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Mudança constitucional no Brasil, dos debates sobre regras de emendamento na constituinte à "megapolítica"

Resumos

Este artigo discute o padrão de mudança constitucional dos últimos 25 anos: altas taxas de emendamento e mudança endógena movida pela judicialização de questões políticas de alta visibilidade. O texto argumenta que a taxa de mudança no texto de nossa carta constitucional é indicador pobre de ativismo constitucional: a mudança constitucional de fundo tem acontecido no padrão de alta visibilidade da megapolítica. Esse padrão pode ser explicado pelas escolhas realizadas durante a constituinte: conteúdo detalhado da constituição e regras de emendamento relativamente permissivas. O artigo discute a estrutura de incentivos que levou a essas escolhas e sustenta que, ao contrário da experiência internacional, o ativismo constitucional tem ocorrido em um contexto de extensa constitucionalização. Mas a centralidade adquirida pelo stf na última década é inteiramente não antecipada pelos atores políticos.

Mudança constitucional; Emendas constitucionais; Constituição de 1988; Megapolítica


This article discusses the pattern of changes in the Brazilian constitution since 1988: high amendment rates and endogenous change driven by the judicialization of high-visibility political issues. The article suggests that the change rate in the constitutional text is a poor indicator of constitutional activism: the relevant constitutional changes have been taking place in the high-visibility pattern of "megapolitics". This pattern can be explained by choices made during the constitution-making process: detailed content and relatively permissive amendment rules. The article discusses the incentive structure that leads to those choices and maintains that, in contrast to international experiences, constitutional activism has been taking place in an extensive constitutionalization process. But the political actors did not anticipate the central role of the Brazilian Supreme Court in the Brazilian political system in the last decade.

Constitutional change; Constitutional amendment; 1988 constitution; Megapolitics


ARTIGOS

Mudança constitucional no Brasil, dos debates sobre regras de emendamento na constituinte à "megapolítica"* * O artigo baseia-se em parte no projeto A Política da Mudança Constitucional na América Latina, financiado pelo cnpq e que contou com a eficiente participação de Radamés Marques como bolsista Pibic. Agradeço os comentários pertinentes de Sérgio Praça e as sugestões editoriais de Joaquim Toledo Jr.

Marcus André Melo

Professor da Universidade Federal de Pernambuco

RESUMO

Este artigo discute o padrão de mudança constitucional dos últimos 25 anos: altas taxas de emendamento e mudança endógena movida pela judicialização de questões políticas de alta visibilidade. O texto argumenta que a taxa de mudança no texto de nossa carta constitucional é indicador pobre de ativismo constitucional: a mudança constitucional de fundo tem acontecido no padrão de alta visibilidade da megapolítica. Esse padrão pode ser explicado pelas escolhas realizadas durante a constituinte: conteúdo detalhado da constituição e regras de emendamento relativamente permissivas. O artigo discute a estrutura de incentivos que levou a essas escolhas e sustenta que, ao contrário da experiência internacional, o ativismo constitucional tem ocorrido em um contexto de extensa constitucionalização. Mas a centralidade adquirida pelo stf na última década é inteiramente não antecipada pelos atores políticos.

Palavras-chave: Mudança constitucional; Emendas constitucionais; Constituição de 1988; Megapolítica

ABSTRACT

This article discusses the pattern of changes in the Brazilian constitution since 1988: high amendment rates and endogenous change driven by the judicialization of high-visibility political issues. The article suggests that the change rate in the constitutional text is a poor indicator of constitutional activism: the relevant constitutional changes have been taking place in the high-visibility pattern of "megapolitics". This pattern can be explained by choices made during the constitution-making process: detailed content and relatively permissive amendment rules. The article discusses the incentive structure that leads to those choices and maintains that, in contrast to international experiences, constitutional activism has been taking place in an extensive constitutionalization process. But the political actors did not anticipate the central role of the Brazilian Supreme Court in the Brazilian political system in the last decade.

Keywords: Constitutional change; Constitutional amendment; 1988 constitution; Megapolitics

"A constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma",

Ulysses Guimarães1 1 Citado em Pilatti, Adriano. A constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo. Lumen Juris Editora, 2008.

Ao reportar a promulgação da constituição de 1988, o New York Times definiu a questão fundamental com a qual o país se confrontava: "como colocar em funcionamento uma constituição em um país com altos índices de corrupção, inflação descontrolada e enorme desigualdade social?"2 2 "Brazil complete new constitution". The New York Times, 03/09/1988. . Decorridos 25 anos, o diagnóstico que se pode fazer da experiência constitucional brasileira recente é fundamentalmente otimista. Há evidências claras de que os mecanismos de controle da corrupção se fortaleceram e de que a impunidade reduziu-se; a inflação tem se mantido sob controle há pelo menos duas décadas e a desigualdade, medida pelo índice de Gini, vem monotonicamente reduzindo-se desde 1993. Mais importante: o país atravessou mais de duas décadas de estabilidade institucional, marcadas por episódios potencialmente desestabilizadores como alternância de poder no nível nacional e impeachment presidencial, para citar apenas dois.

Essa experiência constitucional bem-sucedida contrasta com a recepção negativa da nova constituição entre especialistas das mais variadas matizes e por observadores estrangeiros. Manifestação extrema de "grafomania constitucional" - o detalhamento excessivo e desestabilizador de dispositivos constitucionais -, a nova constituição brasileira conteria para muito analistas os germes de sua própria destruição3 3 Cf. Sartori, G. Comparative constitutional engineering. Nova York: New York University Press, 1997. . Camisa de força, o detalhismo emperraria a formulação e a implementação de políticas públicas, além de minar a efetividade normativa. Sartori descreveu viva e dramaticamente a nova constituição como "quase suicida":

A constituição brasileira possivelmente bate todos os recordes: é do tamanho de uma lista telefônica, com 245 artigos mais 200 itens transicionais. É uma constituição repleta não apenas de detalhes triviais mas também com disposições quase suicidas e promessas impagáveis. 4 4 Sartori, op. cit., p. 197.

O seu vaticínio era dramático: constituições desse tipo produziriam forte ingovernabilidade pela impossibilidade de torná-la efetiva: "quanto mais criamos constituições que regulam e prometem demais, mais estimulamos seu descumprimento e a débâcle de um país".

A manifestação negativa mais eloquente, na realidade, veio da parte de Rosenn, para quem a constituição não era apenas excessivamente longa e detalhista, mas estruturalmente deficiente: "como uma catedral originalmente construída para ser um hotel, a nova constituição é estruturalmente comprometida".

Embora intensamente emendada, a constituição brasileira de 1988 encontra-se em vigor há 25 anos - o dobro da média latino-americana, de 12,4, quase alcançando a média europeia, de 32 anos. A duração da atual carta constitucional brasileira é já superior à média na Ásia (dezenove anos) e mais do que o dobro das constituições africanas, que é de dez anos5 5 Ver Elkins, Zachary, Ginsburg, Tom and Melton, James. The endurance of constitutions. Cambridge University Press, 2009. .

Neste artigo, discuto as razões de a mudança constitucional ter assumido a forma que assumiu: reformismo constitucional constante a ponto de um analista ter descrito a política brasileira nas décadas de 1980 e 1990 como um país "em assembleia constituinte permanente"6 6 Power, Timothy. "Political institutions in democratic Brazil: Politics as a permanent constitutional convention". In: Kingstone, Peter R. e Power, Timothy (orgs.). Democratic Brazil. Actors, institutions and processes. Pittsburgh: University of Pittsburg Press, 2000. . Para responder a essa pergunta, discuto alguns aspectos normativos relativos à inércia constitucional e sobre mudança institucional. Em seguida, reconstituo os debates em torno da escolha da regra de emendamento constitucional na Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988. Examino algumas hipóteses sobre os determinantes da escolha de regras de emendamento com dados para a América Latina para verificar se os mecanismos causais identificados na análise teórica e histórica podem ser generalizados. Por fim, defendo a tese de que, malgrado a aparente maleabilidade e constante alteração da constituição brasileira, só podemos efetivamente identificar mudança constitucional robusta em dois momentos distintos - durante o "big bang" constitucional (1995-1997) ocorrido no início do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso e a partir do ativismo judicial do STF no período 2008-2012. Esse último padrão, denominado de endógeno na literatura, não foi antecipado nos debates da constituinte. No entanto, não se trata apenas da mudança constitucional endógena porque, combinada com o novo ativismo judicial, ela configura o que Hirschl denominou judicialização da megapolítica: "a judicialização de matérias de clara e fundamental importância política que muitas vezes definem e dividem comunidades políticas inteiras"7 7 Hirschl, Ran. "The judicialization of mega-politics and the rise of political courts". Annual Review of Political Science, vol. 11, pp. 93-118, 2008, p. 93. . No caso brasileiro, a mudança constitucional e o ativismo constitucional têm ocorrido paradoxalmente em um contexto de extensa constitucionalização: contrariamente à experiência norte-americana, por exemplo, o ativismo não mantém relação com a elevada rigidez da carta constitucional daquele país nem tampouco com o caráter generalista dos seus dispositivos.

