Acessibilidade / Reportar erro

A SOBREVIVÊNCIA DO MAIOR NÚMERO: NOTAS SOBRE O PENSAMENTO DE HAYEK

The Survival of the Greatest Number: Notes on Hayek’s Tought

RESUMO

Friedrich Hayek é um dos pensadores liberais mais importantes dos últimos tempos. Sua força reside no modo como ele foi capaz de reabilitar a tradição liberal conservadora e preservar um discurso supostamente compatível com a moderna teoria dos sistemas complexos e, ao mesmo tempo, com posições libertárias de cunho individualista.

PALAVRAS-CHAVE:
liberalismo; Friedrich Hayek; sistemas complexos; evolução

ABSTRACT

Friedrich Hayek is one of the most important liberal thinkers of recent times. His strength lies in the way that he was able to rehabilitate the conservative liberal tradition and to preserve a speech supposedly compatible with the modern theory of complex systems and, at the same time, with libertarian positions.

KEYWORDS:
liberalism; Friedrich Hayek; complex systems; evolution

He who is only an economist cannot be a good economist. There is hardly a single problem which can be adequately answered on the basis of a single special discipline.

Friedrich Hayek, Studies in Philosophy, Politics and Economics

Talvez a melhor forma de abordar o pensamento de Friedrich Hayek seja mediante o imbricamento entre a sua concepção de ação social e a teoria do conhecimento que lhe é subjacente. É isso que confere alguma unidade ao conjunto da sua obra e, ao mesmo tempo, representa o pilar fundamental da sua crítica ao excesso de formalismo da ciência econômica,1 1 Hayek, 1958a, pp. 45-46, 48, 50-52. Esse texto foi originalmente publicado e apresentado como uma comunicação no London Economic Club em 10 de novembro de 1936 e depois republicado em Economica, v. IV (1937). ao racionalismo “construtivista” e, sobretudo, ao planejamento centralizado identificado ao socialismo. A base do seu argumento é o postulado de que a razão - intrinsecamente limitada - emerge da “seleção cultural” que produziu os fundamentos da ordem social vigente. Logo, a razão é um resultado do mesmo processo que sedimentou a “grande sociedade”, e não, como se costuma alegar, a sua base ou fundamento. Esse mesmo argumento aparece de outra forma: a mente não é o guia, mas o produto da evolução cultural, e ela se baseia muito mais na imitação de hábitos - pelo aprendizado - do que na razão.2 2 Hayek, 1992, pp. 21-22. Portanto, Hayek vai muito além da trivial constatação de que a limitação da razão deriva da estreiteza da mente/alcance dos sentidos humanos frente à complexidade da realidade, na qual, alega-se, nenhum intelecto individual pode abarcar a lógica - se ela existe - que rege o seu conjunto.3 3 Ludwig von Mises, o primeiro mentor de Hayek, por exemplo, fica restrito a esse aspecto do problema: “Human knowledge is conditioned by the power of the human mind and by the extent of the sphere in which objects evoke human sensations”. E, um pouco mais à frente: “Human scientific inquiry cannot proceed beyond the limits drawn by the insufficiency of man’s senses and the narrowness of his mind” (Von Mises, 2007, pp. 8-9). A isso se soma outro problema. Na sociedade estendida, toda ação social - mesmo que “racional” - produz efeitos não intencionais, isto é, que ultrapassam o raio de visão do ator, fato que eleva ainda mais o grau de imprevisibilidade da vida social. Por conta disso, os resultados das ações sociais não podem ser plenamente conhecidos antes que se concretizem. Nesse sentido preciso, os resultados das interações sociais são espontâneos, e a ordem social é fruto de um processo inconsciente de seleção e reprodução de hábitos e princípios abstratos de conduta, do qual, como já foi adiantado, a própria razão é constituída. Assim, a razão não é capaz de previsões acuradas e, portanto, é intrinsicamente incapaz de planejar conscientemente o evolver da sociedade. Hayek, na realidade, propõe uma inversão do modo como o racionalismo moderno tende a ser caracterizado. Para ele, a razão é uma consequência do “desenvolvimento cultural”, e não a sua causa. É por esse ângulo que abordaremos o seu pensamento.

