Acessibilidade / Reportar erro

Objetos da observação - lugares da experiência: sobre a mudança da concepção de arte no século XX

Resumos

No discurso que é hoje hegemônico, a preocupação com a espacialidade das e nas obras de arte foi retirada da pauta artística nos espaços institucionais e sociais existentes. Mas a ampliação das concepções artísticas, das estratégias e modos processuais trouxe à lembrança essa condição de existência das obras de arte modernas, cujo alcance foi longamente subestimado. Este texto faz um panorama acerca da questão da espacialidade nas artes plásticas do século XX e procura situar o debate com relação à produção contemporânea.

artes visuais; espaço; arte moderna; crítica de arte


Nowadays, the concern with the space of and in the works of art has been withdrawn from the artistic debate. But the current enlargement of artistic conceptions, strategies and process modes brings to memory this condition of existence of the works of art, whose reach has been broadly underestimated. This text traces an overview of the matter of space in visual arts during the XXth century and relates the debate to contemporary production.

visual arts; space; modern art; art criticism


ARTIGOS

Professor de Estética e Teoria das Artes na Escola Superior de Artes (hoje Universidade das Artes), em Berlim

RESUMO

No discurso que é hoje hegemônico, a preocupação com a espacialidade das e nas obras de arte foi retirada da pauta artística nos espaços institucionais e sociais existentes. Mas a ampliação das concepções artísticas, das estratégias e modos processuais trouxe à lembrança essa condição de existência das obras de arte modernas, cujo alcance foi longamente subestimado. Este texto faz um panorama acerca da questão da espacialidade nas artes plásticas do século XX e procura situar o debate com relação à produção contemporânea.

Palavras-chave: artes visuais; espaço; arte moderna; crítica de arte.

SUMMARY

Nowadays, the concern with the space of and in the works of art has been withdrawn from the artistic debate. But the current enlargement of artistic conceptions, strategies and process modes brings to memory this condition of existence of the works of art, whose reach has been broadly underestimated. This text traces an overview of the matter of space in visual arts during the XXth century and relates the debate to contemporary production.

Keywords: visual arts; space; modern art; art criticism.

The birth and rebirth of picturial space é o título de um livro de John White, dos anos 1950, o qual mostra, a partir do exemplo do renascimento italiano, que o espaço nas artes plásticas não é simplesmente um recurso já dado, do qual se pode dispor livremente, mas é uma formação cambiante e sumamente exigente, que deseja ser constantemente recriada11] White, John. The birth and rebirth of pictorial space. 3-a ed. Londres, 1987 [1957] . [. O tema da seção "A invenção e a reinvenção do espaço"22] O autor se refere à seção do periódico na qual este ensaio se insere. [N. T.] [ apanha e amplia ao mesmo tempo essa tese, pois não se trata mais, hoje em dia, de um espaço pictórico — aparentemente, isto é o que menos importa. Nos últimos anos, a arte contemporânea ultrapassou de muitas maneiras esses limites. O espaço pictórico foi, por fim, o grande tema da arte nos anos 1960. Nunca a espacialidade das obras de arte foi discutida de modo tão intenso e controverso como nos debates artísticos e da crítica de arte dessa época. Questões relativas à realização da obra reduziram-se a problemas da organização espacial: bidimensionalidade versus ilusão de profundidade, espaço aberto ou fechado, hierarquias versus all-over. Até mesmo os conteúdos foram definidos a partir de propriedades espaciais: como resultado do efeito da pintura e da escultura na constituição do espaço, considerando-se a tensão existente entre o espaço imaginário e o espaço que é fisicamente experimentado, com base na proximidade ou distância dos elementos artísticos em relação aos outros objetos presentes nesse espaço.

Hoje, o interesse por esses problemas, se já não se extinguiu, refluiu consideravelmente em favor de questões sobre o lugar e a função de formulações artísticas no contexto do assim chamado "espaço real". Resumindo: no discurso que é hoje hegemônico, a preocupação com a espacialidade das e nas obras de arte foi retirada da pauta artística nos espaços institucionais e sociais existentes. Pode-se lamentar o amontoado indiferente das formas, cores e citações, com o qual a pintura busca há alguns anos produzir novamente. Mas não se reconhecem apenas déficits na alteração desse campo de interesses: a ampliação das concepções artísticas, das estratégias e modos processuais — ampliação que atinge potencialmente todos os espaços de ação — trouxe à lembrança uma condição de existência das obras de arte modernas cujo alcance foi longamente subestimado. A arte moderna está destituída de lugar. E que por toda parte tenhamos de estar preparados para ela, parece ser a conseqüência pós-moderna dessa condição.

Nesse contexto a falta de um lugar não significa, em primeira mão, o fato histórico de que a práxis artística tenha perdido a sua base herdada, quando as instituições que tradicionalmente a sustentavam, a Igreja e o Estado, perderam a sua autoridade representativa. Com o surgimento de uma esfera pública burguesa para a arte, afastou-se essa iminente calamidade de ocorrer um rompimento com a tradição. Desde meados do século XX a arte moderna está relativamente bem estabelecida nas sociedades ocidentais. Isso em nada altera a falta de garantias no espaço da representação, insegurança surgida na primeira crise, ocorrida no século XIX, quando, ao desaparecer a missão de representar uma imagem estrita da realidade, caducava também o conceito tectônico [tektonisch] do espaço imaginário. Esse achado fundamental na história ocidental das artes plásticas demonstrou-se não apenas potencialmente explorável e cambiável, mas também resistente a grandes agravos e contestações. A força desse protótipo revela-se, retrospectivamente, e, talvez de modo mais claro, no fato de que ele estava em condições de aceitar ou integrar os muitos abalos e ataques expressivos, dramáticos e maneiristas a que estava sujeito. Quando o estrato tectônico [tektonisch] se dissolveu, por vezes de forma bastante abrangente e significativa — como nos quadros de Goya e Turner —, desapareceu também a possibilidade de provocação e de protesto33] Hetzer, Theodor. Francisco Goya und die Krise der Kunst um 1800. In: Berthold, Gertrude (org.). Schriften Theodor Hertzers (Zur Geschichte des Bildes von der Antike bis Césanne). Stuttgart, 1998, vol. 9, pp. 141-63. [. A novidade nos primórdios da pintura moderna consiste, portanto, não apenas na confrontação direta com a realidade da percepção. Para a constituição da imagem, foi de igual modo urgente a tarefa de conceder à multiplicidade e à turbulência do que se observa o seu devido lugar na superfície do quadro.

