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CLASSES SOCIAIS, CULTURA E EDUCAÇÃO

Social Classes, Culture and Education

RESUMO

Este artigo se insere numa longa tradição de pesquisas nas ciências sociais sobre a persistência das desigualdades de classe na educação e nas chances de mobilidade social. Após examinar as principais perspectivas analíticas nesse campo de estudos, o artigo aponta os limites de ambas, não apenas no que se refere à construção do objeto, mas, principalmente, na tarefa de explicar a reprodução das referidas desigualdades e, ao mesmo tempo, incorporar o componente da agência da ação social e, com isso, a possibilidade de mudança.

PALAVRAS-CHAVE:
classe social; capital cultural; desigualdade; realização educacional; contradição

ABSTRACT

This paper examines the theoretical approaches to the persistence of class inequalities in educational attainment and social mobility. After examining them, the paper stresses their insufficiencies to explain the reproduction of class inequalities in education and social mobility, and also the possibility of social change.

KEYWORDS:
social class; cultural capital; inequality; educational attainment; contradiction

Um estudo recente sobre a evolução da desigualdade de oportunidades de realização educacional e mobilidade social no Brasil nas últimas quatro décadas evidencia que,embora tenha havido uma redução - ainda que pequena e inconstante - na associação entre a origem social e a realização educacional,a origem social de um indivíduo permanece um fator importante a conformar suas chances de alcançar uma posição de classe na vida adulta.

Ao aumento da referida associação entre origem e destino, quando descontados os efeitos da escolarização alcançada pelo indivíduo,soma-se a diminuição dos retornos às credenciais educacionais, ou seja, a redução na associação entre escolaridade e destino,sobretudo a partir do final de 1980. A conclusão do estudo sugere uma explicação para essa evolução aparentemente paradoxal que envolve equalização (ainda que fraca e incipiente) das chances de escolarização e persistência nas disparidades de classe nas chances de ascensão social: “Em um contexto de diminuição dos retornos educacionais, as famílias em posições de classe mais vantajosas foram capazes de garantir melhores condições de ascensão ou manutenção da posição de classe de seus filhos”.1 1 Ribeiro, 2012, p. 674.

Com base em enfoques analíticos e metodológicos distintos do estudo anteriormente mencionado, algumas pesquisas que tematizam a presença da família na escolarização dos filhos - objeto que ganhou destaque na sociologia a partir dos anos 1980 - apontam em uma direção similar, evidenciando a existência de estratégias diversas, e variavelmente eficazes,de investimento educacional (e de reprodução social) por famílias de diferentes posições de classe - não obstante a variedade de percursos escolares observados entre jovens pertencentes a meios sociais homogêneos. Assim, entre jovens oriundos de frações intelectualizadas de classe média,os percursos escolares revelam estratégias em que “pouco espaço se deixa ao acaso”,desenrolando-se “num horizonte temporal estendido que autoriza o pressentimento da chegada aos níveis mais altos da pirâmide escolar”.2 2 Nogueira, 2011, p. 151.

Diferentemente, entre jovens oriundos de meios populares, a permanência no sistema escolar para além do obrigatório é uma tarefa cujo sucesso é improvável, diante das “práticas de eliminação de diferentes graus e em todos os níveis de ensino” a que estão submetidos,do precário planejamento familiar e do curto horizonte temporal que acompanham as frágeis condições de existência em que se encontram.3 3 Zago, 2011, p. 40; Portes, 2011. Além de estarem desigualmente equipadas para os investimentos educacionais, as famílias têm recursos muito desiguais para compensar os efeitos do possível fracasso escolar e para minimizar o risco de desclassificação social.4 4 Nogueira, 2006.

Tais evidências empíricas são muito semelhantes àquelas produzidas em estudos internacionais recentes sobre a evolução das disparidades de classe nas chances de realização educacional e de mobilidade social. Nesse sentido, um estudo comparativo mostrou ter havido um declínio nas desigualdades de classe na realização educacional em alguns países europeus, mas que se circunscreveu às três décadas seguintes à GM II (sobretudo para os indivíduos nascidos entre 1935 e 1954) e que se deu sob ritmos e formas diferentes entre os países, restringindo-se aos níveis inferiores do sistema de ensino.5 5 Breen et al., 2009a.

Além disso, outros estudos têm mostrado que o sistema de ensino tende a estratificar-se horizontalmente - ou seja, os retornos às credenciais escolares vêm a variar muito fortemente em função da posição ocupada pela instituição de ensino no campo educacional - sob o impacto das estratégias familiares voltadas à reprodução ou ampliação de seu patrimônio material e simbólico ao longo das gerações.6 6 Devine, 2004; Vincent; Ball, 2006; Ribeiro; Schlegel, 2015. Se ainda considerarmos as evidências produzidas em estudos similares de que a associação entre realização educacional e destino tende a ser menor quanto mais elevada a origem social,7 7 Goldthorpe; Jackson, 2008. chegamos a uma conclusão similar àquela anteriormente mencionada: de que as famílias em posições de classe privilegiadas têm sido relativamente bem-sucedidas em preservar suas vantagens sociais relativas ao longo do tempo,pela via escolar e por outras.

Em suma,o que tais estudos (nacionais e internacionais) apontam em comum é que as sociedades investigadas não vêm se transformando em uma direção meritocrática, como sugeriam algumas explicações funcionalistas nos anos de 1960-70.8 8 Bell, 1977. Ainda que as reformas educacionais e as mudanças na estrutura ocupacional possam ter alterado os benefícios esperados da escolarização e a percepção sobre as chances de sucesso escolar - incentivando jovens de origens sociais mais modestas a transitarem para os níveis superiores do sistema escolar -,a escola está longe de ser um meio de ascensão social para os “talentosos” e “esforçados” que “vêm de baixo”, embora sejam estes que mais dependam dela para isso.9 9 Brint, 2006.

Como se vê, muito se avançou nas ciências sociais nas últimas décadas no que se refere aos procedimentos metodológicos capazes de descrever a relação entre origem, destino e realização educacional e também quanto aos enfoques analíticos, com a (re)descoberta de “novos” objetos e maneiras de construí-los. No entanto, as pesquisas avançaram menos no que diz respeito à reconstrução dos mecanismos ou processos que permitiriam explicar os resultados empíricos observados. Embora os estudos sobre o tema geralmente concordem acerca do peso da origem social (ainda que não apenas isso) sobre os percursos escolares e trajetórias sociais (mais especificamente, sobre as desigualdades verticais ou horizontais de realização educacional), propõem explicações distintas sobre os mecanismos que os conectam, mas não os teorizam adequadamente.

Gostaria de distinguir duas perspectivas que, a meu ver, balizam os debates sociológicos contemporâneos acerca dos modos como as classes sociais conformam as trajetórias escolares (e sociais) dos agentes: de um lado, a perspectiva associada ao Programa de Nuffield, que sublinha o mecanismo da aversão ao risco relativo;de outro,a perspectiva associada aos estudos de Pierre Bourdieu, que sublinha o mecanismo do capital cultural e as disposições para agir.

