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Docentes homossexuais: história de vida de professores de Educação Física no Norte da Bahia

Homosexual teachers: life history of Physical Education teachers in Northern Bahia

Profesores homosexuales: historia de vida de los profesores de Educación Física en el Norte de Bahia

RESUMO

Este estudo teve como objetivo analisar as vivências de professores gays que lecionam a disciplina de Educação Física no Norte da Bahia. Baseamo-nos no campo dos Estudos de Gênero, Sexualidade e Masculinidade. Foram analisadas oito entrevistas de História Oral com professores autodeclarados homossexuais, com base na análise do discurso foucaultiano. Os relatos abordaram seus processos de construções como sujeitos, principalmente a partir das suas orientações sexuais, especialmente seu empoderamento no âmbito profissional. Verificamos que as experiências adquiridas ao longo dos seus processos de formação pessoal foram marcadas pela marginalização, enraizadas em nossa sociedade heteronormativa. Contudo, sua atuação aponta para uma maior inclusão e resistência.

Palavras-chave:
Educação Física; Professores; Homossexualidade; História oral

ABSTRACT

This study aimed to analyze the experiences of gay teachers who teach Physical Education in Northern Bahia. We are based in the field of Gender, Sexuality, and Masculinity Studies. Eight Oral History interviews with self-declared homosexual teachers were analyzed based on Foucauldian discourse analysis. The reports addressed their construction processes as subjects, mainly from their sexual orientations, especially their empowerment in the professional sphere. We found that the experiences acquired throughout their training processes were marked by marginalization, rooted in our heteronormative society. However, its performance points to greater inclusion and resistance.

Keywords:
Physical Education; Teachers; Homosexuality; Oral history

RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo analizar las experiencias de profesores homosexuales que enseñan Educación Física en el Norte de Bahia. Nos basamos en el campo de los Estudios de Género, Sexualidad y Masculinidad. Se analizaron ocho entrevistas de Historia Oral con docentes autodeclarados homosexuales, a partir del análisis del discurso foucaultiano. Los relatos abordaron sus procesos de construcción como sujetos, principalmente a partir de sus orientaciones sexuales, en especial su empoderamiento en el ámbito profesional. Encontramos que las experiencias adquiridas a lo largo de sus procesos de formación personal estuvieron marcadas por la marginación, arraigada en nuestra sociedad heteronormativa. Sin embargo, su desempeño apunta a una mayor inclusión y resistencia.

Palabras-clave:
Educación Física; Maestros; Homosexualidad; Historia oral

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Os estudos de gênero no campo da Educação Física têm se consolidado nos últimos anos (Wenetz et al., 2020Wenetz I, Pedro A, Lara L, editores. Gênero e sexualidade no esporte e na educação física. Natal: EDUFRN; 2020.), produzindo pesquisas que se articulam não apenas em torno do Gênero (Knijnik, 2010Knijnik JD. Gênero e esporte: masculinidade e feminilidade. Rio de Janeiro: Apicurí; 2010.; Goellner, 2010Goellner SV. Educação dos corpos, dos gêneros e da sexualidade e o reconhecimento da diversidade. Cad Form RBCE. 2010;1(2):71-83.), como também de Sexualidade (Dornelles et al., 2017Dornelles PG, Wenetz I, Schwengber MSV. Educação Física e sexualidade: desafios educacionais. Ijuí: Ed. Unijuí; 2017.), Masculinidade (Devide e Brito, 2021Devide FP, Brito LT. Estudos das masculinidades na Educação Física e no esporte. São Paulo: nVersos; 2021.) e outros. Nesses trabalhos, a noção de “sujeito” ganha centralidade. Para Esteves (2017, pEsteves GPR. Do indivíduo ao discurso. Sinais. 2017;22(1):1-9. https://doi.org/10.25067/s.v22i1.17135.
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. 111), inspirada em Foucault, o sujeito “é o indivíduo assumindo um discurso específico esperado dele, dadas as posições sociais que ocupa e os poderes que se exercem ao seu redor em todas as direções, poder que é exercido sobre ele e ele também exerce, inclusive ao assumir um discurso”.

Sendo a Educação Física uma área que historicamente produziu e se apropriou de discursos sexistas e homofóbicos (Prado, 2017Prado VM. Entre queerpos e discursos: normalização de condutas, homossexualidades e homofobia nas práticas escolares da Educação Física. Prax Educ. 2017;12(2):501-19. http://dx.doi.org/10.5212/PraxEduc.v.12i2.0012.
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; Hunter, 2019Hunter L. What a queer space is HPE, or is it yet? Queer theory, sexualities and pedagogy. Sport Educ Soc. 2019;24(1):1-12. http://dx.doi.org/10.1080/13573322.2017.1302416.
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), e que priorizou abordagens sobre o corpo biológico e discurso médico (Carvalho e Mendes, 2022Carvalho Y, Mendes V. Corpo presente... na formação e no cuidado em saúde. Pensar Prát. 2022;25:e69870DOI. http://dx.doi.org/10.5216/rpp.v25.69870.
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), olhar para a produção discursiva de sujeitos que atuam na área nos ajuda a compreender como as relações de poder têm sido negociadas, mantidas e/ou questionadas. Assim, esse texto tem como objetivo analisar as vivências de professores homossexuais que lecionam a disciplina de Educação Física em escolas no Norte da Bahia, em especial durante sua formação e atuação.