As diferentes soluções que especialmente a pintura francesa de meados do XIX encontrou para esse problema são conhecidas e se separam dos desenvolvimentos observados no XX por meio de uma ruptura decisiva. Mas esbocemos rapidamente as principais mudanças ocorridas com relação à tradição, porque elas permitem que se reconheça uma alteração agravante no caráter de obra dos quadros. O enfático conceito de obra, tributário do salto na filosofia da arte que se observara entre Karl Philipp Moritz e Schelling, é tão inadequado para o diagnóstico dessa transformação quanto o seu pedantismo romântico — a preferência pelo fragmento e pelo processo. Nem as categorias do completo-em-si-mesmo [des In-sich-Vollendeten] ou do fundado-em-si-mesmo [des in-sich-Gegründeten], nem a moderna apologia do aberto, do incompleto, correspondem de modo preciso ao tipo de imagem, o qual, grosso modo, formou-se entre o realismo de Manet e o aparecimento dos pós-impressionistas. Pois a intenção de criar o espaço correspondente ao contexto da percepção na imagem produziu, na agenda da reflexão artística, três modificações imprevistas no caráter da imagem: uma temporalização radical da apreensão espacial, um rebaixamento do motivo em favor da articulação de sua percepção, e, conseqüentemente, uma atualização da relação até então desconhecida entre o observador e a imagem.

O discurso peculiarmente arcaizante de Cézanne em torno dos campos ou "planos" ["Plänen"] — les plans — pode servir como exemplo dessa transformação, sempre que ele fala do espaço em seus quadros44] Cf. o capítulo "Os planos". In: Schmidt, Bertram. Césannes Lehre. Kiel, 2004, pp. 194-226. [. O termo significava originalmente, no século XVII (aproximadamente na época de Abraham Bosse), a clássica divisão do espaço em primeiro plano, plano médio e plano de fundo. Mas na pintura de Cézanne não existe mais essa estruturação clara e estática do espaço. Os "planos" coloridos projetam-se a partir de uma profundidade incomensurável, de um "não-se-sabe-de-onde" — on ne sait d'où —, como escreveu Maurice Merleau-Ponty55] Merleau-Ponty, Maurice. L'œil et et l'esprit. Paris, 1964, p. 68f. [; e as relações de distância e proximidade, do que está adiante e atrás, transformam-se, embora não o façam de maneira dramática, pelo movimento do olhar que os articula. A muito comentada solidez das construções pictóricas de Cézanne não é nada mais que a relação ou conexão contínua daquela mobilidade66] Cf. a seção "Cézanne und die Tiefe des Bildraumes", em Kudielka, R. "Chromatische und plastische Interaktion. Über die Wirkungsweise der Bildfarbe im Werke von Bridget Riley". In: Hoormann, Anne e Schawelka, Karl (orgs.), Who's afraid of. Zum Stand der Farbforschung. Weimar, 1998, pp. 135-39. [. O espaço imagético desenvolve-se sobre e através do tempo da observação. Isto era novidade. Decerto o tempo utilizado na observação de quadros tivera um papel importante, mas enquanto o observador pôde se fiar no reconhecimento sempre renovado de sinais iconograficamente seguros, inseridos numa ordem espacial apreensível, este aspecto permaneceu oculto. Somente com a retirada dos fatores estabilizantes a temporalidade pôde realmente aparecer.

Essa temporalização do olhar alterou o caráter de obra dos quadros. Pois ela significava que o objeto ou motivo já não eram fundamentais para o conteúdo da representação; eram, no máximo, um ensejo para a realização artística de sua percepção. O olhar tornou-se, ele mesmo, conteúdo; e com ele todas as sensações que o acompanham, as quais não são de natureza meramente visual. Van Gogh ressaltou de modo bastante claro essa mudança da expressão na constituição do modo de sentir, quando ele advertiu Émile Bernard dos temas cristãos: para se criar a impressão de angústia não é necessário se afligir, como Cristo no Monte das Oliveiras — bastam as oliveiras77] Van Gogh, Vincent. Carta 21, a Émile Bernard. In: V. W. Van Gogh (org.), Verzamelde brieven van Vincent Van Gogh, Amsterdã, 1954, vol. 4, p. 236. [. Uma boa parte da perplexidade que a pintura moderna do XIX suscitou no público consiste nesse afastamento da visão e conteúdo representacionais. Ao invés de assegurar o observador de uma ordenação das coisas que fosse confiável, os quadros propiciavam uma grande variedade de acessos a uma realidade, a qual parecia se encobrir cada vez mais, à medida que surgia um novo ponto de vista artístico. Apenas no século XX a arte moderna encontrou o seu primeiro representante, o qual falava sem reservas dessa multiplicidade dos modos de ver. Tratava-se de Marcel Proust: na apologia que a Recherche faz da "única viagem verdadeira", a qual não consiste na busca de novas paisagens, mas na possibilidade de que nós "tivéssemos outros olhos a fim de observar o mundo com os olhos de um outro, com os olhos de outros cem; para poder observar os cem diferentes mundos, dos quais cada um de nós vê um e é um em si mesmo"88] Proust, Marcel. Auf der Suche nach der verlorenen Zeit. Trad. Eva Rechel-Mertens. Frankfurt am Main, 1979, vol. 10 (Die Gefangene 2), p. 347. [.

Quando, em 1923, apareceu esse elogio de Manet, Monet e dos demais, a apreensão da imagem se havia mais uma vez alterado; mas de modo algum ela se alterara de maneira continuada e conseqüente, como há muito os relatos modernos querem fazer crer. Provavelmente foram as obrigatórias "exposições rememorativas", ocorridas na primeira década do novo século, que chamaram a atenção de uma geração mais jovem para uma possibilidade já colocada e resgatada. O processo de articular os próprios modos de ver — derivado da perda da imagem representativa da realidade — não significava necessariamente que o observador tivesse sido colocado numa relação fora de si mesmo, dirigida para fora, diante de um motivo em plein air. A comprovada capacidade das obras de arte de constituir um lugar de experiência localizado entre o fator que a ensejou e o observador pôde voltar-se, igualmente, para o observador. Em vez de constituir um novo acesso a um exterior supostamente conhecido, os primeiros quadros fauvistas, expressionistas ou cubistas primeiramente nos representam, e, na verdade, no sentido confrontador de que nós — de um modo em parte intrigante, em parte liberador — somos, por meio deles, trazidos para fora de nós e postos em relação conosco mesmos. Nós não vemos o mundo "com outros olhos": diante dos quadros, descobrimos em nós mesmos a possibilidade de estarmos no mundo de uma maneira diferente.