A seguir, examino criticamente essas perspectivas analíticas com o objetivo de apontar as insuficiências de ambas para dar conta dos fenômenos que buscam explicar.Argumento que ambas têm um modo similar de construir o objeto:enfocam a contribuição da escola (e do sistema de ensino mais amplamente) para a reprodução das relações entre as classes sociais e, portanto, para a reprodução da estrutura de distribuição de recursos na sociedade. Diferentemente, desenvolvimentos mais recentes nesse campo de pesquisas vêm chamando a atenção para a relevância das relações construídas no interior do espaço escolar.Na última seçãoenaconclusão,oartigobusca,emoutravertentedaliteraturasobre otema,umatentativadesuperartaisinsuficiências,queprocuraexplicar ofenômeno da persistência das desigualdades de classe na educação e mobilidade social sem reduzir a escola necessariamente a um mecanismo de reprodução social.

EXPLICANDO AS DESIGUALDADES DE CLASSE

NA EDUCAÇÃO E MOBILIDADE: A AVERSÃO AO RISCO

O Programa de Nuffield inclui um conjunto de estudos sobre estratificação social produzidos a partir do final da década de 1980 e relacionados direta ou indiretamente com pesquisadores sediados na Universidade de Oxford (em Nuffield College), cujo principal expoente tem sido o sociólogo britânico John Goldthorpe.10 10 Goldthorpe; Marshall, 1997 [1992].

Dessaperspectiva,osdiferenciaisdeclassenarealizaçãoeducacional (e nas chances de mobilidade social) devem ser interpretados como o produto da agregação de ações individuais, governadas pela racionalidade instrumental.Assumindo que os indivíduos tomam sua posição social de origem como referência para suas próprias aspirações,11 11 Boudon, 1974. essa perspectiva argumenta que as escolhas dos agentes na esfera educacional (e, mais amplamente, suas estratégias de reprodução social, que visam à preservação do patrimônio ao longo do tempo) se orientarão para a minimização dos riscos de mobilidade descendente ou desclassificação social.12 12 Goldthorpe, 1996; Goldthorpe, 2007; Breen; Goldthorpe, 1997, 1999, 2001. ,13 13 A chamada hipótese da “desigualdade efetivamente mantida” (Lucas, 2001) tem premissas bastante similares às descritas abaixo.

Isso significa que os agentes possuem percepções distintas acerca dos níveis mínimos aceitáveis de realização educacional. Estas não variam em função da adesão diferencial ao sistema normativo, quer dizer, da existência de diferentes níveis de aspiração ao sucesso pessoal e/ou de valorização da instrução formal. Ao invés disso, a percepção sobre a realização educacional mínima varia entre os agentes porque eles buscam objetivos similares em face de oportunidades e restrições variáveis segundo suas posições na estrutura de relações de classe. Ou seja, os diferenciais de realização educacional (e, consequentemente, de diferentes percursos pelo sistema de ensino) são o produto agregado de escolhas - governadas pela racionalidade instrumental - que fazem os agentes entre diferentes cursos de ação nos pontos de transição do sistema de ensino,escolhas orientadas para a minimização do risco de mobilidade descendente.14 14 Essa perspectiva diferencia entre os “efeitos primários” (que se referem às diferenças de habilidade escolar entre as crianças) e os “efeitos secundários” (que se referem às escolhas dos agentes nas sucessivas transições educacionais) sobre os percursos escolares (Boudon, 1974).

Nesses “pontos críticos” (transições entre níveis de ensino), os indivíduos são forçados a decidir em relação às alternativas na esfera educacional que lhes estão disponíveis, que são avaliadas com base na percepção dos prováveis custos e benefícios (entre eles, a probabilidade de sucesso acadêmico nas trajetórias escolares mais longas), que variam, como vimos, conforme a posição na estrutura de classes. De fato, tais escolhas (por exemplo, trajetórias “ambiciosas” que levam ao ensino superior versus trajetórias “modestas” que levam a cursos profissionalizantes) podem ser vistas como estratégias adaptativas frente à estrutura de oportunidades e restrições que se impõe aos agentes em função das posições de classe que ocupam,estratégias que buscam, como já dito, minimizar os riscos de mobilidade descendente. Daí a ênfase sobre o mecanismo da aversão ao risco relativo.

O modelo de explicação proposto por essa perspectiva influenciou um conjunto de estudos recentes que investigam a distribuição de oportunidades educacionais entre os grupos sociais. Em comum, empregam alguma versão da teoria da ação racional e enfocam os chamados “efeitos secundários” sobre os destinos escolares,argumentando que a distribuição desigual de oportunidades educacionais resulta da agregação das ações de indivíduos e grupos que possuem diferentes quantidades e tipos de recursos para assegurar a transmissão intergeracional de vantagens sociais.15 15 Entre outros, ver Mare; Chang, 2006; Breen; Yaish, 2006; Stocké, 2007; Van de Werfhorst; Hofstede, 2007; Becker; Hecken, 2009.

Na tentativa de empregar esse modelo explicativo comparativamente,muitos esforços foram feitos para a construção de indicadores empíricos confiáveis para os conceitos teóricos dos quais são derivadas as variáveis explicativas.Além disso,tais estudos têm revelado um dos méritos desse modelo explicativo:sua parcimônia. Seus três parâmetros básicos (i. a estrutura do problema de decisão: as escolhas mais ou menos arriscadas com que se defrontam os agentes em todo sistema de ensino; ii.nível mínimo aceitável de realização educacional,que varia em função da percepção dos retornos às credenciais escolares; iii.percepção da probabilidade de sucesso em diferentes percursos escolares, que afeta as propensões ao investimento educacional) têm sido empregados para investigar tanto a persistência quanto a mudança nos diferenciais de oportunidades educacionais entre os grupos sociais.16 16 Breen et al., 2009; Breen et al., 2010. Outros têm enfocado o modo como as estruturas institucionais e as regulações do sistema de ensino afetam a distribuição de oportunidades educacionais.17 17 Kerckhoff, 2000; Shavit; Müller, 2000. ,18 18 Para um exemplo brasileiro, ver Alves, 2010.

É inegável que essa perspectiva teórica é bastante engenhosa, pois permite explicar os modos como a estrutura de classes conforma as trajetórias escolares (e os destinos sociais) dos agentes sem ter de assumir necessariamente que as variações na demanda por escolarização estejam relacionadas com a adesão diferencial ao sistema normativo. Mais fundamentalmente, ela propõe que as propensões ao investimento escolar pelos agentes sejam investigadas como parte de um fenômeno mais amplo, as estratégias de mobilidade social, abrindo espaço para a investigação das possíveis conexões entre, por exemplo, a escolha do estabelecimento escolar, as práticas relacionadas com a fecundidade familiar ou com as opções matrimoniais. E, também, reconstrói uma dimensão fundamental da toda ação, a instrumental, que havia sido negligenciada pelos estudos funcionalistas sobre educação.

