâmica, de propor que as crianças criassem uma estrofe para a música, estimulou Tubarão a criar uma canção de capoeira, que foi compartilhada no encontro seguinte com a turma: “De manhã tem capoeira, de tarde vou estudar, ela é linda a capoeira, eu aprendi a fazer bananeira” (Diário de Campo, 14 de julho de 2021).

As práticas autorais se manifestaram de diferentes maneiras nos cotidianos dos nossos encontros e estão imbricadas com o processo de coparticipação infantil nas ações empreendidas. Conversamos sobre a capoeira nos dias atuais e sua forma de organização em grupos. Falei que pertencíamos a determinado grupo, mas que poderíamos criar o nosso, com as crianças que faziam parte daquele contexto. Elas se empolgaram com a ideia e, vendo a imagem do meu grupo estampada em minha camisa, sugeriram que elaborássemos uma ilustração específica para o grupo que estávamos criando, como demonstra o seguinte diálogo:

Vamos pensar juntos, no pensamento a gente cria (Foca); Uma caveira gingando (Lobo); O bicho gingando (Falcão); Sai pra lá Falcão, aqui somos todos de Deus (Lobo); Eu sou do mal, tô brincando eu sou do bem (Falcão); Uma porta gingando, é a casa tia! (Tubarão); Tia lembra dos apelidos que a gente ia ter? vamos fazer cada um de nós desenhado na camisa com os apelidos que podemos criar agora (Falcão). (Diário de Campo, 21 de julho de 2021).

Todos gostaram da ideia do Falcão, então decidimos construir um símbolo para o nosso grupo com o desenho dos seus componentes, representados pelos apelidos. O grupo recebeu o nome de “Captura o Capitão do Mato”, invertendo, assim, a lógica presente na história da escravidão, em que os negros escravizados eram capturados pelo Capitão do Mato em suas fugas. Foi nesse mesmo encontro que falamos sobre os apelidos no contexto da capoeira e que cada um pôde criar o seu próprio apelido. Eles disseram que gostariam de ser representados pelos nomes de animais, como Dinossauro, Falcão, Foca, Gavião, Lobo, Tigre e Tubarão. Mas tiveram aqueles que preferiram o nome de alimentos, como Biscoito, Caqui e Todinho. Todos foram respeitados em suas escolhas, como mostra o Diário de Campo:

Eles começaram a pensar nos apelidos, Falcão, Tigre, Foca, Lobo, Gavião, Dinossauro, Tubarão. Foca perguntou: “qual será o nome do grupo?”. Vários nomes foram sugeridos: Tubarão propôs “mestres da ginga”; Foca disse “ginga mané”; Falcão sugeriu “captura o capitão do mato”, Dinossauro falou “os lutadores”. Em um consenso, o nome que eles mais gostaram foi “captura o capitão do mato”. (Diário de Campo, 21 de julho de 2021).

Cada encontro tinha o seu planejamento específico, no sentido de potencializar o desenvolvimento da cidadania reclamada. Entretanto, por meio de um olhar atento e de uma escuta sensível, os encontros tomavam rumos inesperados e surpreendentes. Ao considerarmos as crianças como praticantes do cotidiano, que não absorvem passivamente os bens culturais que lhes são ofertados, evidenciamos as dimensões ética, estética e polêmica das práticas (Certeau, 2014Certeau M. A invenção do cotidiano 1: artes de fazer. Petrópolis: Vozes; 2014.). A dimensão ética diz respeito à necessidade histórica de existir, de fazer valer os seus interesses, que, no contexto da nossa experiência, revelou-se na operação das crianças sobre a cultura. Já a dimensão estética denota as artes de fazer em práticas singulares de apropriação cultural.

Nesse mesmo encontro, em que criamos os apelidos, o nome do grupo e a sua imagem, Dinossauro, observando o desenho da camisa da professora (uma pessoa realizando a parada de três apoios), sugeriu: “Tia, vamos fazer esse [movimento] da sua blusa!” (grifo nosso). Isso foi ratificado pelo Lobo: “Bora treinar logo, Tia”. Diante dessas enunciações, que revelaram o desejo das crianças em relação à capoeira, “abrimos mão” do nosso planejamento inicial para dar vazão àquilo que fazia sentido para as crianças.

