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A GESTÃO DA POLÍTICA HABITACIONAL EM SÃO PAULO: Notas sobre as interações entre Estado e empresas privadas

The Management of Housing Policy in Sao Paulo

RESUMO

O artigo aborda as interações entre Estado e capitais do urbano nos formatos de gestão da política habitacional operada em território paulista. Empiricamente, são focalizadas as relações entre a CDHU e empresas gerenciadoras. O incremento da terceirização e o papel regulador do Estado nesse processo são elementos de debate para compreender a produção e a implementação da política, os interesses aí envolvidos e as resultantes de tal modo de operar.

PALAVRAS-CHAVE:
CDHU; empresas gerenciadoras; política habitacional; gestão; regulação

ABSTRACT

The article addresses the interactions between the state agent and urban capitals in the management of housing policy operated in the state territory of São Paulo. Empirically, it focuses the relationship between the Housing and Urban Development Company (CDHU) and management companies. The increase in outsourcing and the state regulatory role in this process are elements of debate to understand the production and implementation of policy, the interests involved and the results of this way to operate.

KEYWORDS:
CDHU; management companies; housing policy; management; regulation

Analisar a produção e a implementação de uma determinada política pública nos deve exigir, de antemão, observá-la como um arranjo complexo de interações entre diferentes agentes, estatais e não estatais, desenhado a partir de escolhas e negociações que se realizam de forma difusa, na interface entre tais agentes, constituindo um jogo decisório intrincado, que responde a interesses múltiplos, heterogêneos, mas que certamente produz resultados concretos sobre o planejamento, a concepção e a execução de programas e ações.

No caso de empresas privadas, embora se possa supor que seus vínculos com o Estado interfiram fortemente na definição do caráter da política produzida, os efeitos dessa interação, de todo modo, precisam ser lidos de maneira nuançada, em seus fluxos e contrafluxos, ou seja, não apenas como processo produzido por atores extrínsecos ao aparato estatal e com recursos de poder para pressioná-lo, mas também como forma de acomodação de estratégias e interesses alocados dentro desse mesmo aparato e que, afinal, lhe são próprios e característicos.

Este artigo justamente pretende reunir-se a essa empreitada analítica, jogando luz sobre aspectos da política habitacional operada hoje em São Paulo, a partir da leitura de um agente estatal em particular, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), empresa pública ligada à Secretaria de Habitação, que executa programas de habitação popular em todo o território paulista, em suas formas de interação com alguns atores privados, “capitais do urbano” específicos,1 1 Essa expressão remete justamente aos capitais que têm na produção da cidade o objeto de seus processos de valorização, como é o caso de empresas de transporte urbano, de serviços urbanos, construtoras e incorporadoras etc. Outras mais podem e devem ser aí agregadas, sobretudo tendo em vista os processos recentes de transformação da estrutura produtiva, o que amplifica, e muito, o leque de agentes privados envolvidos com a produção do espaço e certamente dependentes de tal atividade para reproduzir-se. A referência aqui são os trabalhos Marques 2013, e Marques 2012. envolvidos na gestão cotidiana da política - empresas de engenharia,gerenciamento e consultoria.

Conforme dados disponibilizados em pesquisa recente sobre o tema,2 2 Pulhez, 2014b. desde o final da década de 1980, a CDHU vem passando por um intenso e crescente processo de terceirização de suas funções de gestão, através da contratação de empresas privadas especializadas em gerenciamento e consultoria, que prestam serviço ao poder público desenvolvendo atividades concernentes à administração e controle das etapas de concepção, viabilização, implantação e operação de programas e empreendimentos.

Conhecidas vulgarmente como “gerenciadoras”, essas empresas estão alocadas no amplo ramo da engenharia consultiva, que congrega firmas de consultoria, gerenciamento e projeto, não comprometidas com processos diretos de produção, mas sim de concepção, gestão e regulação. Uma vez contratadas pelo agente público, ocupam uma espécie de “intermeio administrativo” que as coloca numa posição que, a princípio, entenderíamos como de “tradicional” responsabilidade do Estado, controlando a atuação de demais contratados,conduzindo cronogramas de execução, cobrando prazos, conferindo produtos etc.

A perspectiva de debate que aqui se coloca apresenta, pois, uma condição bastante peculiar de vinculação entre Estado e setor privado, oferecendo ao leitor algumas pistas interpretativas importantes, que não apenas podem corroborar a hipótese da centralidade das interações para a definição do caráter da política, mas também podem permitir ir além, problematizando o próprio papel assumido pelo agente público em relação às políticas habitacionais e urbanas no Brasil e em São Paulo, especialmente. Nesse processo de reacomodação de desempenhos e responsabilidades, estaríamos, pois, diante de um exemplo inequívoco de repasse de funções estatais para agentes privados, vendo efetivar-se, portanto, a máxima neoliberal de enxugamento da máquina pública? Ou, de forma matizada, poderíamos crer que presenciamos a formação de um novo arranjo, em que o papel do Estado se redefine ao invés de necessariamente reduzir-se?

Algumas reflexões sobre o estágio atual do capitalismo mundial, que alguns autores vêm nomeando de “capitalismo regulatório”, podem ser profícuas à discussão sobre tais questões, na medida em que sugerem que, diferentemente da perspectiva essencialmente neoliberal, a recomposição recente entre Estado e mercado na produção e na regulação da economia e na oferta de serviços nos teria legado não “menos Estado”, ou um “Estado mínimo”, mas um Estado diferente no desempenho de suas responsabilidades e em seu papel regulador.3 3 Levi-Faur, 2005, pp. 12-32.

De todo modo, se associamos a essa “diferença” a própria variabilidade de atores presentes nos cotidianos de execução da política, com suas trajetórias singulares e interesses próprios, que se cruzam, se permeiam e se interpenetram, perfilando os modos de governar, a tarefa de empreender uma leitura da política a partir da interação dos agentes aí envolvidos torna-se ainda mais desafiadora, e o caso apresentado neste trabalho certamente trata de complexificá-la, na medida em que pretende contribuir para adensar pressupostos teóricos certamente caros ao debate aqui presente, sobre arranjos de governança e padrões de relações de diferentes tipos entre instituições, organizações e agentes que determinam os processos de produção de políticas.4 4 Le Galès, 2011; Marques, 2013.

Por certo, a política pública não parece diminuída, como se verá - pelas próprias decisões do Estado em encampá-la, pela estrutura criada para tal, pelo montante de recursos investidos. Por outro lado, os agenciamentos para sua implementação nesses termos tiveram que passar por transformações significativas ao longo do tempo, conformando modelos de gestão baseados em alto grau de terceirização, ou seja, com uma forte presença do agente privado, que passa a atuar, ao que tudo indica, de forma sobreposta ao agente público. Essa condição, e nesse caso em particular, se absolutamente não nos outorga afirmar uma total retirada do Estado de suas funções habituais, em contrapartida parece sugerir um acúmulo de atribuições e responsabilidades que torna difuso o lugar assumido por cada agente envolvido no processo de implementação da política, criando espécies de “zonas nebulosas”, formatos híbridos de gestão em que não se sabe ao certo quem faz o quê.