Nessa tentativa de superar algumas concepções controversas acerca das relações entre valores,normas e aspirações subjetivas,essa perspectiva tende a excluir por completo a cultura da análise sociológica. Não é possível sustentar o referido modelo explicativo sem trazer de volta - mas de forma ad hoc,porque residual ao argumento - alguns componentes da cultura que orientam as escolhas dos agentes.Senão vejamos. Se as famílias operárias desenvolvem estratégias de investimento escolar para que seus filhos possam obter credenciais educacionais que satisfaçam o interesse de evitar a mobilidade descendente, então a estrutura de preferências que orienta essas escolhas é,em alguma medida, conformada por culturas de classe e/ou pela percepção de que algumas posições são mais “desejáveis” ou “boas” do que outras: “Os jovens (e suas famílias) têm, como principal objetivo educacional, a aquisição de um nível de educação que lhes permitirá alcançar uma posição de classe tão boa quanto [as good as] aquela de sua família de origem”.19 19 Breen; Yaish, 2006, p. 232, tradução própria. Quer dizer, sem determinadas referências culturais (normas, valores, classificações), os indivíduos não poderiam dar sentido à sua posição no mundo e agir, estrategicamente, para preservá-la ou alterá-la.20 20 Savage, 2000.

EXPLICANDO AS DESIGUALDADES DE CLASSE NA EDUCAÇÃO E MOBILIDADE SOCIAL: AS DISPOSIÇÕES PARA AGIR

Essa perspectiva analítica surgiu a partir dos estudos sobre classe social e educação conduzidos por Pierre Bourdieu ainda nos anos de 1960 e difundiu-se na literatura sociológica de língua inglesa duas décadas depois.Como a anterior,ela está no centro dos debates atuais sobre a persistência das desigualdades de classe na educação, sobretudo nas ciências sociais brasileiras,que vêm tomando parte importante nas discussões acerca da adequação dessa perspectiva para a investigação do tema em questão.21 21 Nogueira; Nogueira, 2002; Nogueira; Romanelli; Zago, 2011.

De forma similar à anterior, essa perspectiva entende que os diferenciais de classe na realização educacional são produtos de variações na natureza e intensidade do investimento escolar (segundo diferentes estratégias de reprodução social), mas, diferentemente daquela, associa tais variações à distribuição desigual de capitais entre os agentes e, sobretudo, a disposições para agir (habitus) subjacentes às práticas de classe.

Nos escritos de Bourdieu, a sociedade é entendida como um espaço social, em que os agentes ocupam posições relativas distintas conforme se distribuem as propriedades entre eles. Tais propriedades são recursos de poder e se referem às distintas formas de capital possuídas pelos agentes, que são o capital econômico (diferentes modalidades de recursos econômicos: financeiros, monetários, fundiários etc.), o capital cultural (saberes incorporados ou não), o capital social (conjunto dos relacionamentos sociais a que cada um pode recorrer para alcançar seus objetivos) e o capital simbólico (modo como o agente social,portador dos seus vários recursos,é percebido pelos outros agentes). Um capital é um “trunfo” nas disputas entre os agentes, que está sujeito à monopolização e que, sob algumas circunstâncias, pode ser transmitido ou convertido.

Por capital cultural, Bourdieu se refere aos “instrumentos de apropriação dos bens simbólicos que uma formação social seleciona como dignosdeseremdesejadosepossuídos”.22 22 Bourdieu, 2011c, p. 297. Considerandoosindicadores geralmente empregados nos estudos conduzidos pelo autor para operacionalizar esse conceito (por exemplo, compra de livros; frequência de comparecimento ao teatro, museus e concertos; gosto pela música clássica ou leitura de publicações literárias etc.), entende-se que a “posse prévia dos instrumentos de apropriação” das práticas e objetos associados à “alta cultura” - a cultura feita legítima pelos grupos dominantes - constituía a forma principal de articulação do capital cultural na sociedade francesa de então. Ou seja, a familiarização com a “alta cultura” naquela sociedade constituía um “trunfo”, por elevar as chances de ganho pelos agentes em alguns campos,como no campo escolar. A familiaridade com a “alta cultura” facilitava, conforme argumenta o autor,o aprendizado dos conteúdos e dos códigos escolares,propiciava melhor desempenho nos processos formais e informais de avaliação e favorecia investimentos rentáveis no mercado escolar.23 23 Bourdieu; Champagne, 2011 [1992].

Isso significa que, da perspectiva bourdieusiana, os agentes estão desigualmente dotados dos instrumentos para apropriação da comunicação pedagógica e capitalização de seus rendimentos escolares. Isso ocorre porque a escola tende a avaliá-los e hierarquizá-los segundo sua familiaridade com a“ cultura legítima” (ou seja, a escola não está imune às disputas entre as classes sociais em torno da imposição das maneiras “legítimas” de viver). Sabe-se, por meio de inúmeras pesquisas, que as escolas francesas tendem a favorecer modos de relação com a cultura e o saber, caracterizados pela “desenvoltura”, a “naturalidade”, o “brilho no trato”, que são mais prováveis nos casos em que a acumulação de capital cultural ocorre “desde a origem,sem perda de tempo”,em oposição à “acumulação apressada” daqueles que não têm senão na escola o meio para apreender aquilo que a escola já assume que tenham apreendido.24 24 Bourdieu, 2011a [1966].

A ênfase dada por Bourdieu ao estado incorporado do capital cultural (a incorporação dos meios para apropriar-se dos bens culturais valorizados) não é trivial.25 25 Bourdieu, 2011b [1979]. De fato,isso é o que permite distinguir mais claramente sua perspectiva da que vimos anteriormente. Em função das posições que ocupam no espaço social e das trajetórias que percorrem para alcançá-las, os agentes incorporam diferentes disposições para agir (habitus), que orientam suas “escolhas” nos campos em que se organiza a vida social. Quer dizer, o habitus é, simultaneamente, uma estrutura estruturada, por ser o produto de “condicionamentos sociais associados a uma classe particular de condições de existência”, e uma estrutura estruturante, princípio gerador de práticas diversas e improvisações reguladas, dentro de limites associados às condições sociais de sua gênese.

Tais propriedades do habitus explicam tanto a homogeneização das práticas de agentes que ocupam posições relativas vizinhas no espaço social (as práticas de classe), independentemente de suas intenções, quanto o ajustamento (pré-reflexivo, não plenamente consciente) entre aspirações subjetivas e as possibilidades objetivas (ou seja, entre o provável, o possível e o efetivo). Nesse sentido, o habitus é uma espécie de “senso prático”,que faz com que “as mais improváveis práticas se [encontrem] excluídas, antes de qualquer exame, na qualidade de impensável”, e que inclina os agentes a “recusar o recusado e a querer o inevitável”.26 26 Bourdieu, 2009 [1980], p. 89.

Aceitando esse argumento, então, as estratégias de investimento escolar (e, mais amplamente, educacional) variam em função do conhecimento prático possuído pelos agentes das chances objetivas de êxito escolar e do grau em que o êxito escolar é percebido como condição para o êxito social (tanto do grupo familiar quanto da classe social a que pertence),o que depende,por sua vez,do capital cultural acumulado (que tende a tornar mais rentáveis os investimentos escolares). As estratégias de investimento escolar são, então, um componente das estratégias de reprodução social, quer dizer, do conjunto de ações de um grupo para preservar e/ou ampliar seu patrimônio material e simbólico ao longo do tempo.

