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RACISMO E INSULTO RACIAL NA SOCIEDADE BRASILEIRA: Dinâmicas de reconhecimento e invisibilização a partir do direito 1 1 As autoras agradecem os comentários do professor Antônio Sérgio Guimarães e ao grupo de estudos Raça, Desigualdade e Política (FFLCH-USP) pela leitura atenciosa e crítica deste trabalho. Este artigo é uma síntese do trabalho apresentado na conferência “Law and the Public Character of Dignity: A Comparative Empirical and Theoretical Discussion”, na Universidade Columbia, em dezembro de 2015. Agradecemos especialmente a Richard Brooks pelo convite e os comentários de Patricia Williams e Kendall Thomas.

Racism and Racial Insults in Brazilian Society: The Dynamics of Law-Based Recognition and Invisibilization

RESUMO

O objetivo deste artigo é analisar a forma como os mecanismos legais do antirracismo brasileiro têm funcionado e os principais obstáculos à sua aplicação vis-à-vis a dinâmica social do estigma e insultos raciais. Nosso argumento é que existe uma dificuldade em conciliar as categorias da lei interpretadas pelos juízes com a forma real do racismo brasileiro no qual prevalece atos sutis de discriminação assim como o uso de insultos raciais em situações cotidianas.

PALAVRAS-CHAVE:
racismo; políticas anti-racismo; injúria racial; insulto racial; decisões judiciais; pesquisa empírica em direito

ABSTRACT

The goal of this article is to analyze how the Brazilian anti-racism legal mechanisms have been working and the main obstacles to its application vis-à-vis the social dynamics of racial stigma and racial insults. Our argument is that there is a difficulty in reconciling the categories of the law and the way judges interpret it with the actual shape of Brazilian racism in which prevails subtle acts of discrimination and the use of racial insults in everyday situations.

KEYWORDS:
racism; anti-racism public policies in Brazil; racial insult; court decisions; empirical research in law

INTRODUÇÃO

A política pública brasileira sobre a temática racial esteve por um longo período limitada à aplicação de uma legislação antirracismo punitiva ou marcada por políticas de cunho cultural valorativas. O investimento do Estado em políticas redistributivas que impactassem as consequências da discriminação na posição socioeconômica dos negros foi postergado até o início deste século.

Nesses últimos quinze anos, o debate público brasileiro sobre desigualdades e relações raciais sofreu mudanças significativas resultantes de demandas sociais históricas do movimento negro assim como da produção acadêmica sobre desigualdades raciais no Brasil. Os acordos internacionais também foram um mecanismo de pressão importante para a construção dessa agenda,sintetizados na participação brasileira na Conferência de Durban, em 2001.

O governo Lula, iniciado em 2003, criou a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, órgão com status e estrutura de ministério. Desde então, o país presenciou uma série de medidas que visavam a diminuir as desigualdades raciais, que passaram a existir não apenas em âmbito federal, mas também nos âmbitos estadual e municipal.2 2 Lima, 2010. Independentemente dessa diversificação de ações absolutamente relevantes para o enfrentamento da exclusão racial, a denúncia e o enfrentamento do racismo continuaram entre as pautas mais relevantes do movimento negro.

A literatura sociológica associa o racismo tanto a uma ideologia que sustenta desigualdades como aos mecanismos que as reproduzem. A ideologia racista explica e justifica diferenças, preferências, privilégios e desigualdades entre seres humanos com base na ideia de raça,cultura ou etnia.3 3 Guimarães, 2004, p. 215. De outro lado, identifica-se também um conjunto de mecanismos que operam no plano individual e social para manter determinados grupos em situação desvantajosa do ponto de vista econômico, político, social e cultural. Esses mecanismos - que se reproduzem cotidianamente - atuam pela sistemática inferiorização de certas características dos indivíduos,pela manutenção da baixa autoestima destes e pela reprodução de preconceitos em relação a eles.4 4 Guimarães, 2004, pp. 216‑217.

Não obstante a multidimensionalidade dessa descrição sociológica, no que concerne ao combate ao racismo a política brasileira tem sido pautada prioritariamente por meio da legislação penal. O que nos leva ao desafio de construir definições jurídicas para essa prática. A primeira lei antidiscriminação foi sancionada na década de 1950 (Lei Afonso Arinos) e foi largamente criticada pelo movimento negro, especialmente por qualificar as condutas discriminatórias como contravenções penais.5 5 Abdias do Nascimento, em projeto de lei que visava a revogação da Lei Afonso Arinos e a previsão do racismo como crime de lesa‑humanidade, afirma que “a comunidade afro‑brasileira vem clamando, há anos, pela revogação da chamada Lei Afonso Arinos [...] e a sua substituição por um dispositivo legal que realmente puna” (Nascimento, 1983). A demanda por uma lei penal foi atendida na Constituição de 1988, na qual se inscreveu expressamente que a “prática de racismo” constitui “crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. A previsão constitucional do racismo como um dos crimes mais graves do ordenamento jurídico foi considerada uma vitória do movimento negro.

A partir daí, caberia à legislação infraconstitucional definir o que se entende por prática de racismo e regular os termos de aplicação de uma legislação criminal sobre o tema.Isso se deu no ano seguinte por meio da Lei n.7.716 (Lei Caó),conhecida pelo nome do deputado que a propôs, Carlos Alberto Caó. Essa lei tipificou como crimes (sujeitos a pena de um a três anos de reclusão):impedir ou obstar acesso;recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, de ensino, restaurante, hospedagem, transporte público, cargo da administração pública ou Forças Armadas; negar emprego, impedir ascensão na carreira, proporcionar tratamento diferenciado no trabalho; impedir o acesso a entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais; e impedir ou obstar o casamento ou convivência familiar e social, por preconceito de raça ou cor.

A lei sofreu desde então algumas alterações.6 6 No ano seguinte essa lei foi reformada para incluir a “prática, indução ou incitamento, pelos meios de comunicação social ou por publicação, da discriminação ou preconceito de raça, religião, etnia ou procedência nacional”, com pena de reclusão de dois a cinco anos. Em 1994, com a mesma pena, outra conduta seria introduzida no ordenamento jurídico como crime: a fabricação, comercialização, distribuição ou veiculação de símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. A mais importante delas, em 1997, levada a cabo por Paulo Paim, deputado que mantém um forte diálogo com o movimento negro, dá a descrição atual do crime de racismo - “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência racial” -, com pena de reclusão de um a três anos, e cria a injúria qualificada, aquela que utiliza elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem. Com pena de reclusão de um a três anos, é um crime mais grave que o da injúria simples, ofensa à dignidade ou decoro de alguém, punida com detenção de um a seis meses.Na proposta de mudança legislativa, dois anos antes, o deputado Paulo Paim apontava a necessidade de atualizar a Lei n. 7.716, “atacar a impunidade” e “eliminar, de todas as formas, a manifestação pública do odioso preconceito”. Ele se refere também à necessidade de coibir práticas de racismo que se apresentam sob a forma de crimes contra o decoro, a honra e a dignidade: “O estereótipo, muito usado nessas condutas, é uma forma de preconceito pois trata-se de um expediente jocoso, irônico, debochado e com acentuado componente de desprezo no descrever alguém”.7 7 Projeto de Lei n. 1.240/1995, de autoria do deputado Paulo Paim.

As sucessivas mudanças da lei de 1997 refletem um conjunto de insatisfações já articuladas na esfera pública por ativistas do movimento negro. Uma das fundadoras do sos Racismo,8 8 Criado em 1990, o SOS Racismo tem uma forte atuação na área jurídica, oferecendo serviço de orientação e assistência jurídica a vítimas de racismo, além de desenvolver ações de advocacy junto ao Legislativo. Teve papel importante na avaliação da lei e do Judiciário. Sueli Carneiro, fez um balanço da performance da lei e do Judiciário.9 9 Carneiro, 1996. Ela apontava como obstáculos à efetividade da lei, além da “tipificação precária do crime de racismo”,“o descaso com que a discriminação racial é tratada no Brasil, como se fosse assunto irrelevante para o Poder Judiciário”. Sua crítica ao Judiciário também reporta o “interesse em desqualificar o crime de racismo,classificando-o como injúria ou difamação”,o que no seu entender é “uma maneira de escamotear o grau de incidência da discriminação racial no Brasil”. Esse último ponto revela a importância do insulto racista na dinâmica da perpetuação do racismo e explica a criação, em 1997, do crime de injúria racial,10 10 O crime de injúria racial sofreu uma última alteração no ano de 2009, por meio da Lei n. 12.033, que não interferiu no conteúdo, mas no procedimento no sistema judiciário: a ação penal em tais crimes passou a ser de iniciativa da promotoria de Justiça, condicionada à autorização do ofendido (o que se denomina no sistema brasileiro como ação penal pública condicionada a representação). Até esse momento, vítimas interessadas em processar seus agressores deveriam necessariamente constituir um advogado (já que a ação era de natureza penal privada). com pena bem mais elevada do que a injúria simples. A inclusão da injúria racial em 1997 revela um traço importante da legislação antirracista no Brasil: apostou por muito tempo na vedação a condutas segregacionistas e tardou a reconhecer o insulto como mecanismo de discriminação.