Esse grupo de gays professores é pouco representado na literatura científica. Na Educação Física são o “Absent Other” ou o outro ausente, como apresenta Sparkes (1997)Sparkes AC. Ethnographic fiction and representing the absent other. Sport Educ Soc. 1997;2(1):25-40. http://dx.doi.org/10.1080/1357332970020102.
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. Ou seja, estão distantes, disfarçados ou escondidos. Registrar suas trajetórias materializa sua existência, perpetua sua possibilidade, visibiliza suas práticas e oportuniza a reflexão de outros grupos.

CAMINHOS INVESTIGATIVOS

Para nossa pesquisa, fizemos uso do aporte teórico-metodológico da História Oral (Grell, 2019Grell RJ. Comment. Oral Hist Rev. 2019;46(1):183-90. http://dx.doi.org/10.1093/ohr/ohy062.
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; Macedo et al., 2016Macedo CG, Berté IL, Goellner SV. História oral na era digital: a experiência do projeto Garimpando memórias. História Oral. 2016;19(1):41-58.). Entendemos a História Oral como uma metodologia de produção de registros a partir da narrativa de quem viveu as experiências em foco. Nessa perspectiva a entrevista privilegia a visão dos protagonistas e abre espaço para discussões mais profundas sobre significados, representação e vivências.

Para recrutar os sujeitos, utilizamos chamada pública para participarem da pesquisa através das redes sociais, no sentido de precavermos constrangimentos dentro do local de trabalho desses professores, sendo, porém, convidados também diretamente através do contato telefônico via WhatsApp. Além desse chamariz, utilizamos a técnica de bola de neve, que consiste em um método de amostragem de rede útil para estudar as populações difíceis de serem acessadas ou estudadas ou quando não há precisão sobre sua quantidade. Desta forma, um podia indicar outros de sua rede.

Foram produzidas oito entrevistas com professores1 1 Projeto aprovado pelo comitê de ética da Universidade de Pernambuco, número do parecer 5.304.363. . Todos os entrevistados para esse trabalho têm o perfil que se encaixa no recorte da pesquisa: 1) se identificam como gays; 2) atuam na Região Norte da Bahia; 3) ministram a disciplina de Educação Física em escolas públicas ou privadas; 4) são licenciados em Educação Física; 5) possuem dois ou mais anos de atuação com a Educação Física escolar. Apresentamos os entrevistados no Quadro 1.

Quadro 1
Relação dos Gays Professores Entrevistados e seus respectivos dados8 8 Sete dos nomes mencionados assinaram o TCLE permitindo, assim, a divulgação dos seus nomes, porém um professor não permitiu que o seu nome fosse divulgado sendo colocado o pseudônimo Bonfim. .

Todas as entrevistas foram gravadas em áudio digital, transcritas e passaram por um processamento de revisão conforme indicado pelo no Manual do projeto Garimpando Memórias: educação física, esporte, lazer e dança, do programa de História Oral da UFRGS e da UNIVASF – PE - campus Petrolina.

As suas memórias foram apreciadas a partir da análise discursiva foucaultiana (Momesso, 2021Momesso MR. Tecnologia educativa, discurso e sexualidade. Araraquara: GESTELD, UNESP; 2021.; Foucault, 2008Foucault M. A ordem do discurso. Trad. L. F. A. Sampaio. 6ª ed. São Paulo: Loyola; 2008.; Orlandi, 1999Orlandi EP. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes; 1999.; Silva, 2005Silva MASM. Sobre a análise do discurso. Rev Psicol UNESP. 2005;4(1):25.; Rios, 2019Rios PPS. Estranho que habita em mim: narrativas de vida e formação de professores gays no semiárido baiano [tese]. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe; 2019.). Pois, segundo Foucault (2008, pFoucault M. A ordem do discurso. Trad. L. F. A. Sampaio. 6ª ed. São Paulo: Loyola; 2008.. 49),

O discurso nada mais é do que a reverberação de uma verdade nascendo diante de seus próprios olhos; e quando tudo pode, enfim, tomar a forma do discurso, quando tudo pode ser dito a propósito de tudo, isto se dá porque todas as coisas, tendo manifestado, intercambiado seu sentido, podem voltar a interioridade silenciosa de consequências de si.

Assim, as reflexões analíticas a partir dos estudos da História Oral oportunizaram analisarmos esses discursos na perspectiva do aporte pós-estruturalista. Permitindo assim, que as existências dessas quebras de paradigmas estruturais sobre os corpos, sejam, de fato, evidenciados dentro desses interdiscursos. Partindo desses caminhos teórico-metodológicos, para além dessa introdução, organizamos o texto em duas partes analíticas. A primeira trata da construção das identidades gays desses professores dentro da Educação Física, e a segunda analisa a relação com sua atuação.