O JOGO DAS REGRAS: ESCOLHENDO A FORMA DE MUDAR A CONSTITUIÇÃO

"As constituições devem ser reescritas a cada dezenove anos",

Thomas Jefferson

Talvez motivações mesquinhas tenham levado Jefferson à boutade de que as constituições têm prazo de validade. Afinal, como embaixador da nova nação norte-americana em Paris ele se ressentia do fato de estar longe dos acontecimentos em torno da ratificação da constituição norte-americana. Na realidade Jefferson foi até comedido - ele poderia ter sugerido uma nova constituição a cada três anos, que tem sido a média do Haiti, ou ter sugerido uma constituição em processo permanente de mudança, como tem sido o caso da "constituição" inglesa nas duas últimas décadas, como afirmou Bogdanor8 8 Bogdanor, Vernon. The new English constitution. Hart Publishing, 2009. .

Mas há uma postulação mais profunda - e controversa - na afirmação de Jefferson: o ideal majoritário de que as constituições devem revelar as mudanças nas preferências dos atores que formam uma maioria. Afinal, que princípio superior autorizaria a aquiescência de futuras gerações diante de um texto formulado por uma geração passada? Ou por que, na forma eloquente em que Jefferson arguiu contra o princípio da imutabilidade das constituições, "os mortos deveriam governar os vivos"9 9 Citado em Elkins, Zachary, Ginsburg, Tom e Melton, James. The endurance of constitutions, op. cit. ? Para Jefferson, dezenove não era nenhum número cabalístico, mas a extensão média de tempo entre gerações. Esse princípio tem longo pedigree na história do pensamento político e adquiriu centralidade no pós-guerra principalmente no debate em torno de cláusulas pétreas na Lei Básica alemã10 10 Para uma análise minuciosa cf. Schwartzberg, Melissa. Democracy and legal change. Cambridge University Press, 2008. . A ideia de que as constituições devem ser flexíveis está intimamente ligada ao conceito de soberania popular. Mas há variantes importantes que defendem uma perspectiva pragmática no lugar do ideal normativo transcendental de soberania popular. Essa é a visão dos federalistas, para quem as constituições devem ser flexíveis pois, refletindo a falibilidade humana, serão sempre necessariamente imperfeitas. Essa também é a visão de Ulysses Guimarães, como se atesta na epígrafe deste artigo, e de muitos autores contemporâneos que atualizam esse ideal em versões deliberativas do ideal normativo majoritário11 11 Cf. por exemplo autores como Bruce Ackerman, Cass Sunstein e Stephen Holmes. .

O princípio de que as constituições devem ser protegidas de maiorias ocasionais se assenta na visão de que as constituições expressam um consenso social básico na sociedade. Nessa perspectiva usualmente associada à visão da constituição como um contrato, a constituição representa um consenso12 12 Para uma crítica radical contra o argumento de que as constituições são contratos cf. Hardin, Russel. "Why a constitution?". In: Grofman, Bernard e Wittman, Donald. The Federalist papers and the new constitution. New York: Agathon Press, pp 100-20. . Dois argumentos normativos distintos são mobilizados na defesa desse princípio13 13 Para uma detalhada discussão das cláusulas pétreas e da inércia constitucional na teoria política cf. Schwartzberg, Melissa. Democracy and legal change, op. cit.; Para os aspectos normativos, cf. Silva, Virgílio Afonso. "A fossilized constitution". Ratio Juris, 174, 4, pp. 454-73. . Em primeiro lugar, as constituições são dispositivos antimajoritários e por isso sua preservação equivale à própria salvaguarda da democracia. Ou seja, é preciso proteger a democracia da própria democracia: ao garantir a liberdade de agentes que buscam a destruição da própria democracia, a democracia contém potencialmente um elemento de autodestruição. A introdução de barreiras à mudança é um mecanismo de autodefesa. A inércia constitucional é também um mecanismo de preservação da imunidade e da inviolabilidade dos direitos de minorias. O segundo argumento é que as constituições materializam metapreferências (ou preferências sobre preferências), que podem ser ameaçadas por preferências de segunda ordem ou mais imediatas (paixões).

A constituição brasileira apresenta taxas de emendamento extremamente elevadas: uma média de 3,5 emendas de 1992 até abril de 2013. Se às emendas de revisão forem acrescentadas as emendas constitucionais de revisão promulgadas em 1994, a taxa de emendamento ascende a 3,8 - uma das mais elevadas do mundo. Essa afirmação é robusta para as diversas formas possíveis para se calcular taxas de emendamento. Nessa perspectiva, prima facie, a mudança constitucional em estado quase permanente parece consistente com o ideal majoritário jeffersoniano. Sob a perspectiva positiva de análise, no entanto, não parece que os constituintes tivessem o propósito de aderir a algum ideal normativo específico. Mesmo que alguns atores tivessem essa intenção, a dinâmica da tomada de decisões na Assembleia Constituinte é contaminada pelos interesses representados e pela dinâmica decisória específica dos trabalhos de feitura da carta. Na realidade, como argumento neste artigo, o processo de mudança constitucional nas duas últimas décadas foi determinado pelas escolhas dos constituintes quanto ao conteúdo da constituição e o grau de inércia constitucional desejado refletiu o cálculo dos atores quanto a como certos dispositivos atenderiam ou não a seus interesses no futuro.

Que fatores explicam o fato de que a mudança constitucional tem assumido a forma que assumiu nos últimos 25 anos, de emendamento constante e permanente? O que explica o grau de detalhamento da constituição e a elevadíssima taxa de emendamento? E o alto grau de delegação de poderes ao executivo e ao judiciário? Por que algumas constituições duram mais do que outras é uma questão para a qual já temos algumas respostas, a partir de trabalhos empíricos exaustivos recentes14 14 Elkis, Zachary e outros, op. cit.; Negretto, Gabriel. Making constitutions. Presidents, parties and institutional choice in Latin America. Cambridge University Press. . Também existe um conhecimento acumulado sobre por que algumas constituições são mais emendadas15 15 Melo, Marcus André. "Hiperconstitucionalização e qualidade da democracia: mitos e realidade". In: Alcântara, Manuel e Ranulfo, Carlos. A democracia brasileira: balanços e perspectivas para o século XXI. Belo Horizonte: Editora da UFMG; Negretto, op. cit. Elkins, op. cit. Nolte, Dieter. "Constitutional change in Latin America: power politics or symbolic politics?". Paper apresentado ao Joint Sessions ECPR, Rennes, 2008. ou por que são mais extensas16 16 Voigt, Stefan. "Explaining constitutional garrulity". International review of law and economics, 29, 4:290-303, 2009; Ginsburg, Tom e Cooter, Robert. "Leximetrics: why same laws are longer in some countries than others?". Paper apresentado na Annual Meeting of the American Law & Economics Association, 2004. do que outras. Mas uma lacuna importante diz respeito ao conhecimento sobre as escolhas constitucionais sobre cláusulas pétreas e regras de emendamento. Esse ponto crucial não parece ter sido objeto de nenhum estudo sistemático17 17 Melo, Marcus André. "Why some constitutions are longer but easier to amend than others: evidence from Latin America?". Paper apresentado na Annual Meeting of the American Political Science Review. Washington, DC, 2010. .

Em uma assembleia as escolhas constitucionais sobre as instituições são marcadas pelas expectativas dos atores de uma frente a sua posição futura. Ou seja, elas resultam de um cálculo intertemporal. Esse insight importante de Knight18 18 Knight, Jack. "Institutionalizing constitutional interpretation". In: Ferejohn, J., Rakove e Riley, J. (eds.). Constitutional culture and democratic rule. Cambridge University Press, 2001. Ver Pozas-Loyo, Andrea e Ríos-Figueroa, J. "Enacting constitutionalism. The origins of independent judicial institutions in Latin America". Comparative Politics 42 (3) (2010): 293-311. fornece balizas valiosas para entendermos por que a constitucionalização é tão intensa e por que as regras de emendamento no Brasil são tão lenientes. Isso vale também para a escolha de regras decisórias sobre as alterações futuras no texto constitucional. Se o processo constituinte é marcado pelo controle unilateral ou hegemônico de um grupo sobre as demais e esse grupo espera que esse controle permaneça inalterado no futuro, ele não terá incentivos para atar as próprias mãos. Em outras palavras, tais grupos terão interesse em maximizar o seu espaço de discrição: e vão buscar constitucionalizar poucos dispositivos legais e aprovar exigências severas de emendamento, já que eles esperam ter o controle da situação, podendo assim esperar poder mudar o status quo quando lhes interessar. De forma contrária, quando há forte incerteza sobre o que ocorrerá no futuro, os grupos participantes do processo decisório terão interesse em constitucionalizar muitos dispositivos, mantendo rígidos, ao mesmo tempo, os instrumentos de mudança. Isso garante que, quando esses grupos estiverem na oposição, teriam suas preferências mantidas.