Neste artigo, discutimos os desafios de conectar o tratamento dado pelo direito penal ao insulto racial com a dinâmica social e os efeitos dessa prática. Apresentaremos dados resultantes de uma pesquisa empírica sobre a sua aplicação pelos tribunais brasileiros, que apontam também para a disputa em torno do estatuto do insulto: de um lado, é a forma de conduta reivindicada como racista mais presente no Judiciário; de outro, há uma grande dificuldade dos juízes de reconhecerem a mecânica do insulto e sua configuração como crime. Os resultados dessa pesquisa serão discutidos a partir de dois debates: sobre a configuração das relações raciais no Brasil e sobre o uso do direito penal em políticas emancipatórias.

ENTRE INJÚRIA E RACISMO: OS LIMITES DAS DECISÕES JUDICIAIS

Nesta seção, serão apresentados os dados da pesquisa, realizada entre 1998 e 2010 em tribunais de Justiça de nove estados brasileiros (Acre, Bahia, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia e São Paulo),11 11 Para a escolha dos tribunais a serem estudados, levaram-se em conta a diversidade regional e a possibilidade de pesquisa on-line de decisões. disponíveis ao público nos sítios eletrônicos desses tribunais.12 12 Esse trabalho fora resultado do projeto de pesquisa “Esfera pública e direito no Brasil: um estudo de caso sobre decisões envolvendo igualdade de raça”, desenvolvida no núcleo Filosofia, Direito e Democracia do Cebrap, no âmbito do projeto temático Moral, Política e Direito: Autonomia e Teoria Crítica, sob a coordenação de Marta Rodriguez de Assis Machado e José Rodrigo Rodriguez. No levantamento das decisões - que se realizou em dois momentos distintos -, utilizaram-se como termos de busca as expressões “racismo”, “injúria qualificada”, “injúria racial” e “discriminação racial”, resultando, na pesquisa feita no ano de 2008, em 1.275 decisões e, na pesquisa feita no ano de 2010, em 786 decisões.

Por meio de filtragens manuais, foram descartados agravos de instrumento, embargos de declaração e conflitos de competência.Em relação ao conteúdo, foram excluídos acórdãos sobre matéria não penal, aqueles que apenas mencionavam o termo “racismo”, mas não tratavam diretamente de um caso de racismo,e decisões que versavam sobre formas de discriminação estritamente religiosa ou relacionadas a outros grupos, como estrangeiros. A partir dessa filtragem manual chegou-se a um conjunto de duzentos acórdãos sobre discriminação racial de negros, distribuídos nos nove tribunais de Justiça.

As duzentas decisões aqui analisadas referem-se às que chegaram às cortes de apelação, ou seja, decisões de segunda instância. Duas questões metodológicas importantes. Primeiro, os casos de primeira instância não estão sistematizados em bancos de dados, que permitam o acesso por tema ou objeto tratado. O estudo dos casos em primeira instância exigiria outra estratégia, provavelmente pulverizada nas varas, para acesso ao conjunto dos casos que tratassem do tema que nos importa. Em segundo lugar, trabalhamos apenas com os julgados que foram disponibilizados para busca nos portais dos tribunais.13 13 Todas as decisões judiciais e acórdãos proferidos pelo Poder Judiciário, por respeito ao princípio da publicidade dos atos processuais, são publicados no Diário Oficial, que é a ferramenta central utilizada por advogados para localizarem publicações em ações nas quais atuam. Essas decisões, na maioria dos casos, são também digitalizadas e tornadas públicas nos sites dos respectivos tribunais e são, via de regra, localizáveis a partir do número do processo ou nome dos advogados ou das partes. Os critérios de construção do banco não são conhecidos, mas sabe-se que eles variam de tribunal para tribunal, assim como variam a frequência com que os dados são atualizados e o percentual das decisões tornadas públicas por tribunal em relação ao total dos casos decididos. Não se pode tecer considerações sobre o conjunto de casos submetidos e efetivamente julgados por tribunal. Não existe nesta análise nenhuma pretensão de generalizações quer sobre o perfil dos casos, quer sobre a atuação dos tribunais brasileiros.

De outro lado, esse é o único conteúdo tornado público pelos tribunais para ser pesquisado em seus sítios a partir da busca pelo objeto do caso, e por essa simples razão, embora não representativo, trata-se de um universo relevante. Além disso, as descobertas que esse universo foi capaz de proporcionar foram pertinentes para os fins da nossa pesquisa: estávamos interessadas menos em medir a frequência dos fenômenos e mais em compreender a dinâmica da aplicação da lei, a utilização dos conceitos e argumentos jurídicos, os empecilhos e gargalos que operavam para gerar a sensação generalizada de insatisfação com a lei.14 14 Tendo em vista tal objetivo, após coleta dos acórdãos nós os copiamos e cada decisão foi classificada de acordo com uma série de critérios que permitissem: 1) identificação de cada acórdão, 2) seu histórico factual e processual, 3) suas decisões e 4) suas fundamentações. Todas as informações foram processadas em uma tabela no Excel.

Assim, as evidências desse levantamento representam um diagnóstico dos casos que foram aceitos e que avançaram dentro do sistema,ou seja,aqueles que lograram chegar aos tribunais.Nesse sentido, trata-se de dados que contribuem para a compreensão da dinâmica do Judiciário em relação aos crimes raciais e para o entendimento das críticas que circulam na esfera pública sobre a aplicação da lei.

É preciso ponderar ainda que as decisões de segunda instância não contam com uma descrição detalhada dos fatos e, por isso, em muitos casos referentes a insultos raciais não foi possível ter acesso ao teor das ofensas. Na maior parte das vezes as ofensas são transcritas sem citação da fonte originária. Assim, pressupõe-se que esse dado tenha origem no relatório do boletim de ocorrência ou mesmo no depoimento das partes e das testemunhas. Foram consideradas somente as ofensas aspeadas, ou seja, foram desconsideradas menções às ofensas na forma de paráfrase pelo juiz relator, de modo a evitar distorções interpretativas.

O primeiro dado que chama a atenção do conjunto de casos que chegam ao Judiciário é que estes envolvem, em sua grande maioria, situações ligadas a ofensas verbais com a utilização de xingamentos racistas. Encontramos apenas três casos em que se discutiam ações discriminatórias15 15 Um caso em que o réu se recusou a vender uma caixa de fósforos à vítima em seu estabelecimento comercial, afirmando que não iria vender a esse “negro filho da puta”, “crioulo vagabundo”; um caso em que o pai impediu, mediante ameaças de morte, o namoro de sua filha com um rapaz negro; e um último caso, de recusa de emprego, em que a contratação havia sido acertada e confirmada por intermédio de uma conhecida, mas quando a vítima se apresentou pessoalmente teve recusado o emprego, tendo a proprietária gritado: “Neguinha não, neguinha não”. e outros três que envolveram veiculação pública de ideias racistas ou a incitação de violência.16 16 No primeiro deles (Apelação Criminal n. 70012571659), os atos criminosos contaram com a fabricação e divulgação de folhetos em via pública, pregando a discriminação de negros, homossexuais e judeus e incitando à violência. Firmado por integrantes do grupo “orgulho branco”, os folhetos continham dizeres do tipo: “A selvageria dos racistas negros da África não tem fim”; “A manipulação sionista das mentes dos nossos filhos”; “Homossexualismo ameaça à civilização, faça seu dia feliz, acabe com um homossexual”. O outro caso envolveu o grupo White Power, que colou mais de duzentos cartazes em vias públicas contra as cotas para negros nas universidades (“Hoje eles roubam sua vaga nas universidade públicas. Se você não agir agora quem garante que eles não roubarão vagas nos concursos públicos?”; “White Power lutando pelos nossos direitos, não importa o que aconteça (devemos assegurar a existência de nossa raça e o futuro de nossas crianças”) (Apelação Criminal n. 990.08.180555-3). No terceiro caso (Apelação Criminal n. 202.256-3/1), os réus reuniram-se para pronunciamento em programa de emissora de televisão e, seguindo um “roteiro”, externaram frases racistas e discriminatórias contra nordestinos, negros e judeus. Todos os demais 194 casos se referiam a insultos raciais, ainda que houvesse disputa sobre como qualificá-los juridicamente - injúria simples, injúria racial ou prática ou incitação ao preconceito. Embora em primeira instância tenha sido observada maior controvérsia, no âmbito das decisões do tribunal encontramos apenas um caso em que se reconheceu que o xingamento de cunho racial também seria uma forma de “praticar ou incitar o preconceito”. Todos os demais foram classificados ou como injúria racial ou como injúria simples, e muitos deles acabaram não sendo reconhecidos como crimes, por distintas razões que detalharemos adiante. Do ponto de vista do entendimento da dinâmica das relações raciais, esse dado nos revela a importância do insulto racial na construção do que define o racismo para suas vítimas, o que não encontra eco no modelo jurídico.

A partir do relatório das decisões levantaram-se, quando possível, as transcrições das ofensas proferidas entre agressor e vítima. A associação de negro a “macaco” é a ofensa mais presente.Em segundo lugar, encontramos “negro(a) sujo(a)”, “negro(a) fedido(a)” ou “porco(a)”, seguido de “negro(a) vagabundo(a)” (ou “preguiçoso(a)”). Outra afronta encontrada com frequência é “negro(a) safado(a)”. Mulheres negras também são associadas a “cadela” e têm sua sexualidade denunciada como “biscates” ou “piranhas”.Atributos estéticos também são usados como agressões: “nega do cabelo duro”, “nega do cabelo encaracolado”, “negra cabeluda”. Encontram-se em falas comuns utilizadas para ofender as expressões “serviço de preto” e “negro ladrão”, “drogado(a)”. Em alguns casos, o xingamento limita-se apenas à menção à própria raça ou cor, pressupondo que somente sua evocação já carregue seu conteúdo negativo: “seu preto”, “só podia ser preto”, “negrinha”. Como trataremos na seção seguinte, tais expressões ofensivas ao negro, que o animalizam e o relacionam a padrões inferiores de higiene, ética e sexualidade, importam à função que tem o insulto racial como instrumento de humilhação,cuja “eficácia reside justamente em demarcar o afastamento do insultador em relação ao insultado, remetendo-o ao terreno da pobreza, da anomia social, da sujeira e da animalidade”.17 17 Guimarães, 2000.