A dimensão polêmica das práticas (Certeau, 2014Certeau M. A invenção do cotidiano 1: artes de fazer. Petrópolis: Vozes; 2014.) refere-se às relações hierárquicas de poder existentes nas relações interpessoais. No caso das relações entre adultos e crianças, sobretudo entre crianças em acolhimento social e adultos, prevalece, majoritariamente, a vontade dos adultos. Ao permitirmos que a vontade expressa das crianças altere o nosso planejamento, invertemos essa lógica predominante, possibilitando que elas se tornem agentes do seu próprio processo de desenvolvimento e socialização, bem como corresponsáveis pelas ações (Mello et al., 2020Mello AS, Marchiori AF, Bolzan E, Klippel MV, Rocha MC, Mazzei VR. Por uma perspectiva pedagógica para a educação física com a educação infantil. Rev Humanid Inov. 2020;7:326-42.).

Percebemos, durante o nosso período de inserção na Casa Lar, que há um sentimento de solidariedade entre os acolhidos – em nossa percepção, o vínculo afetivo mais forte que eles possuem. Há um cuidado especial das crianças mais velhas para com as mais novas. A solidariedade aqui se efetiva na perspectiva apontada por Rorty (2007)Rorty R. Contingência, ironia e solidariedade. São Paulo: Martins Fontes; 2007.. Para esse autor, a solidariedade não é um valor natural do ser humano, mas algo exercido pelos indivíduos que constituem o círculo do nós, entre aqueles que consideramos um par, um membro de nosso grupo social. Nesse sentido, o compartilhamento dos problemas enfrentados pelas crianças acolhidas pela Casa Lar, suas histórias de vida, gera um sentimento de pertencimento e, consequentemente, de solidariedade entre elas.

No que tange às práticas autorais, aconteceu um importante episódio na visita do professor Meteoro, que sinaliza as crianças como autoras dos discursos e práticas sobre si. Meteoro, capoeirista e artista plástico, foi convidado para produzir telas com as crianças sobre a temática capoeira. O relato a seguir, extraído do Diário de Campo, denota como as crianças gostam de ser valorizadas e reconhecidas pelos seus talentos, gerando ações que não estavam previstas a priori:

Quando voltamos para a sala, onde realizamos a atividade, um dos meninos mostrou o quadro que havia produzido e o Meteoro falou: “que talento você tem na pintura, ficou lindo”. Biscoito saiu correndo pegou quatro limões e falou: “olha tio, esse é o meu talento”, e começou a fazer malabarismo de forma muito eficiente, e complementou: “eu fazia isso na rua, sobe nas minhas costas Caqui”, chamando o irmão para fazer malabarismo em pé em suas costas. Tigre, vendo isso, falou: “tio, o meu talento é cortar cabelo, eu corto cabelo de todo mundo aqui da casa”. (Diário de Campo, 10 de outubro de 2021).

Percebemos que as crianças se sentem valorizadas quando têm seus talentos reconhecidos. Geralmente, sobre as crianças em situação de acolhimento social incidem olhares que só as enxergam pelas suas faltas e lacunas: atraso escolar, déficit nutricional, dificuldade de aprendizagem, comportamentos agressivos etc. Quando elas são reconhecidas pelos seus talentos, como nos exemplos do malabarismo e da habilidade em cortar cabelo, há uma melhora significativa em sua autoestima, pois, pelo menos naquele momento, elas se livram dos estereótipos sociais que as desqualificam: incapazes, incompetentes, vadias etc.

Compreendemos a infância como uma categoria social e não biológica (Prout, 2010Prout A. Reconsiderando a nova sociologia da infância. Cad Pesqui. 2010;40(141):729-50. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-15742010000300004.
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), pois muitas crianças, por diferentes motivos, como o trabalho infantil, a exploração sexual e as enfermidades, não podem gozar de suas infâncias. Nesse sentido, temos a convicção de que os talentos antes mencionados foram adquiridos em contingências socioeconômicas em que as crianças precisam prover a sua própria subsistência. Contudo, no momento em que as crianças apresentaram seus talentos, elas já não estavam mais sob o julgo do trabalho infantil e apresentaram essas habilidades como algo positivo, como uma qualidade que elas possuíam e se sentiam orgulhosas por isso.