A situação na realidade é complexa, afirma Knight, porque no momento de escolha das instituições há três fatores a serem considerados pelos constituintes. Em primeiro lugar o quanto constitucionalizar - o que equivale empiricamente ao grau de detalhamento das constituições. Em segundo, diz respeito às expectativas de controle sobre o poder judiciário, já que este exerce papel fundamental na interpretação constitucional. Em terceiro, a expectativa de controle sobre as maiorias legislativas no futuro. Se há forte incerteza sobre o grau de controle da maioria legislativa no momento da assembleia constituinte, a tendência será de elevado grau de constitucionalização. Se há expectativa de controle sobre as maiorias legislativas mas não sobre o judiciário, isso implicará a preferência por regras severas de emendamento para o núcleo básico de liberdades, direito e garantias. No entanto, como veremos, essa opção pela constitucionalização extensa tem como contrapartida a flexibilização das regras para outros dispositivos. Em outras palavras, se a expectativa de controle sobre o legislativo for maior do que a expectativa de controle sobre o judiciário, essa será a lógica predominante. Isso implicará também preferências por maior acesso à justiça constitucional, pela ampliação do acesso dos atores legitimados para contestar a constitucionalidade de leis na corte suprema do país19 19 Knight não discute o poder executivo porque seu modelo pressupõe um presidente fraco à la americana. No entanto, é razoável estender o raciocínio para o caso do presidente, porque a expectativa de eleição de um executivo pelas forças da coalizão eram elevadas. Por isso os incentivos para a delegação de poder ao presidente foram elevados e refletiam um diagnóstico sobre o funcionamento do presidencialismo pós-1946 formulado na década de 1950. Mas a delegação de poderes ao executivo exigia uma delegação igualmente extensa de poderes ao poder judiciário e ao poder legislativo de forma a domar um executivo constitucionalmente poderoso. Cf. Melo, Marcus André. "Controle do poder executivo e presidencialismo de coalizão". Cadernos Aslegis 40, 2010, pp. 55-78; e Limongi, Fernando. "O poder executivo na constituição de 1988". In: Oliven, Ruben G., Ridenti, M. e Brandão, Gildo M. (orgs.). A constituição de 1988 na vida brasileira. São Paulo: Hucitec-ANPOCS, 2008. .

Ginsburg e Cooter20 20 Ginsburg, Tom e Cooter, Robert. "Leximetrics: why same laws are longer in some countries than others?". Paper apresentado na Annual Meeting of the American Law & Economics Association, 2004. ofereceram um argumento que complementa algumas intuições de Knight: a preferência pelo detalhamento - a maior especificidade dos dispositivos legais justifica-se quando há uma fragmentação da coalizão que propõe o dispositivo. Porque os custos de transação para tomar uma decisão são elevados, os atores têm incentivos para detalhar o documento legal, uma vez que o acordo logrado no momento da decisão terá menos probabilidade de acontecer no futuro. Por outro lado, os autores também têm incentivos ao detalhamento do texto, porque a possibilidade de correção de desvios, inclusive de interpretação do texto pelo judiciário, é minimizada. As predições desses dois autores quanto aos determinantes do detalhamento são distintas. Para Knight, quando há expectativas de controle do judiciário no futuro mas não do legislativo, haverá incentivos para um menor detalhamento do texto (e consequentemente ampliação do escopo para a interpretação constitucional) e a preferência por regras mais severas de emendamento. Em caso de controle futuro de maiorias legislativas pela coalizão dominante simultaneamente com pouco controle sobre o judiciário, poderíamos esperar intensa constitucionalização e regras fáceis de emendamento. Para Ginsburg e Cooter, o fundamental é a fragmentação dos atores: maior fragmentação leva a mais incerteza e preferências por constitucionalização ampla de dispositivos. Em suma, seja por problemas de cálculo intertemporal, seja por problemas de custos de transação, em contextos de fragmentação política haverá fortes incentivos à constitucionalização.

Com base nesses argumentos, o que esperar no caso específico das escolhas dos constituintes quanto às regras de emendamento e nível de constitucionalização pretendido? O processo constituinte brasileiro herdou relativamente intacto o poder judiciário do governo militar e apresentava ainda fortes incertezas sobre o jogo democrático em virtude do papel importante dos militares no processo de transição. A transição democrática esteve marcada efetivamente por incertezas. A Aliança Democrática que comandava a coalizão de transição não tinha expectativas de manutenção de seu status de maioria no futuro próximo. Dado que as cortes superiores tinham membros nomeados pelo regime militar, com vitaliciedade no mandato, o judiciário seria o poder onde se poderia esperar uma herança maior do regime anterior. O grau esperado de controle futuro sobre o poder legislativo para a coalizão dominante na constituinte seria muito maior no caso do poder legislativo. Mas ainda assim a taxa de incerteza não era trivial. Com base no argumento de Knight e Ginsburg e Cooter, poderíamos esperar que houvesse incentivos para a constitucionalização. Os incentivos que levavam à extensa constitucionalização implicavam simultaneamente a tarefa de lidar com as consequências práticas da extensa constitucionalização sobre policy-making21 21 Em um estudo sobre os países europeus, Bergman e outros concluíram que "há uma correlação negativa clara entre o escopo da área constitucionalmente protegida (medida pelo número de palavras nas constituições) e a dificuldade relativa de emendamento constitucional. Em outras palavras, na Europa ocidental, ou a área protegida pela constituição é grande mas sua proteção relativamente fraca (Portugal ou Suécia), ou o escopo é pequeno mas a proteção forte". Bergman, Torbjorn, Muller, Wolfgang, Strom , Kaare e Blomgren, Maguns. "Democratic delegation and accountability: cross national patterns ". In: Strom,Kaare, Muler Wolfgang e Bergman, Torjjorn. Delegation and Accountability in parliamentary democracies. Oxford: Oxford University Press, 2003, pp. 109-220. . Ou seja, a extensa constitucionalização requeria baixa taxa de inércia constitucional na forma de regras lenientes de emendamento.

A Tabela 1 apresenta a evolução da rigidez constitucional calculada a partir dos diversos índices disponíveis na literatura. A trajetória observada é consistente com as predições de Knight22 22 Cf. para metodologia dos índices Lijphart, Arend. Patterns of democracy. Government forms and performance in thirty-six countries. New Haven: Yale University Press, 1999. Lorenz, Astrid. "How to measure constitutional rigidity: four concepts and two alternatives". Journal Of Theoretical Politics, London, pp. 339-61, Jul. 2005; Anckar, Dag e Lauri Karvonen. 'Constitutional Amendment Methods in the Democracies of the World'. Paper apresentado no XIIIth Nordic Political Science Congress, Aalborg, Denmark, 15 - 17 ago. 2002. .

A exigência de dois terços para a mudança constitucional foi introduzida na constituição de 1991. Como se poderia esperar, o regime autoritário de 1937 baixa as exigências, que foram elevadas em 1946 para 2/3. O regime militar reduziu o quórum constitucional exigido na Constituição de 1967, que estabeleceu a maioria absoluta, embora, já antes, tenha reduzido o quórum para maioria absoluta pelo artigo 3 do Ato Institucional n. 2 de 1965. Embora tenha elevado esse índice em 1969, o governo Geisel, através da Emenda Constitucional no 8, aprovou emenda reduzindo o quórum para facilitar a aprovação da reforma do judiciário em 1977 durante o Pacote de Abril. Antecipando as mudanças que ocorreriam em função da mudança de regime, o quórum foi mais uma vez elevado em 1982 para garantir a resiliência de dispositivos aprovados pelos militares. Consistente com a teoria de Knight, o quórum mais uma vez se reduz em 1988. Na próxima seção discuto o debate constituinte sobre a forma de emendar a constituição23 23 Apresentei um teste econométrico sobre os determinantes da extensão das constituições e da taxa de emendamento para o conjunto dos países latino-americanos em outro lugar. Cf. Melo, Marcus André. "Hiperconstitucionalização e qualidade da democracia: mitos e realidade". In: Alcântara, Manuel e Ranulfo, Carlos, op. cit. A discussão de ordem qualitativa apresentada aqui busca examinar os microfundamentos da escolha das regras pelos atores envolvidos. .

O DEBATE CONSTITUINTE SOBRE A FORMA DE EMENDAR A CONSTITUIÇÃO

Escrevendo na década de 1950, Lloyd Mecham - o primeiro cientista político que se dedicou à a análise comparativa das constituições latino-americanas - afirmou que estas eram inusitadamente detalhadas: "sua extensão excessiva resulta da descrença em relação aos governos, em particular ao executivo - daí os dispositivos detalhados para impedir o abuso de poder"24 24 Lloyd Mecham, J. "Latin American Constitutions: nominal and real". The Journal of Politics, 21 (2), 1954, p. 259. . Lloyd Mecham estava certo - antecipou Knight - ao assinalar que a incerteza gera incentivos para os atores buscarem na constitucionalização de dispositivos uma garantia frente ao futuro. Nesta seção argumento que a escolha das regras de emendamento obedecem a essa mesma lógica e, na realidade, mantém forte interdependência com a definição do conteúdo estratégico do texto e sobretudo da interação estratégica entre os atores.

Os termos da discussão em torno das regras de emendamento na Assembleia Constituinte foram em larga medida ditados pela natureza detalhada da carta que estava sendo elaborada. O trade off envolvido foi definido com clareza - o que justifica a longa citação - pelo depoimento do assessor especial da presidência da República durante a Constituinte, ex-membro da Comissão Afonso Arinos, e então ministro do Supremo Tribunal Federal Célio Borja à Subcomissão de Garantia da Constituição, Reformas e Emendas:

Há portanto, modelos diferentes que estão ao nosso alcance, de submeter o processo de reforma da Constituição a trâmites mais ou menos flexíveis. A grande pergunta que se faz: será conveniente inflexibilizar, dificultar o processo de emenda ou de reforma da Constituição? Eu me permito deixar uma sugestão para reflexão dos representantes do povo brasileiro. Se, porventura, tivermos uma Constituição, como se chama uma Constituição regulamentar, isto é, extensa, longa, que dispõe, às vezes, até minudentemente a respeito de assuntos que a lei ordinária e até o regulamento poderiam disciplinar, e muito bem, se, porventura, se opta por esse tipo de Constituição, convém flexibilizar o processo da sua reforma ou da sua emenda, porque certamente, antes que se escoe o lapso de vida de uma geração, já muitíssimos dispositivos se revelarão inconvenientes. Se, porventura, a Constituinte opta por uma Constituição sintética, uma Constituição que dispõe sobre os princípios, e entrega à iniciativa, à inteligência, ao patriotismo das gerações futuras dispor na lei ordinária sobre o que é mais conveniente para o País, aí convém que se dificulte o processo de reforma e de emenda da Constituição 25 25 Célio Borja, Anais da Assembleia Constituinte, Subcomissão de Garantia da Constituição, Reformas e Emendas, 7 ª reunião ordinária. .