Algumas falas mesclam xingamentos direcionados à pessoa insultada com falas mais genéricas sobre todo o grupo, reforçando sua hierarquia como grupo social subalterno: “Como diz o ditado, polícia, preto, puta e pobre é uma merda”,18 18 Apelação Criminal n. 296.0653/2, TJSP. “Somente branco deveria poder entrar para a Polícia Militar”,19 19 Apelação Criminal n. 324.9453/6-00, TJSP. “Lugar de negro era comendo carniça”,20 20 Apelação Criminal n. 487.0423/5, TJSP. “Negro não poderia morar ao lado de nossa residência”.21 21 Apelação Criminal n. 700092 69317, TJRS. Em alguns casos, embora minoritários, há incitação explícita à violência: “Negro deveria morrer, matando um por dia é pouco, negros não prestam”.22 22 Apelação Criminal n. 700092 69317, TJRS E em alguns outros chega-se a evocar a escravidão: “Negro é negro e tem que ser escravo de branco”,23 23 Apelação Criminal n. 475.8923/0-00, TJSP. “Lugar de negro é na senzala”,24 24 Apelação Criminal n. 2003. 050.04038, TJRJ. “Nego tem que ir para o tronco,que esta raça não deveria existir”.25 25 Recurso em Sentido Estrito n. 396.944.3/3, JSP.

No total das decisões de mérito26 26 Nas demais 106 decisões os tribunais não chegaram a se pronunciar sobre o mérito. É importante mencionar que há grande número de casos que terminam precocemente, sem que sequer se chegue a analisar o mérito. Segundo nossa análise, o trâmite dos casos em primeira instância até uma decisão inicial de condenação ou absolvição não é tranquilo: em muitos casos, os juízes nem sequer instauram a ação penal (e os casos chegam aos tribunais para questionar essa decisão); em outros, a defesa questiona sua instauração em segunda instância.Nos tribunais, a decisão mais frequente foi obstar o seguimento do caso antes de uma decisão de mérito. A questão da falta de provas aqui também é bastante relevante e é responsável por boa parte dos casos em que se entendeu que a ação penal não deveria ser sequer instaurada. Nos demais casos, a rejeição se deu em razão da disputa pela qualificação jurídica do caso — casos de insultos racistas que foram qualificados inicialmente como prática ou incitação de preconceito e nos quais entendeu o tribunal se tratar de injúria racial. A questão aqui é que, embora a classificação da conduta seja disputável, o fato de o caso ter se iniciado e seguido pelo sistema sob a qualificação de prática de preconceito coloca a demanda em um caminho processual distinto da injúria racial (ação penal pública e não ação penal privada). Quando o tribunal requalifica o caso, acaba impedindo seu processamento por razões processuais — ou o processo anterior é anulado, ou a vítima já perdeu o prazo para iniciar uma ação penal privada (que é de seis meses após a ocorrência do fato). Não é objetivo deste texto detalhar as questões jurídicas e processuais que definem a extinção do caso; basta notar aqui que a disputa pela qualificação jurídica do caso aciona um mecanismo de curto-circuito processual que é responsável em sua grande parte pela extinção dos casos de racismo. Esses resultados são discutidos com mais detalhes em Machado, Ferreira e Santos, 2015. das cortes, foram 54 condenações e quarenta absolvições. As condenações foram por injúria racial (trinta casos), crime contra a honra em sua forma simples (quinze casos), prática ou incitação do preconceito (quatro casos), conduta discriminatória (quatro casos) e um caso de desacato a funcionário público. Nota-se desse conjunto que em quinze casos a dimensão racial da conduta ilícita foi apagada das condenações.27 27 Em cinco casos do total de 54 houve a condenação e em seguida o reconhecimento da extinção da punibilidade. Isso significa que embora o desembargador tenha reconhecido a condenação, reconheceu também a prescrição das penas.

As razões para absolver estiveram basicamente ligadas à falta de provas em trinta casos; em quinze casos o tribunal entendeu que o fato não constituía infração penal; e apenas em dois casos entendeu que comprovadamente o réu não era autor da infração. Em um caso o resultado foi a aplicação de medida de segurança, ou seja, o reconhecimento da inimputabilidade do réu.

A alegação de falta de provas refere-se a dois tipos de problema, prova testemunhal fraca ou contraditória ou, como veremos abaixo, falta de prova da intenção de discriminar. Os casos em que o tribunal afirma não ser o fato crime também estão ligados ao não reconhecimento da intenção racista ou discriminatória.

Chamam a atenção os casos em que,não obstante o teor racista do xingamento, o tribunal reconheceu apenas a injúria simples, desconsiderando o elemento racial do conflito e definindo-o apenas como um crime contra a honra pessoal. Para explicitar a lógica de tais decisões, trazemos aqui algumas delas.

Em um dos casos,em que o ofensor proferiu o xingamento “negro de merda”, a acusação e o juiz de primeira instância haviam classificado o xingamento como injúria racial, mas o tribunal de Justiça o reclassificou para injúria simples. A decisão afirmou que a expressão “negro de merda” seria tão ofensiva quanto “grandalhão de merda” ou “baixinho de merda”, sendo o primeiro elemento tão somente indicador do destinatário da ofensa. Ressaltou-se ainda que, para que tal expressão,“negro de merda”,seja elemento de ofensa a integrar o tipo de injúria qualificada, seria necessário que a palavra “negro” traduzisse ânimo discriminatório, preconceituoso.28 28 Apelação Criminal n. 48272000, TJSP. Percebe-se aqui que a estratégia utilizada foi a desconstrução da particularidade da ofensa racial,tirando justamente o peso desse atributo nas ofensas. Como se, na sociedade brasileira, ser baixinho ou ser negro funcionasse como categorias com a mesma equivalência de ofensa e consequência para o pertencimento à sociedade.

Na maior parte dos casos, o tribunal exige comprovação do dolo específico de discriminar ou ofender a raça e a etnia. Emblemático é o caso29 29 Apelação Criminal n. 2005. 018057-8/0000-00, TJMS. em que a vítima foi ofendida por “preta sem nome” e “vou te bater sua negra safada”, e o tribunal desclassificou o caso de injúria racial para injúria simples. Afirmou que, embora a querelante tenha comprovado suas alegações por meio das testemunhas, as provas se fizeram em relação aos xingamentos, mas não se demonstrou que o objetivo da querelada era ofender a etnia da querelante.30 30 A disputa de reconhecimento entre injúria racial e simples se observou como um tema relevante também na primeira instância. Aqui aparecem casos em que há condenação em primeira instância apenas por injúria simples, e é no tribunal, em sede de recurso, que se reconhece a injúria racial. Casos que tiveram essa dinâmica envolveram xingamentos como: “Você é uma negra, vai pra puta que o pariu, vai tomar no cu” (Apelação Criminal n. 990.09.112658-6, TJSP), “Negro sujo, neguinho pelego, negro ladrão, papa das falcatruas, escória do sindicalismo” (Apelação Criminal n. 70017372913, TJRS) e “Nega safada” (Apelação Criminal n. 332.177-2/4-00, TJSP).

Um dos aspectos importantes no entendimento dessa questão é a necessidade de comprovação de elemento intencional específico, aspecto que fundamentou muitos casos de absolvição. Em um caso de discriminação, porteiros de um estabelecimento noturno condicionaram a entrada do ofendido ao pagamento de dez reais, alegando que por ele ser “preto” teria que pagar, enquanto as outras pessoas que acompanhavam a vítima,todas de cor branca,não precisariam fazê-lo.

O tribunal decidiu que a prova colhida não era suficiente para a condenação,pois não teria restado comprovada a motivação racista como razão da discriminação sofrida pela vítima.31 31 Apelação Criminal n. 70015 082118, TJRS.

Também foi absolvido o segurança de um presídio que ofendeu visitante com a expressão “nego fedido”, pois, segundo a decisão, “não se corporificou a intenção consciente e voluntária de cometimento de discriminação racial, ficando, de maneira nítida, ausente o elemento subjetivo do dolo”.32 32 Apelação Criminal n.399.312-3/ 1-00,TJSP. Há portanto nos tribunais uma dissenso importante sobre o reconhecimento ou não da intenção racista.