Para que essa ruptura pudesse ocorrer, a arte teve de se desnudar completamente, desvencilhando-se de todos os subterfúgios e segredos. Pois apenas dessa maneira a relação entre imagem e observador podia se tornar uma base aberta que abria para ambos os lados um novo conceito de obra. O motivo do ateliê, tal como Matisse o concebeu, em 1911, e que Picasso, Beckmann, Braque e muitos outros tomaram como declaração do espaço artístico da ação, significou para a modernidade do século XX o que a ética do trabalho sur le motif havia significado para o pintor do XIX: o certificado de uma autocompreensão artística transformada. Muito longe de sinalizar um afastamento da arte com relação ao mundo, a imagem do atelier comprova que aquilo que é mais sagrado (Ingres) se revela aos olhos da sociedade — exatamente aquilo que os homens haviam antes buscado nas imagens divinas. Isto não significa necessariamente uma trivialização. Entendido como espaço do artista, o espaço pictórico se revela como uma esfera de usos, relações e ligações específicos, a qual afasta dos contextos herdados ou costumeiros tudo aquilo que a penetra. Estar num lugar não significa simplesmente ocupar uma posição; à experiência do lugar pertence, em geral, um contraponto no espaço, o qual pode ser meramente uma coisa, um olhar ou, mais raramente, a presença perceptível do nada.

Em síntese, não importando como o espaço se revela nos quadros, diante de sua superfície o lugar de mobilização da experiência deslocou-se, aparentemente, na arte do século XX, para a relação entre a imagem e o observador. Isto vale para as confluências ascendentes das praças de de Chirico, bem como para as famosas janelas de Matisse, as quais sublinham a sensação de unidade e extensão do espaço, abrindo o espaço pictórico para dentro, para o observador99] Matisse, Henri. "Entretien avec Tériade" (1929). In: Fourcade, Dominique (org.). Écrits et propôs sur l'art. Paris, 1972, p. 99f. [; e isto vale, sobretudo, para a determinação do espaço em Mondrian, o qual — em aberta contradição com as interpretações metafísicas correntes — no fim de sua vida gabava-se de ter sido provavelmente o primeiro a subverter a disposição da moldura do quadro, para deixar claro onde a imagem se encontra: no espaço entre a superfície pictórica e o espectador1010] "So far as I know, I was the first to bring the painting forward from the frame, rather than set it within the frame." In: The new art - The new life. The collected writings of Piet Mondrian. Holtzman, Harry e S. James, Martin (orgs.). Londres, 1987, p. 357. [. A primazia do primeiro plano em detrimento do plano de fundo pode ser descrita como uma tendência da arte no século XX, à qual mesmo as obras dos surrealistas não se contrapõem. Bem observados, mesmo os mundos delirantes de Dalí não são profundos. Antes, eles se apresentam de maneira teatral no primeiro plano.

Enquanto os quadros se abriam para o espaço comum do observador, eles se tornavam involuntariamente semelhantes às coisas no espaço: peinture-objets — "pintura-objetos" — como diziam os cubistas1111] Sobre o conceito de "peinture-objet", cf. Hess, Walter. Dokumente zum Verständnis der modernen Malerei. Reinbeck bei Hamburg, 1997, p. 75f. [. Isto ocasionou um considerável deslocamento de pesos no âmbito das artes plásticas. Pois a escultura, que, do ponto de vista da representação plástica, havia sido relegada a um segundo plano na Europa, adquiria agora quase o mesmo status da pintura. A concentração que a moderna pintura francesa do XIX realiza na percepção sur le motif não pudera ainda compensar o velho preconceito, pois o espaço pictórico retirado à força de seu sentido da visão permaneceu um campo imaginário da visão, uma janela que se tornara igualmente opaca. Somente os painéis cubistas abalaram esse paradigma. Talvez nada mostre melhor a peculiar mudança na concepção de arte no século XX que o desenvolvimento da escultura, realizado de modo bastante independente em relação à história da pintura. Como objeto no espaço, a escultura pôde corresponder à nova exigência de constituição dos lugares da experiência de um modo mais direto e abrangente que a pintura1212] A própria história artística da escultura é o tema do livro de Dieter Rahm, Die Plastik und die Dinge. Zum Streit zwischen Philosophie und Kunst, Freiburg, 1993. A relação com a pintura moderna é discutida de modo mais detalhado em Kudielka, R. "Aufstellen statt Repräsentieren. Zur Bedeutung des Paradigmas der Plastik in der Moderne." In: Kluxen, Andrea (org.), Ästhetische Probleme der Plastik im 19. und 20. Jahrhundert. Nürnberg, 2001, pp. 249-72. [. Assim, Brancusi tomou a mácula tradicional das esculturas — a de que elas quase sempre necessitam de um pedestal para ficar na altura que se convencionou para a pintura — e o reverteu em favor delas mesmas. Para isso ele fez ressaltar literalmente a base de sustentação da escultura, por meio da construção em camadas, as quais ela partilha com o espectador.

Observando-se o século como um todo, poderia parecer que as distorções decisivas tenham todas ocorrido por volta de 1910. A partir do ateliê, que tematiza o espaço de ação do artista, parece haver uma linha direta que conduz ao exibicionismo do performer, o qual emprega o seu corpo como meio de representação; e mesmo a decisão do pintor Donald Judd de preterir o caráter de aparência dos quadros em favor de "specific objects"1313] Judd, Donald. "Specific Objects." In: Arts Yearbook, 8, 1965, pp. 74-82. Tradução alemã em Stemrich, Gregor (org.), Minimal art. Eine Kritische Retrospective. Dresden; Basel, 1995, pp. 59-73. [ parece estar presente na revivescência da comparação hierárquica do paragone entre escultura e pintura nos objetos pictóricos de Picasso, em 1913. Mas a continuidade engana. As possibilidades de comparação mostram que existe uma relação genuína entre a modernidade americana e a européia, mas elas ocultam ao mesmo tempo um deslocamento recente do enfoque, o qual se tornou visível o mais tardar no início dos anos 1960. Hoje mal se pode imaginar o quão libertadora e animadora foi a recepção das direções artísticas que se seguiram ao expressionismo abstrato proveniente dos Estados Unidos. O rumor pós-existencialista e aquela presunção historicamente neutra, que em cada abstração nebulosa logo adivinhava uma vibração "cósmica", foram abafados por um positivismo estético implacável: "It is what it is"1414] Essa mudança transformou-se, em 1964, numa espécie de lema daqueles artistas que hoje são caracterizados como pertencentes à minimal art. O argumento foi debatido criticamente, em fevereiro de 1964, numa discussão radiofônica sobre o tema "New nihilism or new art?", publicado depois, em 1966, por Lucy Lippard, sob o título "Questions to Stella and Judd. Interview by Bruce Glaser", na edição de setembro de Art News; reimpresso em Battock, Gregory (org.), Minimal art. A critical anthology. Londres, 1968, pp. 148-64. Sobre uma história da recepção, cf. Feldman, Paula e Schubert, Karsten (orgs.), It is what it is. Writings on Dan Flavin since 1964. Londres, 2004. [. Mais ainda, o categórico protesto do espaço "real", fisicamente vivenciado, fora tão mais autêntico quanto — independentemente de preferências estilísticas e partidarismos — parecia confirmar uma tendência do início do século, a qual não obtivera até então um desfecho. No bojo da recepção de Jasper Johns, Allan Kaprow, John Cage, Richard Hamilton e outros, Marcel Duchamp tornava-se uma espécie de superpai da arte do século XX. A apresentação de Bedroom ensemble (1963), de Claes Oldenburg, por Sidney Janis, em 1964, e a instalação minimalista de Robert Morris, na Green Galery, nesse mesmo ano, são apenas dois exemplos da convergência do que é aparentemente oposto numa intenção comum1515] A Bedroom ensemble refere-se a uma lembrança que Oldenburg tinha de um motel localizado na estrada costeira que leva a Malibu. Nele cada quarto era matizado pelo caráter de um determinado tipo de pele animal: tigre, leopardo, zebra etc. O conjunto misturava estes padrões e os combinava com a aparência dada por folhas de madeira marmorizadas, das quais as texturas eram imitadas com recursos fotográficos. Curiosamente Oldenburg não via em seu trabalho qualquer diferença de princípios com relação a uma instalação abstrata, como a de Morris, a qual dramatizava o espaço da galeria por meio de corpos puramente geométricos: "Geometry, abstraction, rationality - these are the themes that are expressed formally in 'Bedroom'[...]. 'Bedroom' might have been called a composition for (rhomboids) columns and disks". In: Russel, John e Gablik, Suzi (orgs.), Pop art: redefined. Londres, 1969, p. 95f. [. "The art of the real" era o título de uma exposição coletiva do Museu de Arte Moderna, que, em 1968, buscou apresentar uma primeira síntese da arte americana dos anos 1950 e 19601616] A tradução do título para a temporada européia da exposição é esclarecedora no contexto atual: "O espaço na arte americana: 1948-1968 - The art of the real", catálogo da Kunsthauses Zürich, 1969. [.