AS CONSTRUÇÕES IDENTITÁRIAS: O SUJEITO GAY PROFESSOR

Os sujeitos aqui elencados são fontes primordiais para as discussões relacionadas à prática docente. Embora a epistemologia relacionada à homossexualidade tenha a sua complexidade, a partir dos diferentes víeis de entendimento, iremos nos debruçar sobre os entendimentos de Foucault (1982)Foucault M. Sexual choise, sexual act. Dits et écrits. Trad. W. F. Nascimento. Paris: Gallimard; 1982., expressos na entrevista feita por J. O’ Higgins, intitulada “Escolha sexual, ato sexual”. Quando questionado sobre a visão de John Boswell2 2 O estudo de John Boswell, vencedor do National Book Award, sobre a história das atitudes em relação à homossexualidade no início do Ocidente cristão foi um trabalho inovador que desafiou preconceitos sobre o relacionamento anterior da Igreja com seus membros gays - entre eles padres, bispos e até santos - quando foi publicado pela primeira vez há trinta e cinco anos. A amplitude histórica da pesquisa de Boswell (dos gregos ao Tomás de Aquino) e a variedade de fontes consultadas fazem deste um dos tratamentos mais extensos de qualquer aspecto da história social ocidental. sobre a homossexualidade, ele diz:

Do ponto de vista metodológico, a rejeição de Boswell da oposição estabelecida entre homossexual e heterossexual – que desempenha um papel muito importante na maneira como nossa cultura considera a homossexualidade – constitui um progresso, não somente para a ciência, mas também para a crítica cultural. A introdução do conceito gay (na definição que é dada por Boswell), ao mesmo tempo em que fornece um precioso instrumento de análise, nos auxilia a melhor compreender a imagem que as pessoas têm delas mesmas e de seus comportamentos sexuais. (Foucault, 1982, pFoucault M. Sexual choise, sexual act. Dits et écrits. Trad. W. F. Nascimento. Paris: Gallimard; 1982..7).

A partir da citação Foucault, o conceito de gay contribui para uma apreciação positiva – mais que puramente negativa – de uma consciência na qual o afeto, o amor, o desejo, as relações sexuais são valorizados. Mais além, o autor propõe que a homossexualidade é “[...] o modo de vida homossexual muito mais que o ato sexual mesmo” (Foucault, 1981, pFoucault M. Da amizade como modo de vida. De l’amitié comme mode de vie. Entrevista de Michel Foucault a R. de Ceccaty, J. Danet e J. le Bitoux. Trad. W. F. Nascimento. Gai Pied [Internet]. 1981 [citado 2023 Jan 22];(25):38-42. Disponível em: http://michel-foucault.weebly.com/uploads/1/3/2/1/13213792/amizade.pdf
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. 39).

Partimos aqui do entendimento que o termo “homossexual” (e seus derivados) tem como significado homens ou mulheres cuja sexualidade e afetividade principal está orientada para pessoas com a mesma identidade de gênero que a sua. Assim, de acordo a Cartilha de Inclusão e Direitos LGBTQIA+3 3 Sigla referente a Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros, Queer, Intersexuais, Assexuais e outras identidades ou performances não-normativas. (Lopes et al, 2022Lopes AFM, Soares EHM, Soares AR, Roriz FHM, Girelli MC, Bartholo R. Cartilha inclusão e direitos LGBTQIA+. Brasília: LBS Advogados, Central Única dos Trabalhadores; 2022.), “Gay” é todo o homem com atração afetiva e/ou sexual por outro homem.

A partir dessas bases discursivas de teorização em torno da homossexualidade, partindo para o contexto de análise dos professores, os questionamos sobre como eles se descreveriam sua experiência como homossexuais em diferentes espaços, familiar, amigos, escola dentre outros espaços os quais são inseridos.

Cabe destacar que essa experiência, impreterivelmente, passa não só pela sexualidade, mas pela expressão de gênero dos sujeitos em questão (além de outros marcadores sociais relacionados, mas menos imbricados à sexualidade). É sabida a relação no senso comum entre a homossexualidade e afeminação. Assim, a possibilidade heterossexual pode representar um facilitador para que homens se esquivem do preconceito. Sem supor uma lógica causal, trata-se assim, de observarmos o modo desses professores se entenderem e se apresentarem como gays e, também, como homens. Ademais, em uma perspectiva que valorize a pluralidade e fluidez na produção dessas masculinidades, buscamos “[...] reconhecer as contingências, a precariedade, a imprevisibilidade e a instabilidade com que a masculinidade é significada e materializada na contemporaneidade” (Brito, 2021, pBrito LT. Da masculinidade hegemônica à masculinidade queer/cuir/kuir: disputas no esporte. Estud Fem. 2021;29(2):1-14. http://dx.doi.org/10.1590/1806-9584-2021v29n279307.
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. 10) e, mais especificamente, no contexto regional analisado.

O professor Gustavo contextualiza alguns aspectos relevantes ao se definir como “Gay Professor” ao invés de “Professor Gay”:

[...] então eu não tive essas questões onde eu não me vejo como professor gay, eu me vejo como professor, eu me vejo como gay professor, eu não me vejo como professor gay, eu acho que tenho uma relação diferente de ser gay, eu sou, eu sou uma pessoa gay e sou professor apesar das duas coisas estarem unidas eu não coloco esse professor gay como gay posterior, porque o gay faz parte do que sou [...]. (Prof. Gustavo).