O “calor da discussão” é também muitas vezes causa para absolvição. Em um caso em que se relata uma discussão em um estacionamento em que o ofensor profere frases como “Você não sabe quem sou eu”, “Só poderia ser da sua cor, você deveria estar numa jaula” e “Basta olhar pra mim e pra essa coisa pra saber quem tem razão”, a condenação em primeira instância foi por injúria simples,e o tribunal absolveu o réu, afirmando não se poder falar em injúria por ausência de elemento subjetivo quando as expressões são proferidas no “calor da discussão”; “as partes estavam de cabeça quente”.33 33 Apelação Criminal n. 50902 001, TJRJ. O fato de os xingamentos terem acontecido em situação de “acalorada discussão” e faltar dessa forma o dolo de injuriar também motiva a absolvição em caso em que a querelada proferiu palavras ofensivas contra a querelante, chamando-a de “negra imunda”, “negra macumbeira”, “ladrona” e “drogada”.34 34 Apelação Criminal n. 483.151.3/3-0000-000, TJSP. Ainda em outro caso, o Tribunal de Justiça de São Paulo absolveu a ré que proferiu os seguintes insultos: “Vai sua filha da puta, sua macaca! Bando de filha da puta, vai toma no cu, eu quero que alguém peça alguma coisa para essa raça!”.35 35 Apelação Criminal n. 990.09. 358299-6, TJSP. O tribunal entendeu que houve um entrevero entre os vizinhos, com troca de ofensas pelo calor da discussão.No mesmo sentido,absolveu mulher que, durante uma discussão entre familiares no Dia dos Pais, valeu-se da expressão “negra porca” para referir-se a outra, afirmando estar ausente o dolo da prática criminosa, pois as partes envolvidas guardavam “sentimento de desentendimento” uma com a outra. Para o relator, houve apenas intenção de retorquir as críticas desfechadas pela recorrente.36 36 Apelação Criminal n. 418.769-3/2-00, TJSP. Agir “sob forte emoção” também foi o fundamento da decisão que absolveu mulher que proferiu as seguintes ofensas contra um homem: “Negro nojento, asqueroso, peste negra... lugar de negro é na senzala”.37 37 Apelação Criminal n. 2003.050.04038, TJRJ.

O intuito de ofender apenas a vítima individualmente, sem intenção racista, também motivou a absolvição em um caso em que um administrador de cemitério, ao saber que a vítima iria construir a sepultura para pessoa recentemente falecida, afirmou: “Essa negrada não vai entrar no cemitério para fazer o serviço”; “Tu não sabe que negro não trabalha no cemitério evangélico?”. Acusado da prática de racismo, o acusado foi absolvido pelo tribunal de justiça, que afirmou que ele “nitidamente se excedeu na linguagem, injuriou o ofendido”, mas que não haveria evidência suficiente acerca da prática do crime de racismo - a injúria teria sido contra a pessoa da vítima apenas,sem o dolo determinado de praticar preconceito contra a raça negra. Na decisão, os desembargadores afirmam que “esta conduta praticada pela ré é de ser rejeitada, já que vivemos - nós brasileiros - numa sociedade democrática,plural,multirracial,descabendo qualquer discriminação. Mas não se pode confundir injúria com crime de racismo”.38 38 Apelação Criminal n. 70010 47910, TJRS. O caso conta ainda com uma nota interessante em razão do tipo de defesa que é feita. Alega a defesa que no cemitério há um zelador negro como funcionário e sustenta que o acusado não é racista, sendo que duas de suas testemunhas são pessoas de cor negra.

A brincadeira, “ainda que de mau gosto”, é também reconhecida pelo tribunal para excluir a intenção de praticar o crime de racismo. Um caso emblemático que ganhou destaque no debate público nos anos 1990 foi a denúncia contra o cantor Tiririca e o diretor da Sony Music em razão da letra de uma de suas músicas: “Veja os cabelo dela, parece Bombril de arear panela. Quando ela passa, me chama atenção. Mas seus cabelo,não tem jeito,não. A catinga quase que me desmaiou. Olha, eu não aguento o seu fedô. Veja os cabelo dela”. Após o longo processo, o tribunal absolveu os réus, afirmando que ficou esclarecido nos autos que o cantor havia composto a música para sua mulher, “sem o objetivo de ofender quem quer que fosse”. Além disso, “ao ler a letra da música pensa-se estar diante de algo de brincadeira, sem seriedade, ou seja, o réu não teve a intenção deliberada (dolo direto) de praticar, incitar a discriminação ou o preconceito de cor, assim sendo, não se concebe a existência de crime quando o agente não tem intenção de discriminar”. Também não teria sido provado o interesse subjacente, de cunho racista, por parte dos executivos da Sony Music na exploração da obra de Tiririca.39 39 Apelação Criminal n. 1069/98, TJRJ. , 40 40 No mesmo sentido, absolvição por não reconhecer “intenção mais séria” em atingir a vítima, ver Apelação Criminal n. 327.399-2/5, TJSP.

Os casos citados demonstram questões interessantes para a interface entre as práticas sociais e a interpretação da lei. As justificativas encontradas nas apelações criminais como “o calor da discussão”, ofensa sem intenção racista ou brincadeira sem intenção de ofender refletem os impasses em torno do reconhecimento do racismo. A utilização expressa de referências pejorativas à raça ou à cor negra parece não bastar para os tribunais reconhecerem o ato ilícito atentatório à dignidade do grupo. Para além da exteriorização inequívoca do preconceito, exigem que se faça prova inequívoca da intenção de praticar discriminação.41 41 O não reconhecimento da injúria racial pela exigência de prova do intuito de discriminar e praticar racismo é a situação mais frequente. Destacamos aqui outra hipótese, não tão frequente, que suscita questões para outro debate. Na Apelação Criminal n. 70025261041, TJSP, o tribunal, apesar da conotação racista da ofensa (“negro do banhado”, “negro sujo do banhado”), rejeitou a possibilidade de configurar injúria racial por considerar que as vítimas eram brancas e portanto não poderiam ser sujeitos passivos do tipo. A discussão trazida por essa decisão é interessante, pois ela desconsidera a complexidade da diferenciação dos grupos pelo gradiente de cor no Brasil,a dinâmica do insulto como elemento de diferenciação e o fato de que as próprias vítimas, ao articularem a sua demanda diante do sistema de justiça,reivindicaram o reconhecimento do racismo. Os tribunais não reconhecem juridicamente situações de racismo nem em casos de desavenças e discussão,nem quando ele se traveste de brincadeira, ainda que esses episódios tenham sido gatilho para a exteriorização do preconceito.

Para declarar que um crime doloso ocorreu, a doutrina do direito penal requer que o atoilícito venha acompanhado da prova da intenção de sua prática. As decisões que analisamos acima submetem os casos a uma exigência maior: não somente a prova da intenção de proferir aqueles xingamentos, mas também a comprovação do intuito específico de discriminar. É uma interpretação que tem forma jurídica, mas que também pode ser questionada dentro da lógica interna do direito penal, por ser muito exigente, ainda mais porque o que se requer ali é a prova de algo tão abstrato quanto o intuito de discriminar ou praticar racismo. A ideia de que se pode provar a intenção é uma ficção no direito penal. Já que o que se passa na cabeça de uma pessoa é algo inalcançável a menos que seja exteriorizado,o direito penal normalmente atua imputando um certo tipo de intenção a partir de dados objetivos da realidade. Assim, a utilização de expressões altamente pejorativas associadas ao negro, como as que acabamos de descrever, poderia ser considerada suficiente para demonstrar a intenção preconceituosa - como de fato o foi em diversos casos em que houve condenações por injúria racial. Já em um número igualmente significativo de casos, os tribunais simplesmente afirmam não reconhecer a intenção racista, apesar de os xingamentos utilizados mencionarem expressamente elementos ligados à raça e à cor. Não encontramos nenhum padrão argumentativo para diferenciar os casos em que os tribunais reconhecem o intuito discriminatório e os casos em que não o reconhecem. A afirmação ou não desse elemento se deu de forma discricionária, sem que se desenvolvesse uma justificativa argumentativa.

A abertura para a discricionariedade se deu aqui porque estamos lidando com um conceito subjetivo, de conteúdo incerto. Não há parâmetros para saber qual é a intenção, ela é sempre imputada. O que basta ou não para comprovar a intenção é um critério que fica em aberto, seguindo a discricionariedade de cada juiz. Abre-se margem a interpretações muito distintas para os mesmos fatos,incluindo juízes que concluem haver intenção racista a partir do xingamento racista e outros que exigem algo mais (que não se sabe ao certo o quê) para se comprovar a intenção racista. O que nos parece problemático é que a decisão sobre a ausência de elemento subjetivo não é adequadamente justificada. Juízes concluem que não há intenção de praticar preconceito, mas na maior parte dos casos não justificam por que as evidências demonstradas e a ofensa de cunho racial não demonstram o intuito racista. Parecem estar esperando um ato mais intenso de segregação, mas que de todo modo não fica claro.

A nosso ver, como trataremos no item seguinte, esse entendimento reforça o não reconhecimento da dinâmica do racismo na sociedade brasileira assim como a importância do insulto na manutenção das hierarquias sociais.

Esses dados mostram que, dentre os duzentos casos analisados, em 31 houve o reconhecimento do Poder Judiciário de existência de conduta racista. Nos demais, a narrativa da vítima de que houve ato de racismo não encontra confirmação pelo sistema de justiça.Isso se deu seja pelas decisões de mérito que analisamos acima,seja por questões sistêmicas procedimentais, que definiram o fim precoce do caso.

Olhar por dentro do sistema e identificar as razões processuais ou ideológicas que levam a esse resultado mostram um campo de disputa pela aplicação da lei. A criação do sos Racismo e de outras estratégias de assistência jurídica indica que o movimento negro buscou de alguma forma intervir na dinâmica interna do sistema de justiça a fim de brigar pela aplicação da lei. Mas a análise das decisões de mérito permite ver também a indiferença do sistema de justiça aos casos de insulto racial,o que reforça a sua dinâmica perversa. Para compreender o efeito do não reconhecimento do insulto racial pelo Judiciário, há que se considerar o papel do insulto nas relações raciais. Essas decisões acontecem sob o pano de fundo dos esforços dos indivíduos que denunciam ao Estado a prática de injúria racial ou de racismo, na medida em que os insultos racistas afetam suas relações sociais. Como veremos a seguir, os insultos raciais reforçam uma representação do lugar social desses indivíduos.