A questão da escolha do método de alteração da constituição foi efetivamente definida a partir do imperativo de se optar por uma constituição extensa e detalhada. A ideia de um trade off entre regra de emendamento e natureza da constituição permeia efetivamente os trabalhos da comissão. Para Euclides Scalco: "Se for uma Constituição sintética, entendo que esses dispositivos sejam válidos, mas se a nossa Constituição for analítica, isso vai ser um complicador enorme; porque se for analítica, evidentemente, um curto prazo vai precisar de emendas, agora se for sintética não"26 26 Anais da Assembleia Constituinte, Subcomissão de Garantia da Constituição, Reformas e Emendas, 12 ª reunião. .

A opção por uma constituição detalhada por sua vez era um imperativo da natureza da fragmentada da barganha política, do alto grau de incertezas no momento dessas escolhas institucionais e da explosão de demandas geradas em virtude do processo de democratização e, da extensa participação no processo constituinte. O sub-relator da Comissão de Garantia da Constituição, Reformas e Emendas expressou com clareza a opção por uma constituição longa e sua relação com a extensa participação. "Trazer a sociedade para dentro da Assembleia Nacional Constituinte, parece - é um avanço muito grande -, mas isso nos impede totalmente, no meu modo de ver, a elaboração de uma Constituição só de princípios". A relação entre os direitos sociais e de minorias e uma constituição com alto grau de especificidade nos seus dispositivos parecia inexorável. Havia um consenso de que uma constituição de princípios "não é para funcionar":

Como eu pessoalmente participei também do setor da Subcomissão dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias, da Comissão da Ordem Social, vendo o problema dos índios, vendo os problemas raciais e os mais variados setores que choram a sua segregação, lamentam, às vezes contestam, outras vezes vêm com uma dor, uma amargura, às vezes com rancor também - vamos ser sinceros -, sentimos que lá das minorias quase que um argumento unitário, pegando minoria por minoria, tivemos um grande número de audiências públicas, chegamos a ter 4,5 num dia, sob o rótulo de uma audiência pública só, sentimos, ali um argumento sofrido de que a Constituição de princípios, eles diziam que a Constituição de poucos artigos é para não funcionar, para continuarem as injustiças sobre nós e assim por diante. E não dá para negar a razão 27 27 Ruy Nedel, sub-relator da Subcomissão de Garantia da Constituição, Reformas e Emendas, 7 ª reunião ordinária. .

O sub-relator também se referiu à "terrível frustração social de uma Carta de princípios. Seria o caos. Tenho a convicção que só uma frustração dessas, ela, per se, já poderia gerar aquele impasse rumo ao precipício" (9a reunião). O procurador-geral da República Sepúlveda Pertence também se referiu, na subcomissão, ao imperativo político da constituição detalhada: "seria absolutamente frustrante" a adoção de uma "constituição sintética". E prognosticava: "quanto maior for a constituição menos estável será" (8a reunião).

A inelutável relação entre constituição detalhada e facilidade de mudança é também defendida pelo então ministro da Justiça Paulo Brossard: "As Constituições analíticas tendem a envelhecer cedo", vaticinou. Um dos mais ativos membros da comissão, o deputado federal João Gilberto Lucas Coelho (rs), ao encaminhar sua proposta, também sinalizava claramente o trade off referido: "Agora, reconhecendo que a Constituição será detalhista, muito provavelmente, e que, portanto, existam reformas às vezes consensuais mas de urgência, nós criamos uma situação especial"28 28 Idem, 5 ª reunião ordinária. .

Em um survey realizado pela revista Veja com os 559 membros da constituinte em abril de 1987 sobre quinze itens da agenda constituinte, 60% dos parlamentares disseram preferir uma constituição curta a uma longa29 29 Citado por Martinez-Lara, Javier. Building democracy in Brazil, the politics of constitutional change. MacMillan Press, 1996, p. 72. . No entanto, suas preferências sobre questões substantivas eram inconsistentes com esse objetivo: a vasta maioria era a favor da expansão de direitos sociais, proteção do trabalho contra o desemprego, expansão dos direitos das mulheres e indígenas e das garantias individuais, eliminação da censura, descentralização fiscal, fortalecimento do congresso, entre vários outros temas. Mas, na realidade, além de querer manter no texto cláusulas com conteúdo substantivo oposto aos defendidos pela esquerda, os setores conservadores também tinham interesse em constitucionalizar dispositivos sobre o regime legal da propriedade, regime econômico, reforma agrária, dentre outros. Na realidade apenas dois itens da pesquisa - constituição curta e substituição do sistema proporcional pelo de distritos uninominais - apresentaram dissensos importantes. Para além da preferência pela constituição concisa, a inclusão de todas essas demandas pró constitucionalização requeria necessariamente um texto detalhado. O argumento de que a constituição sucinta era exclusivamente uma demanda de setores conservadores, embora encontre alguma evidência na narrativa de setores da esquerda na constituinte, não se sustenta. A fragmentação de interesses, como previa Ginsburg e Cooter, efetivamente, produziu uma estrutura de incentivos que levava à profusão de propostas para o texto. Foi efetivamente a interação estratégica entre os atores participantes do jogo das regras constitucionais - não a preferência por questões substantivas - que produziu a ampla constitucionalização observada. Por isso, embora majoritária, a opção por uma constituição concisa não vingou30 30 O argumento que defendo aqui é parcialmente consistente com a constatação de Praça e Noronha que o texto constituição aprovado no plenário mantém forte continuidade com os anteprojetos 219 (apelidado de "Frankenstein") e 253. Cf. Praça, Sérgio e Noronha, Lincoln. "Políticas públicas e a descentralização legislativa da Assembleia Constituinte brasileira 1987-1988". Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 27, 78, 2012. .

Havia bandeiras que eram de forte consenso no seio da coalizão de forças que comandavam o processo de transição democrática e, portanto, fortes incentivos para que não apenas fossem constitucionalizadas mas transformadas em cláusulas pétreas. A solução envolveu a criação de uma estrutura dupla consistindo de um núcleo de questões protegidas de reformas futuras e o resto da constituição que poderia ser alterado. O núcleo que deveria permanecer dizia respeito aos direitos, às liberdades a garantias individuais, ao sufrágio universal, direto, secreto e periódico para eleições de mandatos legislativos, ao direito de oposição democrática, à autonomia dos estados e ao impedimento de mudança constitucional na vigência de estado de sítio. Os demais artigos da constituição seriam passíveis de mudança. Essa proposta resultou de proposta do procurador geral Sepúlveda Pertence entusiasticamente endossada pelos parlamentares:

A ideia da distinção de emendas, de reformas e de revisão poderia ser um mecanismo para dar grau diverso de rigidez a diferentes normas constitucionais, estabelecendo, por exemplo, uma rigidez brutal, que é a exigência de 2/3, apenas para um rol de princípios eminentes da Constituição, permitindo uma alteração mais flexível, um sistema mais flexível, ainda que não chegasse à flexibilidade total da Constituição do Império, mediante maioria absoluta31 31 Sepúlveda Pertence, Anais da Assembleia Constituinte, Subcomissão de Garantia da Constituição, Reformas e Emendas, 8 ª reunião ordinária. .

Essa opção teria inclusive implicações sobre a escolha do formato institucional de controle da constitucionalidade. Para Pertence, a opção por uma corte constitucional era incompatível com a preservação de um núcleo de princípios imutáveis:

É preciso ver que o controle de constitucionalidade funciona normalmente, não a favor da maioria, ele é precisamente uma segurança da minoria política. Por isso uma resistência que eu tenho [...] à ideia da Corte Constitucional eletiva, sobre tudo se dá uma renovação que faça dela uma dependência da maioria política ocasional. Exatamente porque apostar numa Constituição rígida, apostar em que existam valores jurídicos que devam ficar com uma certa estabilidade acima da conjuntura política é incompatível com uma Corte de absoluta predominância política 32 32 9ª reunião. .

No encaminhamento final que permaneceu no texto da carta previa-se para a defesa da constituição um quórum mais reduzido de 3/5 em vez de 2/3 e dois turnos de votação. Essa fórmula foi justificada pelo relator da seguinte forma:

O nosso anteprojeto é o de que o estabelecimento de um prazo, entre os dois turnos, visa a permitir o amadurecimento das decisões, sempre importantes quanto às alterações do texto constitucional. Se investigarmos o Direito comparado, vamos ver que existem disposições, existem mandamentos constitucionais que preveem legislaturas distintas para qualquer alteração na Constituição. Outros países contemplam a exigência de duas sessões legislativas. O sistema que adotamos, no nosso anteprojeto, é menos rigoroso que esses dois grupos, mas um pouco mais do que a Constituição atual, porque compreendemos as mutações políticas, econômicas, sociais e culturais que existem em nosso País 33 33 Nelson Friedrich, relator da Subcomissão de Garantia da Constituição, Reformas e Emendas, 7 ª reunião ordinária. .