PERSPECTIVA E PROPÓSITOS

Hayek se empenhou em recuperar uma tradição do liberalismo que, a seu ver, foi ofuscada e distorcida por um conjunto complexo e díspar de circunstâncias que, em sua visão, envolveram tanto a descaracterização proposital promovida pelos adversários do pensamento liberal quanto o próprio sucesso do liberalismo no século XIX.4 4 Hayek, 2010, pp. 43-44. Tendo isso em mente, ele fez um notável esforço para estabelecer uma distinção entre duas formas de individualismo - às quais, supostamente, correspondem dois racionalismos distintos - que marcam a era moderna desde o seu início e que, mesmo partindo de princípios que ele considera fundamentalmente opostos, 5 5 Hayek, 1958b, pp. 4, 31. acabaram por se confundir no século XX.Estabelecer essa distinção para poder retomar a tradição “genuína” do liberalismo é, portanto, um dos seus principais propósitos. A seu ver, o individualismo “verdadeiro” é incompatível com um pseudoindividualismo que, dadas as suas características e inclinações, aponta naturalmente para o socialismo. Portanto, a démarche de Hayek repousa em uma estratégia argumentativa bem definida: ele destaca a peculiaridade da corrente a que se filia mediante a aproximação entre as duas tendências que visa se opor frontalmente. E o critério de distinção é, exatamente, as possibilidades da razão e do conhecimento humano para o planejamento da sociedade.

O seu propósito explícito é a defesa da sociedade de mercado (ou, mais precisamente, nos seus termos: extended order of the market), 6 6 Hayek, 1981, pp. 2-3. isto é, um tipo de ordem descentralizada e heterogênea (ele diria plural) que preserva essas características exatamente por estar além do alcance imediato da razão e do planejamento central. É importante frisar que Hayek busca ultrapassar a zona de consenso do pensamento econômico neoclássico, isto é, de que a ordem gerada pelo mercado pode ser ótima se os atores responderem principalmente aos sinais dados pelos preços.A isso falta um aspecto que ele passou a desenvolver com mais clareza na década de 1950: além do papel sinalizador dado pelos preços, a grande sociedade tem também como eixo (invisível) a aderência por parte dos indivíduos e grupos a princípios e regras de conduta inconscientes - princípios que, como veremos à frente, ele chama de princípios morais - que são selecionados e reiterados exatamente por sua capacidade de processar e ordenar automaticamente o incontável número de informações nas quais se fundamenta uma heterogênea sociedade formada por bilhões de seres humanos.7 7 A esse respeito, ver o modo como ele contrapõe dois tipos de ordem — cosmos versus taxis — em Hayek, 1990, pp. 72-76 e, de forma ainda mais cristalina, em Hayek, 2013a, cap. 2. Não se trata, portanto, da busca da felicidade do maior número, um princípio estranho à sua perspectiva, mas simplesmente do tipo de ordem que garante a vida - mesmo que profundamente desigual no que tange às posses e, até mesmo, oportunidades - ao maior número possível de seres humanos. Em última análise, a questão é, sempre, o número: só uma sociedade estruturada pelo mecanismo anônimo do mercado e de princípios morais a eles correspondentes pode sustentar uma sociedade extensiva (quatrocentas vezes maior do que a população de 10 mil anos atrás) e complexa como a que se manifestou no século XX.

O CONTRA-ATAQUE AOS CRÍTICOS DO LIBERALISMO “CONSISTENTE”