A nosso ver, o contraste entre a importância social do insulto e o limitado reconhecimento do Judiciário nos remete muito mais a uma crítica a essa estratégia de juridificação do antirracismo do que à denúncia dos déficits de aplicação ou eficácia da lei.Trataremos disso na última seção deste texto.

ESTEREÓTIPOS E A PERFORMATIVIDADE DO INSULTO RACIAL

Estereótipos e ofensas raciais se reforçam mutuamente e são um mecanismo eficiente para explicar a resiliência da desigualdade racial na vida cotidiana. A literatura sobre estereótipos aponta que eles são elementos de diferenciação e, portanto, criam identidade por oposição. O trabalho pioneiro de Walter Lippmann,42 42 Lippmann, 1922. publicado em 1922, define o estereótipo como mecanismo de defesa para sustentar nossa percepção de mundo; nossa posição como membros “normais” da sociedade. A construção do estereótipo pressupõe eu e eles, um nós e os outros, a partir de múltiplas dimensões (gênero, raça, classe, nacionalidade, dentre outros).

O aspecto interacional da construção do preconceito é outro aspecto importante para a compreensão das dinâmicas das relações raciais. Erving Goffman,43 43 Goffman, 1988. em seu clássico trabalho sobre o estigma, sugere analisar os encontros entre os normais e os estigmatizados, situações de copresença, porque, em muitos casos, é nesses momentos que ambos os lados enfrentarão diretamente as causas e os efeitos do estigma como mecanismo de aceitação. Goffman afirma que o estigma inviabiliza a percepção de outros atributos do indivíduo que não estão relacionados a ele. O indivíduo estigmatizado é aquele cujas características predeterminam sua personalidade, comportamento e capacidade. Nas denúncias trabalhadas neste artigo foi possível identificar o peso da interação na injúria racial.

No caso da questão racial, a posse de um atributo passa a ser um diferencial em termos de expectativas e compromete as relações cotidianas dos indivíduos. O estigmatizado é, nos termos de Goffman, um desacreditado, por possuir uma característica que o marca de forma evidente e imediata. Nos casos judiciais que analisamos, identificamos essas características no conteúdo dos insultos: o não pertencimento é uma marca importante nos processos,assim como o descrédito e a desqualificação presentes nos casos analisados.

Como os estereótipos marcam a questão do preconceito racial brasileiro? Não cabe neste artigo uma revisão dos estudos sobre relações raciais que tratam do tema, mas vale a pena destacar algumas convergências desses achados. A primeira delas diz respeito aos estereótipos que informavam os próprios estudos sobre raça. As interpretações acerca da mestiçagem, considerada por muitos como a característica nacional, eram fortemente marcadas por estereótipos raciais. Segundo a antropóloga Giralda Seyferth, “na situação intermediária, os mestiços são o alvo principal dos estereótipos - combinando ‘qualidades’ atribuídas aos brancos e ‘defeitos’ atribuídos às raças consideradas inferiores”.44 44 Seyferth, 1993, p. 187.

Os estudos de cunho sociológico produzidos entre os anos 1950 e 1960 também destacam a importância dos estereótipos na configuração do preconceito racial. Bastide e Van den Berghe demonstraram que os estereótipos raciais funcionam não apenas como um limitador de possibilidades sociais e econômicas dos negros, mas também como um fator de acomodação racial que contribui para justificar suas posições subordinadas.45 45 Ver Bastide e Van den Berghe, 1971. Já Oracy Nogueira demonstra como os estereótipos raciais influenciavam o acesso dos negros aos postos de trabalho.46 46 Nogueira, 1985. Nessa pesquisa, os empregadores entrevistados achavam “muito natural” sua preferência por empregados brancos. Baseavam tal preferência em argumentos depreciativos em relação aos negros: medo de ser roubado, falta de higiene, desobediência, indisciplina, inadequação para lidar com crianças, cheiro ruim e preguiça.

Lima47 47 Lima, 2001. demonstrou que os estereótipos raciais refletem os lugares sociais de negros na sociedade brasileira como no mercado de trabalho. Eles operam para determinar em quais campos os negros podem alcançar reconhecimento e sucesso - em geral, como artistas, músicos e jogadores de futebol - e quais são os domínios do emprego que lhes são interditos. Estereótipos raciais demarcam o espaço onde os negros podem se destacar e ter mobilidade social, ao mesmo tempo que reduzem o leque de possibilidades a serem ocupadas por esses indivíduos. Eles limitam as possibilidades sociais e econômicas para os negros, ao mesmo tempo que se alimentam de preconceitos existentes e os reforçam. As representações sociais de negros como não qualificados, preguiçosos, desorganizados, violentos, sujos, animais, criminosos - a maioria das quais é herdada da escravidão - definem a imaginação social tanto de brancos como de negros e justificam a exclusão dos negros de determinadas posições sociais e profissionais.

No que diz respeito aos insultos raciais, eles são manifestações que reproduzem e reforçam os estereótipos raciais.Há duas situações típicas (e opostas) nas quais podemos identificar o papel dos insultos raciais: na brincadeira e no conflito.

Seyferth48 48 Seyferth, 1993. afirma que as piadas, geralmente em formato de provérbio, apresentam uma simbologia que tanto despoja os negros da sua condição humana quanto os desqualifica enquanto cidadãos. Os atributos que desqualificam os negros são referências a estigmas de fenótipo, evocam a posição social ou um comportamento “não civilizado” ou associam o negro a animais. Para este texto, não trataremos do fenômeno da piada sobre negros no Brasil. Embora seja um material farto para identificar os estereótipos, ele apareceu apenas em um caso dos que analisamos: o de Tiririca.

Quando os insultos raciais operam de forma conflitiva, os estereótipos atuam na desqualificação e, de forma bastante recorrente, na animalização do negro. Os casos judicializados se referem de forma bem mais significativa a situações de conflito. O que move (e demove) os indivíduos a procurarem o sistema de justiça é ainda um campo de pesquisa em aberto, mas o dado que temos já nos permite levantar como hipótese que no conflito o pacto de acomodação do racismo é quebrado e a vítima se mobiliza para acionar o sistema de justiça.

Os casos judiciais aqui apresentados são consistentes com a descrição feita pela literatura sociológica sobre as manifestações do preconceito racial nas situações em que os conflitos se tornam explícitos: o atributo racial se destaca como principal mecanismo de ofensa e demarcação de diferença. Os negros são desumanizados, inferiorizados intelectualmente, marcados por um discurso moralizante e distanciados dos brancos.

Entender o contexto em que os insultos raciais são proferidos permite ver para além do significado das palavras - a animalização, a falta de higiene, de moral etc. - a dinâmica social que cada proferimento aciona. O insulto performa uma função nas relações raciais. Sua repetição cria o pano de fundo que legitima a permanente discriminação e subalternidade dos negros. No momento concreto de sua evocação, para além de comunicar a ideia ofensiva, ele tem a força de recriar a realidade social de inferiorização dos negros, reforçando ou restabelecendo os lugares sociais definidos.49 49 Butler, 1997, p. 72. Essa dinâmica, que fica evidente quando olhamos mais cuidadosamente para os casos e os tipos de contexto em que ocorrem, é frequentemente desconsiderada na análise dos juízes,essencialmente focada no conteúdo da ofensa ou na intenção do agente.

Os resultados das decisões que analisamos acima apontam para a incompreensão da performatividade dos discursos racistas pelos tribunais brasileiros. Isso se dá quer nos casos em que o aspecto racial é desconsiderado para se privilegiar apenas o conflito intersubjetivo, quer nos casos em que o tribunal não reconhece a intenção racista do agente.

O RACISMO BRASILEIRO E AS AMBIVALÊNCIAS DO DIREITO

Ao confrontar, neste texto, a dinâmica do racismo brasileiro com a linguagem do legislador e do juiz, nosso objetivo é esclarecer aspectos que nos parecem obscurecidos nessa relação. Para além da declaração simbolicamente importante na Constituição de que o racismo é intolerável em nossa sociedade, a política antirracista brasileira é desenhada no detalhe na junção entre a forma da lei e sua interpretação pelos juízes. E nesse momento - de forma mais ou menos aberta - uma série de escolhas é feita sobre o que é reconhecido e o que é invisibilizado.A análise dos casos no Judiciário ajuda a compreender essas escolhas e, com isso, a insatisfação do movimento negro com o funcionamento do direito.

A história das mudanças da legislação antirracismo brasileira reflete reiteradamente a insatisfação com normas que definem racismo como segregação ou tratamento explicitamente discriminatório: elas não deram conta de compreender as formas mais sutis e veladas com que ele se manifestava no Brasil. Acima de tudo, a legislação não compreendia o insulto como uma das formas mais recorrentes de racismo. Uma reforma legislativa,quase dez anos após a promulgação da Constituição Federal, foi necessária para introduzir entre os crimes com motivação racial a injúria racial, uma forma agravada de injúria, com pena majorada, que extrapola o efeito da ofensa pessoal para reconhecer a ofensa a todo o grupo racial.