Nesse sentido, a figura de um Estado ao mesmo tempo forte em sua função interventora, mas absolutamente subordinado institucionalmente a agentes privados externos para executar as mais corriqueiras atividades de gestão, inspira duplamente, e de forma complementar, um diálogo reflexivo sobre padrões de governança e capacidades estatais em tempos de capitalismo regulatório: de um lado, há que se atentar certamente para a influência dos capitais aqui tratados e seu alcance em termos de formatação da política e, de outro, ressaltar as prováveis reverberações desse processo no redelineamento da competência reguladora do Estado, que seguramente merece ser (re) discutida - em forma e conteúdo.

Essa é parte importante da tarefa crítica deste texto,que está dividido em outras três seções,além desta introdução: um item de contextualização histórica da trajetória de expansão do gerenciamento privado pelas estruturas institucionais do poder público paulista para a execução da política de moradia no estado; um item que focaliza especificamente a interação entre a CDHU e as empresas gerenciadoras que ali atuam; e, por fim, um item conclusivo, que, embora não se pretenda como tal, aponta perspectivas de reflexão sobre essa relação, de modo que sua singularidade possa iluminar e enriquecer a discussão sobre como se articula o cotidiano operacional do Estado brasileiro, quais são os seus condicionantes e limites e como suas dinâmicas internas e com o entorno efetivamente influenciam a sua produção.

EMPRESAS GERENCIADORAS E POLÍTICA HABITACIONAL: O CONTEXTO PAULISTA

No contexto paulista, ao menos quando falamos de instituições estatais de maior envergadura, como é o caso da Companhia Metropolitana de Habitação (Cohab) e da Secretaria Municipal de Habitação (Sehab) de São Paulo, ou da própria CDHU, ligada ao governo do estado, não se pode dizer que exista qualquer ação, intervenção, programa ou política habitacional que se construa, hoje, sem o arrimo gerencial aportado pelas empresas de engenharia consultiva, nascidas e crescidas como firmas e escritórios de projeto e cálculo ainda nos anos 1930 e 1940, no período de arranque da industrialização e da urbanização brasileira, e consolidadas como grandes corporações a partir dos anos 1960 e 1970, sob largo incentivo estatal, na era de ouro do desenvolvimentismo nacional, com lugar garantido na ciranda aquecida das vultosas obras de modernização do país.5 5 Para um aprofundamento sobre esse histórico, ver Pulhez, 2014a; 2013.

No mercado específico dos empreendimentos habitacionais, a participação das empresas de projeto, consultoria e gerenciamento começou a consolidar-se, no entanto, um pouco mais tarde, no período pós-Sistema Financeiro de Habitação (SFH)/Banco Nacional da Habitação (BNH), já na virada dos anos 1980 para os 1990, quando a centralização da política, ao colapsar e desfazer-se, deu lugar a um vazio institucional que abriu os caminhos para a reestruturação das ações do Estado nessa área.

Além disso, em função da crise econômica que assolava o país nesse período, para a engenharia nacional não havia mais grandes projetos e obras de infraestrutura a desenvolver, os investimentos encolhiam e o mercado se forçava a redirecionamentos necessários na prestação dos serviços de consultoria. Nos momentos de maior crise, em meados dos anos 1980, com a retração na contratação de grandes projetos por parte dos governos - estradas, barragens, portos, hospitais etc., que exigiam desenho e detalhamento complexo e especializado, para os quais estava voltada a atuação de tais consultorias -, muitas dessas empresas passaram por revisões de seus processos internos e de sua oferta de serviços, de modo a tomar medidas que garantissem, em meio ao quadro desfavorável da economia do país, níveis satisfatórios de produtividade e lucro. Além da implementação de procedimentos de reestruturação, como aumento da terceirização e diminuição de custos, flexibilização de serviços, adoção de indicadores de gestão e políticas de qualidade total - espécie de “pacote gerencial de salvamento” para um setor que estava sendo francamente atingido pelos atrasos de pagamento dos clientes estatais e pela descontinuidade das contratações -, complementarmente, alguns autores apontam também a recessão da década de 1980 como o principal motivador do aumento da oferta de serviços de gerenciamento prestados pelas empresas de engenharia consultiva no Brasil.6 6 Ver Codas, 1987. Dentre as medidas de reestruturação estaria a aposta em atividades que não requereriam demasiado investimento e formação,como é o caso do gerenciamento de empreendimentos, em contraposição à atuação em áreas de criação de novas vertentes tecnológicas.

Nesse contexto, projetos de menor porte, como aqueles que começam a ser encampados pelos governos locais inicialmente como resposta tanto à falência da capacidade de investimento da União como também às reivindicações de movimentos sociais e outros setores da sociedade civil por reformulações na política habitacional, funcionarão como um novo nicho desse mercado, estabelecendo, de forma espelhada, um novo referencial para a relação entre a administração pública e esse agente externo específico nos cotidianos de execução de programas e ações.

Em relação às iniciativas de intervenção no campo da habitação popular, a década de 1980 será inteiramente marcada por um processo gradual de autonomização dos programas de moradia, iniciado mesmo antes das diretivas constitucionais de 1988 que selariam definitivamente a descentralização das competências administrativas estatais nessa área. Sérgio Azevedo nomearia esse processo de “municipalização selvagem” - ou, como se queira, “descentralização por ausência”, nas palavras de Adauto Cardoso e Luiz Cesar Queiroz.7 7 Citados em Azevedo, 2007.

Em sua análise, Adauto Cardoso8 8 Cardoso, 1999. enfatiza que, tendo em vista a crise financeira que ataca o setor, a política (ou a não política) federal de fato muda de caráter após o fim do SFH/BNH, passando a adotar um formato institucional que, embora estivesse pautado pela ampliação da iniciativa local, ainda se limitava pelo contingenciamento e pelo clientelismo na distribuição dos recursos. Segundo ele, a retomada da eleição dos governos locais nos estados e nos municípios acabou gerando um “processo espontâneo de formulação e desenvolvimento de políticas habitacionais locais”,9 9 Cardoso, 1999, p. 4. cujo alcance efetivo e habilidade concreta para sua implementação não eram, por outro lado, exatamente claros, independentemente dos rumos da política federal, até mesmo pelas limitações da capacidade financeira dos entes federados. E destaca ainda um dos pontos fundamentais dessa movimentação - a sua natureza de fato ambígua, estabelecida pela própria Constituição Federal, que, de um lado, amplia as competências municipais e estaduais e, de outro, conserva e alimenta uma imprecisão nas atribuições dos diferentes níveis de governo, sem definir “prioridades e critérios redistributivos claros para a alocação dos recursos a nível federal”.10 10 Cardoso, 1999, p. 4.

De qualquer forma, a despeito do caráter ainda informe da política, é certo também que o processo de descentralização permitiu que fossem testadas experiências embrionárias, até então inéditas, de gestão compartilhada e participação social, refletidas nos programas e ações levados a campo, como é o caso dos mutirões autogeridos e das urbanizações de favela, por exemplo. Mesmo que se tratasse de iniciativas fragmentadas e ainda pouco articuladas, práticas desse tipo foram algumas das principais e mais relevantes estratégias de que lançaram mão os governos locais no súbito momento em que o sistema federal começou a declinar, apresentando-se não apenas como uma linha programática barata, mas também democratizante, mais próxima das demandas latentes da população empobrecida das grandes cidades, a quem as iniciativas federais até então implementadas não haviam conseguido atender de maneira satisfatória.

Para a participação das empresas terceirizadas de gerenciamento na política habitacional, a implementação desses programas foi, na verdade, bastante importante: todo um mercado gerencial se voltou, nos anos 1990, ao atendimento de municípios e estados pouco capacitados institucionalmente para operar as engrenagens cotidianas de execução das intervenções habitacionais em curso, num movimento, por outro lado, claramente apoiado na agenda reformista das agências internacionais, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com suas exigências contratuais de adesão aos chamados “componentes de gestão” e procedimentos “racionalizados” de administração privada.