A lógica de conferir imutabilidade ao núcleo político no caso brasileiro foi a mesma que presidiu sua inclusão no caso alemão: o trauma da experiência autoritária e a forte incerteza quanto ao futuro . Mas o caso brasileiro não é singular. Um terço das 184 constituições do mundo contêm cláusulas que não podem ser alteradas34 34 Constitutions database < www.constitutionproject.org>. . Esse número se eleva consideravelmente nas novas democracias, sugerindo uma dinâmica semelhante.

A separação de poderes foi introduzida posteriormente ao núcleo imutável da constituição e sua inclusão mantém interdependência com os extensos poderes delegados ao executivo na carta. Da mesma forma a proposta de estender ao poder executivo a iniciativa de apresentar proposta de emenda constitucional foi derrotada na subcomissão, para ser ressuscitada nas votações finais da constituinte. A proposta foi derrotada a partir de encaminhamento negativo do relator com a seguinte justificativa:

Na verdade, o que nós tivemos, e que a maioria das manifestações que chegaram não contemplavam, exatamente, a iniciativa ao Presidente da República. E eu retomo ao primeiro argumento de que a tradição constitucionalista em 1824, de 1891, de 1934, de 1946, só previam direito de iniciativa aos órgãos legislativos, evidentemente, por serem representativos da soberania popular. Algumas Constituições, como as de 34 e de 46, incluíram as Assembleias Legislativas. Foi a partir do Ato Institucional no1/64 que nós inauguramos esta prática de que o Presidente da República tinha o direito de iniciar o processo de alteração da Lei Maior. O Ato Institucional no2/65 manteve a disposição, o mesmo acontecendo com a Constituição atual, retomando a tradição, especialmente, com o que tivemos em 81 em 34 e em 46, somos pela rejeição da presente emenda35 35 Anais da Assembleia Constituinte, Subcomissão de Garantia da Constituição, Reformas e Emendas, 14 ª reunião ordinária. .

Em 1988, a constituinte aprovou uma regra de emendamento mista. Embora contenha um núcleo imutável, a sistemática adotada mostra-se bastante flexível do ponto de vista comparativo. Atestando o caráter aberto do texto, a constituinte aprovou proposta do deputado Ibsen Pinheiro para a realização de uma revisão ampla da constituição cinco anos depois de sua promulgação36 36 O que não é inusitado: a constituição norte-americana de 1979 continha cláusulas transitórias - a escravidão não seria objeto de deliberação por dez anos - e a francesa de 1891 previa a revisão total da constituição dez anos após sua promulgação e após aprovação em três sessões legislativas. . Como se pode observar na Tabela 2, a constituição brasileira é a terceira menos rígida de toda a América Latina, utilizando-se o índice de Lutz37 37 Lutz, Donald S. "Toward a Theory of Constitutional Amendment". American Political Science Review 88: 355-70, 1994; "Toward a Theory of Constitutional Amendment". In: Levinson, Sanford (ed.). Responding to imperfection. The theory and practice of constitutional amendment. Princeton: Princeton University Press, 1995. .

O padrão de emendamento observado na experiência constitucional brasileira dos últimos 25 anos explica-se em larga medida pela natureza do processo constituinte. Marcado por fortes incertezas e por um processo participativo intenso, o processo constituinte levou à opção por uma constituição detalhada embora fácil de emendar. No entanto o reformismo constitucional brasileiro apresenta especificidades importantes, como discutiremos a seguir.

A TRIVIALIDADE DAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS E O SURGIMENTO DA MEGAPOLÍTICA?

A taxa de emendamento registrada no Brasil nos últimos 25 anos contrasta com a ausência de mudanças no conteúdo substantivo da constituição. As mudanças ocorridas no governo Lula ou Dilma são efetivamente em aspectos triviais da constituição. Pode-se afirmar que só ocorreu mudança constitucional expressiva em dois contextos: 1995-1997 e 2008-2012. No primeiro caso por emendas, no segundo caso por interpretação constitucional. Apenas uma emenda isolada nos governos do pt foge a esse padrão: a ec 41/2003, que trata da reforma da previdência. Essa medida completaria o ciclo reformista iniciado no governo fhc que reduziu o teto previdenciário no setor público, tornando possível a criação de um terceiro pilar complementar no sistema. A aprovação da medida, no entanto, esteve marcada por dissensões importantes, resultando na expulsão de parlamentares do pt e consequente fundação do psol. A emenda só foi regulamentada dez anos após sua aprovação, o que arrefeceu seu impacto38 38 Sobre o assunto ver Praça, Sérgio. O fim da longa constituinte: emendas constitucionais nos governos petistas, 2003-2011. UFABC, 2013 (mimeo). . Em seu conjunto, o executivo aprovou apenas cinco emendas constitucionais de 2002 a 2010.

O contraste entre a experiência brasileira e a britânica nas últimas duas décadas ilumina parte do argumento desenvolvido neste artigo. Entre 1998 e 2005 a Grã-Bretanha realizou o seguinte conjunto de reformas institucionais: a mudança da regra eleitoral, com a introdução da representação proporcional para as assembleias regionais; a criação de uma assembleia regional na Escócia, criando um executivo regional dotado de autonomia em várias áreas; a criação de uma assembleia legislativa no País de Gales; a criação de assembleias regionais na Irlanda do Norte; a criação do cargo de prefeito de Londres em 1998 com eleição direta para o cargo, através de variante da representação proporcional; a extinção do sistema de conselho municipal nas cidades e a criação da figura de executivo municipal diretamente eleito, após aprovação em referendo; a extinção da hereditariedade na Casa dos Lordes e demissão de 92 lordes; a criação da figura de "Lord Chief Justice", como chefe do poder judiciário, substituindo o presidente da Casa dos Lordes nessa função; a criação da Suprema Corte da Inglaterra; a modificação do status constitucional do Banco da Inglaterra, que adquiriu independência; entre outras.39 39 Bogdanor, Vernon. The new English constitution, op. cit.

Em cerca de sete anos ocorreram alterações profundas na estrutura constitucional inglesa, com modificações no poder judiciário, regra eleitoral (o país convive agora com quatro sistemas eleitorais diferentes), na estrutura territorial do estado, entre outras mudanças. Nenhuma dessas mudanças ocorreu via propostas formais de mudança a um texto: como não há constituição escrita, a mudança reflete as maiorias parlamentares no período40 40 Ibidem. .

Malgrado o aparente ativismo constitucional no Brasil, o único processo semelhante em escopo ao britânico ocorrido no país teve lugar em 1995 quando o presidente Fernando Henrique Cardoso apresentou treze emendas transformadas em lei que redefiniram o papel do estado na economia brasileira. Em seu conjunto o "big bang" constitucional no período 1994-2002 foi singular e sem precedentes: o executivo apresentou 38 emendas constitucionais que resultaram em dezessete reformas no texto da carta. Outras mudanças institucionais foram a reforma do judiciário (ec 45, de 2004), a modificação das medidas provisórias em 2001 (ec 32), a aprovação do instituto da reeleição (ec 1997) e a ec 52 (2006) dispondo sobre coligações eleitorais. As três primeiras ocorreram ainda no governo Cardoso ou tiveram longa tramitação durante ele. Adicionalmente se poderia citar alterações pontuais nas relações entre governo central e estadual (muitas sem status constitucional, como a Lei de Responsabilidade Fiscal lc 101/2000). Essas emendas dizem respeito diretamente ao núcleo duro do que Arantes e Couto denominaram questões de polity41 41 Arantes, Rogério B. e Couto, Cláudio G. "Construção democrática e modelos de constituição". Dados, vol. 53, pp. 545-85, 2010. . As emendas constitucionais do governo Fernando Henrique Cardoso efetivamente transformaram o padrão da constituição de 198842 42 Cf Melo, Marcus André. Reformas constitucionais no Brasil: instituições políticas e processo decisório. Rio de Janeiro: Revan, 2002. . A constituição expressou os ideais do estado desenvolvimentista das décadas de 1950, 1960 e 1970 e as reformas modificaram dispositivos constitucionais que davam sustentação ao modelo. O núcleo duro desses dispositivos foram a eliminação da distinção entre empresas brasileiras e estrangeiras atuantes no Brasil e a eliminação de monopólios nas áreas essenciais da economia como telecomunicações, energia e minérios (ou flexibilização, como no caso do petróleo). Poderíamos dizer que no período pós-constituinte o país abrigou duas constituições: a constituição política de 1988 e a constituição econômica de 1995.