As práticas autorais se manifestaram de diferentes maneiras no cotidiano das aulas de capoeira, como o protagonismo compartilhado (coparticipação), em que as crianças assumiram centralidade na construção do processo de ensino e aprendizagem dessa manifestação cultural. A título de exemplo, temos um episódio ocorrido no dia 18 de agosto de 2021, em que Tubarão apresentou a seguinte sugestão: “Tia, lembra daquela bola enorme? Traz ela para a gente fazer aquelas brincadeiras de pular [movimentos coreográficos]”.

Com o auxílio da bola, fizemos os movimentos de reversão, o macaquinho, a ponte e a parada de três apoios. Nessa atividade, percebemos que uma criança mais experiente, que fazia os movimentos citados com maior destreza, auxiliou as outras menos experientes. Com base em Vygotsky (1994)Vygotsky LS. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes; 1994., constatamos a importância do outro no processo de desenvolvimento humano. No exemplo citado, a criança mais experiente atuou na zona de desenvolvimento proximal2 2 Para Vygotsky (1994, p. 113), “[...] a zona de desenvolvimento proximal permite-nos delinear o futuro imediato da criança e seu estado imediato de desenvolvimento, propiciando o acesso não somente ao que já foi atingido através do desenvolvimento, como também àquilo que está em processo de maturação”. (ou iminente) das crianças menos experientes, oferecendo a confiança e a segurança necessárias para que elas adquirissem autonomia na realização dos movimentos praticados.

Em relação ao protagonismo compartilhado, concordamos com Junqueira (2015, pJunqueira GA Fo. Múltiplas linguagens na educação da infância: perspectivas de protagonismo compartilhado entre professores, crianças e conhecimento. In: Flores MLR, Alburqueque SS, organizadores. Implementação do proinfância no Rio Grande do Sul: perspectivas políticas e pedagógicas. Porto Alegre: ESIPUCRS; 2015. p. 127-40.. 129), quando afirma que, para conhecer as crianças e colaborar para que elas conheçam a si e ao mundo, é preciso “[...] fazer mediações junto a elas, com vistas a produzir uma relação de confiança e admiração entre nós – uma parceria entre protagonistas lado a lado com o conhecimento”. Na perspectiva do protagonismo compartilhado, o professor não se exime da sua função docente, mas constrói as suas mediações com os sujeitos, e não para eles.

As práticas autorais também se manifestaram nas diferentes formas em que as crianças se relacionaram com a capoeira. Para Charlot (2000)Charlot B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artes Médicas; 2000., todo saber é uma relação com o objeto do saber (capoeira). Essa relação é marcada pelas histórias de vida dos sujeitos, por suas subjetividades e seus interesses. Tigre, de 13 anos, não se interessava pelos movimentos da capoeira, mas estava sempre por perto, observando as aulas e, à sua maneira, buscando se envolver, como se observa no seguinte registro:

Quando acabou o vídeo, convidei os meninos para varanda. Tigre perguntou: “Tia, as fotos ficaram boas? Você viu tudo que eu registrei?”. Respondi que sim e agradeci, pois o papel dele foi fundamental para registrar esse momento tão especial. Se não fosse ele, eu não daria conta de cuidar do andamento do evento, jogar e ainda tirar foto. (Diário de Campo, 1 de novembro de 2021).

O episódio relatado refere-se ao batizado de capoeira, em que Tigre se comprometeu a fazer os registros fotográficos do evento. Com o aparelho celular da professora-pesquisadora, ele fotografou a participação das crianças do Instituto Vida no batizado. De acordo com Charlot (2000)Charlot B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artes Médicas; 2000., nas relações com o objeto do saber, emergem diferentes figuras do aprender. No caso do Tigre, o sujeito epistêmico é relacional e afetivo, ou seja, nas interações que ele estabelece com a capoeira, interessa-lhe as relações interpessoais, a amizade e o cuidar do outro. Essa é a figura do aprender que ele valoriza em sua relação com a capoeira. Apesar de não treinar e jogar, ele está sempre por perto, buscando colaborar de alguma forma.