No caso brasileiro, a virada da década de 1980 para a de 1990 demarca justamente o período em que tais agências passam mais claramente a normatizar e apostilar recomendações sobre a melhor forma de se governar num contexto reformista, de alegado salvamento econômico, definindo padronagens para a aplicação dos investimentos públicos e para a própria conformação do aparato estatal, com rebatimentos imediatos num tal modus operandi, na qualidade operativa da política, que passa a orientar-se, cada vez mais, para um modelo de gestão pública terceirizada, fazendo alocar no coração do aparato estatal um corpo técnico privado cada vez mais denso - constituído por empresas gerenciadoras, fundações privadas, ONGs e toda sorte de consultores que se possa idealizar.11 11 Ver Arantes, 2004.

De todo modo, para além do papel das agências multilaterais nesse processo e de sua importância inegavelmente substantiva, há que se levar em conta que a dinâmica de migração de novas técnicas gerenciais mundo afora, e também no Brasil, dependeu, afinal, de uma combinação de fatores muito mais sofisticada, envolvendo claramente uma série de demandas e especificidades locais - no nosso caso, como se vê, baixa capacidade de atuação estatal, pressões sociais por reformulações na política, pressões de agentes externos privados por novos contratos, reacomodação de interesses das elites políticas em conformidade com novos imperativos reformadores direcionados aos países do Terceiro Mundo etc.

No caso da CDHU, que é um órgão a serviço do governo do estado, mas com atuação evidentemente vinculada aos municípios, o quadro conjuntural esboçado se traduz em práticas cristalinas, bastante apuradas, ainda que carreguem especificidades próprias da condição institucional que caracteriza a agência, como veremos nas descrições a seguir. De qualquer forma, o primeiro contrato de gerenciamento terceirizado da companhia remete a esse mesmo período, fim dos anos 1980, sendo que a sequência das contratações vem acontecendo, desde então, sem interrupção alguma; e mais do que isso: o escopo de atuação das firmas consultoras, na verdade, só se fez ampliar nesses últimos 25 anos, avançando sobremaneira em áreas antes tratadas no âmbito exclusivo do funcionalismo da empresa pública, provocando as tais “zonas nebulosas” citadas há pouco, na introdução do artigo.

INTERAÇÕES ENTRE ESTADO E CAPITAIS DO URBANO: A RELAÇÃO “CDHU E GERENCIADORAS” COMO QUESTÃO

A atual Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo é uma derivação do primeiro órgão local criado para tratar exclusivamente da questão da habitação popular em território paulista, a Caixa Estadual de Casas para o Povo (Cecap), instituída como autarquia em 1949, mas regulamentada através de decreto apenas em 1964.

No período compreendido entre 1968 (ano em que efetivamente começa a operar, através de lei que a autoriza a obter financiamento junto ao recém-criado SFH) e 1975 (quando passa de autarquia a sociedade por ações, numa articulação de interesses entre estado e federação), a instituição funciona tão somente como agente promotor do sistema SFH/BNH.12 12 Instalado o regime militar no Brasil, em abril de 1964, dentre as diversas providências discricionárias, promovidas para estabelecer as bases de um novo plano de desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, reprimir iniciativas de sublevação ou reação popular diante do novo governo, determinou-se a criação de um Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e de um Banco Nacional de Habitação (BNH), empenhados em “estimular a construção de habitações de interesse social e o financiamento da aquisição da casa própria, especialmente pelas classes da população de menor renda” (Lei nº 4.380/1964, de 21 de agosto de 1964). Após dois anos funcionando com dinheiro orçamentário, o SFH e o BNH passaram a contar com recursos agenciados diretamente junto à massa salarial paga no país, onerando as folhas de pagamento no setor privado, e acumulados em um fundo específico, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Em termos de organização institucional, foram criadas sociedades de economia mista, agentes intermediários, para operar localmente a política direcionada às populações de renda mais baixa, como as Companhias Habitacionais (Cohabs) e também agências no formato da Cecap,em âmbito estadual. Tais agências desempenhavam as funções da promoção imobiliária, enquanto o processo de edificação propriamente dito seria realizado por empreiteiras privadas, contratadas para essa finalidade (Arretche, 1990). A mudança ocorrida em seu estatuto a partir dessa data, porém, permite não apenas uma “modernização” em sua estrutura institucional, mas também a ampliação de suas atribuições. Tornada sociedade de economia mista, a companhia passava a ter “diretoria profissionalizada,conselho de administração e conselho fiscal, contabilidade própria, corpo de funcionários sob sua responsabilidade e, principalmente, possibilidade de celebrar contratos escapando dos rígidos controles do direito público”.13 13 Royer, 2002, p. 36.

É a partir da regulamentação dessa nova condição administrativa que a Cecap passa a atuar também como agente financeiro do sistema, ainda que o faça sempre de forma absolutamente atrelada e subordinada às diretrizes e recursos centralizados em âmbito federal.Para comprovar o profundo grau de determinação das dinâmicas federais na produção habitacional paulista, Itaquê Barbosa apresenta um gráfico comparativo14 14 Barbosa, 2008, p. 82. entre o total anual de empréstimos do BNH (recursos do FGTS) e o total anual de unidades habitacionais entregues pela Cecap entre 1967 e 1985, revelando curvas praticamente idênticas, com variações tão pequenas que poderiam ser mesmo desconsideradas. Entre 1974 e 1981 podemos perceber um ciclo de alta nos financiamentos e na produção estadual, com alguma instabilidade na virada da década. A partir de 1982, no entanto, acontece uma queda brusca em ambas as curvas, condizente com o momento de ruína do sistema federal.

A acentuação da crise do SFH/BNH nos anos 1980 vai significar, para a instituição paulista, o início de um processo de transição do modelo instituído pelo governo central para outro, baseado na autonomia da política habitacional estadual. Em novembro de 1983, com Franco Montoro à frente do governo do estado, cria-se a Secretaria Executiva de Habitação; em março de 1984, a Cecap passa a se chamar Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Estado de São Paulo (CDH) e, por conseguinte, se transforma em braço executivo da nova secretaria.

De forma paralela, em escala mais ampla, quando a centralização do regime começa a desmoronar, solicitando, como vimos, a expansão de iniciativas autônomas para o atendimento de demandas sociais latentes, também a pauta da reforma tributária acaba entrando com força nos debates do processo constituinte, culminando na aprovação da Carta de 1988, que oficializa mudanças absolutamente importantes no sentido de promover a autonomia financeira das demais esferas de governo.

Em São Paulo, esse fato representa um marco para a trajetória da política habitacional paulista, já que abre as portas para a aprovação, em 1989, da Lei nº 6.556, que eleva em 1% a alíquota do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), atrelando a receita tributária do estado ao financiamento de programas de produção de moradias de interesse social, garantindo, assim, um fluxo permanente de recursos para a política operada pela CDH, que, nesse momento, já contava com um arcabouço institucional consolidado, expertise técnica e profissional e capacidade organizacional para tanto. Dessa sorte, o estado de São Paulo, podemos dizer, passava enfim a contar com uma base sólida para a construção de um sistema habitacional próprio.