Por isso, os agentes “dotados” das disposições necessárias ao investimento no mercado escolar estão desigualmente distribuídos pelo espaço social, sendo mais comuns entre aqueles cujo destino social depende do êxito de estratégias de conversão do capital cultural e econômico acumulados em credenciais escolares e de reconversão da estrutura de capital pela via escolar (frequentemente associada a mobilidades, quase sempre ao longo de gerações, que ultrapassam as fronteiras de determinado campo).

Essa perspectiva tem influenciado um conjunto de estudos recentes sobre classe social, cultura e educação, em sua maioria tematizando a importância do capital cultural para o desempenho escolar. Em comum, tais estudos tendem a operacionalizar “capital cultural” com base em algumas medidas de participação na “alta cultura” (de forma similar à que vimos antes),distinguindo-o,assim,de habilidades propriamente escolares. Essa apropriação peculiar - bastante influenciada pelos estudos de Paul DiMaggio ao longo da década de 1980 - orientou a produção de pesquisas empíricas que buscam medir a importância do capital cultural para a estratificação social, examinando o impacto que indicadores de participação na “alta cultura” têm sobre o desempenho escolar (por exemplo, notas), após controlados os efeitos dos indicadores de habilidade escolar.27 27 Entre outros, DiMaggio, 1982; Sullivan, 2001; Dumais, 2002. , 28 28 A fraca associação encontrada entre medidas de capital cultural e desempenho escolar,quando controlada por medidas de habilidade escolar ou de atividades culturais “menos exclusivas” (por exemplo, leitura), não chega a ser surpreendente: a participação na “alta cultura” não é propriamente uma prática distintiva em sociedades como os Estados Unidos ou a Grã-Bretanha atualmente (Lareau; Weininger, 2003).

Indubitavelmente, tais estudos contribuíram para desenvolver a perspectiva de Bourdieu comparativamente, evidenciando, entre outras coisas, como as estruturas institucionais afetam o valor das diferentes formas de capital nas estratégias de investimento escolar. Assim, o capital cultural tende a ser um recurso relativamente eficaz em sociedades em que reformas educacionais reduziram drasticamente os custos da escolarização e praticamente anularam o impacto do capital econômico sobre a escolarização.29 29 Para o caso holandês, ver De Graaf; De Graaf; Kraaykamp, 2000. Diferentemente, em países como os Estados Unidos ou o Brasil,em que o sistema de ensino é estratificado em toda a sua extensão em termos de instituições públicas e privadas (que oferecem condições muito distintas de aprendizagem a custos bastante variáveis), é provável que a conversão de capital cultural em credenciais escolares dependa mais fortemente da acumulação de capital econômico.30 30 Devine, 2004; Alves et al., 2013.

Além disso, tais estudos avançaram em relação à concepção original de Bourdieu no que se refere à investigação da possível variação por gênero das estratégias de conversão de capital cultural em credenciais escolares. Um estudo de Dumais31 31 Dumais, 2002. evidencia que os retornos sobre o desempenho escolar à participação em determinadas atividades culturais são maiores para as meninas do que para os meninos e que o grau e a natureza do engajamento em tais atividades variam bastante segundo o gênero. Quer dizer, diferentemente do que argumentava Bourdieu, o gênero parece ser um princípio de diferenciação social tão fundamental quanto a posição no espaço social.32 32 Silva, 2005.

No entanto, esses estudos avançaram pouco em aspectos igualmente importantes - e mais problemáticos na concepção original -, como na investigação das condições sociais de gênese e de transmissão das disposições propícias ao investimento escolar (ou à ascensão social pela via escolar) e dos processos de formação e transmissão de capital cultural em sociedades capitalistas contemporâneas, fortemente marcadas pela cultura de massa.33 33 São relativamente incomuns as pesquisas que empregam o conceito de habitus para explicar as condutas dos agentes em relação à escola. Entre outros, ver Setton, 2005; Reay, 2008; Reay et al., 2009. Se o capital cultural é,como nos diz Bourdieu, um tipo de recurso que permite a alguns agentes obterem ganhos em disputas com outros agentes em campos sociais diversos, então é necessário, antes, determinar empiricamente seu conteúdo (por exemplo, quais práticas culturais demarcam fronteiras simbólicas entre os agentes?) para, então, estimar seus efeitos.34 34 Lareau, 1987, 2003; Bennett et al., 2009.

A EXPERIÊNCIA ESCOLAR COMO UMA EXPERIÊNCIA CONTRADITÓRIA: “REENCONTRANDO” AS PRÁTICAS DE CLASSE NA SALA DE AULA

Vimos que as pesquisas sobre a reprodução da desigualdade na distribuição de oportunidades educacionais e de mobilidade social divergem quanto aos mecanismos que propõem para explicar esse fenômeno. No entanto, têm em comum um modo de construir seu objeto que enfoca a contribuição da escola (e do sistema de ensino mais amplamente) para a reprodução das relações entre as classes sociais e, portanto, para a reprodução da estrutura de distribuição de recursos na sociedade. Assemelham-se, ainda, na escolha por investigar os investimentos educacionais como um dos componentes das estratégias de reprodução social, que incluem,também,estratégias matrimoniais,de fecundidade,de transmissão de patrimônio econômico,de acumulação de capital social etc.

Essa maneira de construir o objeto apresenta alguns problemas. De fato,já nos anos 1960-70,os etnometodólogos insistiam na necessidade de investigar o “fracasso escolar” ou o “sucesso escolar” como “construções práticas dos agentes”.35 35 Mehan, 1979 apud Coulon, 1995, p. 86. Em outras palavras, instavam os pesquisadores a adentrar os muros da escola e a investigar suas relações sociais.Com esse espírito,algumas décadas depois,Charlot36 36 Charlot, 1996; Charlot, 2013. irá propor que a escola não seja entendida meramente como um espaço de diferenciação social,mas,ao invés disso,como uma instituição que se organiza em torno da transmissãodesaberes.De fato,diversos estudos que se ocuparam desse tema têm demonstrado que o que ocorre dentro da escola faz diferença para o aprendizado dos alunos e, portanto, para suas trajetórias escolares. E, nesse mesmo período, outros estudos vieram a tematizar a família e sua influência na escolarização,chamando a atenção para as estratégias familiares de socialização dos filhos e de intervenção no sistema escolar.37 37 Lareau, 2011 [2003]; Devine, 2004; Vincent; Ball, 2006. , 38 38 Os estudos brasileiros sobre o tema têm evidenciado a diversidade dos modos de funcionamento das famílias de um meio social homogêneo (Nogueira, 2005; Nogueira; Romanelli; Zago, 2011). No entanto, é provável que essa variação dos percursos escolares seja, em parte, um produto da própria heterogeneidade que caracteriza conjuntos de agentes que ocupam posições sociais similares em termos sincrônicos, mas que se diferenciam em termos das trajetórias que percorreram para chegar a elas (essa dimensão diacrônica do espaço social é raramente mensurada).