Passaram-se ainda duas décadas antes que, em face de explosivas conseqüências, ficasse claro em que consistia a força artística irruptiva dessa orientação extraordinariamente estimulante e exitosa: na desintegração da interioridade da obra de arte. A maneira européia de atualizar a arte como lugar da experiência baseava-se — em última instância e por força da estrutura interna e da própria postulação da obra — no enredamento do espectador numa relação que abria um acesso específico ao mundo. O enfoque americano foi bastante diferente. Já nos quadros de Mark Rothko, Barnett Newman e Clifford Still a complexidade interna e a contundência da construção da imagem se escondia curiosamente atrás do "impact", do efeito imediato que posições simples e de longo alcance exerciam sobre a sala de espera compartilhada pela imagem e pelo espectador. Essa tendência foi confirmada e fortalecida, no fim dos anos 1960, por meio do surgimento do tipo clássico de exposição da modernidade americana: uma reunião de quatro a cinco expositores, em princípio semelhantes, abrigados num espaço fechado, o mais neutro possível: o, desde então, muito discutido "white cube"1717] O'Doherty, Brian. In der weißen Zelle: Inside the White Cube. Berlim: Wolfgang Kemp, 1996. — O ensaio apareceu pela primeira vez em 1976, em três números seguidos do periódico americano de arte Artforum. [. Mas apenas a aceitação e a formação dos conceitos de environment e de instalação, nos anos 1970, introduziram a ambigüidade que parece estar inserida na concentração em torno do efeito espacial "real" da obra de arte. Pois a ascensão e a ampliação rigorosamente ativadas desse aspecto — da organização temporária da sala da galeria até à land art — conduziu finalmente à conseqüência aparentemente lógica de abandonar a precisão e a peculiaridade das normas artísticas, não mais a partir de dentro, desenvolvendo os "intrinsic relationships" dos artefatos, mas de suprimir os respectivos dados espaciais e contextuais nas condições gerais exteriores [Rahmenbedingungen]. Em lugar da livre vagabundagem e da hospedagem em artefatos relativamente autárquicos, introduziu-se a organização objetiva de situações espaciais que se encontram em expansão.

Esta mudança de orientação, que se pretende "pós-moderna", apresenta aparentemente um poderoso argumento: o fato histórico de que as obras de arte se destinam tradicionalmente a lugares e funções legitimados para isso. A acentuada diminuição desse aspecto na arte moderna não se originou, naturalmente, de nenhuma presunção do artista, mas da dissolução daquela estrutura rígida de lugares e atos representativos, a qual, até aqui, havia marcado a realidade da alta cultura. O ideal da obra autônoma, não ligada a qualquer localidade, foi um reflexo inteiramente involuntário no âmbito das artes, em resposta à liquidação de ordenações e orientações sociais rígidas. Liquidação que, pelo menos desde a Revolução Industrial, tornou-se o fator social dominante. E esta mobilização das relações não sofreu qualquer decréscimo desde então — ocorreu justamente o contrário. Se, por isso mesmo, nas duas últimas décadas a insistência em torno de imposições e intervenções se tornou um motivo determinante nas artes, observa-se menos um retrocesso ou anacronismo do que uma resposta direta à problematizada "Atopia" do mundo moderno, presente na moderna crítica da civilização, de Nietzsche a Foucault. A explícita configuração de lugares na arte contemporânea parece ser apenas a resposta dada de modo complementar a um sensível embaraço: a crescente ausência de um lugar para a experiência.

Com isto se revela uma dialética peculiar: quanto mais naturalmente os artistas monopolizam o espaço "real" como lugar que determina o seu trabalho, tão mais evidente se torna a incerteza dessa premissa. O que vincula tão diferentes instalações como a Toilette (1992), de Ilya Kabakov, o Creation Myth (1998), de Jason Rhoades, e o Weather Project (2003), de Olafur Eliasson1818] A instalação Die Toilette, de Kabakov, pôde ser vista, em 1992, na Documenta de Kassel. O Weather project, de Eliasson, dominou durante cinco meses, a partir de outubro de 2003, a antiga Sala das Turbinas na Tate Modern, em Londres. E o Creation myth, de Rhoades, foi exibido, no outono de 2004, dentro da Flick Collection, no Museu de Arte Contemporânea de Berlim, Hamburger Bahnhof. [? Seguramente não são os recursos artísticos empregados, nem uma relação formal ou de conteúdo. A evocação kabakoviana impregnada de lembranças da casa na União Soviética, a produção que Eliasson faz de uma para-natureza no museu e as caóticas acumulações de lixo tecnológico que Jason Rhoades espalha não poderiam ser mais distintas entre si, do ponto de vista formal e conteudístico. Entretanto, todas as três instalações são concordes na aceitação de uma condição, sem a qual elas não poderiam ter existido: elas precisam, cada uma, de um invólucro ou recipiente, nos quais elas se organizam e dentro dos quais elas podem lograr um efeito — seja esse retorno um container conscientemente ocupado (Kabakov), um salão preexistente e que estava arrumado de um modo específico (Eliasson), ou a indispensável ampliação de um espaço interno desocupado (Rhoades). Nenhuma providência artística parece ser tão importante quanto essa decisão a priori, pois apenas o apoio de uma moldura preexistente permite manter a organização de um modo tão aberto, que um espaço de vivência autêntico, experimentável ao se transitar dentro dele, passa a existir. Dentro desse espaço o observador pode dispor, sem instrução prévia e até certo ponto, de um olhar contemplativo1919] Peter Sloterdijk seguiu esse deslocamento de pesos até as "construções auto-referentes do museu", as quais celebram a "exposição do espaço de exposições": "Os recipientes demonstram de maneira cada vez mais clara a sua demanda por precedência, em detrimento de seu conteúdo". In: Sloterdijk, Peter. Sphären III: Schäume. Frankfurt am Main, 2004, p. 813. [.