Somando matéria à consolidação desse processo, em 1987 (antes, portanto,da aprovação da referida lei), chega ao posto de governador o ex-senador Orestes Quércia,anunciando uma guinada nas formas de tratamento da questão,uma radical “mudança de conceito” da postura assumida pelo estado frente ao problema da moradia popular. Através de uma sequência de decretos, Quércia promove mudanças graduais nos órgãos executores da política, a começar pela própria secretaria, que em 1987 deixa de ser Secretaria Executiva de Habitação para tornar-se, primeiramente, Secretaria de Estado da Habitação e, em seguida, Secretaria de Estado da Habitação e Desenvolvimento Urbano. Em junho de 1989, a CDH, por sua vez, transforma-se finalmente em CDHU, Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo.

As mudanças, evidentemente, não foram apenas nominais. Quércia claramente redireciona as ações da empresa para uma iniciativa de ataque agressivo ao déficit, tendo como norte um modelo empresarial de produção em massa de novas unidades habitacionais, que deixava para trás a linhagem programática “participacionista”, “democratizante”, baseada em práticas de mutirão, defendida e encampada por Franco Montoro, seu antecessor, no contexto de reabertura política.

No entanto, a despeito das mudanças iniciadas, em termos de produção efetiva, durante o primeiro ano de governo Quércia apenas 371 unidades habitacionais foram entregues. O salto para o ano seguinte, 1988, é brutal: 5.232 atendimentos são contabilizados. Em 1989, o número chega a 8.665; e, em 1990, já sob os benefícios da lei implementada do ICMS, a CDHU alcança a marca de 12.294 moradias produzidas no estado.

Num curtíssimo espaço de tempo, o ganho de escala anotado obviamente não é desprezível, ao contrário. E, inclusive, os relatórios da empresa coletados por Luciana Royer15 15 Royer, 2002. apontam que a ampliação da contratação do setor privado nesse momento - incluindo, aí, as gerenciadoras - significaria justamente a possibilidade de operacionalizar uma produção massiva, que se alegava até então desconhecida pela CDHU. No entanto, ao se observar a série histórica completa, nota-se que muito antes do início, em 1989, da injeção constante e generosa de recursos através da fonte fiscal estável a produção da companhia já havia atingido níveis semelhantes àqueles da era Quércia em outros períodos: é o caso dos anos de 1981, 1983 e 1986, que registram, respectivamente, 7.724, 7.112 e 8.191 unidades entregues em território paulista.

De todo modo, o primeiro contrato de terceirização do gerenciamento firmado pela agência data de outubro de 1988 e, a rigor, se faz sob a justificativa de otimizar as ações de produção da empresa, apoiando o núcleo regional de Araraquara - este que, curiosamente, está entre os de menor produção total contabilizada, conforme os dados da companhia.16 16 Dentre os onze núcleos regionais (capital, Região Metropolitana de São Paulo, Campinas, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Bauru, Sorocaba, Santos, Presidente Prudente, Taubaté e Araraquara) e quatro postos de atendimento (Marília, Araçatuba, São João da Boa Vista e Registro) espalhados pelo território do estado, o escritório de Araraquara aparece apenas em 12° lugar no ranking numérico de moradias produzidas pela CDHU nesse momento. Ou seja, ao que tudo indica, a terceirização das atividades gerenciais não parece guardar uma relação objetiva e imediata apenas com a agenda de incremento produtivo da CDHU; para além disso,o que a princípio se poderia defender com relativa segurança, as conexões parecem mais complexas, claramente alargadas ao campo instrumentalizado da reestruturação organizacional/administrativa voltada à acomodação dos interesses privados que orbitam a companhia, numa movimentação substanciosamente potencializada durante a gestão de Orestes Quércia, bastante empenhada também em fazer aquecer as atividades da construção civil e da engenharia de projetos, abaladas pela crise recessiva da década de 1980.

Ou seja, sob a justificativa de acenar ao barulho reivindicatório vindo das ruas e ao mesmo tempo dinamizar o setor da construção civil, os compromissos com a iniciativa privada se tornam ainda mais sólidos nesse período, fazendo de fato elevar o atendimento habitacional a patamares nunca antes atingidos pela empresa, na mesma proporção em que se faz multiplicar as contratações de projetistas, consultores e empreiteiras - movimentação orquestrada também a partir do discurso legitimador da racionalização administrativa e das primazias trazidas por práticas nascidas no setor privado.

Segundo a pesquisadora Zenaide Oliveira, a possibilidade de encampar um robusto programa habitacional, antirrecessivo e com efeito anticíclico, capaz de gerar empregos, aumentar a renda urbana, ativar a indústria da construção civil e elevar a receita pública através do aumento da arrecadação tributária, foi aquilo que, em realidade, unificou o arco de alianças e a base ampla de forças sociais e políticas em torno da agenda proposta por Quércia - “prefeitos, parlamentares, lideranças sociais vinculadas aos movimentos populares e à Igreja Católica, empresários, partidos, policy makers... Assim foram lançadas as bases para uma grande convergência”,17 17 Oliveira, 2002. fortalecendo sobremaneira a ação governamental voltada para a construção de um novo padrão de financiamento e de autonomização da política.

Assim, deixando para trás a tarefa de “simplesmente” promover mutirões como antes, a empresa passa a trabalhar prioritariamente com obras realizadas pelo setor privado - sobretudo através da modalidade empreitada global. Itaquê Barbosa18 18 Barbosa, 2008. explica que a opção por essa forma de execução dos empreendimentos se diferenciava dos mutirões não apenas pelo método construtivo adotado, mas, sobretudo, pela distribuição das tarefas dos agentes envolvidos: no caso do Programa Municipal de Habitação, através do qual aconteciam os mutirões na gestão anterior, a prefeitura era a responsável pela gestão da obra, cabendo à companhia apenas orientar e fiscalizar a construção. Nesse esquema,boa parte das atividades do agente promotor e do agente instrumental era repassada ao poder público municipal, que assumia grande controle sobre o empreendimento habitacional. Já na modalidade empreitada global, a empreiteira que vencesse a licitação seria a responsável pela gestão da obra, assumindo, portanto, a competência de agente instrumental, cumprindo à empresa pública, como agente financeiro e promotor, o investimento e a gestão dos recursos e a administração do contrato da obra. Ou seja, retirava-se das mãos do município o controle efetivo da execução dos empreendimentos, repassando-os à iniciativa privada, de modo a reavivar, assim, a parceria que havia sido de certo modo abalada pela desestruturação do SFH.19 19 Essa alocação de papéis para a execução da política de habitação estadual está especialmente bem desenvolvida no trabalho de Oliveira (2002).

Nessa arquitetura organizacional, a CDH deveria funcionar, nas palavras de seus próprios dirigentes, como uma grande “gerenciadora de construtores”, estruturada para contratar projetistas, consultores e empreiteiras que pudessem dar conta das novas e ambiciosas projeções de atendimento em larga escala.20 20 Conforme consta do relatório de gestão da empresa (São Paulo, 1988, p. 26). Citado em Royer, 2002, p. 63. Por outro lado, sob a justificativa de não inchar demais a companhia com funcionários concursados, também a função gerencial começa a ser terceirizada, dando início a um ciclo de ininterruptas contratações de gerenciadoras privadas, no final dos anos 1980, “para atender às demandas por novos funcionários e pela racionalização da estrutura administrativa”.21 21 Royer, 2002.