O professor Gustavo argumenta que o sujeito gay se constitui primeiramente do que o professor, pois desde a sua infância são afloradas as caracterizações e os desejos por pessoas do mesmo sexo. Depois de um período de construção desse sujeito, é que ele busca se profissionalizar dentro do mercado de trabalho no campo da docência.

Assim, por ser uma pessoa que preza pela tranquilidade com relação a sua orientação sexual, o seu relacionamento com os alunos é de afetividade, conseguindo “separar bem as coisas”, como diz: “geralmente a gente tem que separar as coisas em determinado tempo, a gente pode ter até uma amizade boa, mas agora, dentro da sala de aula a relação de amizade ela tem que ter um certo limite sabe”.

O professor Carlos, por sua vez, fala sobre seu agir: “não escondo e nem e escancaro”. Ele não acha necessário que alunos e colegas saibam de sua orientação sexual por meio de uma declaração pública. Segundo ele, inclusive pois todos acabam notando, seja por seus comportamentos, que correspondem ao que socialmente é associado à homossexualidade, seja por meio das redes sociais como Facebook, Instagram e Twitter, dispositivos que permitem que outras pessoas possam observar as nossas vidas, inclusive no âmbito pessoal.

Já o professor Everty se descreveu como um sujeito que era muito incisivo, mas que com o passar do tempo se tornou um professor mais comunicativo e brincalhão. Seus alunos sabem que ele é gay, por visualizarem seu Instagram onde há fotos dele com seu parceiro e mensagens que explicitam sua orientação sexual, o que contribuiu para essa mudança na relação com os alunos.

O Professor Cleidinaldo, por sua vez, se define como uma “pessoa normal”, independentemente de ser gay ou não, uma pessoa capaz e dinâmica. Para ele, ser um profissional independe da sua orientação sexual. Apesar disso, reflete sobre algumas expectativas de gênero impostas aos sujeitos no ambiente escolar:

A depender da minha performance masculina, eu tenho uns traços femininos, sendo perceptível! Eu acho que dentro do contexto escolar a gente tem essas quebras de paradigmas, por exemplo; A gente observa muito que o professor, principalmente de Educação Física, ele tem que ser masculino e forte, sabe, tem que ser varão, ele tem que ser “O professor”, e quando a gente vai para dentro da escola e se depara com outras realidades visuais, já se tem um choque. Mas, assim, eu acredito que no meu contexto, enquanto profissional, eu me considero dentro dessas performances que dizem ser normal perante a sociedade, não sei, mas eu não me considero também feminino, entendeu? (Prof. Cleidinaldo).

Os traços hegemônicos de feminilidade, masculinidades e da heterossexualidade compulsória, marcam a subjetividade, mesmo daqueles que fogem aos padrões hegemônicos. Padrões hegemônicos que provavelmente foram reforçados nas suas vivências de Educação Física durante a infância e juventude na escola. Alguns relatam que, em suas trajetórias escolares, a Educação Física era inexistente (“rola-bola”), sendo ministrada por professores de outras áreas, enquanto outros tiveram experiências que seguiam um modelo esportivista. Vale destacar que eles esse período de suas vidas se passou no interior do estado da Bahia, onde a presença de professores formados em Educação Física era muito reduzida4 4 Segundo Pires et al. (2014), o primeiro curso de Educação Física instalado na Bahia foi em 1973, na Universidade Católica de Salvador (UCSAL). No norte da Bahia o curso de Jacobina, onde vários dos entrevistados se formaram só foi iniciado em 2005. .

Dornelles e Wenetz (2019, pDornelles PG, Wenetz I. Educação Física Escolar e o trato pedagógico com o esporte: proposições contrassexuais. In: Pereira E, Silva A, editores. Educação Física, esporte e Queer: sexualidades em movimento. 1ª ed. Curitiba: Appris; 2019.. 42) ao falarem da escola como um lugar que privilegia uma forma de conhecer, afirmam: “Consideramos que a Educação Física escolar se coloca nesta trama de um lugar que funciona para a naturalização do sexo como tecnologia biopolítica dos corpos”. As autoras ainda avaliam a forte influência da divisão sexuada do esporte, que geram uma “[...] produção de um corpo sexuado, filiado ao gênero binário e expoente de uma sexualidade heterossexual” (Dornelles e Wenetz, 2019, pDornelles PG, Wenetz I. Educação Física Escolar e o trato pedagógico com o esporte: proposições contrassexuais. In: Pereira E, Silva A, editores. Educação Física, esporte e Queer: sexualidades em movimento. 1ª ed. Curitiba: Appris; 2019.. 52). Exemplo disso aparece na fala do professor Gustavo:

No momento da minha vida onde eu não era empoderado assim, eu sofria a questão do bullying na Educação Física, principalmente nos vestiários, onde os meninos queriam que eu pegasse no pinto e chupasse e essas coisa todas e quando a gente dizia “não”, eles eram muitos agressivos, sabe, com relação a essa questão. Como se a gente não tivesse o poder de escolha de nos relacionar, e eu me relacionei com vários colegas, isso é um fato, mas eu me relacionei porque eu queria e não porque eu não queria, então tem muitas questões que são bem inerentes principalmente na Educação Física. Eu joguei vôlei durante a minha adolescência, às vezes a gente viajava com o time de vôlei da escola, onde naquele momento eu era a mulherzinha dos meninos, sabe, onde eles queriam que eu fizesse o que eles queriam naquele momento né? Na época eu pensava que estava errado, hoje eu já penso de outra forma.

