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Apresentação

DOSSIÊ SEGURANÇA PÚBLICA

Apresentação

Paula Miraglia

Doutora em Antropologia Social pela USP e Diretora-Executiva do ILANUD (Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente)

Ao longo dos últimos vinte anos, a violência e a criminalidade aumentaram de maneira substantiva ao redor do mundo. De acordo com o último relatório da Organização Mundial da Saúde, a violência está entre as principais causas de morte para pessoas entre 15 e 44 anos e pode ser classificada como uma verdadeira "epidemia", dadas as proporções e efeitos devastadores. Suas manifestações são variadas; trata-se de um fenômeno global que ganha tintas locais em diferentes regiões do mundo. Guerras entre países, guerras civis, atentados terroristas e criminalidade urbana, todas contribuem para que número de mortes por causas externas tenha crescido de maneira persistente nos últimos anos.

Se tais versões são ilustrações de diferentes arranjos da vida social, elas são também produto e produtor de contextos. Estabelecendo uma relação circular entre causa e conseqüência, também ajudam a construir o inimigo, seja ele o pobre, o terrorista, o jovem, o imigrante, o guerrilheiro civil; assim como as vítimas - mulheres, crianças, cidadãos de bem, excluídos, etc.

No Brasil a violência tem sua versão mais contundente na forma de criminalidade urbana; isto é, crimes contra o patrimônio como roubos, furtos e seqüestros e crimes contra a pessoa tais como os homicídios. O país ainda ocupa um lugar incômodo no ranking dos países mais violentos do mundo e, nesse sentido, não é de hoje que ambas, criminalidade e violência, converteram-se em temas associados à saúde pública, bem-estar social, economia, justiça e governança.

Desse modo, podemos dizer que o crime, a violência e conseqüentemente o medo tornaram-se características constituintes dos grandes centros urbanos brasileiros, o que gera ainda mais medo, alimenta preconceitos e altera e orienta o cotidiano do cidadão comum, bem como suas estratégias de proteção. São estabelecidos novos padrões de sociabilidade, o que implica uma nova leitura da cidade, dos espaços públicos, da sua organização espacial e arquitetônica e da própria oposição entre centro e periferia.

Ainda que os últimos vinte e cinco anos tenham comportado uma extensa produção acadêmica sobre o assunto e a conseqüente conformação de um campo epistêmico dos estudos da violência no Brasil, o fenômeno da criminalidade também se atualizou — o Estado de São Paulo, por exemplo, assiste há cinco anos à queda nas taxas de homicídios. Por outro lado, os episódios vividos em maio de 2006, envolvendo o Primeiro Comando da Capital (PCC), revelaram atores até então pouco conhecidos nesse cenário.

Um feixe variado e pouco preciso de explicações retrata um espelho fiel da multiplicidade de causas evocadas pela violência, além de uma arena agitada de disputa política — não apenas no caso de São Paulo, mas do país como um todo.

A redução dos homicídios em São Paulo nos últimos anos é exemplar nesse sentido. A queda nas estatísticas é atribuída a um conjunto extenso e diverso de fatores: a ação do Estado, a atividades de ONGs nas áreas mais violentas, a mobilização comunitária nesses mesmos locais, a políticas específicas tais como a "Lei de fechamento de bares" em alguns municípios ou o Estatuto do Desarmamento, a criação do Infocrim, a atuação do Ministério Público, o "Plano de combate aos Homicídios" do DHPP, ou mesmo ao aumento de evangélicos convertidos nas periferias, e a atuação da Polícia Militar.

As explicações aparecem ora isoladas, ora como uma combinação, dependendo de quem controla o discurso. São todas, porém, alvo constante de controvérsias no que diz respeito à eficácia, e revelam uma verdadeira batalha no campo político e institucional que conjuga a disputa pela paternidade dos supostos avanços no campo da segurança e uma disputa entre modelos de enfrentamento. O que funciona melhor, a repressão ou a prevenção? A segurança é tema da polícia exclusivamente, ou deve ser tratada também como assunto de políticas públicas em áreas como educação, urbanismo ou saúde?

Desse modo, o dossiê sobre Segurança Pública publicado nesta edição de Novos Estudos tem uma atualidade óbvia, mas mais do que isso procura trazer elementos que permitam avançar nesse debate.

O estudo comparativo de Benjamin Lessing a respeito da criminalidade organizada em diferentes cidades brasileiras ilumina questões fundamentais a respeito de um tema sobre o qual existem poucas pesquisas e que vem ganhando novas configurações nos últimos tempos.

Aprendemos com o artigo de Renato Lima a necessidade de que interpretações, "significados e segredos" sejam considerados quando analisamos a produção de dados estatísticos. No caso das estatísticas criminais no Brasil, fica evidente como sua fragilidade tem impacto imediato nas estratégias políticas, assim como interfere na possibilidade de leituras sociológicas para o fenômeno.

Finalmente, a opção de incluir o sistema de justiça criminal como objeto de reflexão deste dossiê — seja no texto de Loïc Wacquant, seja na entrevista do ex-secretário de Administração Penitenciária de São Paulo —, expressa não apenas a tentativa de capturar as respostas que vêm sendo dadas pela sociedade, mas, sobretudo, de desenhar um mapa político-institucional dos fluxos compreendidos na produção e reprodução da criminalidade e da violência.

Os avanços no campo da segurança pública no Brasil seguem em tensão com uma realidade que desafia, de maneira cotidiana, o aparato democrático disponível. A reflexão permanente sobre esses temas é uma etapa fundamental para que eles possam ser concretizados.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jul 2008
  • Data do Fascículo
    Mar 2008
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