Zenaide Oliveira ressalta a importância de se registrar que, em meio ao processo de ampliação da terceirização de serviços, entre os governos Quércia e Fleury (este, eleito em 1990), “os salários dos profissionais formalmente vinculados às gerenciadoras, mas, de fato, a serviço da CDHU, foram tratados no fluxo de caixa da CDHU não como custeio, mas como investimento”.22 22 Oliveira, 2002. A autora enfatiza que se, por um lado, parte da expansão da terceirização de fato ocorrera em função do aumento da escala de produção e da oferta, por outro, e em larga medida, fora também “movida por uma ação governamental marcada por transferência crescente de atribuições e delegação de operações baseadas em intensa relação de associação com a esfera privada”.Segundo ela, “a despesa mensal com pessoal nesse período chegou à seguinte distribuição: 41,4% da despesa ocorreu com terceirizados e 56,6% com pessoal próprio”.23 23 Oliveira, 2002.

Ainda que nos possa causar certa estranheza o fato de que a companhia se autointitule uma “gerenciadora de construtores” ao mesmo tempo que passa a terceirizar abundantemente a própria atividade gerencial,o princípio básico da mediação estatal em relação à questão habitacional defendido pela burocracia majoritária da CDHU cuida de aparentemente “naturalizar” essa condição ao preconizar que “a ação governamental deve ser catalisadora da maior ação privada e sua intervenção direta deve limitar-se à superação da crise mais aguda”.24 24 São Paulo, 1988, pp.26-27. Citado em Royer, 2002, p. 63.

Nessa perspectiva, conforme os dados levantados junto à agência e ao sindicato da categoria, o Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco), as atividades de gerenciamento contratadas entre 1988 e 2013 foram paulatinamente expandidas, passando de mero “apoio funcional” (técnicos terceirizados disponibilizados à CDHU, atuando muitas vezes nas dependências da própria empresa pública, prática recorrente ainda hoje) ao serviço especializado de “consultorias multidisciplinares” (como aquelas das áreas jurídica, ambiental e social, por exemplo), tornando os contratos cada vez mais abrangentes, de modo a acomodar amplamente as diferentes demandas do contratante em relação ao desenvolvimento do empreendimento.

Em relação às empresas ali atuantes hoje, segundo a pesquisa de doutorado que embasa os dados deste artigo,25 25 Pulhez, 2014b. destacando aquelas em contrato ativo com a companhia entre 2013 e 2015, a maioria não tem o empreendimento habitacional como foco prioritário de inserção no nicho mercadológico do gerenciamento de empreendimentos, pelo contrário: trata-se de corporações de grande porte, com variadas frentes de atuação no ramo gerencial e de projetos, todas elas caracterizadas por possuir uma estrutura poderosa de recursos materiais e humanos e por serem altamente competitivas no mercado do gerenciamento privado.

Sete das doze empresas abordadas na referida pesquisa foram criadas antes do mergulho na crise econômica dos anos 1980, que afetou fortemente o mercado da engenharia consultiva no Brasil. Duas delas formaram-se ainda nos anos 1950, com maior vocação, naquele momento, para o desenvolvimento de projetos de engenharia do que para a atividade exclusivamente gerencial. Outras cinco foram fundadas entre 1987 e 1992, período de forte turbulência para o setor, que só voltaria a ganhar maior estabilidade a partir de 1995. Embora hoje apresentem um amplo leque de oferta de serviços, todas as cinco, entretanto, iniciaram suas atividades de modo direcionado a segmentos específicos - saneamento e recursos hídricos, telecomunicações, gestão social. Boa parte delas, ademais, conta, em seu portfólio, com uma expressiva predominância de trabalhos realizados junto a administrações municipais e estaduais por todo o país, confirmando informações sistematizadas pelo Sinaenco de que o setor público sempre foi o principal contratante desse tipo de serviço no Brasil.

Não parece implausível supor que o acúmulo de experiência de trabalho junto ao ente estatal talvez se deva, em parte, à lógica seletiva adotada para o julgamento das propostas apresentadas pelas empresas no momento da concorrência pública para a prestação dos serviços, que tem como base - ao menos no caso da CDHU - uma pesada avaliação da experiência técnica da equipe básica designada para executá-la, excluindo, ao que tudo indica, qualquer possibilidade de participação de firmas menores ou que não tenham participado antes de trabalhos desse tipo.

As atuais licitações para contratação de gerenciadoras operadas pela CDHU26 26 Informações baseadas no edital de contratação de empresas para prestação de serviços técnicos especializados de engenharia consultiva para apoio ao gerenciamento e assessoria técnica para implantação dos programas e empreendimentos habitacionais da CDHU (Edital — Concorrência n. 017/12, Processo Geral n. 10.37.017, Tipo de licitação: técnica e preço). Dados sistematizados em Pulhez, 2014b. são do tipo “concorrência”, na modalidade “técnica e preço”, específicas por atribuir notas às propostas técnicas relativas aos serviços oferecidos e licitados. Os pontos atribuídos à equipe técnica básica correspondem às funções de coordenação geral e coordenações setoriais (planejamento, projeto, obra e social), sendo que as empresas que apresentam currículos de profissionais com mais de oito anos de experiência em serviços de gerenciamento de empreendimentos habitacionais saem em vantagem no processo concorrencial. E, em relação à experiência da própria empresa, consideram-se mais aptas - ou pontuam mais - aquelas com ao menos 12 mil unidades habitacionais “gerenciadas”.

A nota final que classifica a empresa vencedora é uma ponderação entre a nota da proposta técnica e a nota da proposta comercial (preço), que corresponde, por sua vez, a um coeficiente geral dos valores apresentados para a execução dos serviços. O mais importante a ressaltar nessa matemática é, na verdade, o peso atribuído a cada uma dessas notas:70% no caso da técnica e 30% no caso do preço.

Para participar de uma licitação no formato e no porte daquelas realizadas pela companhia estadual hoje - divididas em “lotes”, que agrupam dezenas de municípios e os respectivos empreendimentos a serem ali desenvolvidos, elevando às alturas os valores globais estimados para a prestação dos serviços -,27 27 Esses “lotes” são fracionados de acordo com as regionais do estado, numa divisão determinada pela própria CDHU. A reunião de muitos municípios em cada um deles implica, por sua vez, o respectivo desenvolvimento de muitos empreendimentos, o que tende a elevar o valor desembolsado na contratação das empresas de engenharia responsáveis por cada um deles. Para um registro da ordem de grandeza envolvida nos valores negociados nesse tipo de contratação, vale assinalar que o custo de contratação do serviço de gerenciamento do Lote 1 (RMSP ABC/São Paulo — Sul — Sudeste I e Centro), para um período de 24 meses (entre 2013-2015), foi estimado pela CDHU em R$ 22.836.424,40. para além do expressivo peso atribuído à proposta técnica, alguns outros requisitos supostamente “limitadores” são solicitados à concorrente, como é o caso das condicionantes de habilitação, uma listagem bastante extensa de documentos que atestam não apenas a obviamente necessária regularidade fiscal e trabalhista da empresa, mas também a chamada “qualificação econômico-financeira” da mesma, que deve comprovar a posse de capital social ou patrimônio líquido próximo de 10% do valor total orçado pela CDHU para execução das atividades. Para se ter uma ideia, no edital lançado no final de 2012,a cifra patrimonial exigida ultrapassou R$ 2,260 milhões.