De forma sofisticada e aguerrida, Hayek tenta responder às principais objeções feitas ao pensamento liberal, que, em seu julgamento, derivam predominantemente da incompreensão dos fundamentos do liberalismo “consistente”. A crítica mais recorrente - que ele, corretamente, considera “tola” - foca nas debilidades inerentes ao postulado tido como basilar do liberalismo, isto é, a noção de que os indivíduos isolados e autocontidos precedem e, em última análise, moldam a vida social e, por extensão, é na análise das suas ações que se encontra a chave para a explicação dos fenômenos sociais. Tais críticos alegam que o “correto” seria o inverso, isto é, a possibilidade de existência e as características do(s) indivíduo(s) devem ser buscadas no modo como o conjunto da sociedade está organizado concretamente: o sentido das determinações seria, portanto, da sociedade para o indivíduo.Para Hayek, esse tipo de crítica - derivada da tradição “essencialista” (aqui ele simplesmente reitera Popper) - não é acurada, pois, no máximo, atinge o “falso” individualismo e, portanto, não abrange - e, de certo modo, ajuda a deformar - a “verdadeira” tradição liberal.O seu ponto de partida primário é que o liberalismo consistente emana de uma teoria da sociedade, isto é, uma tentativa de compreender as forças que determinam a vida social do homem.Daí derivam todos os princípios políticos e postulados associados aos liberais. Essa “teoria” parte da ideia de que a única forma de compreender os fenômenos sociais é através do entendimento das ações individuais dirigidas aos demais, porém orientadas pelas suas expectativas de comportamento.8 8 Hayek, 1958c, pp. 61-63, 66, 75-76; Hayek, 1958d, pp. 93-94. Essas ações, ao gerarem efeitos combinados (e não intencionais), ultrapassam a escala limitada da consciência e da esfera de ação dos indivíduos, geram efeitos sociais que, pela via da seleção cultural, sedimentam instituições (em sentido lato), práticas e regras de conduta abstratas que moldam a vida social.

A resposta de Hayek é, na realidade, um contra-ataque. Ele tem razão em um ponto: a crítica é injusta com os grandes pensadores liberais, que, de fato, têm clara consciência da origem social do indivíduo e da força do contexto social em que suas ações têm lugar. Em outros termos: os grandes intérpretes liberais recusam a dicotomia homem/ sociedade (ou, por vezes, Estado/indivíduo), que, se aceita, prende a discussão a uma disputa entre quem unilateralmente determina quem. O pensamento liberal tem clara consciência de que a constituição do indivíduo é fruto da elevação da complexidade da sociedade ou, em termos mais precisos, este só surge quando a comunidade - isto é, onde a convergência entre os objetivos e as percepções forma a base da coesão social - é dissolvida pela emergência da sociedade. Dois exemplos bastam: John Stuart Mill9 9 Embora reconheça a sua importância, Hayek é bastante hostil ao pensamento de John Stuart Mill: não só porque ele, ao insistir na ideia da teoria do valor, teria “atrapalhado” a difusão da teoria da utilidade marginal e o papel orientador dos preços (Hayek, 1992, pp.92-93), mas, sobretudo, por ter sido o autor isolado que, em sua opinião, tenha “convertido” o maior número de intelectuais ao socialismo (pp. 148-149). Ver também Hayek, 1983, p. 64. e Alex de Tocqueville, cada um a seu modo, e de maneiras muito distintas, têm clara consciência disso. Logo, desse ponto de vista, a correta crítica à precedência lógica do indivíduo sobre a vida social só atinge o “falso” liberalismo e parte da tradição neoclássica, mas não a tradição do pensamento que Hayek se esforçava em reabilitar.

Isso posto, podemos agora analisar o modo como Hayek constrói o seu argumento.O liberalismo “genuíno” floresceu como uma crítica radical a duas tendências. A mais explícita era a rejeição das “teorias coletivistas” da sociedade que tinham a pretensão de compreender de forma imediata a sociedade como um todo social, isto é, vista como uma entidade sui generis que existe independentemente dos indivíduos que a compõem. As implicações disso para o pensamento, a seu ver, são evidentes: somente a forma de organização da sociedade pode dar sentido às ações e aos papéis dos indivíduos.Mas, uma vez conhecido o princípio ou a forma de organização, é possível transformá-la para retificar suas imperfeições. Por isso os primeiros liberais “genuínos” colocaram toda a ênfase na ação individual orientada pelas expectativas subjetivas como a fonte de uma ordem não planejada e, no limite, incognoscível que, embora constituída por suas ações e percepções, é capaz de se autorregular. Isso abre caminho para a crítica ao pseudoindividualismo de raiz cartesiana: todas as instituições humanas fundamentais surgiram de forma espontânea (a língua, as trocas etc.) e foram moldadas essencialmente por interações aleatórias. Logo, elas não foram desenhadas pela razão ou por alguma vontade humana e, portanto, não possuem nenhum propósito ou sentido último. Aqui fica claro o contra-ataque de Hayek: a “crítica tola” ao liberalismo genuíno é, na realidade, uma relíquia do pensamento religioso, pois só pode emanar das teorias coletivistas e pseudoindividualistas que, pelo menos de forma implícita, partem do suposto de que qualquer ordem existente pode ser racionalmente aprimorada ou então precisa possuir um desígnio ou uma finalidade.10 10 Hayek, 1958b, pp. 6-8.