Campbell et al (2018)Campbell D, Gray S, Kelly J, MacIsaac S. Inclusive and exclusive masculinities in physical education: a Scottish case study. Sport Educ Soc. 2018;23(3):216-28. http://dx.doi.org/10.1080/13573322.2016.1167680.
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, ao analisarem um contexto escocês, e Atkinson e Kehler (2012)Atkinson M, Kehler M. Boys, bullying and biopedagogies in physical education. Boyhood Studies. 2012;6(2):166-85. http://dx.doi.org/10.3149/thy.0602.166.
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, em um canadense, destacam que a presença de espaços não vigiados e grandes campos pode explicar parcialmente a prevalência da violência na Educação Física contra meninos que não compartilham de uma masculinidade ortodoxa5 5 Conceito proposto por Anderson (2009) em referência ao arquétipo de masculinidade tradicionalmente hegemônica, que envolve conjuntamente o exercício do sexismo, homofobia e heterossexualidade compulsória. , constituindo-se como espaços em que os meninos devem provar sua heteromasculinidade. Para Halberstam (1998)Halberstam J. Female masculinity. Durham: Duke University Press; 1998., todavia, os banheiros masculinos são espaços, simultaneamente, de vigilância e excitação ao desejo, na qual interações homoeróticas são tanto encorajadas como punidas. Rosa e Felipe (2020)Rosa CE, Felipe J. Violência/abuso sexual contra meninos: masculinidades e silenciamentos em debate. Pesqu Foco. 2020;25(2):144-67. expõem, ainda, como a violência sexual contra meninos, tem como alvo recorrente aqueles que, então ou futuramente, se definem como homossexuais6 6 “Entre as crianças vítimas, que hoje se declaram como homens gays e que na infância davam “pinta” (aquilo que alguns autores chamam de criança “viada”), talvez possamos inferir que, em alguns casos, elas foram vítimas de homofobia por parte do agressor, que pode ter abusado sexualmente dos meninos considerados mais afeminados, até como forma de castigá-los.” (Rosa e Felipe, 2020, p. 156). . O receio de serem considerados homossexuais é também motivo pelo qual muitos meninos não denunciam esses abusos (Pinto, 2005Pinto AA Jr. Violência sexual doméstica contra meninos: um estudo fenomenológico. São Paulo: Vetor; 2005.).

O professor Christiano, também sofria agressões, mas teve uma postura diferente, como descreve:

Tipo quando alguém me chamada de viado eu ia lá e descia o cacete, era a forma que eu tinha de me defender, e isso eu já entendia que essa atitude já intimidava o outro, então eu não ficava com tanta frescura não, porque a mim sofria isso, eu sofria aquilo sabe, principalmente na adolescência. Pois quando eu sofria eu resolvia logo no braço que não era a forma comum, mas era a forma que eu tinha para me defender. (Prof. Christiano).

O Professor Christiano destaca como insultos e termos pejorativos fizeram parte de sua vida, demarcando-o como uma criança diferente dos outros meninos, o que motivava intimidações, às quais reagia com agressividade. Experiências similares foram comuns para os demais entrevistados, seja dentro das escolas, nos grupos de amigos, na família e em outros espaços, como também aponta Sparkes (1997)Sparkes AC. Ethnographic fiction and representing the absent other. Sport Educ Soc. 1997;2(1):25-40. http://dx.doi.org/10.1080/1357332970020102.
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. Muitos foram agredidos tanto verbalmente como fisicamente. Eram marcados como corpos marginalizados pela heteronormatividade.

O PROFESSOR GAY E SUA ATUAÇÃO NA EDUCAÇÃO FÍSICA

Nessa seção, passamos a olhar para a atuação profissional dos professores pesquisados na Educação Física. Vale destacar que a escola tem sido um espaço de disputas, onde grupos como os defensores do “Escola sem Partido”7 7 O Escola sem Partido se denomina como uma associação direito privado, que tem como objetivo “combater a instrumentalização do ensino para fins ideológicos, políticos, partidários ou corporativos” (Escola Sem Partido, 2015, Art. 3º). Porém, autores e autoras têm criticado as ideias conservadoras, preconceituosas e discriminatórias dessa associação (César e Duarte, 2017). (Katz e Mutz, 2017Katz EP, Mutz ASC. Escola sem partido–produção de sentidos e disputas em torno do papel da escola pública no Brasil. Educ Temat Dig. 2017;19:184-205. http://dx.doi.org/10.20396/etd.v19i0.8647835.
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) têm tentado inviabilizar as discussões de gênero e sexualidade. A Educação Física, embora tenha uma produção acadêmica considerável sobre essas questões (Dornelles e Wenetz, 2019Dornelles PG, Wenetz I. Educação Física Escolar e o trato pedagógico com o esporte: proposições contrassexuais. In: Pereira E, Silva A, editores. Educação Física, esporte e Queer: sexualidades em movimento. 1ª ed. Curitiba: Appris; 2019.), ainda é um espaço onde as agressões em relação à identidade sexual e à produção de uma masculinidade ortodoxa ocorrem (Brito e Santos, 2013Brito LT, Santos MP. Masculinidades na educação física escolar: um estudo sobre os processos de inclusão/exclusão. Rev Bras Educ Fís Esporte. 2013;27(02):235-46. http://dx.doi.org/10.1590/S1807-55092013000200008.
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). É uma disciplina ainda marcada pela influência e centralidade dos esportes, domínio historicamente marcado pela maior presença dos homens e pela valorização dos valores a eles associados: virilidade, força, agressividade. Camargo (2012, pCamargo WX. Por uma “etnografia dos vestiários”: do futebol e outros esportes na sexualização dos espaços. In: 36º Encontro Anual da ANPOCS; 2012; Águas de Lindóia, SP. Anais. São Paulo: ANPOCS; 2012.. 57) observou como “[...] mesmo entre atletas gays, a evocada ‘masculinidade esportiva’, por assim dizer, baseia-se nos rituais de dominação de gênero, ‘velhos conhecidos’, propostos pelo sistema patriarcal e reproduzidos pelos sujeitos, e presentes no mundo dos esportes”. Considerando essas disputas, buscamos olhar para as relações desses professores com a escola, os alunos, os colegas e os conteúdos da Educação Física.