Embora logicamente não caiba questionar a validade desse tipo de processo licitatório, absolutamente regulamentado nas formalidades da lei, cabe ressaltar, no entanto, que a opção por esse tipo de contratação vem gerando uma dinâmica de restrições à participação de empresas com currículos menos extensos, favorecendo, por outro lado, a formação de uma espécie de “circuito” (exíguo) de firmas que conseguem atender aos requisitos mínimos de experiência e também de documentação e qualificação econômico-financeira exigidos. E, como as firmas de engenharia que trabalham no ramo gerencial costumam atuar, do mesmo modo, no ramo projetual - atividade essa também sub contratada pela companhia desde os primórdios da expansão da terceirização -, uma mesma empresa que desempenhe ambas as funções pode reunir diversos contratos com a CDHU não apenas ao longo do tempo, mas ao mesmo tempo.

E, ao que tudo indica, algumas outras condições estabelecidas para a escolha das contratadas tendem a reforçar essa lógica: vejamos, por exemplo, que se, de um lado, a participação de cooperativas é vedada - o que, a rigor, segundo a Associação Brasileira de Consultores de Engenharia (ABCE), protegeria as empresas privadas da “concorrência desleal” de organizações sem fins lucrativos-, por outro, a prática de consórcios não apenas é permitida como parece inclusive ser bastante bem-aceita, dadas as requisições do processo licitatório: vejamos que, na composição das vencedoras do certame aberto pela CDHU em 2012, de seis lotes licitados, quatro deles foram assumidos por consórcios estabelecidos entre duas ou mais empresas,28 28 Uma busca sumária feita nos arquivos da Junta Comercial do Estado de São Paulo comprovou que, se observarmos somente aquelas contratadas através do processo licitatório de 2013, todas elas, com maior ou menor número de vínculos, já se consorciaram com ao menos duas outras pertencentes ao mesmo grupo. Dados em https://www.jucesponline.sp.gov.br/, primeira consulta em 29 set. 2012. que por certo se fortalecem enormemente com a soma de suas qualificações e a experiência no mercado de gerenciamento.

Modalidade de contrato com tempo de execução e objeto determinado, o consórcio entre duas ou mais empresas é um instituto jurídico largamente utilizado, há muito, pelo setor da engenharia no Brasil,29 29 Não apenas entre as consultoras, em larga medida o expediente dos consórcios é utilizado há décadas também pelas empreiteiras nacionais. Dentre os vários trabalhos produzidos sobre o setor no Brasil, vale consultar o de Rodrigo Iacovini (2013) sobre o processo de implantação do Rodoanel Mário Covas, na Região Metropolitana de São Paulo. Ali, o autor apresenta um levantamento detalhado das empresas/consórcios participantes e vendedores das licitações e aproveita para discutir historicamente aspectos singulares dessa questão, apontando as múltiplas relações — políticas, institucionais, econômicas e outras — que podem estar envolvidas na composição dessas coligações. que se justifica, em princípio, pelo “porte significativo” do serviço prestado ou pela alta “complexidade do objeto” definido numa determinada licitação. No caso das empresas consultivas, tanto a ABCE quanto o Sinaenco defendem e trabalham pela ampliação dessa prática, percebida como uma possibilidade de fortalecimento do setor, que sofre, segundo as entidades, com um esvaziamento de bons quadros profissionais, cujo processo de renovação vem se efetuando em ritmo lento, incompatível com o aumento recente da demanda.

De fato, a julgar pelo aumento significativo das atribuições delegadas ao agente privado nesses últimos 25 anos, difícil seria negar que o “objeto” gerenciamento tenha, afinal, se tornado verdadeiramente “complexo” - e complexo mesmo nas formas de agenciamento dos atores que participam das rotinas práticas de implementação dos programas habitacionais gerenciados em São Paulo; como exemplo, poderíamos ressaltar um ponto que normalmente não fica explícito nos editais, já aqui mencionado anteriormente: a utilização das gerenciadoras como suporte para o suprimento de mão de obra a serviço da CDHU, ou seja, como fornecedoras de técnicos por elas contratados que atuam nas dependências da companhia, como se fossem funcionários públicos. Recorrente na empresa desde o início das contratações terceirizadas, essa prática tende a reforçar a ideia de que esse modelo de gestão acaba por recair num certo hibridismo formal, em que não se permite saber ao certo a quem se atribui de fato a função regulatória.

Nessa “zona nebulosa”, Estado e empresas parecem desempenhar papéis bastante semelhantes - senão os mesmos, em certos casos; mas, ainda que assim não o seja por completo, no cotidiano prático o gerenciamento privado, de todo modo, ocupa lugar de expressivo destaque na estrutura de organização da gestão, conforme ilustra a Figura 1. Trata-se de um material produzido por uma firma de engenharia consultiva que há vários anos presta serviços de projeto e gerenciamento à CDHU e que sistematiza a rotina operacional de andamento de projetos dentro da companhia, distribuindo funções entre o agente estatal e as terceirizadas, explicitando ao leitor, de forma bastante objetiva, a centralidade estruturante da atividade gerencial subcontratada nesse processo.

FIGURA 1
Fluxograma de gerenciamento de projetos na CDHU

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde a reestruturação da empresa, na virada dos anos 1980 para os 1990, a CDHU vem passando por um processo de diversificação de suas ações, com o delineamento de linhas programáticas mais amplas, voltadas também para requalificação habitacional, urbanização de favelas, saneamento ambiental em áreas de manancial e regularização fundiária. Ainda assim, o paradigma da política encampada continua sendo fundamentalmente o mesmo que motivou seu remodelamento no governo Quércia - ou seja, apesar do caráter matizado das intervenções propostas, os números apontam, na verdade, que a produção de novas unidades permanece ainda, e em larga medida, como atividade prioritária da companhia.30 30 Para se ter uma ideia, no ano de 2010, em que a distância entre o número de famílias beneficiadas por meio de ações de urbanização foi a menor em relação ao número de unidades novas ofertadas, essa proporção ficou na casa dos 35% 65% em relação ao total de atendimentos. Dados retirados do site da CDHU, http://www.cdhu.sp.gov.br/aplicacoes/internauta/perfil/oferta/ uh_gestao.pdf, primeira consulta em 10 fev. 2013.

As opções pela terceirização foram claras naquele momento, e não se pode negar que serviram ao propósito da agência de ampliar a escala do atendimento, viabilizando a execução da política pública, tal como explicitam os dados. A persistência nesse modelo ao longo de tantos anos, no entanto, pode nos servir de chave para compreender, na singularidade do processo que caracteriza o caso aqui exposto, as condicionantes que se interpõem na dinâmica própria de funcionamento do Estado e de definição da política produzida.

Não se trata, ao certo, de enxergar aí um movimento de simples acomodação de interesses de setores privados no âmbito de um Estado “capturado” por esses capitais, como se também para o agente público essa relação não funcionasse como expediente estratégico para sua forma de atuar. Tampouco parece apresentar-se essa condição como mera “desresponsabilização” de um Estado encolhido frente a seus compromissos históricos, até mesmo porque a ação estatal, nesse aspecto, não tem diminuído, e sim aumentado, no decorrer das últimas décadas, o que parece vir acontecendo, porém, sob novos arranjos de governança.