Vimos ainda que,mesmo após tal mudança legislativa,os resultados da aplicação da lei pelo Judiciário continuam bastante reticentes. Para além dos muitos casos extintos precocemente,50 50 O que se dá principalmente devido à alteração da classificação penal e enseja trancamento da ação, extinção de punibilidade, rejeição de denúncia ou queixa-crime ou anulação, como explicamos na nota 29. detectamos a falta de critério para o reconhecimento ou não do conflito racial. O mesmo perfil de caso pode ser considerado pelo Judiciário como prática ou incitação de preconceito, injúria racial, injúria simples ou um ato sem ilicitude, sem que se tenha estabelecido algum critério de interpretação.Em uma parcela grande de casos o aspecto racial da conduta não é reconhecido ou não se reconhece o crime pela falta de comprovação da intenção racista. Nas decisões analisadas, não nos pareceu nem um pouco claro o que exatamente o Judiciário estava exigindo para reconhecer a intenção racista. Parece-nos aqui que há uma resistência a se reconhecer o insulto racista como uma forma de racismo, a despeito das mudanças na lei.

Em nenhum dos casos de absolvição ou não reconhecimento do insulto racista havia dúvida sobre a objetividade da ofensa racial - “negro sujo”, “negro ladrão”, “nego fedido”, “nega safada”. O contexto ofensivo restava claro, assim como a evocação do elemento racial de forma pejorativa. Tais decisões, no entanto, reconheceram a ausência (ou a ausência de prova) do intuito racista pelo ofensor, sem em nenhum momento ponderar os efeitos de tal proferimento para a vítima51 51 A violência do insulto racista é definida por Patricia Williams por seu potencial como spirit-murder: “I see it as spirit-murder, only one of whose manifestations is racism — cultural obliteration, prostitution, abandonment of the elderly and the homeless, and genocide are some of its guises. I see spirit-murder as no less than equivalent of body murder” (Williams, 1987b, p. 151). ou a dimensão performativa do insulto como mecanismo de manutenção das hierarquias raciais. Essas dimensões são totalmente neutralizadas nas decisões.

A brincadeira “de mau gosto”, o insulto que no fundo não tinha “intenção racista”, o mero desentendimento, a música que pretendia apenas fazer uma sátira, todos esses elementos que compõem o tipo de manifestação racista plenamente vigente no Brasil não são reconhecidos pelo Judiciário como racismo.

O sistema de justiça raramente emite declarações de que o insulto racial constitui um ilícito e não deve ser tolerado socialmente. Forma-se assim uma aliança entre práticas sociais sutis de racismo e práticas judiciais que diminuem sua importância. Atos de racismo são naturalizados pela dinâmica das relações sociais hierarquizadas e invisibilizados pelo sistema de justiça.

Há muitas formas de regular o racismo, inclusive a opção de não juridicizar. Isso quer dizer que não precisamos depender do sistema de justiça para quebrar a invisibilidade do racismo. Mas, a partir do momento em que se aposta na estratégia de criação de leis,deposita-se nele a expectativa e a autoridade para se pronunciar sobre o que é lícito ou ilícito, tolerado ou não tolerado, lesivo ou inofensivo.

É inegável o valor - principalmente para os ativistas antirracistas - da conquista de um instrumento legal que objetiva criminalizar condutas discriminatórias. Para tais atores/atrizes, a lei, como vimos, comunicaria a gravidade do ato e, para além disso, teria o condão de escancarar conflitos raciais em meio à vigência do ideário da democracia racial.Para a população negra, a possibilidade do uso da linguagem dos direitos não é trivial.

De fato, o reconhecimento na Constituição Federal de que o racismo é crime grave e não deve ser tolerado foi comemorado como uma vitória do movimento negro. Simbolizava o reconhecimento simultâneo de que o racismo existe na sociedade brasileira, de que a questão racial é relevante e de que discursos racistas não devem ser tolerados. Nas palavras de Hédio Silva Jr., advogado militante do movimento negro, “a vedação constitucional da prescrição do crime de racismo ilustra o grau de censura atribuído ao delito, equiparando-o à tortura, ao tráfico de entorpecentes, ao terrorismo, aos crimes hediondos e à ação armada contra o Estado Democrático de Direito”.52 52 Silva Jr., 2012.

A legislação punitiva sempre foi uma demanda do movimento negro brasileiro. Entretanto, o diagnóstico feito pelo movimento quase duas décadas após o reconhecimento constitucional da vedação ao racismo é de que essa conquista foi posta em xeque pela baixa aplicação da lei pelo Judiciário.

Os resultados que discutimos neste texto nos fornecem elementos para construir uma crítica ao funcionamento do sistema de justiça e às decisões dos juízes, sem desconsiderar os problemas relacionados à lei. A falta de reconhecimento do conflito racial reforça a omissão que contribui para o status quo. Para além da ideia de “leis que não pegam” ou de impermeabilidade do Judiciário à questão racial, importa para nós discutir esse fenômeno refletindo simultaneamente sobre a estratégia de juridificar demandas sociais,em especial via legislação punitiva.

Se, de um lado,é possível criticar a interpretação dos juízes e a falta de fundamentação de suas decisões, como fizemos acima, de outro, não é possível deixar de considerar nesse resultado um conjunto de problemas que vem da própria escolha de regulação pela via do direito penal, cuja forma oferece algumas limitações intrínsecas.

Em primeiro lugar, a própria unidade de análise do direito penal impõe obstáculos para o reconhecimento da complexidade do fenômeno racista. Ele é reduzido à análise de um ato, com um autor e uma vítima específicos. Ao olharmos um insulto racial, é impossível considerar sua lesividade sem considerar um contexto mais amplo de sua repercussão social e sua história de repetição e estigmatização. O poder de ofender de um insulto racial não deriva da força do indivíduo que o pronuncia, nem é ele apenas que causa o dano. A força desse ato é ecoar atos anteriores, sua força e sua autoridade são cumulativas e vêm da repetição,e isso pode trazer dificuldade ao funcionamento dos critérios de responsabilização do direito penal. O xingamento racial é uma prática ritualizada, seu poder e sua violência vêm da sua história e de sua repetição por uma comunidade discursiva.Essa característica, como afirma Butler, impõe uma dificuldade permanente de responsabilizar pelo dano um indivíduo e um ato singular.53 53 Butler, 1997, p. 52.

Nesse contexto, não é difícil compreender por que algumas decisões judiciais,ao isolar o fato e analisar a ofensa,perderam de vista sua lesividade e o contexto de sua performatividade. Essa reflexão, no entanto, remete não apenas a uma crítica à decisão do juiz, mas à própria premissa do direito penal que impõe a individualização do conflito. É preciso, portanto, refletir também sobre o uso de certas categorias do direito,como crime e pena, que recortam demasiadamente o conflito social, sedimentam os envolvidos em categorias fixas e têm respostas muito limitadas - a inflição de sofrimento e a pena de prisão (com pouquíssimas variações), que acabam inclusive invertendo o jogo e vitimizando o autor do insulto.

O escopo deste artigo não permite aprofundar a crítica ao direito penal. Pretendemos por ora apenas chamar a atenção para a necessidade de, nesse processo de pensar instrumentos de política pública, sejam discutidas as limitações e os possíveis riscos de insistir na linguagem da punição, seu possível efeito de redução das lutas sociais a padrões reconhecidos e legitimados pelo direito na sua forma liberal.

Em um momento em que há uma ampliação da demanda por direitos, a intervenção do Judiciário na arena política é crescente. É importante, dessa forma, considerar, no debate público, as consequências ambivalentes da própria decisão de regular juridicamente um fenômeno.

Daí a relevância da crítica de Judith Butler. Butler analisa esse processo como uma espécie de deslocamento de poder dos cidadãos para o Judiciário. Na medida em que a questão racial é adjudicada pelo Estado, em sua forma Judiciário, este é em primeiro lugar pressuposto como espaço neutro. Além disso, a ele é dado o poder de arbitrar sobre o que é e o que não é um discurso racista; há aqui uma espécie de delegação da disputa política à autoridade do juiz; ou, pelo menos, a redução da disputa pública à disputa no âmbito do processo. Segundo Butler, quando o discurso político é totalmente colapsado em jurídico, o sentido da oposição política corre o risco de ser reduzido ao ato da acusação processual.54 54 Butler, 1997, p. 50. Assim, a definição do que é ou não é racismo passa a depender não do embate político que pode ocorrer em diferentes âmbitos e envolver um sem-número de atores, mas do resultado de um processo regulado, em que apenas algumas pessoas são legitimadas a falar, em que os componentes da disputa passam a ter forma jurídica - questões processuais, questões de prova, qual é a interpretação que se dá ao conceito jurídico de intenção etc. - e há uma autoridade investida para dar a palavra final. Se, de um lado, o reconhecimento público da lei dá à vítima e à questão racial a importância pública que merecem, os custos e riscos dessa estratégia, que regula o campo da contestação, devem também ser considerados.

Desse modo, não falamos contra o direito, mas de sua ambivalência. De um lado, o abandono da linguagem dos direitos pode ser problema para um grupo socialmente subalternizado. Pode significar o desfazer-se de um símbolo demasiado arraigado em sua psique,nos termos de Williams;55 55 Williams, 1987a. ou, nas palavras de Wendy Brown,56 56 Brown, 2002. o direito é aquilo que não podemos não querer. Por isso não deixamos de criticar as falhas da lei,a posição dos juízes,de cobrar aplicação,defender que a aplicação da lei e os processos institucionais devem ser disputados pelos movimentos sociais.