O “verdadeiro” individualismo, portanto, tem clara consciência das limitações da mente humana e, embora não rejeite a razão, concebe-a como um produto das interações sociais, e não a sua fonte. Em síntese: os hábitos sociais são aprendidos, mas nunca são totalmente compreendidos pelos indivíduos que os incorporam durante a sua vida social. O que Hayek propõe, portanto, é uma combinação sui generis de certas implicações do autoproclamado ceticismo de David Hume, alguns pressupostos da interpretação geral de Adam Smith e o modo como essa visão acaba por culminar na noção de evolução, expressa pela primeira vez e de forma paradigmática por Charles Darwin.De Hume ele destaca a ideia de que as regras que definem a nossa moralidade não são um produto da razão, mas a precedem.11 11 Hayek detecta em Hume uma ambivalência que pode ter favorecido a “armadilha do pensamento” que ele visa desarmar: “Unfortunately, David Hume has chosen the expression ‘artificial’ for what we call cultural [probably taken from the expression of common law writers: ‘artificial reason’], and thereby created misunderstandings; he was, therefore, regarded as the founder of utilitarianism, although he emphasized, ‘Tho’ the rules of justice be artificial, they are notarbitrary, ’and, for this reason, it is not inappropriate to call them ‘natural law.’ He was anxious to protect himself against erroneous constructivist interpretations, as he explained: ‘I here only suppose those reflections to be formed at once,which in fact arise insensibly and by degrees.’ His solution was what the Scottish moral philosophers called ‘conjectural history’ — and which, since then, has been called ‘rational reconstruction’ and he used it to an extent that can be misleading (and which only his younger contemporary, Adam Ferguson, systematically learned to avoid). In many ways, Hume comes close to an evolutionary interpretation. He noted, ‘No form, you say, can subsist, unless it possess those powers and organs requisite for its subsistence: some new order or economy must be tried, and so on, without intermission; till at last some order, which can support and maintain itself, is fallen upon, ’and, ‘Why should man [...] pretend to have an exemption from the lot of all other animals? A perpetual war is kindled among all living creatures,’ and must continue. As was noted quite correctly, he noticed practically that ‘there is a third category between natural and artificial, which shares certain characteristics with both.’” (Hayek, 2013b, pp.243-244). De Smith e Darwin12 12 É relativamente bem conhecida a hipótese lançada por Hayek de que Darwin deduziu as ideias básicas da sua teoria da evolução da leitura de Adam Smith (Hayek, 1992, p. 24). Essa observação não é gratuita, pois seuintuitoera reduzir a importância de Darwin na formação da dimensão evolucionária do pensamento econômico: Hume e Smith foram muito mais importantes,pois já tinham exposto com bastante clareza os princípios básicos que explicam a formação espontânea das estruturas sociais (Hayek, 2013b, pp.244-245). ele destaca a noção de uma estrutura auto-organizativa, mas a isso ele aduz a noção de evolução cultural. Porém, antes de tratar diretamente desse tema, é importante mostrar como Hayek se esforça para redefinir a tensão entre o elemento “natural” e o “artificial” na conduta humana.