Iniciando pela escolha por essa atuação. Landi (2018)Landi D. Toward a queer inclusive physical education. Phys Educ Sport Pedagogy. 2018;23(1):1-15. http://dx.doi.org/10.1080/17408989.2017.1341478.
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apresenta a Educação Física como uma montagem e uma negociação entre corpos epistemológicos, materiais e subjetivos, que por vezes privilegia visões tecnocráticas do corpo. Isso se apresenta quando perguntamos aos nossos entrevistados sobre a escolha da profissão. Dos oito entrevistados três comentam sobre as possibilidades reduzidas de formação em sua região, quatro justificam a escolha pelo envolvimento com o esporte ou a musculação e um conta que gostaria de mudar a Educação Física.

Eu acho que as minhas vivências na escola com a Educação Física, não foram muito favoráveis e eu sou uma pessoa muito crítica, então perceber que as aulas não faziam sentido, me fez refletir e pensar se a Educação Física é somente isso. Então eu preciso pesquisar mais, aí comecei a pesquisar mais sobre a Educação Física, [...] até mesmo desconstruí esse pensamento que a Educação Física é só jogar bola, que essa foi a ideia que foi passada para mim por muito tempo. Então essas barreiras foram inseridas como ferramentas para me impulsionar a ser professor. (Prof. Emanoel).

Em suas falas, todos demostram compromisso com a educação de uma forma mais ampla e especialmente na relação com os alunos, destacando a atenção ao bullying. Afirmam, ainda, que essa preocupação não está vinculada a sua atuação na Educação Física, em específico, mas por serem professores.

No que se refere às aulas, vimos que há uma superação dos modelos recreacionistas e esportivistas. Todos comentam utilizar além das práticas, aulas teóricas e reflexões sobre as atividades. Os professores Gustavo e Emanoel afirmam que o direcionamento é dado pelos eixos temáticos do currículo e pelo projeto político-pedagógico da escola. Nessa linha, o professor Clebson diz: “A gente não é uma disciplina de recreação escolar, a gente não é uma disciplina de organização de eventos. A gente tem projetos, tem programas e tem conteúdos para serem dados”.

Outras atividades são citadas para além do esporte: circuito funcional, alongamentos, relaxamentos, dança, atividades rítmicas, jogos, brincadeiras. Essa diversificação de atividades e metodologias colabora com um projeto de Educação Física mais inclusivo e mais distante das práticas tradicionais que serviram para reforçar estereótipos. Oliver e Kirk (2015)Oliver K, Kirk D. Girls, gender and Physical Education: an activist approach. Oxfordshire: Routledge; 2015. http://dx.doi.org/10.4324/9781315796239.
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, por exemplo, apontam com um dos motivos de não participação das meninas nas aulas de Educação Física, é o foco em esportes coletivos que geralmente são mais incentivados para os meninos. As práticas corporais em suas construções histórias vão agregando sentidos e significados que aproximam e afastam alguns grupos. Silveira e Stigger (2013)Silveira R, Stigger MP. Jogando com as feminilidades: um estudo etnográfico em um time de futsal feminino de Porto Alegre. Rev Bras Ciênc Esporte. 2013;35(1):179-94. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-32892013000100014.
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apontam como o futsal se tornou um espaço de convivência e amizade para mulheres homossexuais, sendo um local de transgressão e também de reprodução de valores sociais. Assim, trabalhar com diferentes práticas da Educação Física, sejam esportivas ou não esportivas, pode auxiliar na possibilidade de expressão em modalidades ou atividades com que diferentes grupos têm maior identificação ou se sentem mais confortáveis.