A perspectiva adotada neste estudo, por meio de uma pesquisa-ação com vistas a fomentar a cidadania reclamada, reconhece as práticas autorais infantojuvenis e valoriza a coparticipação das crianças, entendendo ser um meio

[...] para aqueles que veem na educação uma forma privilegiada de mecanismo emancipatório, isto é, os que veem nos sistemas educativos instrumentos que podem contribuir para a autonomia dos indivíduos e dos grupos (Stoer et al., 2004, pStoer SR, Magalhães AM, Rodrigues D. Os lugares da exclusão social: um dispositivo de diferenciação pedagógica. São Paulo: Cortez; 2004.. 93-94).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em nossas experiências pedagógicas com a capoeira, constatamos que as crianças, incessantemente, operaram sobre os bens culturais que lhes são ofertados, evidenciando usos e apropriações singulares da capoeira. Ao deslocarmos o nosso olhar para as práticas cotidianas, percebemos formas autorais e criativas de se relacionar com essa manifestação da cultura popular. O reconhecimento e a valorização dessas formas, que evidenciam a coparticipação das crianças nos processos de ensino e aprendizagem da capoeira, fomentam a cidadania reclamada, uma vez que elas são vistas como sujeitos competentes para pensar e agir sobre si em seus mundos de vida.

A relação dialógica, estabelecida de forma democrática e não hierarquizada, promoveu uma educação para a cidadania reclamada, pois “[...] o conhecimento que importa não é nem o do educador e nem o do educando, mas o que é recriado entre um e outro através de um engajamento dialético de todos em sua leitura comum do mundo” (Kohan, 2019, pKohan WO. Paulo Freire, mais que nunca: uma biografia filosófica. Belo Horizonte: Vestígio; 2019.. 231). Essa relação dialógica fomentou práticas que antes não estavam previstas, mas que foram instituídas ao levarmos em consideração a curiosidade e os interesses das crianças.

Vivenciamos situações em que as crianças, como praticantes do cotidiano, transformaram os bens culturais que lhes foram apresentados, agindo como coconstrutoras das mediações pedagógicas e como sujeitos ativos em seus processos de socialização. Para isso, foi preciso estarmos atentos às suas práticas cotidianas e às suas vozes, que se manifestaram por meio de diferentes linguagens, para compreendermos, por meio de um olhar atento e de uma escuta sensível, seus interesses, suas necessidades e subjetividades.

Com base na experiência vivenciada, afirmamos que é preciso superar o olhar judicativo, de controle e de pena sobre as crianças em situação de acolhimento social e enxergá-las como sujeitos competentes, capazes de tomarem decisões sobre si, fomentando, desta forma, um modelo de cidadania reclamada.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao apoio financeiro dado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Espírito Santo (FAPES) para a realização da pesquisa, bem como às crianças e aos gestores da Casa Lar onde a pesquisa foi desenvolvida.

  • 1
    Para Corsaro (2005), oCorsaro WA. Entrada no campo, aceitação e natureza da participação nos estudos etnográficos com crianças pequenas. Educ Soc. 2005;26(91):443-64. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302005000200008.
    http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302005...
    adulto atípico tem um comportamento diferenciado em relação à maioria dos adultos. Ele busca superar relações assimétricas de poder com as crianças, no sentido de prescrever ou julgar o que elas fazem ou devem fazer. Antes, busca compreendê-las em suas culturas de pares, considerando suas lógicas e seus motivos para ação.
  • 2
    Para Vygotsky (1994, pVygotsky LS. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes; 1994.. 113), “[...] a zona de desenvolvimento proximal permite-nos delinear o futuro imediato da criança e seu estado imediato de desenvolvimento, propiciando o acesso não somente ao que já foi atingido através do desenvolvimento, como também àquilo que está em processo de maturação”.
  • FINANCIAMENTO

    Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (FAPES), edital 11/2020, número do processo 013/2021.

REFERÊNCIAS

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  • Vygotsky LS. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes; 1994.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    13 Out 2022
  • Aceito
    10 Nov 2022
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