Entrar e imergir, em vez de defrontar e ficar diante de algo é a forma como se pode descrever as regras do jogo estético do environment e da instalação. O fato de que eles sejam empregados como estratégia de incremento das vendas das grandes lojas de comércio não diminui de maneira alguma o seu poder de atração. A experiência de estar inserido, de habitar e de se ver envolto é inegavelmente uma experiência espacial mais antiga que a da distância para as coisas e entre as coisas. O problema reside muito mais na redução e no enganoso aumento dessa sensibilidade, tão logo ela seja simulada em limites e invólucros preexistentes. Pois o horizonte, o onde do estar-no-espaço não é, realmente, uma inclusão "real", nem uma moldura restritiva, mas é uma delimitação indefinida e possível cuja relativa amplidão ou estreiteza se revela no trato com as coisas. Se essa interioridade insegura se consolida de antemão pela suposição de um efetivo espaço-container, surge uma separação real comparável à do espaço privado, a qual, com a preferência por anteparos — autarquia, tranqüilidade — negocia também as suas desvantagens: isolamento e toda sorte de autismos estéticos. Entre os artistas importantes que realizaram instalações, apenas Bruce Nauman se insurgiu desde o começo contra o caráter privativo desse encasulamento, contra a "cela branca", e também contra a caverna escura da videoarte [Bildschirmkunst], perturbando e rompendo a unidade da experiência espacial por meio da alteração dos planos consagrados, da assincronia do som e da imagem, da inversão de seus fluxos e de outros recursos artísticos.

O parcelamento dos espaços da experiência é, porém, apenas um aspecto problemático da "arte do real". Seu reverso não parece menos incerto: o freqüente enfraquecimento que se observa na organização interna, nas relações formais e de conteúdo, no enfraquecimento que acompanha o encapsulamento. Uma vez que a coesão parece estar garantida pela delimitação espacial, as instalações muitas vezes se esgotam num disparatado amontoado ou no espalhamento de apetrechos, cujas relações entre si permanecem visivelmente subdeterminadas — e por meio disso, em certas circunstâncias, são percebidas como sendo muito significativas. Não é por acaso que a instalação, ao lado da performance e do vídeo, seja a forma artística global mais valorizada. O provimento de espaços expositivos com despojos culturais cria sempre um ambiente que é de algum modo interessante, embora, em casos mais raros, se crie mais que uma vaga sensação de familiaridade no que é estranho: quem haveria de contestar que a desarrumação se apresente em toda parte onde esteja o homem2020] Sobre essa linguagem global, cf. Kudielka, R. Weltkunst — Allerweltkunst? Vom Sinn und Unsinn der Globalisierung in den bildenden Kunsten. In: Jahrbuch 14 der bayerischen Akademie der Shönen Künste, Munique, 2000, vol. 1, pp. 441-59. [?

De modo ainda mais claro que o pré-requisito de um container, a tendência ao relaxamento da estrutura interna permite reconhecer a mensurabilidade da idéia de configurar de modo "mais real" o lugar da experiência. Felizmente o problema não é filosófico; a afirmação enfática mostra a sua legitimidade artística e seus limites muito mais numa imagem-chave da modernidade do pós-guerra americano: o Ateliê vermelho (1911), de Henri Matisse. Desde 1948 no acervo do Museu de Arte Moderna, este quadro balizou o surgimento de uma "arte do real". Ele mostra, por meio da unidade e opacidade da cor, um espaço interior hermeticamente fechado, maciçamente premido na superfície: um mundo permanentemente vermelho, no qual a porta se fechou, a janela foi velada, o relógio parou — somente os quadros representados no quadro indicam que ainda existe um outro lugar além dessa atmosfera surpreendentemente densa. Mas o caráter fechado desse espaço é decididamente imaginário; a mesma cor impenetrável — que enfeixa o espaço numa unidade — recusa ao mesmo tempo aquele projetivo olhar para algo, bem como o desenvolvimento de uma empatia, abrindo caminho tão-somente para a relação entre o espectador e a superfície vermelha como lugar da experiência2121] Uma exposição exemplar da complexidade desse quadro aparentemente simples encontra-se em Elderfield, John. Matisse in the collection of the Museum of Modern Art. Nova York, 1978, pp. 86-89. [. A história da conquista do "espaço real" por meio da arte adquire desde esse ponto de partida um sentido passível de reconhecimento: tanto em sua grandiosa ambição quanto em sua limitação cada vez mais patente. Pois, em sua exclusividade, tornar este espaço imaginário real exigiu não apenas suprimir e fazer esquecer a efetiva mensuração de um invólucro existente. Era preciso que esse processo fosse tão longe quanto o mundo vermelho de Matisse, o qual transborda e ultrapassa a estrutura perspectivista do motivo do ateliê (algo que Mark Rothko conseguiu em suas melhores séries de quadros)2222] O papel central do Atelier vermelho na arte de Mark Rothko, atestado pelo próprio artista, já foi discutido várias vezes; talvez, de modo mais convincente, por Eliza E. Rathbone e Mark Rothko, em "The Brown and Gray Paintings." In: American art at mid-century: The subjects of the artist, catálogo da National Gallery of Art. Washington, 1978, pp. 245-66. [. Para que esse tipo de espaço pictórico pudesse se tornar realidade também do ponto de vista de seu conteúdo, foi preciso que, no lugar dos desenhos e contornos, objetos concretos e demarcações fossem trazidos a uma estrutura de relações que produzisse uma convicção análoga — e o círculo se fecha o mais tardar nesse ponto, uma vez que as ligações não são grandezas reais em si mesmas; elas são, antes, imaginárias. Se houve um artista da instalação que chegou a realizar essa contraditória obra de arte, este foi antes Joseph Beuys, e não um dos "espaço-realistas" minimalistas.