No caso das políticas relacionadas ao espaço urbano no Brasil, alguns autores reconhecem, por exemplo, que a entrada do setor privado na prestação de serviços urbanos veio acompanhada por um esforço de se fazer aumentar as capacidades regulatórias do Estado, embora com sucesso ainda bastante parcial, sobretudo em comparação com o caso das políticas de saúde, assistência e previdência social. Atualmente, poderíamos dizer que, na verdade, o Estado permanece envolvido com a maior parte da prestação direta, ainda que sempre com intensa participação privada nas obras e serviços, reproduzindo, aí, um modelo de operacionalização consolidado no país desde pelo menos os anos 1950. Ou seja, embora se possa afirmar, com algum grau de confiabilidade, uma participação considerável do setor privado nos cotidianos de reprodução da política, não se nega, por outro lado, a presença do Estado no setor ou nem mesmo se confirma uma contração significativa de sua atuação, muito pelo contrário.31 31 Marques, 2015.

Mas, tendo em vista o arranjo aqui apresentado, em que atribuições e obrigações, de um lado e de outro, parecem emaranhadas, confundidas, como exatamente poderíamos definir o papel do Estado na política a partir dessa relação? Um novo padrão de interação entre os diferentes agentes estaria se estabelecendo no processo de produção da política?