De outro lado,achamos que não é possível fazer isso sem também reconhecer os riscos da regulação jurídica e criticar as estratégias de regulação adotadas, por exemplo, a punitivista. O processo de juridificação de demandas sociais permanece a nosso ver sempre como um processo dinâmico - contínuo, criticável, revisável. E o que nosso estudo parece indicar é a necessidade da disputa por seus termos e categorias. E, para além disso, da pluralização e diversificação das vias escolhidas para o enquadramento da questão racial em diferentes formas de regulação estatal e não estatal, que podem se combinar de formas diferentes a cada momento,em um processo contínuo de reflexão sobre os potenciais,os limites e os riscos envolvidos no uso do direito.

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  • Nogueira, Oracy. Tanto preto quanto branco: estudo de relações raciais. São Paulo: T. A. Queiroz, 1985. Acesso em: 22 out. 2016.
  • Seyferth, Giralda. “A invenção da raça e o poder discricionário dos estereótipos”. Anuário Antropológico, n. 93, pp. 175-203, 1993.
  • Silva Jr., Hédio. “Preconceito deve ser circunstância legal genérica”. Consultor Jurídico, 31 jul. 2012. Disponível em: Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-jul-31/hedio-silva-preconceito-racial-circunstancia-legal-generica Acesso em: 22 out. 2016.
    » http://www.conjur.com.br/2012-jul-31/hedio-silva-preconceito-racial-circunstancia-legal-generica
  • Williams, Patricia J. “Alchemical Notes: Reconstructing Ideals from Deconstructed Rights”. Harvard Civil Rights-Civil Liberties Law Review, v. 22, n. 401, 1987a.
  • _____. “Spirit-Murdering the Messenger: The Discourse of Fingerpointing as the Law’s Response to Racism”. University of Miami Law School Review, n. 42, v. 127, 1987b.
  • 1
    As autoras agradecem os comentários do professor Antônio Sérgio Guimarães e ao grupo de estudos Raça, Desigualdade e Política (FFLCH-USP) pela leitura atenciosa e crítica deste trabalho. Este artigo é uma síntese do trabalho apresentado na conferência “Law and the Public Character of Dignity: A Comparative Empirical and Theoretical Discussion”, na Universidade Columbia, em dezembro de 2015. Agradecemos especialmente a Richard Brooks pelo convite e os comentários de Patricia Williams e Kendall Thomas.
  • 2
    Lima, 2010_____. “Desigualdades raciais e políticas públicas: ações afirmativas no governo Lula”. Novos estudos - Cebrap, n. 87, pp. 77-95, 2010..
  • 3
    Guimarães, 2004_____. Preconceito e discriminação: queixas de ofensas e tratamento desigual dos negros no Brasil. 2. ed. São Paulo: Fusp; Ed.34, 2004., p. 215.
  • 4
    Guimarães, 2004_____. Preconceito e discriminação: queixas de ofensas e tratamento desigual dos negros no Brasil. 2. ed. São Paulo: Fusp; Ed.34, 2004., pp. 216‑217.
  • 5
    Abdias do Nascimento, em projeto de lei que visava a revogação da Lei Afonso Arinos e a previsão do racismo como crime de lesa‑humanidade, afirma que “a comunidade afro‑brasileira vem clamando, há anos, pela revogação da chamada Lei Afonso Arinos [...] e a sua substituição por um dispositivo legal que realmente puna” (Nascimento, 1983Nascimento, Abdias do. Combate ao racismo: discursos e projetos. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 1983.).
  • 6
    No ano seguinte essa lei foi reformada para incluir a “prática, indução ou incitamento, pelos meios de comunicação social ou por publicação, da discriminação ou preconceito de raça, religião, etnia ou procedência nacional”, com pena de reclusão de dois a cinco anos. Em 1994, com a mesma pena, outra conduta seria introduzida no ordenamento jurídico como crime: a fabricação, comercialização, distribuição ou veiculação de símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.
  • 7
    Projeto de Lei n. 1.240/1995, de autoria do deputado Paulo Paim.
  • 8
    Criado em 1990, o SOS Racismo tem uma forte atuação na área jurídica, oferecendo serviço de orientação e assistência jurídica a vítimas de racismo, além de desenvolver ações de advocacy junto ao Legislativo. Teve papel importante na avaliação da lei e do Judiciário.
  • 9
    Carneiro, 1996Carneiro, Sueli. “Racismo e discriminação”. Cadernos de Pesquisa, n. 4, 1996. Disponível em: Disponível em: http://www.cebrap. org.br/v2/app/webroot/files/upload/biblioteca_virtual/racismo_e_discriminacao.pdf . Acesso em: 22 out. 2016.
    http://www.cebrap. org.br/v2/app/webroot...
    .
  • 10
    O crime de injúria racial sofreu uma última alteração no ano de 2009, por meio da Lei n. 12.033, que não interferiu no conteúdo, mas no procedimento no sistema judiciário: a ação penal em tais crimes passou a ser de iniciativa da promotoria de Justiça, condicionada à autorização do ofendido (o que se denomina no sistema brasileiro como ação penal pública condicionada a representação). Até esse momento, vítimas interessadas em processar seus agressores deveriam necessariamente constituir um advogado (já que a ação era de natureza penal privada).
  • 11
    Para a escolha dos tribunais a serem estudados, levaram-se em conta a diversidade regional e a possibilidade de pesquisa on-line de decisões.
  • 12
    Esse trabalho fora resultado do projeto de pesquisa “Esfera pública e direito no Brasil: um estudo de caso sobre decisões envolvendo igualdade de raça”, desenvolvida no núcleo Filosofia, Direito e Democracia do Cebrap, no âmbito do projeto temático Moral, Política e Direito: Autonomia e Teoria Crítica, sob a coordenação de Marta Rodriguez de Assis Machado e José Rodrigo Rodriguez.
  • 13
    Todas as decisões judiciais e acórdãos proferidos pelo Poder Judiciário, por respeito ao princípio da publicidade dos atos processuais, são publicados no Diário Oficial, que é a ferramenta central utilizada por advogados para localizarem publicações em ações nas quais atuam. Essas decisões, na maioria dos casos, são também digitalizadas e tornadas públicas nos sites dos respectivos tribunais e são, via de regra, localizáveis a partir do número do processo ou nome dos advogados ou das partes. Os critérios de construção do banco não são conhecidos, mas sabe-se que eles variam de tribunal para tribunal, assim como variam a frequência com que os dados são atualizados e o percentual das decisões tornadas públicas por tribunal em relação ao total dos casos decididos.
  • 14
    Tendo em vista tal objetivo, após coleta dos acórdãos nós os copiamos e cada decisão foi classificada de acordo com uma série de critérios que permitissem: 1) identificação de cada acórdão, 2) seu histórico factual e processual, 3) suas decisões e 4) suas fundamentações. Todas as informações foram processadas em uma tabela no Excel.
  • 15
    Um caso em que o réu se recusou a vender uma caixa de fósforos à vítima em seu estabelecimento comercial, afirmando que não iria vender a esse “negro filho da puta”, “crioulo vagabundo”; um caso em que o pai impediu, mediante ameaças de morte, o namoro de sua filha com um rapaz negro; e um último caso, de recusa de emprego, em que a contratação havia sido acertada e confirmada por intermédio de uma conhecida, mas quando a vítima se apresentou pessoalmente teve recusado o emprego, tendo a proprietária gritado: “Neguinha não, neguinha não”.
  • 16
    No primeiro deles (Apelação Criminal n. 70012571659), os atos criminosos contaram com a fabricação e divulgação de folhetos em via pública, pregando a discriminação de negros, homossexuais e judeus e incitando à violência. Firmado por integrantes do grupo “orgulho branco”, os folhetos continham dizeres do tipo: “A selvageria dos racistas negros da África não tem fim”; “A manipulação sionista das mentes dos nossos filhos”; “Homossexualismo ameaça à civilização, faça seu dia feliz, acabe com um homossexual”. O outro caso envolveu o grupo White Power, que colou mais de duzentos cartazes em vias públicas contra as cotas para negros nas universidades (“Hoje eles roubam sua vaga nas universidade públicas. Se você não agir agora quem garante que eles não roubarão vagas nos concursos públicos?”; “White Power lutando pelos nossos direitos, não importa o que aconteça (devemos assegurar a existência de nossa raça e o futuro de nossas crianças”) (Apelação Criminal n. 990.08.180555-3). No terceiro caso (Apelação Criminal n. 202.256-3/1), os réus reuniram-se para pronunciamento em programa de emissora de televisão e, seguindo um “roteiro”, externaram frases racistas e discriminatórias contra nordestinos, negros e judeus.
  • 17
    Guimarães, 2000Guimarães, Antonio Sérgio Alfredo. “O insulto racial: as ofensas verbais registradas em queixas de discriminação”. Estudos Afro-Asiáticos, n. 38, 2000. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0101-546X2000000200002&lng=en&nrm=iso . Acesso em: 22 out. 2016.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    .
  • 18
    Apelação Criminal n. 296.0653/2, TJSP.
  • 19
    Apelação Criminal n. 324.9453/6-00, TJSP.
  • 20
    Apelação Criminal n. 487.0423/5, TJSP.
  • 21
    Apelação Criminal n. 700092 69317, TJRS.
  • 22
    Apelação Criminal n. 700092 69317, TJRS
  • 23
    Apelação Criminal n. 475.8923/0-00, TJSP.