As modificações institucionais posteriores alteraram pouco ou quase nada em relação ao padrão institucional da constituição de 1988, caracterizado por três blocos de inovações: a) uma extensa e importante ampliação dos direitos e garantias constitucionais; b) uma extensa delegação de poderes ao poder executivo; c) uma robusta delegação de poderes ao judiciário, ao legislativo e aos órgãos de controle; e d) uma codificação ampla relativa ao papel do estado na economia43 43 Melo, Marcus André e Pereira, Carlos. Making Brazil work: checking the president in a multiparty system. Nova York: Palgrave McMillan, 2013. . Esse último aspecto representa uma inovação decerto bastante limitada na medida em que o texto constitucional reafirma dispositivos e práticas relativas à intervenção do estado na economia. O aspecto novo refere-se apenas ao status constitucional adquirido por certos dispositivos como a inusitada limitação da taxa de juros na economia ou a definição de empresas nacionais de capital estrangeiro. Esse último bloco de dispositivos constitucionais serão inteiramente reformados por emendas no período 1995-1997, como assinalado acima.

O primeiro bloco de inovações só sofrerá mudanças de natureza interpretativa no governo Dilma, como, por exemplo, na definição constitucional de família. O segundo e terceiro blocos, por sua vez, não sofreram alterações substantivas. A título de exemplificação, a Figura 1 apresenta dados comparativos sobre poder de agenda - tais como iniciativas exclusivas em matéria administrativa, orçamentária e tributária, poder de emitir medidas provisórias ou prerrogativas de solicitar urgência na tramitação de leis nas constituições brasileiras. Na constituição de 1988 foram delegados poderes ao executivo numa escala inédita: o contraste com a constituição de 1946 não poderia ser mais expressivo. De último lugar na América Latina o Brasil passou a primeiro no índice. A Figura deixa claro a singularidade brasileira no conjunto da região. Esse conjunto extenso foi parcialmente afetado por uma única emenda constitucional pós-1988: aquela ocorrida em 2001 relativa à emissão de medidas provisórias. A alteração marginal no padrão geral de delegação ocorrido pode ser visualizada na Figura 2. A figura contém dados para poderes de agenda e poderes não legislativos (grau de discrição no poder de nomear ministros do supremo, procurador-geral, governos subnacionais, regras para impeachment, etc.). Observa-se que ambos os tipos de poderes estão amplamente correlacionados. A mudança radical ocorreu a partir dos governos militares e da promulgação da constituição de 1988, que formam um cluster no topo à direita do diagrama. Exercício similar pode ser realizado no que se refere a direitos e garantias ou delegação de poderes ao judiciário, legislativo e órgãos de controle. Não se observa mudança na estrutura constitucional básica do país.



Em paralelo à mudança constitucional explícita representada por alterações no texto da carta, pode-se também argumentar que mudanças de grande repercussão têm ocorrido no padrão endógeno que Hirschl denomina megapolítica44 44 Para Ackerman, embora o texto permaneça o mesmo, na realidade pode-se falar de pelo menos três constituições norte-americanas que surgiram a partir de mudanças de grande amplitude na interpretação constitucional . . Os julgamentos do STF têm correspondido a interpretações novas que equivalem a mudanças estruturais em várias áreas: coligações em eleições, uso das células-tronco embrionárias, união homoafetiva, gravidez de feto anencéfalo, nepotismo no judiciário, impunidade e corrupção (Lei da Ficha Limpa), reservas indígenas. A importância desses temas certamente nos autoriza a falar de mudança constitucional em sentido amplo.

A possibilidade de mudança constitucional endógena remete à discussão normativa sobre a mudança institucional. Trata-se de um padrão antimajoritário de atuação?

Escrevendo na década de 1950, o maior teórico contemporâneo da democracia, Dahl, desmontou a tese de que o judiciário seria um poder "contramajoritário"45 45 Dahl, Robert. "Decision-making in a democracy: the Supreme Court as a national policy-maker". Journal of Public Law, 6, pp. 279-95. . Segundo essa tese, a democracia (regra da maioria) e a regra da lei seriam antitéticas. O judiciário representaria um poder potencialmente despótico e antidemocrático, porque não eleito. E mais: a expansão do poder judicial levaria a um déficit democrático progressivo no sistema político.

Amplamente dominante nos círculos jurídicos - entre outras coisas, por investir a magistratura de funções nobres, reforçando sua identidade corporativa - a tese contramajoritária tem sido defendida por ilustres pensadores empenhados em "levar os direitos a sério"46 46 Dworkin, Ronald. Taking rights seriously. Oxford University Press, 1978. . Mas a tese, argumenta Dahl, não resiste aos fatos - em um período de 167 anos, a Suprema Corte norte-americana havia declarado a inconstitucionalidade de 86 dispositivos legais (fora as mudanças via interpretação) e proferiu ao longo de sua história decisões contra direitos fundamentais: sustentando leis racistas, derrubando leis de proteção ao trabalho infantil, limitando a jornada de trabalho. Ao fazê-lo a corte estava refletindo valores da maioria ou coalizão política que governava o país. Assim, a tese da garantia de direitos fundamentais não se sustentava empiricamente.

Dahl argumenta que em seu modus operandi normal a corte é uma instituição majoritária: reflete os valores e preferências da maioria ou coalizão política. As exceções que comprovam a regra restringiam-se aos poucos períodos em que há um realinhamento histórico na coalizão que governa o país. Sua análise revela que os conflitos concentram-se na década de 1870 - quando os republicanos destronam os democratas que estavam no poder há quatro décadas - e na década de 1930, com o fim do domínio republicano desde 1870. Os anos que seguiram a publicação do texto de Dahl só corroboram sua análise pioneira: a chamada corte Warren (1953-1969) passou a ativamente defender minorias, mas ao fazê-lo estava apenas refletindo a hegemonia política da nova maioria: a nova coalizão democrata.

Nesse período de transição ocorre um descompasso porque a composição da corte ainda não refletia o novo equilíbrio de forças. Afinal, os juízes foram nomeados pelo presidente e ratificados pela maioria congressual. A conclusão normativa do argumento de Dahl é que esses dois mecanismos são desejáveis porque impedem que uma minoria de juízes, que não podem ser responsabilizados democraticamente, imponham suas preferências políticas individuais para o resto da sociedade. Ao serem nomeados e ratificados por agentes eleitos, seriam parte da coalizão governativa, daí decorrendo a legitimidade democrática de suas decisões.

Mesmo tendendo a refletir os mesmos valores políticos e morais (majoritários) dos agentes eleitos, nas democracias, o poder majoritário pode, sob dadas condições, manter-se independente dos ocupantes dos demais poderes e, como sugere Dahl, garantir a regra da lei: precondição da vida democrática. Assim, não há contradição lógica entre seu padrão majoritário de atuação e sua desejável independência. Nesse sentido do ponto de vista da análise positiva das instituições a oposição que assinalei entre constitucionalismo e soberania popular não se sustenta.

Se a corte tivesse impingido à nação um conjunto de valores normativos autorreferidos e descolados da sociedade as decisões do stf seriam vistas como ilegítimas. Mas claramente este não é o caso. Os valores embutidos nas decisões da corte foram forjados no marco da transição à democracia no Brasil e constituem, com raras exceções, um conjunto de crenças partilhadas por setores majoritários da sociedade. Coube ao stf decidir sobre essas questões por várias razões, a mais importante das quais são as estratégias através dos quais os agentes eleitos delegam para o judiciário decisões com custos elevados para parcelas do eleitorado. É nesse controle concentrado da constitucionalidade, com capacidade de invalidar normas e nas decisões sobre questões morais, que reside o papel controverso do judiciário. Comparativamente a outros países, o STF tem prerrogativas amplas e é muito inclusivo: catorze países possuem o mesmo modelo híbrido de controle (combinando o controle concentrado com o difuso) e pouquíssimos países franqueiam a titularidade de adins tão inclusivamente. O controle concentrado exclusivo está presente em 69 países - em geral com titularidade restrita - e o difuso, em 54. O amplo acesso à justiça constitucional abrigado na carta constitucional de 1988 refletiu as expectativas de incerteza associadas ao processo de democratização.

No debate constitucional norte-americano, Brutus - pseudônimo do destacado antifederalista Robert Yates - temia um conluio entre juízes da Suprema Corte e um senado aristocrático contra a República. O cenário de juristocracia que desenhou tem sido ressuscitado de forma inteiramente descabida no debate brasileiro. O surgimento da mudança constitucional endógena no Brasil seguramente implicará um papel mais saliente para a corte suprema. Mas isso não implica nenhum déficit democrático.

CONCLUSÕES

Uma leitura apressada da experiência de mudança constitucional no país nos últimos 25 anos pode levar à conclusão que a extensa constitucionalização implicaria, paradoxalmente, a redução do escopo da interpretação constitucional. Afinal, esse último é inversamente proporcional ao grau de detalhamento da constituição: quanto mais vagos e generalistas são os dispositivos constitucionais, maior o espaço discricionário dos juízes das cortes superiores na sua aplicação. No caso brasileiro, o ativismo constitucional do stf tem ocorrido em um contexto de extensa constitucionalização.

Argumentei neste artigo que a mudança no texto de nossa carta constitucional é indicador pobre de ativismo constitucional. A mudança constitucional de fundo tem ocorrido no padrão de alta visibilidade da megapolítica, mas que paradoxalmente não requer emendamento algum. Essa mudança não é trivial. Em parte ela reflete escolhas realizadas durante a constituinte: conteúdo detalhado da constituição e regras de emendamento relativamente permissivas. Essa escolha ditou em parte a forma assumida pela mudança constitucional subsequente. Mas a centralidade adquirida pelo Supremo Tribunal Federal na última década é inteiramente não antecipada pelos atores políticos.

Recebido para publicação em 21 de setembro de 2013.