A imaginária exclusividade do Ateliê vermelho chama a atenção, contudo, para um outro fato, aparentemente secundário. Enquanto o quadro exibe um espaço possível — na verdade improvável se examinado à luz de um julgamento racional —, ele praticamente não exclui outros mundos, de modo que ele pode coexistir perfeitamente com determinações diferentes de lugar, no mesmo espaço de exposição. Ao contrário disso, o parcelamento do espaço disponível por meio de instalações e environments acarretam um dilema que não se pode mais ignorar: o que acontece com os espaços reclamados e reivindicados com exclusividade pelos artistas, quando eles têm de ser arrumados a fim de ceder o lugar a novas aquisições? A pressão para o desalojamento é inevitável, uma vez que os lugares e as instituições destinados às obras de arte são limitados. Além disso, o encargo tradicional de apresentação e conservação por meio da posse dos recursos disponíveis tornou-se insustentável. Onde dispor espaços artísticos completos, que não podem se apresentar ou estar pendurados juntos ou na companhia do trabalho de outros expositores? Procura-se pensar em enormes ajuntamentos de containers que se podem ampliar indefinidamente, cujas unidades podem ser, de acordo com as necessidades, objeto de troca e enviadas para o mundo todo. Ou, ainda, procura-se pensar nos grandes columbários que se localizam em áreas abandonadas ou à margem das regiões populosas, os quais, como pontos de peregrinação, expõem as privações do caminho, predecessoras do encontro com a arte.

Estas não são visões extravagantes, como demonstram dois projetos excepcionalmente lúcidos que vieram a público em maio de 2003. Na cidade de Basiléia inaugurou-se o "Armazém de Exposições" ["Schaulager"] da Fundação Laurenz, com uma apresentação pormenorizada de Dieter Roth: um centro de coleção de arte nova, motivado por uma crescente limitação dos museus, os quais podem exibir apenas uma fração de suas coleções. O novo centro tem a virtude de dispor para um público interessado o seu acervo na forma de algo que se encontra explicitamente "armazenado"2323] Vischer, Theodora (org.), "Roht-Zeit". Eine Dieter Roth-Perspektive. Shaulager Basel, 2003. - O "Armazém de Exposições" mantido pela Fundação Laurenz, abriga o acervo da Fundação Emanuel-Hoffmann. [. Os arquitetos Herzog & de Meuron criaram para isso o edifício adequado, tomando por base aquilo que eles consideraram ser um módulo-container. De um modo totalmente diferente, mas respondendo igualmente a uma aguda exigência contemporânea, apresenta-se o museu da Dia Art Foudation, inaugurado nessa mesma época, em Beacon, uma vila operária no vale do rio Hudson, distando cerca de cem quilômetros da cidade de Nova York2424] Sobre o surgimento e a concepção de Beacon, cf. o artigo de Lynne Cooke; Topos Raum. Die Aktualität des Räumes in den Künsten der Gegenwart. Berlim, Akademie der Künste, Verlag für moderne Kunst Nürnberg, 2005, pp. 72-89. . Erigiu-se no galpão de uma antiga fábrica de papelão o maior espaço de exposição do mundo, destinado a uma arte que é espaço-dependente e espaço-determinante. Foram evitadas as limitações de estilo, bem como uma descrição histórica coerente das obras. Apenas o momento em que vieram a público, os anos 1960, foi decisivo para a sua escolha. Seu principal atrativo constitui-se em amplas instalações de minimal art e land art, completadas por seções de obras de Joseph Beuys, Andy Warhol, Richard Serra, Gerhard Richter e outros.

Essas tentativas engajadas de levar a sério a mudança do caráter de obra nas artes plásticas do século XX deixa naturalmente em aberto uma última questão: não seria o caso de se pensar que, com a transformação do objeto da observação em lugar da experiência, a dimensão histórica do tempo perdeu o seu significado primário de contato com a arte? (e com ele a tarefa dos museus de fazer coleções?) Não se pode descartar essa hipótese completamente, como sugere o desaparecimento da histórica formação do indivíduo; e mesmo esse desaparecimento não seria de se lamentar completamente — possivelmente há outras formas de memória além do armazenamento e da conservação. Mas o museu moderno não é apenas o relicário dos estetas, o centro de documentação para historiadores e o abrigo de emergência para os artistas que se protegem daqueles que os desprezam. Ele é, sobretudo, a imprescindível sala de espera da arte moderna. E, por fim, a determinação do lugar vincula-se ao fator temporal da experiência artística. Alguns dos mais significativos agitadores da arte moderna, Cézanne e Duchamp à frente (para não citar novamente o Ateliê vermelho), não teriam chegado jamais à sua devida medida, se — nas coleções aparentemente voltadas para o passado — não houvessem podido esperar pelo seu tempo, a futura atualidade. A mesma reserva é válida para o estabelecimento de uma arte especificamente espacial, com prazo delimitado. Mas é um tanto simplista e limitada a idéia de que a mera possibilidade de se entrar em algum lugar permita o acesso à experiência de um espaço. Como dar tempo suficiente a esses espaços e a seu conteúdo, de tal modo que as pessoas — ultrapassado o evento da primeira apresentação — possam neles se encontrar a si mesmas, ou seja, possam se encontrar dentro deles? A pergunta talvez caiba, para a sua surpresa ou consternação, aos próprios artistas.

Recebido para publicação em 15 de junho de 2008.