Enfim, nesse movimento de (re)descoberta de “novos” objetos de investigação e novas maneiras de construí-los, ficam claras algumas das insuficiências das pesquisas que se limitam a reconstruir os macroprocessos que explicam o fenômeno - já maciçamente documentado por pesquisas qualitativas e quantitativas - das desigualdades de classe na educação e mobilidade social, dando menor ênfase às relações sociais dentro da escola, sala de aula ou família.39 39 Forquin, 1995. Por isso, hoje sabemos mais sobre os determinantes da variação da eficácia das escolas em transmitir saberes e seu impacto sobre a mitigação das desigualdades associadas à origem social;40 40 Barbosa, 2011. sobre os fatores por trás da variação da eficácia e da natureza das estratégias familiares na transmissão de vantagens sociais, entre eles as “concepções educacionais dos pais” ou os “modos de relação com a escola”;41 41 Weis, 2008; Alves et al., 2013. sobre as disputas entre as linhagens materna e paterna em torno da apropriação simbólica das gerações mais novas e seu impacto sobre percursos escolares e trajetórias sociais42 42 Bertaux; Thompson, 2003 [1997]. etc.

No entanto, existe um aspecto menos elaborado pelas perspectivas dominantes nesse campo ou pelos estudos que buscaram reconstruí-las ou modificá-las, que é a questão de como os agentes (sobretudo os alunos) que ocupam o espaço escolar vivem a reprodução social - sobretudo, a possibilidade de ascensão social pela via escolar - como uma experiência contraditória. Se quisermos explicar o fenômeno da persistência das desigualdades de classe na educação e mobilidade social sem reduzir a escola necessariamente a um mecanismo de reprodução social (ou ver os “fracassados” como meras vítimas da ideologia dominante), então temos de abordar outro aspecto da reprodução social através da escola, que é aquele da produção cultural e como esta medeia o impacto das contradições sociais sobre a ação (algo que David Lockwood denominou décadas atrás de “integração social” e “integração sistêmica”).

As perspectivas anteriores não nos ajudam muito para a elaboração desse aspecto.Embora a perspectiva da ação racional construída no Programa de Nuffield tente explicar a persistência das disparidades de classe a partir das escolhas individuais,ela acaba por eliminar a voluntariedade da ação por completo, pois a reduz a mera adaptação à estrutura de oportunidades e restrições que confronta os agentes. Diferentemente, ao introduzir o conceito de habitus, a perspectiva de Bourdieu evita reduzir a ação às injunções da estrutura social. No entanto, supõe um ajuste tão fino entre a experiência social e o habitus que pouco espaço existe para que as contradições experimentadas pelos agentes se manifestem em disputas em torno das categorias dominantes de percepção do espaço social - daí as lutas de classe se restringirem às classes dominantes, restando às classes populares servir de contraste nas disputas classificatórias em torno da “maneira legítima de viver”.43 43 Bourdieu, 2008 [1982].

Énumestudorelativamentemenoscomentadonosdiasatuaisque podemos encontrar material para a realização da tarefa que se tem em vista, explicar a reprodução das desigualdades de classe na educação (e,mais amplamente,o processo de reprodução social pela via escolar) e, ao mesmo tempo, incorporar a produção cultural, através da qual formas culturais “inovadoras” (normas, valores, representações, classificações) são produzidas pela assimilação, rejeição e subversão dos significados e valores dominantes.Trata-se de um estudo etnográfico realizado por Paul Willis em uma escola inglesa que abrigava alunos com origem na classe operária. Nele, Willis44 44 Willis, 1977. investiga o suposto fracasso escolar desses jovens reconstruindo os modos como eles constroem e vivenciam uma cultura de resistência à escola (contracultura escolar) através da reelaboração de elementos mais gerais da cultura operária incorporada nas práticas familiares e comunitárias.

Como disse, a contracultura escolar, (re)construída na prática cotidiana dos lads (os jovens mais desafiadores e resistentes à escola),reelaborava,a seu modo,elementos da cultura da classe operária: oposição à autoridade, machismo, rudeza, rejeição ao trabalho intelectual e valorização do trabalho manual, habilidade para “tirar um sarro” e “dar boas risadas” dos outros. As práticas de resistência às exigências da escola pelos lads manifestavam-se por vezes abertamente (como nos casos em que eles interrompiam as rotinas escolares), por vezes mais sutilmente (quando se recusavam a concluir determinadas tarefas escolares). Os lads também marcavam distância em relação àqueles que viam como alunos passivos ou submissos, que aceitavam a autoridade escolar. Ou seja, a relação (positiva ou negativa) com a escola e com os saberes transmitidos tornava-se um marcador social no interior da sala de aula.

Além de rejeitar a ideia de “igualdade de oportunidades”, os lads não diferenciavam entre as formas concretas de trabalho potencialmente disponíveis a eles,o que,de algum modo,revelava a real natureza do trabalho na estrutura da produção capitalista moderna:“A lógica interna do capitalismo é que todas as formas concretas de trabalho são padronizadas na medida em que todas contêm o potencial para exploração de trabalho abstrato [...]”.45 45 Willis, 1977, p. 133-134, tradução própria. No entanto, os efeitos potencialmenterevolucionáriosdaspenetraçõesculturais(“impulsos”deuma forma cultural que revelam aspectos das reais condições de existência dos agentes) realizadas pela contracultura escolar eram parcialmente bloqueados por limitações diversas, entre as quais a divisão entre trabalho manual e mental e a divisão de trabalho entre homens e mulheres.

A associação entre individualismo, escola e atividade mental produzia uma divisão, no plano simbólico, entre trabalho manual e trabalho mental, obscurecendo a natureza comum a essas formas concretas de trabalho sob condições capitalistas. E, por meio da articulação entre a estrutura patriarcal e a divisão entre trabalho mental e trabalho manual, ocorria uma inversão dos valores da ideologia dominante. Na sociedade mais ampla, as formas de trabalho não manual geralmente gozam de status mais elevado; para os lads (e na classe operária inglesa de então), ao contrário, elas representavam “a inferioridade social da feminilidade”, e o trabalho manual, por sua vez, a superioridade do mundo masculino. Disso, resultava a valorização do trabalho manual como expressivo de características essencialmente masculinas e fonte de referenciais para a construção da identidade e autoestima. Paradoxalmente, os filhos da classe operária, livre e entusiasticamente, adentravam posições subalternas na estrutura de classes das sociedades capitalistas porque infundiam o trabalho manual de significados positivos, embora essa escolha resultasse, objetivamente, em um provável “aprisionamento” a posições relativamente precárias e inferiores no sistema de produção capitalista.

Em suma, os jovens observados por Willis deliberadamente “fracassaram”: embora conduzindo-os ao chão de fábrica, suas práticas de resistência ao “paradigma escolar” os colocavam no controle de suas próprias experiências dentro da escola e constituíam instrumentos de afirmação de sua superioridade moral. Tais práticas expressavam formas culturais (os aspectos da contracultura escolar) resultantes da reelaboração pelos lads da cultura operária mais ampla que compartilhavam e que orientava as práticas familiares e comunitárias, formas culturais que funcionavam como elementos mediadores entre suas experiências contraditórias de classe (por exemplo, as contradições entre a lógica dos interesses coletivos e individuais, entre a aparente liberdade de escolha entre as formas concretas de trabalho disponíveis e a transformação de todas elas em trabalho abstrato com potencial de exploração etc.) e suas ações.