Os professores entrevistados relatam a presença de resistências dos alunos, que reivindicam a manutenção da hegemonia dos esportes de quadra e de aulas exclusivamente práticas. Mas essas resistências não chegam a impedir ou determinar o trabalho desses professores. Essa resistência, geralmente da parte dos meninos, reflete que a cultura de uma masculinidade viril vinculada aos esportes ainda persiste, mas a atuação desses professores tem mantido a determinação em diversificar. Landi (2018)Landi D. Toward a queer inclusive physical education. Phys Educ Sport Pedagogy. 2018;23(1):1-15. http://dx.doi.org/10.1080/17408989.2017.1341478.
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afirma que passa desafiar esses binarismos produzidos, é necessário considerar a incorporação de conhecimentos alternativos, que levem em consideração também o afetivo e o prazeroso. Segundo o autor, isso demanda um trabalho com direcionamento mais crítico e uma mudança teórica e social da Educação Física.

Os professores não relacionam diretamente as dificuldades relatadas no trabalho docente com sua orientação sexual. Já em sua vida pessoal, há experiências distintas. Cleidinaldo afirma que o “preconceito está gritante em nossa sociedade”, que tem que enfrentar muitas barreiras e se sente discriminado “pela própria sociedade, pela própria comunidade”. Já os professores Carlos, Ewerty, Emanoel e Bonfim relatam não terem sentido agressões ou preconceitos devido a sua identidade sexual. Nas escolas de sua região, segundo contam, esse não é um motivo de discriminação.

Geralmente as escolas particulares os pais miram muito, e tem uma escola mesmo que a primeira professora de Educação Física que está até hoje na escola é lésbica e está na escola há 30 anos. Na época, ela foi muito criticada, mas a escola bateu o pé e disse: ‘não, ela vai continuar na escola’. Na época, eles preferiram perder dois alunos do que perder a professora. Eu vejo que as escolas não colocam isso como problema não, principalmente na rede privada. [...] Eu acho que os pais têm mais receio quando isso vem à tona. Eu não vejo isso aqui em Jacobina. Pelo menos, nas escolas as quais eu trabalho e do contato que eu tenho com os professores, isso não é determinante para não contratar um professor. (Prof. Christiano).

Gustavo, por outro lado, teve uma experiência distinta às de Christiano.

Teve uma vez que eu fui participar de uma seleção para uma escola particular para ser professor de ensino fundamental I, [...] E quando fui reprovado eu pedi uma devolutiva do que me avaliaram [...] Ela disse que a escola era muito tradicional e o fato de ser gay poderia criar problemas para o desenvolvimento da criança, porque iria trabalhar com crianças bem pequenas e isso poderia mexer na personalidade da criança, pelo fato da minha orientação sexual. (Prof. Gustavo).

A afirmação de que as crianças são inocentes ou podem ficar confusas, não entenderem ou serem influenciadas é comum quando se pretende justificar a não atuação de professores de grupos LGBTQUIA+ (Llewellyn, 2022Llewellyn A. Bursting the ‘childhood bubble’: reframing discourses of LGBTQ+ teachers and their students. Sport Educ Soc. 2022. No prelo. http://dx.doi.org/10.1080/13573322.2022.2106203.
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; Bancroft e Greenspan, 2022Bancroft K, Greenspan S. Facilitators and barriers of inclusion: a critical incident technique analysis of one non-binary Physical Education teacher’s workplace experiences. Sport Educ Soc. 2022. No prelo. http://dx.doi.org/10.1080/13573322.2022.2034143.
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). Essas justificativas parecem se localizar nas famílias e serem respaldadas por algumas escolas, mas, como os professores entrevistados percebem, está em toda a sociedade.

E, cabe lembrar, que nem sempre essa discriminação será explicitada, como ocorreu com Gustavo. O preconceito muitas vezes ocorre de forma camuflada ou sutil, especialmente porque, atualmente, as escolas podem ser processadas pela discriminação por questões de identidade sexual ou de gênero.

Além disso, aqueles que afirmam não terem sofrido preconceito reconhecem que podem estar em lugares privilegiados, por pertencer a determinada família ou classe social mais favorecida, ou por ser mais próximo ao padrão heteronormativo esperado. Até mesmo Gustavo pondera: “Eu também sou heteronormativo, e isso te ajuda a passar mais tranquilidade para a sociedade”. O professor considera que por se adequar mais aos padrões heteronormativos, não sofreu tanto com a homofobia. Ou seja, possuir comportamentos, gestos, corpo mas esperado de uma masculinidade hegemônica “protege” esse professor. Isso também ocorre nas práticas esportivas como as lutas, onde mulheres com uma feminilidade hegemônica tem mais acesso à patrocínios, publicidade e sofrem menos preconceitos (Oliveira et al., 2021Oliveira JPSD, Macedo CG, Millen Neto AR. Autoapresentação corporal de lutadoras de artes marciais mistas (MMA) no instagram. Movimento. 2021;27:e27019. http://dx.doi.org/10.22456/1982-8918.105338.
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).

Os professores entrevistados, mesmo aqueles que não relatam a vivencia de preconceitos diretos na sua atuação, apontam que algumas questões poderiam ser melhoradas na escola e na formação docente para reduzir os preconceitos enfrentados por professores gays. Carlos cita a mudança da mentalidade da sociedade. Cleidnaldo comenta a necessidade de disciplinas específicas na universidade. Emanoel fala da empatia e respeito necessários no ambiente escolar. Ewerty menciona que precisamos trabalhar mais com temas LGBTQIA+, como por exemplo, atletas trans. Gustavo e Bonfim apontam o tratamento mais cotidiano e não apenas em relação a doenças sexualmente transmissíveis e preconceitos. Ou seja, ainda temos muito o que superar, tanto em relações a questões de toda a sociedade, até a questões que são diretamente relacionadas às aulas de Educação Física.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em nosso estudo, buscamos analisar as vivências de professores gays que lecionam a disciplina de Educação Física no Norte da Bahia, entendendo as construções de suas identidades, trajetórias e atuações. Notamos que o grupo entrevistado possui algumas características em comum, como um período escolar marcado por práticas recreacionistas e esportivistas de Educação Física.