  • 1 Citado em Pilatti, Adriano. A constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo. Lumen Juris Editora, 2008.
  • 2 "Brazil complete new constitution". The New York Times, 03/09/1988.
  • 3 Cf. Sartori, G. Comparative constitutional engineering. Nova York: New York University Press, 1997.
  • 5 Ver Elkins, Zachary, Ginsburg, Tom and Melton, James. The endurance of constitutions. Cambridge University Press, 2009.
  • 6 Power, Timothy. "Political institutions in democratic Brazil: Politics as a permanent constitutional convention". In: Kingstone, Peter R. e Power, Timothy (orgs.). Democratic Brazil. Actors, institutions and processes. Pittsburgh: University of Pittsburg Press, 2000.
  • 7 Hirschl, Ran. "The judicialization of mega-politics and the rise of political courts". Annual Review of Political Science, vol. 11, pp. 93-118, 2008, p. 93.
  • 8 Bogdanor, Vernon. The new English constitution. Hart Publishing, 2009.
  • 10 Para uma análise minuciosa cf. Schwartzberg, Melissa. Democracy and legal change. Cambridge University Press, 2008.
  • 12 Para uma crítica radical contra o argumento de que as constituições são contratos cf. Hardin, Russel. "Why a constitution?". In: Grofman, Bernard e Wittman, Donald. The Federalist papers and the new constitution. New York: Agathon Press, pp 100-20.
  • 13 Para uma detalhada discussão das cláusulas pétreas e da inércia constitucional na teoria política cf. Schwartzberg, Melissa. Democracy and legal change, op. cit.; Para os aspectos normativos, cf. Silva, Virgílio Afonso. "A fossilized constitution".Ratio Juris, 174, 4, pp. 454-73.
  • 14 Elkis, Zachary e outros, op. cit.; Negretto, Gabriel. Making constitutions. Presidents, parties and institutional choice in Latin America. Cambridge University Press.
  • 15 Melo, Marcus André. "Hiperconstitucionalização e qualidade da democracia: mitos e realidade". In: Alcântara, Manuel e Ranulfo, Carlos. A democracia brasileira: balanços e perspectivas para o século XXI. Belo Horizonte: Editora da UFMG;
  • Negretto, op. cit. Elkins, op. cit. Nolte, Dieter. "Constitutional change in Latin America: power politics or symbolic politics?". Paper apresentado ao Joint Sessions ECPR, Rennes, 2008.
  • 16 Voigt, Stefan. "Explaining constitutional garrulity". International review of law and economics, 29, 4:290-303, 2009;
  • Ginsburg, Tom e Cooter, Robert. "Leximetrics: why same laws are longer in some countries than others?". Paper apresentado na Annual Meeting of the American Law & Economics Association, 2004.
  • 17 Melo, Marcus André. "Why some constitutions are longer but easier to amend than others: evidence from Latin America?". Paper apresentado na Annual Meeting of the American Political Science Review. Washington, DC, 2010.
  • 18 Knight, Jack. "Institutionalizing constitutional interpretation". In: Ferejohn, J., Rakove e Riley, J. (eds.). Constitutional culture and democratic rule. Cambridge University Press, 2001.
  • Ver Pozas-Loyo, Andrea e Ríos-Figueroa, J. "Enacting constitutionalism. The origins of independent judicial institutions in Latin America". Comparative Politics 42 (3) (2010): 293-311.
  • 19 Knight não discute o poder executivo porque seu modelo pressupõe um presidente fraco à la americana. No entanto, é razoável estender o raciocínio para o caso do presidente, porque a expectativa de eleição de um executivo pelas forças da coalizão eram elevadas. Por isso os incentivos para a delegação de poder ao presidente foram elevados e refletiam um diagnóstico sobre o funcionamento do presidencialismo pós-1946 formulado na década de 1950. Mas a delegação de poderes ao executivo exigia uma delegação igualmente extensa de poderes ao poder judiciário e ao poder legislativo de forma a domar um executivo constitucionalmente poderoso. Cf. Melo, Marcus André. "Controle do poder executivo e presidencialismo de coalizão". Cadernos Aslegis 40, 2010, pp. 55-78;
  • e Limongi, Fernando. "O poder executivo na constituição de 1988". In: Oliven, Ruben G., Ridenti, M. e Brandão, Gildo M. (orgs.). A constituição de 1988 na vida brasileira São Paulo: Hucitec-ANPOCS, 2008.
  • 20 Ginsburg, Tom e Cooter, Robert. "Leximetrics: why same laws are longer in some countries than others?". Paper apresentado na Annual Meeting of the American Law & Economics Association, 2004.
  • 21 Em um estudo sobre os países europeus, Bergman e outros concluíram que "há uma correlação negativa clara entre o escopo da área constitucionalmente protegida (medida pelo número de palavras nas constituições) e a dificuldade relativa de emendamento constitucional. Em outras palavras, na Europa ocidental, ou a área protegida pela constituição é grande mas sua proteção relativamente fraca (Portugal ou Suécia), ou o escopo é pequeno mas a proteção forte". Bergman, Torbjorn, Muller, Wolfgang, Strom , Kaare e Blomgren, Maguns. "Democratic delegation and accountability: cross national patterns ". In: Strom,Kaare, Muler Wolfgang e Bergman, Torjjorn. Delegation and Accountability in parliamentary democracies. Oxford: Oxford University Press, 2003, pp. 109-220.
  • 22 Cf. para metodologia dos índices Lijphart, Arend. Patterns of democracy. Government forms and performance in thirty-six countries. New Haven: Yale University Press, 1999.
  • Lorenz, Astrid. "How to measure constitutional rigidity: four concepts and two alternatives". Journal Of Theoretical Politics, London, pp. 339-61, Jul. 2005;
  • Anckar, Dag e Lauri Karvonen. 'Constitutional Amendment Methods in the Democracies of the World'. Paper apresentado no XIIIth Nordic Political Science Congress, Aalborg, Denmark, 15 - 17 ago. 2002.
  • 24 Lloyd Mecham, J. "Latin American Constitutions: nominal and real". The Journal of Politics, 21 (2), 1954, p. 259.
  • 29 Citado por Martinez-Lara, Javier. Building democracy in Brazil, the politics of constitutional change. MacMillan Press, 1996, p. 72.
  • 30 O argumento que defendo aqui é parcialmente consistente com a constatação de Praça e Noronha que o texto constituição aprovado no plenário mantém forte continuidade com os anteprojetos 219 (apelidado de "Frankenstein") e 253. Cf. Praça, Sérgio e Noronha, Lincoln. "Políticas públicas e a descentralização legislativa da Assembleia Constituinte brasileira 1987-1988". Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 27, 78, 2012.
  • 37 Lutz, Donald S. "Toward a Theory of Constitutional Amendment".American Political Science Review 88: 355-70, 1994;
  • Toward a Theory of Constitutional Amendment. In: Levinson, Sanford (ed.). Responding to imperfection. The theory and practice of constitutional amendment. Princeton: Princeton University Press, 1995.
  • 41 Arantes, Rogério B. e Couto, Cláudio G. "Construção democrática e modelos de constituição". Dados, vol. 53, pp. 545-85, 2010.
  • 42 Cf Melo, Marcus André. Reformas constitucionais no Brasil: instituições políticas e processo decisório. Rio de Janeiro: Revan, 2002.
  • 43 Melo, Marcus André e Pereira, Carlos. Making Brazil work: checking the president in a multiparty system. Nova York: Palgrave McMillan, 2013.
  • 45 Dahl, Robert. "Decision-making in a democracy: the Supreme Court as a national policy-maker". Journal of Public Law, 6, pp. 279-95.
  • 46 Dworkin, Ronald. Taking rights seriously. Oxford University Press, 1978.
  • *
    O artigo baseia-se em parte no projeto A Política da Mudança Constitucional na América Latina, financiado pelo cnpq e que contou com a eficiente participação de Radamés Marques como bolsista Pibic. Agradeço os comentários pertinentes de Sérgio Praça e as sugestões editoriais de Joaquim Toledo Jr.
  • 1
    Citado em Pilatti, Adriano.
    A constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo. Lumen Juris Editora, 2008.
  • 2
    "Brazil complete new constitution".
    The New York Times, 03/09/1988.
  • 3
    Cf. Sartori, G.
    Comparative constitutional engineering. Nova York: New York University Press, 1997.
  • 4
    Sartori, op. cit., p. 197.
  • 5
    Ver Elkins, Zachary, Ginsburg, Tom and Melton, James.
    The endurance of constitutions. Cambridge University Press, 2009.
  • 6
    Power, Timothy. "Political institutions in democratic Brazil: Politics as a permanent constitutional convention". In: Kingstone, Peter R. e Power, Timothy (orgs.).
    Democratic Brazil. Actors, institutions and processes. Pittsburgh: University of Pittsburg Press, 2000.
  • 7
    Hirschl, Ran. "The judicialization of mega-politics and the rise of political courts".
    Annual Review of Political Science, vol. 11, pp. 93-118, 2008, p. 93.
  • 8
    Bogdanor, Vernon.
    The new English constitution. Hart Publishing, 2009.
  • 9
    Citado em Elkins, Zachary, Ginsburg, Tom e Melton, James.
    The endurance of constitutions, op. cit.
  • 10
    Para uma análise minuciosa cf. Schwartzberg, Melissa.
    Democracy and legal change. Cambridge University Press, 2008.