[

  • [1] White, John. The birth and rebirth of pictorial space 3-a ed. Londres, 1987 [1957]
  • [3] Hetzer, Theodor. Francisco Goya und die Krise der Kunst um 1800. In: Berthold, Gertrude (org.). Schriften Theodor Hertzers (Zur Geschichte des Bildes von der Antike bis Césanne). Stuttgart, 1998, vol. 9, pp. 141-63.
  • [4] Cf. o capítulo "Os planos". In: Schmidt, Bertram. Césannes Lehre. Kiel, 2004, pp. 194-226.
  • [5] Merleau-Ponty, Maurice. L'il et et l'esprit. Paris, 1964, p. 68f.
  • [6] Cf. a seção "Cézanne und die Tiefe des Bildraumes", em Kudielka, R. "Chromatische und plastische Interaktion. Über die Wirkungsweise der Bildfarbe im Werke von Bridget Riley". In: Hoormann, Anne e Schawelka, Karl (orgs.), Who's afraid of. Zum Stand der Farbforschung. Weimar, 1998, pp. 135-39.
  • [7] Van Gogh, Vincent. Carta 21, a Émile Bernard. In: V. W. Van Gogh (org.), Verzamelde brieven van Vincent Van Gogh, Amsterdã, 1954, vol. 4, p. 236.
  • [8] Proust, Marcel. Auf der Suche nach der verlorenen Zeit. Trad. Eva Rechel-Mertens. Frankfurt am Main, 1979, vol. 10 (Die Gefangene 2), p. 347.
  • [9] Matisse, Henri. "Entretien avec Tériade" (1929). In: Fourcade, Dominique (org.). Écrits et propôs sur l'art. Paris, 1972, p. 99f.
  • [10] "So far as I know, I was the first to bring the painting forward from the frame, rather than set it within the frame." In: The new art - The new life. The collected writings of Piet Mondrian. Holtzman, Harry e S. James, Martin (orgs.). Londres, 1987, p. 357.
  • [11] Sobre o conceito de "peinture-objet", cf. Hess, Walter. Dokumente zum Verständnis der modernen Malerei. Reinbeck bei Hamburg, 1997, p. 75f.
  • [12] A própria história artística da escultura é o tema do livro de Dieter Rahm, Die Plastik und die Dinge. Zum Streit zwischen Philosophie und Kunst, Freiburg, 1993. A relação com a pintura moderna é discutida de modo mais detalhado em Kudielka, R. "Aufstellen statt Repräsentieren. Zur Bedeutung des Paradigmas der Plastik in der Moderne." In: Kluxen, Andrea (org.), Ästhetische Probleme der Plastik im 19. und 20. Jahrhundert. Nürnberg, 2001, pp. 249-72.
  • [13] Judd, Donald. "Specific Objects." In: Arts Yearbook, 8, 1965, pp. 74-82.
  • Tradução alemã em Stemrich, Gregor (org.), Minimal art. Eine Kritische Retrospective Dresden; Basel, 1995, pp. 59-73.
  • [14] Essa mudança transformou-se, em 1964, numa espécie de lema daqueles artistas que hoje são caracterizados como pertencentes à minimal art. O argumento foi debatido criticamente, em fevereiro de 1964, numa discussão radiofônica sobre o tema "New nihilism or new art?", publicado depois, em 1966, por Lucy Lippard, sob o título "Questions to Stella and Judd. Interview by Bruce Glaser", na edição de setembro de Art News; reimpresso em Battock, Gregory (org.), Minimal art. A critical anthology. Londres, 1968, pp. 148-64.
  • Sobre uma história da recepção, cf. Feldman, Paula e Schubert, Karsten (orgs.), It is what it is. Writings on Dan Flavin since 1964 Londres, 2004.
  • [15] A Bedroom ensemble refere-se a uma lembrança que Oldenburg tinha de um motel localizado na estrada costeira que leva a Malibu. Nele cada quarto era matizado pelo caráter de um determinado tipo de pele animal: tigre, leopardo, zebra etc. O conjunto misturava estes padrões e os combinava com a aparência dada por folhas de madeira marmorizadas, das quais as texturas eram imitadas com recursos fotográficos. Curiosamente Oldenburg não via em seu trabalho qualquer diferença de princípios com relação a uma instalação abstrata, como a de Morris, a qual dramatizava o espaço da galeria por meio de corpos puramente geométricos: "Geometry, abstraction, rationality - these are the themes that are expressed formally in 'Bedroom'[...]. 'Bedroom' might have been called a composition for (rhomboids) columns and disks". In: Russel, John e Gablik, Suzi (orgs.), Pop art: redefined. Londres, 1969, p. 95f.
  • [17] O'Doherty, Brian. In der weißen Zelle: Inside the White Cube. Berlim: Wolfgang Kemp, 1996.
  • [19] Peter Sloterdijk seguiu esse deslocamento de pesos até as "construções auto-referentes do museu", as quais celebram a "exposição do espaço de exposições": "Os recipientes demonstram de maneira cada vez mais clara a sua demanda por precedência, em detrimento de seu conteúdo". In: Sloterdijk, Peter. Sphären III: Schäume. Frankfurt am Main, 2004, p. 813.
  • [20] Sobre essa linguagem global, cf. Kudielka, R. Weltkunst Allerweltkunst? Vom Sinn und Unsinn der Globalisierung in den bildenden Kunsten. In: Jahrbuch 14 der bayerischen Akademie der Shönen Künste, Munique, 2000, vol. 1, pp. 441-59.
  • [21] Uma exposição exemplar da complexidade desse quadro aparentemente simples encontra-se em Elderfield, John. Matisse in the collection of the Museum of Modern Art. Nova York, 1978, pp. 86-89.
  • [22] O papel central do Atelier vermelho na arte de Mark Rothko, atestado pelo próprio artista, já foi discutido várias vezes; talvez, de modo mais convincente, por Eliza E. Rathbone e Mark Rothko, em "The Brown and Gray Paintings." In: American art at mid-century: The subjects of the artist, catálogo da National Gallery of Art. Washington, 1978, pp. 245-66.
  • [23] Vischer, Theodora (org.), "Roht-Zeit". Eine Dieter Roth-Perspektive. Shaulager Basel, 2003.
  • [24] Sobre o surgimento e a concepção de Beacon, cf. o artigo de Lynne Cooke; Topos Raum. Die Aktualität des Räumes in den Künsten der Gegenwart. Berlim, Akademie der Künste, Verlag für moderne Kunst Nürnberg, 2005, pp. 72-89.
  • Objetos da observação — lugares da experiência: sobre a mudança da concepção de arte no século XX