A especificidade histórico-social da cultura dos lads - produto da estrutura de relações de classe da sociedade britânica de então e das características de seu sistema cultural - apenas reforça a necessidade de desenvolver esse argumento comparativamente. De fato, em um estudo que guarda muitas semelhanças com a pesquisa examinada acima, MacLeod46 46 MacLeod, 1987. evidenciou que as práticas de resistência escolar nos Estados Unidos tendiam a tomar uma forma distinta.A sociedade norte-americana é marcada por uma cultura operária relativamente menos combativa (que funcionaria como fonte de referenciais culturais não ideológicos) e por um sistema cultural mais integrado em torno de alguns valores e classificações centrais.Por isso,as práticas de resistência escolar raramente conseguem escapar à representação dominante de sucesso, reduzindo-se frequentemente à adição de álcool e drogas. E o “fracasso” tende a ser mais fortemente experimentado entre os alunos como um problema de “desajuste individual”.47 47 Brint, 2006. Ou seja, nesses casos, as práticas antagônicas às normas escolares tendem a vir acompanhadas por um reconhecimento do valor simbólico da escola e pela individualização do “fracasso”, resultando em relações ambivalentes com os saberes escolares.

CONCLUSÃO

Este artigo teve por objetivo mostrar algumas insuficiências das principais perspectivas que tentam explicar a persistência (documentada em estudos quantitativos e qualitativos) das desigualdades de classe na educação e mobilidade social e sugere uma estratégia de superá-las que nos remete às categorias de contradição e produção cultural, de forma a explicar o referido fenômeno e, simultaneamente, incorporar o componente da agência na ação e, com isso, a possibilidade de mudança social.

É verdade que a perspectiva de Bourdieu avançou significativamente mais nesse aspecto do que a aquela produzida no Programa de Nuffield. Nesta, a ação reduz-se à mera adaptação às pressões derivadas do ambiente externo em que se encontram os “agentes”: não há mediações que permitam introduzir a contingência ou a indeterminação. Isso é justamente o que encontramos na perspectiva de Bourdieu:nela, existe uma dupla mediação entre posição e prática, constituída pelos conceitos de habitus e campo. O habitus “produz” determinadas práticas apenas em relação com as estruturas objetivas do campo. Daí o argumento de que existe algo de “vago e indeterminado” no mundo social. Ao mesmo tempo, tal perspectiva sugere não apenas que existe um “ajuste fino” entre a experiência social dos agentes e o habitus como também que as relações objetivas de força (a estrutura de distribuição dos recursos) tendem a conformar as disputas simbólicas, em torno da imposição das categorias “legítimas” de percepção do mundo, o que acaba por reduzir o espaço aberto à contingência e indeterminação pela dupla mediação entre posição e prática. É provável que isso explique por que,nessa perspectiva,as práticas das classes populares aparecem “de maneira totalmente negativa” em relação às disputas simbólicas em torno das maneiras legítimas de viver.48 48 Bourdieu, 2008, p. 170.

Este artigo fez uma tentativa de indicar uma possível saída a esse dilema: a retomada do conceito de contradição, que, embora central à teorização marxista, não ocupa lugar importante na teoria social contemporânea. O termo contradição aponta para “a presença de ‘inconsistências’ na estrutura das sociedades capitalistas” que constituem “suas fontes potenciais de conflito e transformação”.49 49 Sallum Jr., 2005, p. 32. Por serem inerentes ao funcionamento do capitalismo enquanto sistema, as contradições conformam dinamicamente as experiências dos agentes,abrindo espaço para o conflito societário e para a produção cultural (por exemplo, produção de novas categorias de percepção e divisão do mundo). Nos termos de Bourdieu, diríamos que as contradições introduzem permanentemente a possibilidade de “desajuste” entre as posições e trajetórias dos agentes no espaço social, de um lado, e os esquemas de ação e percepção subjacentes a suas práticas, de outro.

Daí a importância que este artigo conferiu à obra de Willis: ela é exemplar na construção empírica desse argumento. As condutas dos lads na sala de aula eram expressões de vivências contraditórias de classe: embora a mobilidade pela via escolar fosse uma opção aberta ao indivíduo que se “ajustasse”,não o era para o conjunto de agentes que ocupavam posições subalternas na sociedade;embora às formas de trabalho não manual fosse conferido status mais elevado, elas também constituíam, sob o regime capitalista, trabalho abstrato com potencial de exploração. Por isso, tais condutas não podem ser entendidas, a meu ver, meramente como o produto da adaptação racional/instrumental às oportunidades e restrições objetivas ou do ajuste pré-reflexivo entre aspirações subjetivas e chances objetivas de sucesso.Ao invés disso, são produtos da assimilação e subversão parciais das categorias dominantes de percepção e divisão do mundo social pelos agentes,em suas tentativas de compreender os aspectos contraditórios da vida social.

Em suma, ao menos na sociedade inglesa do final dos anos 1970, a reprodução nos diferenciais de classe nos percursos escolares e trajetórias sociais era produzida, em parte, pela resistência - mediada pela cultura - à conformação às normas escolares (e a outras normas “legítimas” de convívio social) por alguns jovens de origem operária. A busca de independência financeira, os comportamentos violentos,racistas e sexistas eram vividos,pelos lads,como símbolos da dominação masculina e de superioridade moral; diferentemente, entre as mulheres de origem operária, a resistência à conformação ocorria mais frequentemente pela construção “precoce” de “corpos sexuados” [sexed bodies].50 50 Skeggs, 2004.

O desenvolvimento comparativo desse argumento poderia nos ajudar a articular as relações sociais dentro da escola e da família com as relações de classe mais amplas e a explicar a reprodução social sem negligenciar a agência (e,com isso,a possibilidade de mudança social).