  • 24
    Apelação Criminal n. 2003. 050.04038, TJRJ.
  • 25
    Recurso em Sentido Estrito n. 396.944.3/3, JSP.
  • 26
    Nas demais 106 decisões os tribunais não chegaram a se pronunciar sobre o mérito. É importante mencionar que há grande número de casos que terminam precocemente, sem que sequer se chegue a analisar o mérito. Segundo nossa análise, o trâmite dos casos em primeira instância até uma decisão inicial de condenação ou absolvição não é tranquilo: em muitos casos, os juízes nem sequer instauram a ação penal (e os casos chegam aos tribunais para questionar essa decisão); em outros, a defesa questiona sua instauração em segunda instância.Nos tribunais, a decisão mais frequente foi obstar o seguimento do caso antes de uma decisão de mérito. A questão da falta de provas aqui também é bastante relevante e é responsável por boa parte dos casos em que se entendeu que a ação penal não deveria ser sequer instaurada. Nos demais casos, a rejeição se deu em razão da disputa pela qualificação jurídica do caso — casos de insultos racistas que foram qualificados inicialmente como prática ou incitação de preconceito e nos quais entendeu o tribunal se tratar de injúria racial. A questão aqui é que, embora a classificação da conduta seja disputável, o fato de o caso ter se iniciado e seguido pelo sistema sob a qualificação de prática de preconceito coloca a demanda em um caminho processual distinto da injúria racial (ação penal pública e não ação penal privada). Quando o tribunal requalifica o caso, acaba impedindo seu processamento por razões processuais — ou o processo anterior é anulado, ou a vítima já perdeu o prazo para iniciar uma ação penal privada (que é de seis meses após a ocorrência do fato). Não é objetivo deste texto detalhar as questões jurídicas e processuais que definem a extinção do caso; basta notar aqui que a disputa pela qualificação jurídica do caso aciona um mecanismo de curto-circuito processual que é responsável em sua grande parte pela extinção dos casos de racismo. Esses resultados são discutidos com mais detalhes em Machado, Ferreira e Santos, 2015Machado, Marta Rodriguez de Assis; Ferreira, Carolina Cutrupi; Santos, Natália Neris da Silva. “Legislação antirracista punitiva no Brasil: uma aproximação à aplicação do direito pelos tribunais de Justiça brasileiros”. Revista de Estudos Empíricos em Direito, v. 2, n. 1, pp. 60-92, 2015..
  • 27
    Em cinco casos do total de 54 houve a condenação e em seguida o reconhecimento da extinção da punibilidade. Isso significa que embora o desembargador tenha reconhecido a condenação, reconheceu também a prescrição das penas.
  • 28
    Apelação Criminal n. 48272000, TJSP.
  • 29
    Apelação Criminal n. 2005. 018057-8/0000-00, TJMS.
  • 30
    A disputa de reconhecimento entre injúria racial e simples se observou como um tema relevante também na primeira instância. Aqui aparecem casos em que há condenação em primeira instância apenas por injúria simples, e é no tribunal, em sede de recurso, que se reconhece a injúria racial. Casos que tiveram essa dinâmica envolveram xingamentos como: “Você é uma negra, vai pra puta que o pariu, vai tomar no cu” (Apelação Criminal n. 990.09.112658-6, TJSP), “Negro sujo, neguinho pelego, negro ladrão, papa das falcatruas, escória do sindicalismo” (Apelação Criminal n. 70017372913, TJRS) e “Nega safada” (Apelação Criminal n. 332.177-2/4-00, TJSP).
  • 31
    Apelação Criminal n. 70015 082118, TJRS.
  • 32
    Apelação Criminal n.399.312-3/ 1-00,TJSP.
  • 33
    Apelação Criminal n. 50902 001, TJRJ.
  • 34
    Apelação Criminal n. 483.151.3/3-0000-000, TJSP.
  • 35
    Apelação Criminal n. 990.09. 358299-6, TJSP.
  • 36
    Apelação Criminal n. 418.769-3/2-00, TJSP.
  • 37
    Apelação Criminal n. 2003.050.04038, TJRJ.
  • 38
    Apelação Criminal n. 70010 47910, TJRS. O caso conta ainda com uma nota interessante em razão do tipo de defesa que é feita. Alega a defesa que no cemitério há um zelador negro como funcionário e sustenta que o acusado não é racista, sendo que duas de suas testemunhas são pessoas de cor negra.
  • 39
    Apelação Criminal n. 1069/98, TJRJ.
  • 40
    No mesmo sentido, absolvição por não reconhecer “intenção mais séria” em atingir a vítima, ver Apelação Criminal n. 327.399-2/5, TJSP.
  • 41
    O não reconhecimento da injúria racial pela exigência de prova do intuito de discriminar e praticar racismo é a situação mais frequente. Destacamos aqui outra hipótese, não tão frequente, que suscita questões para outro debate. Na Apelação Criminal n. 70025261041, TJSP, o tribunal, apesar da conotação racista da ofensa (“negro do banhado”, “negro sujo do banhado”), rejeitou a possibilidade de configurar injúria racial por considerar que as vítimas eram brancas e portanto não poderiam ser sujeitos passivos do tipo. A discussão trazida por essa decisão é interessante, pois ela desconsidera a complexidade da diferenciação dos grupos pelo gradiente de cor no Brasil,a dinâmica do insulto como elemento de diferenciação e o fato de que as próprias vítimas, ao articularem a sua demanda diante do sistema de justiça,reivindicaram o reconhecimento do racismo.
  • 42
    Lippmann, 1922Lippmann, Walter. Public Opinion. Nova York: Harcourt, Brace & Co., 1922..
  • 43
    Goffman, 1988Goffman, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação de uma identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988..
  • 44
    Seyferth, 1993Seyferth, Giralda. “A invenção da raça e o poder discricionário dos estereótipos”. Anuário Antropológico, n. 93, pp. 175-203, 1993., p. 187.
  • 45
    Ver Bastide e Van den Berghe, 1971Bastide, Roger; Van den Berghe, Pierre. “Estereótipos, normas e comportamento inter-racial em São Paulo”. In: Bastide, Roger; Fernandes, Florestan. Brancos e negros em São Paulo: ensaio sociológico sobre aspectos da formação, manifestações atuais e efeitos do preconceito de cor na sociedade paulistana. 3. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1971..
  • 46
    Nogueira, 1985Nogueira, Oracy. Tanto preto quanto branco: estudo de relações raciais. São Paulo: T. A. Queiroz, 1985. Acesso em: 22 out. 2016..
  • 47
    Lima, 2001Lima, Márcia. Serviço de branco, serviço de preto: um estudo sobre cor e trabalho no Brasil urbano. Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Sociologia), IFCS-UFRJ, 2001..
  • 48
    Seyferth, 1993Seyferth, Giralda. “A invenção da raça e o poder discricionário dos estereótipos”. Anuário Antropológico, n. 93, pp. 175-203, 1993..
  • 49
    Butler, 1997Butler, Judith. Excitable Speech: A Politics of the Performative. Nova York; Londres: Routledge, 1997., p. 72.
  • 50
    O que se dá principalmente devido à alteração da classificação penal e enseja trancamento da ação, extinção de punibilidade, rejeição de denúncia ou queixa-crime ou anulação, como explicamos na nota 29.
  • 51
    A violência do insulto racista é definida por Patricia Williams por seu potencial como spirit-murder: “I see it as spirit-murder, only one of whose manifestations is racism — cultural obliteration, prostitution, abandonment of the elderly and the homeless, and genocide are some of its guises. I see spirit-murder as no less than equivalent of body murder” (Williams, 1987b_____. “Spirit-Murdering the Messenger: The Discourse of Fingerpointing as the Law’s Response to Racism”. University of Miami Law School Review, n. 42, v. 127, 1987b., p. 151).
  • 52
    Silva Jr., 2012Silva Jr., Hédio. “Preconceito deve ser circunstância legal genérica”. Consultor Jurídico, 31 jul. 2012. Disponível em: Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-jul-31/hedio-silva-preconceito-racial-circunstancia-legal-generica . Acesso em: 22 out. 2016.
    http://www.conjur.com.br/2012-jul-31/hed...
    .
  • 53
    Butler, 1997Butler, Judith. Excitable Speech: A Politics of the Performative. Nova York; Londres: Routledge, 1997., p. 52.
  • 54
    Butler, 1997Butler, Judith. Excitable Speech: A Politics of the Performative. Nova York; Londres: Routledge, 1997., p. 50.
  • 55
    Williams, 1987aWilliams, Patricia J. “Alchemical Notes: Reconstructing Ideals from Deconstructed Rights”. Harvard Civil Rights-Civil Liberties Law Review, v. 22, n. 401, 1987a..
  • 56
    Brown, 2002Brown, Wendy e Halley, Janet. Left Legalism, Left Critique, Durham, NC: Duke University Press, 2002..
  • 57
    Este artigo é parte de uma pesquisa mais ampla desenvolvida pelas autoras, intitulada “Entre o direito e as práticas cotidianas: o lugar do insulto racial na sociedade brasileira”, que reúne dados de estudos sobre estereótipos raciais no Brasil desenvolvidos por Marcia Lima e dados da pesquisa “Esfera pública e direito no Brasil: Um estudo de caso sobre decisões envolvendo igualdade de raça”, desenvolvida no Núcleo e Direito e Democracia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), da qual Marta R. de Assis Machado foi uma das coordenadoras e Natália Neris foi membro da equipe.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov 2016

Histórico

  • Recebido
    30 Jun 2016
  • Aceito
    08 Set 2016
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