Para viver em sociedade, o homem precisa ser ensinado, pois, do contrário, suas ações espontâneas - isto é, instintivas - produziriam um resultado muito diferente do que se verifica na vida social. Como, de um modo geral, desde a Antiguidade se presumiu que os comportamentos gerados exclusivamente pelos instintos seriam os comportamentos “naturais”, foi muito forte a tendência em caracterizar como “artificiais” quaisquer desvios e bloqueios às pulsões instintivas.Logo, como os instintos são predominantemente concebidos como “naturais”, a educação e a criação de normas sociais tendem quase automaticamente a ser caracterizadas como “não naturais” (unnatural) ou artificiais. Hayek argutamente sustenta que tanto a raiz latina quanto a grega da expressão “natural” vem de um verbo que significa “desenvolver/crescer”. Tudo que cresce espontaneamente - isto é, que não é planejado (ou influenciado) pela mente - pode, portanto, ser chamado de “natural”. É exatamente essa a fonte da noção medieval de lei natural, isto é, leis que não foram conscientemente planejadas, mas que se manifestam na realidade. Contudo, para Hayek, esse é um péssimo ponto de partida, pois esse modo de formular o problema tende a gerar o que ele alega constituir uma falsa dicotomia: tomar natural como algo inato e, por oposição, definir artificial como sendo o resultado do planejamento consciente de uma mente racional. O problema, alega, é conceber que a única alternativa a um desenvolvimento natural (espontâneo, nos seus termos) fosse algo conscientemente planejado pelo homem. A essa se somam duas outras confusões: a tensão entre paixão e interesse típica do século XVIII e a ainda mais capciosa tensão entre sentimento e razão, que deu a tônica do século XIX.

Essa formulação acabou por criar uma armadilha que enredou boa parte dos grandes pensadores em uma falsa tensão. De um lado, situaram-se as visões da sociedade como uma emanação de uma essência humana.A polarização se dá, nesse campo, entre filosofias da história de caráter otimista ou pessimista que têm como raiz o traço que se presume constituir o fundamento do humano: egoísmo, virtude, empatia, razão etc.13 13 Nesse caso, a discussão fica girando em torno do modo como a sociedade pode mitigar as inclinações mais violentas do homem ou, alternativamente, como ela corrompe a empatia e as inclinações pacíficas que, de outro modo, deveriam se manifestar livremente. É exatamente para tentar fugir dessa armadilha que Hayek — e Schumpeter — critica asperamente a noção de Homo economicus típica da maior parte dos adeptos (vulgares) da economia neoclássica. No outro plano - e nisso Hayek claramente exagera - situa-se a noção “construtivista” de que o homem pode, pelo planejamento racional, constituir uma sociedade autoconsciente e capaz de ditar o seu próprio rumo. Hayek pretende abandonar esse terreno:

This faulty dichotomy of “natural” and “artificial, ” just as the similar and related dichotomy of “sentiment” and “reason, ” is highly responsible for the unfortunate neglect of the exosomatic process of cultural evolution, which produces moral traditions that, in turn, determined the emergence of civilization. The true alternative to sentiment is not reason, but the adherence to traditional rules, which are not the result of reason. The development of a tradition of rules of conduct for the difference between instinct and reason is a peculiar process, which never received appropriate attention because it was erroneously regarded as a product of reason. 14 14 Hayek, 2013b, p. 243. Há outra formulação desse tipo, curiosa, pois aparentemente fundada em uma crítica dialética: “The exclusive dichotomy of ‘natural’ and ‘artificial’, as well as the similar and related one of ‘passion’ and ‘reason’ — which, being exclusive, does not permit any area between these terms — has thus contributed greatly to the neglect and misunderstanding of the crucial exosomatic process of cultural evolution which produced the traditions that determined the growth of civilisation. In effect, these dichotomies define this area, and these processes, out of existence” (Hayek, 1992, pp. 143-144). É importante notar a ênfase da crítica: o problema é conceber a relação natural/artificial como dicotômica — o que, por si só, exclui qualquer “área” entre os termos opostos. Não se trata, portanto, de uma dicotomia. Mas, longe de enxergar dialética onde ela não existe, Hayek parece querer, na realidade, transpor o problema dessa “dicotomia” para um processo que se desenvolve entre a evolução dos instintos e da “razão”. Todos esses processos retratados por Hayek não são dialéticos, pois não têm contradições e sequer obedecem a leis gerais. Sobre a relação entre a dialética e o pensamento de Hayek, ver Prado, 2009, pp. 109, 113, 115-133, 143-145.