    Robert Kudielka
  • 1
    ] White, John.
    The birth and rebirth of pictorial space. 3-a ed. Londres, 1987 [1957] .
    [
  • 2
    ] O autor se refere à seção do periódico na qual este ensaio se insere. [N. T.]
    [
  • 3
    ] Hetzer, Theodor. Francisco Goya und die Krise der Kunst um 1800. In: Berthold, Gertrude (org.).
    Schriften Theodor Hertzers (Zur Geschichte des Bildes von der Antike bis Césanne). Stuttgart, 1998, vol. 9, pp. 141-63.
    [
  • 4
    ] Cf. o capítulo "Os planos". In: Schmidt, Bertram.
    Césannes Lehre. Kiel, 2004, pp. 194-226.
    [
  • 5
    ] Merleau-Ponty, Maurice.
    L'œil et et l'esprit. Paris, 1964, p. 68f.
    [
  • 6
    ] Cf. a seção "Cézanne und die Tiefe des Bildraumes", em Kudielka, R. "Chromatische und plastische Interaktion. Über die Wirkungsweise der Bildfarbe im Werke von Bridget Riley". In: Hoormann, Anne e Schawelka, Karl (orgs.),
    Who's afraid of. Zum Stand der Farbforschung. Weimar, 1998, pp. 135-39.
    [
  • 7
    ] Van Gogh, Vincent. Carta 21, a Émile Bernard. In: V. W. Van Gogh (org.),
    Verzamelde brieven van Vincent Van Gogh, Amsterdã, 1954, vol. 4, p. 236.
    [
  • 8
    ] Proust, Marcel.
    Auf der Suche nach der verlorenen Zeit. Trad. Eva Rechel-Mertens. Frankfurt am Main, 1979, vol. 10 (Die Gefangene 2), p. 347.
    [
  • 9
    ] Matisse, Henri. "Entretien avec Tériade" (1929). In: Fourcade, Dominique (org.).
    Écrits et propôs sur l'art. Paris, 1972, p. 99f.
    [
  • 10
    ] "So far as I know, I was the first to bring the painting forward from the frame, rather than set it within the frame." In:
    The new art - The new life. The collected writings of Piet Mondrian. Holtzman, Harry e S. James, Martin (orgs.). Londres, 1987, p. 357.
    [
  • 11
    ] Sobre o conceito de "peinture-objet", cf. Hess, Walter.
    Dokumente zum Verständnis der modernen Malerei. Reinbeck bei Hamburg, 1997, p. 75f.
    [
  • 12
    ] A própria história artística da escultura é o tema do livro de Dieter Rahm,
    Die Plastik und die Dinge. Zum Streit zwischen Philosophie und Kunst, Freiburg, 1993. A relação com a pintura moderna é discutida de modo mais detalhado em Kudielka, R. "Aufstellen statt Repräsentieren. Zur Bedeutung des Paradigmas der Plastik in der Moderne." In: Kluxen, Andrea (org.),
    Ästhetische Probleme der Plastik im 19. und 20. Jahrhundert. Nürnberg, 2001, pp. 249-72.
    [
  • 13
    ] Judd, Donald. "Specific Objects." In:
    Arts Yearbook, 8, 1965, pp. 74-82. Tradução alemã em Stemrich, Gregor (org.),
    Minimal art. Eine Kritische Retrospective. Dresden; Basel, 1995, pp. 59-73.
    [
  • 14
    ] Essa mudança transformou-se, em 1964, numa espécie de lema daqueles artistas que hoje são caracterizados como pertencentes à
    minimal art. O argumento foi debatido criticamente, em fevereiro de 1964, numa discussão radiofônica sobre o tema "New nihilism or new art?", publicado depois, em 1966, por Lucy Lippard, sob o título "Questions to Stella and Judd. Interview by Bruce Glaser", na edição de setembro de
    Art News; reimpresso em Battock, Gregory (org.),
    Minimal art. A critical anthology. Londres, 1968, pp. 148-64. Sobre uma história da recepção, cf. Feldman, Paula e Schubert, Karsten (orgs.),
    It is what it is. Writings on Dan Flavin since 1964. Londres, 2004.
    [
  • 15
    ] A
    Bedroom ensemble refere-se a uma lembrança que Oldenburg tinha de um motel localizado na estrada costeira que leva a Malibu. Nele cada quarto era matizado pelo caráter de um determinado tipo de pele animal: tigre, leopardo, zebra etc. O conjunto misturava estes padrões e os combinava com a aparência dada por folhas de madeira marmorizadas, das quais as texturas eram imitadas com recursos fotográficos. Curiosamente Oldenburg não via em seu trabalho qualquer diferença de princípios com relação a uma instalação abstrata, como a de Morris, a qual dramatizava o espaço da galeria por meio de corpos puramente geométricos: "Geometry, abstraction, rationality - these are the themes that are expressed formally in 'Bedroom'[...]. 'Bedroom' might have been called a composition for (rhomboids) columns and disks". In: Russel, John e Gablik, Suzi (orgs.),
    Pop art: redefined. Londres, 1969, p. 95f.
    [
  • 16
    ] A tradução do título para a temporada européia da exposição é esclarecedora no contexto atual: "O espaço na arte americana: 1948-1968 - The art of the real", catálogo da Kunsthauses Zürich, 1969.
    [
  • 17
    ] O'Doherty, Brian.
    In der weißen Zelle: Inside the White Cube. Berlim: Wolfgang Kemp, 1996. — O ensaio apareceu pela primeira vez em 1976, em três números seguidos do periódico americano de arte
    Artforum.
    [
  • 18
    ] A instalação
    Die Toilette, de Kabakov, pôde ser vista, em 1992, na Documenta de Kassel. O
    Weather project, de Eliasson, dominou durante cinco meses, a partir de outubro de 2003, a antiga Sala das Turbinas na Tate Modern, em Londres. E o
    Creation myth, de Rhoades, foi exibido, no outono de 2004, dentro da Flick Collection, no Museu de Arte Contemporânea de Berlim, Hamburger Bahnhof.
    [
  • 19
    ] Peter Sloterdijk seguiu esse deslocamento de pesos até as "construções auto-referentes do museu", as quais celebram a "exposição do espaço de exposições": "Os recipientes demonstram de maneira cada vez mais clara a sua demanda por precedência, em detrimento de seu conteúdo". In: Sloterdijk, Peter.
    Sphären III: Schäume. Frankfurt am Main, 2004, p. 813.
    [
  • 20
    ] Sobre essa linguagem global, cf. Kudielka, R. Weltkunst — Allerweltkunst? Vom Sinn und Unsinn der Globalisierung in den bildenden Kunsten. In: Jahrbuch 14 der bayerischen Akademie der Shönen Künste, Munique, 2000, vol. 1, pp. 441-59.
    [
  • 21
    ] Uma exposição exemplar da complexidade desse quadro aparentemente simples encontra-se em Elderfield, John.
    Matisse in the collection of the Museum of Modern Art. Nova York, 1978, pp. 86-89.
    [
  • 22
    ] O papel central do
    Atelier vermelho na arte de Mark Rothko, atestado pelo próprio artista, já foi discutido várias vezes; talvez, de modo mais convincente, por Eliza E. Rathbone e Mark Rothko, em "The Brown and Gray Paintings." In:
    American art at mid-century: The subjects of the artist, catálogo da National Gallery of Art. Washington, 1978, pp. 245-66.
    [
  • 23
    ] Vischer, Theodora (org.),
    "Roht-Zeit". Eine Dieter Roth-Perspektive. Shaulager Basel, 2003. - O "Armazém de Exposições" mantido pela Fundação Laurenz, abriga o acervo da Fundação Emanuel-Hoffmann.
    [
  • 24
    ] Sobre o surgimento e a concepção de Beacon, cf. o artigo de Lynne Cooke; Topos Raum. Die Aktualität des Räumes in den Künsten der Gegenwart. Berlim, Akademie der Künste, Verlag für moderne Kunst Nürnberg, 2005, pp. 72-89.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Mar 2009
    • Data do Fascículo
      Nov 2008

    Histórico

    • Recebido
      15 Jun 2008
    Centro Brasileiro de Análise e Planejamento Rua Morgado de Mateus, 615, CEP: 04015-902 São Paulo/SP, Brasil, Tel: (11) 5574-0399, Fax: (11) 5574-5928 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: novosestudos@cebrap.org.br