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  • 1
    Ribeiro, 2012Ribeiro, Carlos Antonio Costa. “Quatro décadas de mobilidade social no Brasil”. Dados, v. 55, n. 3, 2012., p. 674.
  • 2
    Nogueira, 2011Nogueira, Cláudio; Nogueira, Maria Alice. “A sociologia da educação de Pierre Bourdieu: limites e contribuições”. Educação & Sociedade, n. 78, 2002., p. 151.
  • 3
    Zago, 2011Zago, Nadir. “Processos de escolarização nos meios populares: as contradições da obrigatoriedade escolar”. In: Nogueira, Maria Alice; Romanelli, Geraldo; Zago, Nadir (Org.). Família e escola: trajetórias de escolarização em camadas médias e populares. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 40; Portes, 2011Portes, Écio A. “O trabalho escolar das famílias populares”. In: Nogueira, Maria Alice; Romanelli, Geraldo; Zago, Nadir (Org.). Família e escola:trajetórias de escolarização em camadas médias e populares. Petrópolis: Vozes, 2011..
  • 4
    Nogueira, 2006Nogueira, Maria Alice. “A relação família-escola na contemporaneidade: fenômeno social/interrogações sociológicas”.Análise Social, n. 176, 2005..
  • 5
    Breen et al., 2009aBreen, Richard; Goldthorpe, John.“Explaining Educational Differentials:Towards a Formal Rational Action Theory”.Rationality and Society, n. 9, 1997..
  • 6
    Devine, 2004Devine, Fiona.Class Practices:How Parents Help Their Children Get Good Jobs.Cambridge,UK: Cambridge University Press, 2004.; Vincent; Ball, 2006Vincent, Carol; Ball, Stephen. Childcare,Choice and Class Practices:Middle-Class Parents and their Children. Nova York: Routledge, 2006.; Ribeiro; Schlegel, 2015.
  • 7
    Goldthorpe; Jackson, 2008Goldthorpe, John. “Class Analysis and the Reorientation of Class Theory: the Case of Persisting Differentials in Educational Attainment”. British Journal of Sociology, n. 45, 1996..
  • 8
    Bell, 1977Bell, Daniel. O advento da sociedade pós-industrial:uma tentativa de previsão social. São Paulo: Cultrix, 1977..
  • 9
    Brint, 2006Brint, Steven. Schools and Societies. Stanford: Stanford University Press, 2006..
  • 10
    Goldthorpe; Marshall, 1997 [1992]_______.On Sociology. Stanford: Stanford University Press, 2007..
  • 11
    Boudon, 1974Boudon, Raymond. Education,Opportunity,and Social Inequality. Nova York: John Wiley, 1974..
  • 12
    Goldthorpe, 1996Goldthorpe, John; Jackson, Michelle. “Education-Based Meritocracy: the Barriers to its Realization”. In: Lareau, Annette; Conley, Dalton (Org.). Social Class: How Does it Work? Nova York: Russell Sage Foundation, 2008.; Goldthorpe, 2007Goldthorpe, John; Marshall, Gordon. “The Promising Future of Class Analysis”. In: Marshall, Gordon (Org.). Repositioning Class: Social Inequality in Industrial Societies. Londres: Sage, 1997 [1992].; Breen; Goldthorpe, 1997_______. “Class Inequality and Meritocracy: a Critique of Saunders and an Alternative Analysis”. British Journal of Sociology, n. 50, 1999., 1999_______. “Class, Mobility and Merit: the Experience of Two British Cohorts”. European Sociological Review, n. 17, 2001., 2001Breen, Richard; Luijx, Ruud; Müller, Walter; Pollak, Reinhard. “Nonpersistent Inequality in Educational Attainment: Evidence from Eight European Countries”. American Journal of Sociology, v. 114, n. 5, 2009..
  • 13
    A chamada hipótese da “desigualdade efetivamente mantida” (Lucas, 2001Lucas, Samuel. “Effectively maintained inequality: education transitions, track mobility, and social backgroud effect”. American Journal of Sociology, 106 (6), 2001, p. 1642-1690.) tem premissas bastante similares às descritas abaixo.
  • 14
    Essa perspectiva diferencia entre os “efeitos primários” (que se referem às diferenças de habilidade escolar entre as crianças) e os “efeitos secundários” (que se referem às escolhas dos agentes nas sucessivas transições educacionais) sobre os percursos escolares (Boudon, 1974).
  • 15
    Entre outros, ver Mare; Chang, 2006Mare, Robert; Chang, Huey-Chi. “Family Attainment Norms and Educational Stratification in the USA e Taiwan: The Effects of Parents’ School Transitions”. In: Morgan, Stephen; Grusky, David; Fields, Gary (Org.). Mobility and Inequality:Frontiers of Research in Sociology and Economics.Stanford: Stanford University Press, 2006.; Breen; Yaish, 2006_______. “Long-Term Trends in Educational Inequality in Europe: Class Inequalities and Gender Differences”. European Sociological Review, v. 26, n. 1, 2010.; Stocké, 2007Stocké, Volker. “Explaining Educational Decision and Effects of Families’ Social Class Position: an Empirical Test of the Breen-Goldthorpe Model of Educational Attainment”. European Sociological Review, v. 23, n. 4, 2007.; Van de Werfhorst; Hofstede, 2007Van de Werfhorst, Herman G.; Hofstede, Saskia. “Cultural Capital or Relative Risk Aversion? Two Mechanisms for Educational Inequality Compared”. British Journal of Sociology, v. 58, n. 3, 2007.; Becker; Hecken, 2009Becker, Rolf; Hecken, Anna E. “Higher Education or Vocational Training? An Empirical Test of the Rational Action Model of Educational Choices Suggested by Breen and Goldthorpe and Esser”. Acta Sociologica, v. 52, n. 1, 2009..
  • 16
    Breen et al., 2009Breen, Richard; Yaish, Meir. “Testing the Breen-Goldthorpe Model of Educational Decision Making”. In: Morgan, Stephen; Grusky, David; Fields, Gary (Org.). Mobility and Inequality: Frontiers of Research in Sociology and Economics. Stanford: Stanford University Press, 2006.; Breen et al., 2010.
  • 17
    Kerckhoff, 2000Kerckhoff, Alan. “Transition from School to Work in Comparative Perspective”. In: Hallinan, Maureen (Org.). The Handbook of the Sociology of Education. Nova York: Springer, 2000.; Shavit; Müller, 2000Shavit, Yossi; Müller, Walter. “Vocational Secondary Education, Tracking, and Social Stratification”. In: Hallinan, Maureen (Org.). Handbook of the Sociology of Education. Nova York: Springer, 2000..
  • 18
    Para um exemplo brasileiro, ver Alves, 2010Alves, Fátima. “Escolhas familiares, estratificação educacional e desempenho escolar: quais as relações?”. Dados, v. 53, n. 2, 2010..
  • 19
    Breen; Yaish, 2006, p. 232, tradução própria.
  • 20
    Savage, 2000Savage, Michael. Class Analysis and Social Transformation. Buckingham, UK: Open University Press, 2000..
  • 21
    Nogueira; Nogueira, 2002_______. “Favorecimento econômico e excelência escolar: um mito em questão”. Revista Brasileira de Educação, n. 26, 2006.; Nogueira; Romanelli; Zago, 2011Nogueira, Maria Alice; Romanelli, Geraldo; Zago, Nadir (Org.).Família e escola: trajetórias de escolarização em camadas médias e populares. Petrópolis; Vozes, 2011..
  • 22
    Bourdieu, 2011cBourdieu, Pierre. A distinção:crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre: Zouk, 2008 [1982]., p. 297.
  • 23