A escolha pela profissão foi influenciada pela região em que vivem, onde as opções eram limitadas, mas também a aproximação a práticas corporais como a musculação e os esportes. A atuação desses professores parece indicar uma superação do que viveram na escola, buscando um maior diálogo entre a teoria e a prática, e diversificando as atividades.

A partir de sua atuação, percebem uma redução das discriminações em relação a sua identidade sexual, e uma maior compreensão da sociedade. Porém, algumas “barreiras” ainda são vivenciadas. Dentro dessa complexidade, entre o otimismo e o reconhecimento que algumas dificuldades ainda são encontradas, compreendemos que os professores foram construindo suas trajetórias negociando com os espaços e pessoas.

São diferentes formas de ser, atuar e interpretar seus contextos. Reconhecemos que se trata apenas de um recorte, que novas pesquisas devem ser realizadas em outros contextos e grupos. Por exemplo, professores que não se assumiram publicamente, podem ter outras experiências.

Para finalizar e sintetizando nossos achados, deixamos as palavras de um professor entrevistado:

Você ser um professor gay você acaba transformando a sociedade duas vezes, do lugar que a gente se coloca, e do lugar da visão que essas pessoas terão sobre a sua homossexualidade. Então eu vejo que ser professor é um ato político, e ser um professor gay é um ato político revolucionário e altamente positivo para a sociedade. (Prof. Clebson).

  • 1
    Projeto aprovado pelo comitê de ética da Universidade de Pernambuco, número do parecer 5.304.363.
  • 8
    Sete dos nomes mencionados assinaram o TCLE permitindo, assim, a divulgação dos seus nomes, porém um professor não permitiu que o seu nome fosse divulgado sendo colocado o pseudônimo Bonfim.
  • 2
    O estudo de John Boswell, vencedor do National Book Award, sobre a história das atitudes em relação à homossexualidade no início do Ocidente cristão foi um trabalho inovador que desafiou preconceitos sobre o relacionamento anterior da Igreja com seus membros gays - entre eles padres, bispos e até santos - quando foi publicado pela primeira vez há trinta e cinco anos. A amplitude histórica da pesquisa de Boswell (dos gregos ao Tomás de Aquino) e a variedade de fontes consultadas fazem deste um dos tratamentos mais extensos de qualquer aspecto da história social ocidental.
  • 3
    Sigla referente a Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros, Queer, Intersexuais, Assexuais e outras identidades ou performances não-normativas.
  • 4
    Segundo Pires et al. (2014), oPires RG, Rocha CPD Jr, Marta FEF. Primeiro curso de Educação Física na Bahia-trajetórias e personagens. Rev Bras Ciênc Esporte. 2014;36(1):205-23. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-32892014000100014.
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    primeiro curso de Educação Física instalado na Bahia foi em 1973, na Universidade Católica de Salvador (UCSAL). No norte da Bahia o curso de Jacobina, onde vários dos entrevistados se formaram só foi iniciado em 2005.
  • 5
    Conceito proposto por Anderson (2009)Anderson E. Inclusive masculinity: the changing nature of masculinities. New York: Routledge; 2009. em referência ao arquétipo de masculinidade tradicionalmente hegemônica, que envolve conjuntamente o exercício do sexismo, homofobia e heterossexualidade compulsória.
  • 6
    “Entre as crianças vítimas, que hoje se declaram como homens gays e que na infância davam “pinta” (aquilo que alguns autores chamam de criança “viada”), talvez possamos inferir que, em alguns casos, elas foram vítimas de homofobia por parte do agressor, que pode ter abusado sexualmente dos meninos considerados mais afeminados, até como forma de castigá-los.” (Rosa e Felipe, 2020, pRosa CE, Felipe J. Violência/abuso sexual contra meninos: masculinidades e silenciamentos em debate. Pesqu Foco. 2020;25(2):144-67.. 156).
  • 7
    O Escola sem Partido se denomina como uma associação direito privado, que tem como objetivo “combater a instrumentalização do ensino para fins ideológicos, políticos, partidários ou corporativos” (Escola Sem Partido, 2015, Art. 3º). Porém, autores e autoras têm criticado as ideias conservadoras, preconceituosas e discriminatórias dessa associação (César e Duarte, 2017César MRA, Duarte AM. Governamento e pânico moral: corpo, gênero e diversidade sexual em tempos sombrios. Educ Rev. 2017;(66):141-55. http://dx.doi.org/10.1590/0104-4060.54713.
    http://dx.doi.org/10.1590/0104-4060.5471...
    ).
  • FINANCIAMENTO

    O presente trabalho contou com apoio financeiro, uma bolsa de mestrado (DS) da CAPES.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    27 Fev 2023
  • Aceito
    06 Set 2023
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