Entre a concepção “clássica” da tensão entre o natural e o artificial é necessário encontrar uma posição intermediária, que compartilha traços dessas duas categorias, isto é, a zona marcada pela interação entre as transformações intrinsecamente imprevisíveis e os comportamentos parcialmente conscientes e intencionais. Ou em outros termos: o terreno circunscrito entre o instinto e a “razão”, isto é, o terreno da moral (retornarei a esse ponto logo à frente).15 15 Hayek, 1992, pp. 11-28, 143-147; Hayek, 2013b, p. 243. Por olhar de trás para a frente - isto é, conceber a razão como a causa ou o fundamento de uma visão “racional” que distingue razão e sentimento, artificial e natural etc. - é que o pensamento “construtivista” não foi capaz de enxergar que a civilização é construída por um processo cego de evolução cultural que, embora tenha semelhanças com a seleção natural, é suficientemente distinto desta, a ponto de justificar uma abordagem independente.

Esse aspecto merece uma análise mais cuidadosa. A primeira grande semelhança entre a evolução natural e a cultural é que ambas são congruentes com a reflexão em torno dos sistemas complexos:estruturas auto-ordenadas, espontaneamente geradas e que evoluem de forma imprevisível, e, portanto, não estão sujeitas a leis gerais de desenvolvimento. Além disso, o mecanismo de seleção é similar: um traço é selecionado pelo seu sucesso, medido pela sua capacidade de adaptação e replicação frente a um imprevisível conjunto contingente de circunstâncias.Mas as diferenças são mais importantes do que a semelhanças.A evolução cultural é baseada na seleção de caracteres (socialmente) adquiridos pelo aprendizado - seria, portanto, para ser preciso, lamarckiana, e não darwinista - e não seleciona indivíduos (como sustentam os atrapalhados “darwinistas sociais”), mas apenas grupos sociais.16 16 Na realidade, o mecanismo é um pouco mais complicado. Hayek estabelece uma distinção analítica entre as interações dentro dos grupos sociais (termo utilizado de forma bastante vaga por ele) da ordem social em um plano mais geral. No plano dos grupos, os indivíduos interagem tendo como referência um sistema de regras individuais que, contudo, permite uma ampla variação nos padrões de conduta. Nessas interações — sempre complexas — podem surgir mudanças que,porém,só serão transmitidas e cristalizadas se elevarem a eficácia do grupo, fato que irá se refletir em transformações na ordem social geral, que integra de forma complexa e dinâmica o conjunto. É exatamente aí que se gera o descompasso entre os objetivos (semi)conscientes dos atores — isto é, a busca dos objetivos que eles presumem derivarem do seu arbítrio ou interesse e a ordem geral da sociedade. Logo, o que é transmitido pela seleção cultural não são (apenas) informações e hábitos herdados diretamente dos pais biológicos, mas o múltiplo legado “cultural” de um grupo indefinido e potencialmente vasto de ancestrais.E aqui fica patente a habilidade de Hayek em combinar elementos do pensamento clássico com o novo vocabulário que começou, na década de 1950, a aproximar parte das ciências sociais às ciências “naturais” rumo a uma nova tentativa de síntese das ciências, fundada na formalização da teoria da complexidade, cada vez mais influente nos domínios da matemática, da física teórica, da teoria geral dos sistemas e, sobretudo, na enigmática cibernética.