  • 11
    Cf. por exemplo autores como Bruce Ackerman, Cass Sunstein e Stephen Holmes.
  • 12
    Para uma crítica radical contra o argumento de que as constituições são contratos cf. Hardin, Russel. "Why a constitution?". In: Grofman, Bernard e Wittman, Donald.
    The Federalist papers and the new constitution. New York: Agathon Press, pp 100-20.
  • 13
    Para uma detalhada discussão das cláusulas pétreas e da inércia constitucional na teoria política cf. Schwartzberg, Melissa.
    Democracy and legal change, op. cit.; Para os aspectos normativos, cf. Silva, Virgílio Afonso. "A fossilized constitution".
    Ratio Juris, 174, 4, pp. 454-73.
  • 14
    Elkis, Zachary e outros, op. cit.; Negretto, Gabriel.
    Making constitutions. Presidents, parties and institutional choice in Latin America. Cambridge University Press.
  • 15
    Melo, Marcus André. "Hiperconstitucionalização e qualidade da democracia: mitos e realidade". In: Alcântara, Manuel e Ranulfo, Carlos.
    A democracia brasileira: balanços e perspectivas para o século XXI. Belo Horizonte: Editora da UFMG; Negretto, op. cit. Elkins, op. cit. Nolte, Dieter. "Constitutional change in Latin America: power politics or symbolic politics?". Paper apresentado ao Joint Sessions ECPR, Rennes, 2008.
  • 16
    Voigt, Stefan. "Explaining constitutional garrulity".
    International review of law and economics, 29, 4:290-303, 2009; Ginsburg, Tom e Cooter, Robert. "Leximetrics: why same laws are longer in some countries than others?". Paper apresentado na
    Annual Meeting of the American Law & Economics Association, 2004.
  • 17
    Melo, Marcus André. "Why some constitutions are longer but easier to amend than others: evidence from Latin America?". Paper apresentado na
    Annual Meeting of the American Political Science Review. Washington, DC, 2010.
  • 18
    Knight, Jack. "Institutionalizing constitutional interpretation". In: Ferejohn, J., Rakove e Riley, J. (eds.).
    Constitutional culture and democratic rule. Cambridge University Press, 2001. Ver Pozas-Loyo, Andrea e Ríos-Figueroa, J. "Enacting constitutionalism. The origins of independent judicial institutions in Latin America".
    Comparative Politics 42 (3) (2010): 293-311.
  • 19
    Knight não discute o poder executivo porque seu modelo pressupõe um presidente fraco
    à la americana. No entanto, é razoável estender o raciocínio para o caso do presidente, porque a expectativa de eleição de um executivo pelas forças da coalizão eram elevadas. Por isso os incentivos para a delegação de poder ao presidente foram elevados e refletiam um diagnóstico sobre o funcionamento do presidencialismo pós-1946 formulado na década de 1950. Mas a delegação de poderes ao executivo exigia uma delegação igualmente extensa de poderes ao poder judiciário e ao poder legislativo de forma a domar um executivo constitucionalmente poderoso. Cf. Melo, Marcus André. "Controle do poder executivo e presidencialismo de coalizão".
    Cadernos Aslegis 40, 2010, pp. 55-78; e Limongi, Fernando. "O poder executivo na constituição de 1988". In: Oliven, Ruben G., Ridenti, M. e Brandão, Gildo M. (orgs.).
    A constituição de 1988 na vida brasileira. São Paulo: Hucitec-ANPOCS, 2008.
  • 20
    Ginsburg, Tom e Cooter, Robert. "Leximetrics: why same laws are longer in some countries than others?". Paper apresentado na
    Annual Meeting of the American Law & Economics Association, 2004.
  • 21
    Em um estudo sobre os países europeus, Bergman e outros concluíram que "há uma correlação negativa clara entre o escopo da área constitucionalmente protegida (medida pelo número de palavras nas constituições) e a dificuldade relativa de emendamento constitucional. Em outras palavras, na Europa ocidental, ou a área protegida pela constituição é grande mas sua proteção relativamente fraca (Portugal ou Suécia), ou o escopo é pequeno mas a proteção forte". Bergman, Torbjorn, Muller, Wolfgang, Strom , Kaare e Blomgren, Maguns. "Democratic delegation and accountability: cross national patterns ". In: Strom,Kaare, Muler Wolfgang e Bergman, Torjjorn.
    Delegation and Accountability in parliamentary democracies. Oxford: Oxford University Press, 2003, pp. 109-220.
  • 22
    Cf. para metodologia dos índices Lijphart, Arend.
    Patterns of democracy. Government forms and performance in thirty-six countries. New Haven: Yale University Press, 1999. Lorenz, Astrid. "How to measure constitutional rigidity: four concepts and two alternatives".
    Journal Of Theoretical Politics, London, pp. 339-61, Jul. 2005; Anckar, Dag e Lauri Karvonen. 'Constitutional Amendment Methods in the Democracies of the World'. Paper apresentado no XIIIth Nordic Political Science Congress, Aalborg, Denmark, 15 - 17 ago. 2002.
  • 23
    Apresentei um teste econométrico sobre os determinantes da extensão das constituições e da taxa de emendamento para o conjunto dos países latino-americanos em outro lugar. Cf. Melo, Marcus André. "Hiperconstitucionalização e qualidade da democracia: mitos e realidade". In: Alcântara, Manuel e Ranulfo, Carlos,
    op. cit. A discussão de ordem qualitativa apresentada aqui busca examinar os microfundamentos da escolha das regras pelos atores envolvidos.
  • 24
    Lloyd Mecham, J. "Latin American Constitutions: nominal and real".
    The Journal of Politics, 21 (2), 1954, p. 259.
  • 25
    Célio Borja, Anais da Assembleia Constituinte, Subcomissão de Garantia da Constituição, Reformas e Emendas, 7
    ª reunião ordinária.
  • 26
    Anais da Assembleia Constituinte, Subcomissão de Garantia da Constituição, Reformas e Emendas, 12
    ª reunião.
  • 27
    Ruy Nedel, sub-relator da Subcomissão de Garantia da Constituição, Reformas e Emendas, 7
    ª reunião ordinária.
  • 28
    Idem, 5
    ª reunião ordinária.
  • 29
    Citado por Martinez-Lara, Javier.
    Building democracy in Brazil, the politics of constitutional change. MacMillan Press, 1996, p. 72.
  • 30
    O argumento que defendo aqui é parcialmente consistente com a constatação de Praça e Noronha que o texto constituição aprovado no plenário mantém forte continuidade com os anteprojetos 219 (apelidado de "Frankenstein") e 253. Cf. Praça, Sérgio e Noronha, Lincoln. "Políticas públicas e a descentralização legislativa da Assembleia Constituinte brasileira 1987-1988".
    Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 27, 78, 2012.
  • 31
    Sepúlveda Pertence, Anais da Assembleia Constituinte, Subcomissão de Garantia da Constituição, Reformas e Emendas, 8
    ª reunião ordinária.
  • 32
    9ª reunião.
  • 33
    Nelson Friedrich, relator da Subcomissão de Garantia da Constituição, Reformas e Emendas, 7
    ª reunião ordinária.
  • 34
    Constitutions database <
  • 35
    Anais da Assembleia Constituinte, Subcomissão de Garantia da Constituição, Reformas e Emendas, 14
    ª reunião ordinária.
  • 36
    O que não é inusitado: a constituição norte-americana de 1979 continha cláusulas transitórias - a escravidão não seria objeto de deliberação por dez anos - e a francesa de 1891 previa a revisão total da constituição dez anos após sua promulgação e após aprovação em três sessões legislativas.
  • 37
    Lutz, Donald S. "Toward a Theory of Constitutional Amendment".
    American Political Science Review 88: 355-70, 1994; "Toward a Theory of Constitutional Amendment". In: Levinson, Sanford (ed.).
    Responding to imperfection. The theory and practice of constitutional amendment. Princeton: Princeton University Press, 1995.
  • 38
    Sobre o assunto ver Praça, Sérgio.
    O fim da longa constituinte: emendas constitucionais nos governos petistas, 2003-2011. UFABC, 2013 (mimeo).
  • 39
    Bogdanor, Vernon.
    The new English constitution, op. cit.
  • 40
    Ibidem.
  • 41
    Arantes, Rogério B. e Couto, Cláudio G. "Construção democrática e modelos de constituição".
    Dados, vol. 53, pp. 545-85, 2010.
  • 42
    Cf Melo, Marcus André.
    Reformas constitucionais no Brasil: instituições políticas e processo decisório. Rio de Janeiro: Revan, 2002.
  • 43
    Melo, Marcus André e Pereira, Carlos.
    Making Brazil work: checking the president in a multiparty system. Nova York: Palgrave McMillan, 2013.
  • 44
    Para Ackerman, embora o texto permaneça o mesmo, na realidade pode-se falar de pelo menos três constituições norte-americanas que surgiram a partir de mudanças de grande amplitude na interpretação constitucional .
  • 45
    Dahl, Robert. "Decision-making in a democracy: the Supreme Court as a national policy-maker".
    Journal of Public Law, 6, pp. 279-95.
  • 46
    Dworkin, Ronald.
    Taking rights seriously. Oxford University Press, 1978.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jan 2014
    • Data do Fascículo
      Nov 2013

    Histórico

    • Recebido
      21 Set 2013
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