    Bourdieu; Champagne, 2011 [1992]_______.O senso prático. Petrópolis: Vozes, 2009 [1980]..
  • 24
    Bourdieu, 2011a [1966]_______. “A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura”. In: Nogueira, Maria Alice; Catani, Afrânio (Org.). Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 2011a [1966]..
  • 25
    Bourdieu, 2011b [1979]_______. “Os três estados do capital cultural”. In: Nogueira, Maria Alice; Catani, Afrânio (Org.). Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 2011b [1979]..
  • 26
    Bourdieu, 2009 [1980]_______. “Reprodução cultural e reprodução social”. In: Bourdieu, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2011c [1970]., p. 89.
  • 27
    Entre outros, DiMaggio, 1982DiMaggio, Paul. “Cultural Capital and School Success: the Impact of Status Culture Participation on the Grades of US High School Students”. American Sociological Review, v. 47, n. 2, 1982.; Sullivan, 2001Sullivan, Alice. “Cultural Capital and Educational Attainment”. Sociology, v. 35, n. 4, 2001.; Dumais, 2002Dumais, Susan. “Cultural Capital, Gender, and School Success: the Role of Habitus”. Sociology of Education, v. 75, n. 1, 2002..
  • 28
    A fraca associação encontrada entre medidas de capital cultural e desempenho escolar,quando controlada por medidas de habilidade escolar ou de atividades culturais “menos exclusivas” (por exemplo, leitura), não chega a ser surpreendente: a participação na “alta cultura” não é propriamente uma prática distintiva em sociedades como os Estados Unidos ou a Grã-Bretanha atualmente (Lareau; Weininger, 2003Lareau, Annette. “Social Class Differences in Family-School Relationship: the Importance of Cultural Capital”. Sociology of Education, v. 60, n. 2, 1987.).
  • 29
    Para o caso holandês, ver De Graaf; De Graaf; Kraaykamp, 2000De Graaf, Nan Dirk; De Graaf, Paul M.; Kraaykamp, Gerbert. “Parental Cultural Capital and Educational Attainment in the Netherlands: a Refinement of the Cultural Capital Perspective”. Sociology of Education, v. 73, n. 2, 2000..
  • 30
    Devine, 2004; Alves et al., 2013Alves, Maria Teresa Gonzaga; Nogueira, Maria Alice; Nogueira, Cláudio; Resende, Tânia de Freitas. “Fatores familiares e desempenho escolar: uma abordagem multidimensional”. Dados, v. 56, n. 3, 2013..
  • 31
    Dumais, 2002.
  • 32
    Silva, 2005Silva, Elizabeth. “Gender, Home and Family in Cultural Capital Theory”. British Journal of Sociology, v. 56, n. 1, 2005..
  • 33
    São relativamente incomuns as pesquisas que empregam o conceito de habitus para explicar as condutas dos agentes em relação à escola. Entre outros, ver Setton, 2005Setton, Maria da Graça. “Um novo capital cultural: pré-disposições e disposições à cultura informal nos segmentos com baixa escolaridade”. Educação & Sociedade, v.26, n. 90, 2005.; Reay, 2008Reay, Diane.“Class out of Place:the White Middle Classes and the Intersectionalities of Class and ‘Race’ in Urban State Schooling in England”. In: Weis, Lois (Org). The Way Class Works: Readings on School, Family, and the Economy. Nova York: Routledge, 2009.; Reay et al., 2009Reay, Diane; Crozier, Gill; Clayton, John.“‘Strangers in Paradise’? Working-Class Students in Elite Universities”. Sociology, v. 43, n. 6, 2008..
  • 34
    Lareau, 1987_______.Unequal Childhoods: Class,Race and Family Life. Berkeley: University of California Press, 2011 [2003]. Lareau, Annette; Weininger, Elliot. “Translating Bourdieu into the American Context: the Question of Social Class and Family-School Relations”. Poetics, n. 31, 2003., 2003Lareau, Annette; Weininger, Elliot. “Translating Bourdieu into the American Context: the Question of Social Class and Family-School Relations”. Poetics, n. 31, 2003.; Bennett et al., 2009Bennett, Tony; Savage, Mike; Silva, Elizabeth; Warde, Alan; Gayo-Cal, Modesto; Wright, David. Culture, Class, Distinction. Nova York: Routledge, 2009..
  • 35
    Mehan, 1979Mehan, Hugh. Learning Lessons. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1979. apud Coulon, 1995Coulon, Alain. Etnometodologia e Educação. Petrópolis: Vozes, 1995., p. 86.
  • 36
    Charlot, 1996Charlot, Bernard. “Relação com o saber e com a escola entre estudantes de periferia”. Cadernos de Pesquisa, n. 97, 1996.; Charlot, 2013_______. “As relações com os estudos de alunos brasileiros de ensino médio”. In: Krawczyk, Nora (Org.). Sociologia do ensino médio:crítica ao economicismo na política educacional. São Paulo: Cortez, 2013..
  • 37
    Lareau, 2011 [2003]; Devine, 2004; Vincent; Ball, 2006.
  • 38
    Os estudos brasileiros sobre o tema têm evidenciado a diversidade dos modos de funcionamento das famílias de um meio social homogêneo (Nogueira, 2005; Nogueira; Romanelli; Zago, 2011). No entanto, é provável que essa variação dos percursos escolares seja, em parte, um produto da própria heterogeneidade que caracteriza conjuntos de agentes que ocupam posições sociais similares em termos sincrônicos, mas que se diferenciam em termos das trajetórias que percorreram para chegar a elas (essa dimensão diacrônica do espaço social é raramente mensurada).
  • 39
    Forquin, 1995Forquin, Jean-Claude (Org.). Sociologia da educação:dez anos de pesquisa. Petrópolis: Vozes, 1995..
  • 40
    Barbosa, 2011Barbosa, Maria Ligia de O. Desigualdade e desempenho: uma introdução à sociologia da escola brasileira. Belo Horizonte: Fino Traço, 2011..
  • 41
    Weis, 2008Weis, Lois (Org.). The Way Class Works:Readings on School,Family,and the Economy. Nova York: Routledge, 2008.; Alves et al., 2013.
  • 42
    Bertaux; Thompson, 2003 [1997]Bertaux, Daniel; Thompson, Paul. Pathways to Social Class: a Qualitative Approach to Social Mobility. Oxford: Oxford University Press, 2003 [1997]..
  • 43
    Bourdieu, 2008 [1982]Bourdieu, Pierre; Champagne, Patrick. “Os excluídos do interior”. In: Nogueira, Maria Alice; Catani, Afrânio (Org.). Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 2011 [1992]..
  • 44
    Willis, 1977Willis, Paul. Learning to Labor: How Working Class Kids Get Working Class Jobs. Nova York: Columbia University Press, 1977..
  • 45
    Willis, 1977, p. 133-134, tradução própria.
  • 46
    MacLeod, 1987MacLeod, Jay. Ain’t No Makin’ it:Leveled Aspirations in a Low-Income Neighborhood. Boulder, CO: Westview, 1987..
  • 47
    Brint, 2006.
  • 48
    Bourdieu, 2008Bourdieu, Pierre; Passeron, Jean-Claude.A reprodução:elementos para uma teoria do sistema de ensino.Petrópolis: Vozes, 2008 [1970]., p. 170.
  • 49
    Sallum Jr., 2005Sallum Jr., Brasilio. “Classes, cultura e ação coletiva”. Lua Nova, n. 65, 2005., p. 32.
  • 50
    Skeggs, 2004.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2016

Histórico

  • Recebido
    24 Fev 2014
  • Aceito
    02 Nov 2015
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