Decerto ainda não há conclusões suficientes a apresentar, e um caminho de análises e reflexões merece e necessita ser construído para que possamos avançar em direção a elas. Levi-Faur, teórico do capitalismo regulatório, que nos introduz nuances importantes para as leituras dos efeitos do neoliberalismo sobre a organização do Estado,32 32 Levi-Faur, 2005. argumenta que seriam as atividades regulatórias, no estágio atual do capitalismo mundial, aquelas a ocupar mais fortemente as responsabilidades do agente estatal hoje, muito mais do que a produção direta, como o foi em períodos anteriores. No entanto, na medida em que a própria regulação assume formatos híbridos, produzindo zonas de sombra e nebulosidade, a tarefa de esclarecer a quem cabe, afinal, o controle da implementação da política (“quem faz o quê?”) torna-se especialmente intrincada, exigindo, quiçá, um esforço de formulação de novas definições para que os processos políticos possam ser compreendidos inteiramente, incorporando complexidades ainda pouco observadas na prática.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • São Paulo (Estado). São Paulo, habitação para todos. São Paulo: CDHU, 1988.
  • 1
    Essa expressão remete justamente aos capitais que têm na produção da cidade o objeto de seus processos de valorização, como é o caso de empresas de transporte urbano, de serviços urbanos, construtoras e incorporadoras etc. Outras mais podem e devem ser aí agregadas, sobretudo tendo em vista os processos recentes de transformação da estrutura produtiva, o que amplifica, e muito, o leque de agentes privados envolvidos com a produção do espaço e certamente dependentes de tal atividade para reproduzir-se. A referência aqui são os trabalhos Marques 2013______. “Government, Political Actors and Governance in Urban Policies in Brazil and São Paulo: Concepts for a Future Research Agenda”. Brazilian Political Science Review, v. 7, n. 3, 2013., e Marques 2012Marques, Eduardo. “Governing São Paulo: Governance Patterns in a Highly Unequal Metropolis”. In: 25º Meeting of the Global Governance Club. Copenhagen, 2012..
  • 2
    Pulhez, 2014b______. O arranjo gerencial: Estado, empresas de engenharia e arquitetos nos cotidianos de gestão da política habitacional em São Paulo. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Instituto de Arquitetura e Urbanismo/USP, São Carlos, 2014b..
  • 3
    Levi-Faur, 2005Levi-Faur, David. “The Global Diffusion of Regulatory Capitalism”. The Annals of the American Academy of Political and Social Science, v. 598, n. 1, pp. 12-32, 2005., pp. 12-32.
  • 4
    Le Galès, 2011Le Galès, Patrick. “Urban Policies in Europe: What Is Governed?”. In: Bridge, Gary; Watson, Sophie (Orgs.). The New Blackwell Companion to the City. Oxford: Blackwell, 2011.; Marques, 2013______. “Government, Political Actors and Governance in Urban Policies in Brazil and São Paulo: Concepts for a Future Research Agenda”. Brazilian Political Science Review, v. 7, n. 3, 2013..
  • 5
    Para um aprofundamento sobre esse histórico, ver Pulhez, 2014a______. “Engenheiros consultores: profissionais do desenvolvimento territorial e urbano - 1960-1970”. Paranoá, n. 13, pp. 121-128, 2014a.; 2013Pulhez, Magaly Marques. “Estado e mercado, política pública e empresa privada: notas sobre a atuação de consultorias e gerenciadoras em programas habitacionais e urbanos - 1960/2010”. In: 15º Encontro Nacional da Anpur, 2013, Recife. Anais do 15º Encontro Nacional da Anpur. Recife: Anpur, 2013..
  • 6
    Ver Codas, 1987Codas, Manuel Benitez. “Gerência de projetos: uma reflexão histórica”. Revista de Administração de Empresas, v. 27, n. 1, pp. 33-37, 1987..
  • 7
    Citados em Azevedo, 2007Azevedo, Sérgio. “Desafios da habitação popular no Brasil: políticas recentes e tendências”. In: Cardoso, Adauto Lucio (Org.). Habitação social nas metrópoles brasileiras: uma avaliação das políticas habitacionais em Belém, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo no final do século XX. Porto Alegre: Antac, 2007. (Coleção Habitare)..
  • 8
    Cardoso, 1999Cardoso, Adauto Lucio. “Municipalização da política habitacional: uma avaliação da experiência brasileira recente”. In: 8º Encontro Nacional da Anpur, 1999, Porto Alegre. Anais do 8º Encontro Nacional da Anpur. Porto Alegre: Anpur, 1999..
  • 9
    Cardoso, 1999Cardoso, Adauto Lucio. “Municipalização da política habitacional: uma avaliação da experiência brasileira recente”. In: 8º Encontro Nacional da Anpur, 1999, Porto Alegre. Anais do 8º Encontro Nacional da Anpur. Porto Alegre: Anpur, 1999., p. 4.
  • 10
    Cardoso, 1999Cardoso, Adauto Lucio. “Municipalização da política habitacional: uma avaliação da experiência brasileira recente”. In: 8º Encontro Nacional da Anpur, 1999, Porto Alegre. Anais do 8º Encontro Nacional da Anpur. Porto Alegre: Anpur, 1999., p. 4.
  • 11
    Ver Arantes, 2004Arantes, Pedro. O ajuste urbano: as políticas do Banco Mundial e do BID para as cidades latino-americanas. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/USP, São Paulo, 2004..
  • 12
    Instalado o regime militar no Brasil, em abril de 1964, dentre as diversas providências discricionárias, promovidas para estabelecer as bases de um novo plano de desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, reprimir iniciativas de sublevação ou reação popular diante do novo governo, determinou-se a criação de um Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e de um Banco Nacional de Habitação (BNH), empenhados em “estimular a construção de habitações de interesse social e o financiamento da aquisição da casa própria, especialmente pelas classes da população de menor renda” (Lei nº 4.380/1964, de 21 de agosto de 1964). Após dois anos funcionando com dinheiro orçamentário, o SFH e o BNH passaram a contar com recursos agenciados diretamente junto à massa salarial paga no país, onerando as folhas de pagamento no setor privado, e acumulados em um fundo específico, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Em termos de organização institucional, foram criadas sociedades de economia mista, agentes intermediários, para operar localmente a política direcionada às populações de renda mais baixa, como as Companhias Habitacionais (Cohabs) e também agências no formato da Cecap,em âmbito estadual. Tais agências desempenhavam as funções da promoção imobiliária, enquanto o processo de edificação propriamente dito seria realizado por empreiteiras privadas, contratadas para essa finalidade (Arretche, 1990Arretche, Marta. “Intervenção do Estado e setor privado: o modelo brasileiro de política habitacional”. Espaço & Debates, n. 31, pp. 21-35, 1990.).
  • 13
    Royer, 2002Royer, Luciana de Oliveira. Política habitacional no estado de São Paulo: estudo sobre a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo, CDHU. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/USP, São Paulo, 2002., p. 36.
  • 14
    Barbosa, 2008Barbosa, Itaquê. O Estado e produção habitacional pública. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/USP, São Paulo, 2008., p. 82.
  • 15
    Royer, 2002Royer, Luciana de Oliveira. Política habitacional no estado de São Paulo: estudo sobre a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo, CDHU. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/USP, São Paulo, 2002..
  • 16
    Dentre os onze núcleos regionais (capital, Região Metropolitana de São Paulo, Campinas, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Bauru, Sorocaba, Santos, Presidente Prudente, Taubaté e Araraquara) e quatro postos de atendimento (Marília, Araçatuba, São João da Boa Vista e Registro) espalhados pelo território do estado, o escritório de Araraquara aparece apenas em 12° lugar no ranking numérico de moradias produzidas pela CDHU nesse momento.
  • 17
    Oliveira, 2002Oliveira, Zenaide Machado de. Alcance e limites de uma política setorial de âmbito estadual: a política de habitação de interesse social do estado de São Paulo de 1984 a 2000. Dissertação (Mestrado em Economia) - Instituto de Economia/Unicamp, Campinas, 2002..
  • 18
    Barbosa, 2008Barbosa, Itaquê. O Estado e produção habitacional pública. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/USP, São Paulo, 2008..
  • 19
    Essa alocação de papéis para a execução da política de habitação estadual está especialmente bem desenvolvida no trabalho de Oliveira (2002Oliveira, Zenaide Machado de. Alcance e limites de uma política setorial de âmbito estadual: a política de habitação de interesse social do estado de São Paulo de 1984 a 2000. Dissertação (Mestrado em Economia) - Instituto de Economia/Unicamp, Campinas, 2002.).
  • 20
    Conforme consta do relatório de gestão da empresa (São Paulo, 1988São Paulo (Estado). São Paulo, habitação para todos. São Paulo: CDHU, 1988., p. 26). Citado em Royer, 2002Royer, Luciana de Oliveira. Política habitacional no estado de São Paulo: estudo sobre a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo, CDHU. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/USP, São Paulo, 2002., p. 63.
  • 21
    Royer, 2002Royer, Luciana de Oliveira. Política habitacional no estado de São Paulo: estudo sobre a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo, CDHU. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/USP, São Paulo, 2002..
  • 22
    Oliveira, 2002Oliveira, Zenaide Machado de. Alcance e limites de uma política setorial de âmbito estadual: a política de habitação de interesse social do estado de São Paulo de 1984 a 2000. Dissertação (Mestrado em Economia) - Instituto de Economia/Unicamp, Campinas, 2002..
  • 23
    Oliveira, 2002Oliveira, Zenaide Machado de. Alcance e limites de uma política setorial de âmbito estadual: a política de habitação de interesse social do estado de São Paulo de 1984 a 2000. Dissertação (Mestrado em Economia) - Instituto de Economia/Unicamp, Campinas, 2002..
  • 24
    São Paulo, 1988São Paulo (Estado). São Paulo, habitação para todos. São Paulo: CDHU, 1988., pp.26-27. Citado em Royer, 2002Royer, Luciana de Oliveira. Política habitacional no estado de São Paulo: estudo sobre a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo, CDHU. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/USP, São Paulo, 2002., p. 63.
  • 25
    Pulhez, 2014b______. O arranjo gerencial: Estado, empresas de engenharia e arquitetos nos cotidianos de gestão da política habitacional em São Paulo. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Instituto de Arquitetura e Urbanismo/USP, São Carlos, 2014b..
  • 26
    Informações baseadas no edital de contratação de empresas para prestação de serviços técnicos especializados de engenharia consultiva para apoio ao gerenciamento e assessoria técnica para implantação dos programas e empreendimentos habitacionais da CDHU (Edital — Concorrência n. 017/12, Processo Geral n. 10.37.017, Tipo de licitação: técnica e preço). Dados sistematizados em Pulhez, 2014b______. O arranjo gerencial: Estado, empresas de engenharia e arquitetos nos cotidianos de gestão da política habitacional em São Paulo. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Instituto de Arquitetura e Urbanismo/USP, São Carlos, 2014b..
  • 27
    Esses “lotes” são fracionados de acordo com as regionais do estado, numa divisão determinada pela própria CDHU. A reunião de muitos municípios em cada um deles implica, por sua vez, o respectivo desenvolvimento de muitos empreendimentos, o que tende a elevar o valor desembolsado na contratação das empresas de engenharia responsáveis por cada um deles. Para um registro da ordem de grandeza envolvida nos valores negociados nesse tipo de contratação, vale assinalar que o custo de contratação do serviço de gerenciamento do Lote 1 (RMSP ABC/São Paulo — Sul — Sudeste I e Centro), para um período de 24 meses (entre 2013-2015), foi estimado pela CDHU em R$ 22.836.424,40.
  • 28
    Uma busca sumária feita nos arquivos da Junta Comercial do Estado de São Paulo comprovou que, se observarmos somente aquelas contratadas através do processo licitatório de 2013, todas elas, com maior ou menor número de vínculos, já se consorciaram com ao menos duas outras pertencentes ao mesmo grupo. Dados em https://www.jucesponline.sp.gov.br/, primeira consulta em 29 set. 2012.
  • 29
    Não apenas entre as consultoras, em larga medida o expediente dos consórcios é utilizado há décadas também pelas empreiteiras nacionais. Dentre os vários trabalhos produzidos sobre o setor no Brasil, vale consultar o de Rodrigo Iacovini (2013Iacovini, Rodrigo Faria Gonçalves. Rodoanel Mário Covas: atores, arenas e processos. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/USP, São Paulo, 2013.) sobre o processo de implantação do Rodoanel Mário Covas, na Região Metropolitana de São Paulo. Ali, o autor apresenta um levantamento detalhado das empresas/consórcios participantes e vendedores das licitações e aproveita para discutir historicamente aspectos singulares dessa questão, apontando as múltiplas relações — políticas, institucionais, econômicas e outras — que podem estar envolvidas na composição dessas coligações.
  • 30
    Para se ter uma ideia, no ano de 2010, em que a distância entre o número de famílias beneficiadas por meio de ações de urbanização foi a menor em relação ao número de unidades novas ofertadas, essa proporção ficou na casa dos 35% 65% em relação ao total de atendimentos. Dados retirados do site da CDHU, http://www.cdhu.sp.gov.br/aplicacoes/internauta/perfil/oferta/ uh_gestao.pdf, primeira consulta em 10 fev. 2013.
  • 31
    Marques, 2015______. “Em busca de um objeto esquecido: a política e as políticas do urbano no Brasil”. 2015. Não publicado..
  • 32
    Levi-Faur, 2005Levi-Faur, David. “The Global Diffusion of Regulatory Capitalism”. The Annals of the American Academy of Political and Social Science, v. 598, n. 1, pp. 12-32, 2005..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul 2016

Histórico

  • Recebido
    05 Fev 2016
  • Aceito
    25 Abr 2016
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