Tendo isso em mente, fica patente a importância central da obra de Hayek no debate contemporâneo, particularmente no campo liberal. O conjunto de críticas ao laissez-faire que marcou o final do século XIX e floresceu ainda mais intensamente no primeira metade do século XX dividiu o liberalismo: os reformadores sociais, em sua tentativa de combinar os elementos principais da sociedade comercial com mecanismos de regulação da economia alicerçados no welfare state, se afastaram das variantes mais centradas nos ideias do “velho” liberalismo, cuja ênfase fundamental recaía na liberdade individual como um valor fundamental.17 17 Freeden, 1986a. Desde então - especialmente depois de John Hobson e Keynes - ficou impossível a simples retomada do “velho liberalismo”. O que deixa relevante e duradouro o impacto da obra de Hayek é, exatamente, o modo como ele propôs uma nova síntese do pensamento liberal, na qual as principais críticas ao laissez-faire e ao utilitarismo mais crasso foram assimiladas sem ceder terreno para o “coletivismo”. O que possibilitou essa síntese foi uma reformulação da ideia de ordem espontânea, decorrente da noção de seleção cultural entendida como a base do processo evolucionário. Ao insistir no caráter evolutivo da formação e sedimentação das regras de conduta social, Hayek tornou possível a articulação entre a vertente ordoliberal e a austro-americana18 18 Dardot; Laval, 2009, cap. 2. por oposição aos reformadores sociais de base liberal(geralmenterotuladoscomo New Liberals)19 19 Freeden, 1986b. etodasascorrentes baseadas no coletivismo.

COMPLEXIDADE E EMERGÊNCIA

Podemos agora expor de forma mais sintética o núcleo do pensamento de Hayek.Toda ordem social é espontânea em um sentido muito preciso:os seus elementos fundamentais não são frutos da razão ou de um planejamento humano (ou sobrenatural), mas sim de circunstâncias concretas. Todas as instituições básicas da vida social - produtos inerentemente sociais e espontâneos tais como a linguagem, o dinheiro, as trocas e a moral - foram gestadas de forma contingente e, essencialmente, não intencional. A isso Hayek adiciona uma ideia tomada de empréstimo da antropologia estrutural:uma ordem social se estrutura predominantemente no entorno de proibições (tabus, como sua forma mais elementar) que são constantemente reiteradas culturalmente. Aqui já se separa o mundo “natural” em sentido estrito (tal como idealizam as ciências naturais: um mundo baseado na simetria temporal, que independe totalmente dos sentidos humanos etc.) do muito mais complexo mundo social.20 20 Sobre isso, ver a poderosa crítica de Hayek ao “cientismo” em Hayek, 1964, parte I. Ver também Hayek, 1992, pp. 148-150. Num primeiro momento, em um nível menor de complexidade, os agrupamentos humanos são indiferenciados o suficiente para produzir a coincidência automática entre fins e percepções no nível do grupo (isto é, da comunidade) e a projetar a exterioridade para a natureza ou para os demais grupos, tidos como hostis. Esse é, na visão de Hayek, o germe do coletivismo, nostálgica e inconscientemente almejado pelos indivíduos, ao serem forjados necessariamente em outras bases, isto é, na sociedade estendida, fruto do aumento da complexidade do sistema, onde as antigas coincidências não mais ocorrem e, essencialmente, a questão da distribuição e utilização do conhecimento à disposição da sociedade é necessariamente fragmentário e disperso.

É exatamente depois desse limiar que a evolução cultural se torna cada vez mais decisiva para sustentar a grande sociedade: o que ela seleciona são regras de conduta e comportamentos de grupos que permitem a sobrevivência do maior número de adeptos.E, com isso, Hayek dá uma pista importante sobre exatamente o que ele entende por macrossociedades ou sociedades expandidas:sociedades compostas não só por indivíduos, mas também, em uma articulação necessariamente frouxa, por microssociedades que resguardam vestígios da solidariedade e do altruísmo.21 21 “We must never forget, though, that the ‘large society’ consists not only of individuals but also of loosely associated and often overlapping micro-societies, in which solidarity and altruism retain great significance, because they support voluntary cooperation, although they do not represent a suitable foundation for the extended society. It is our dilemma that we have to adjust our lives to two different types of order. If we applied the rules of the micro-society to the macro-society, as our instincts demand, we would destroy the latter. We must learn to live in two different types of order for which it is misleading to even use the same name. The extended society cannot emerge if we treat all men as neighbors, and everybody will benefit if we refrain from doing so, and if we replace the rules of solidarity and altruism with the rules of several property and honesty and truthfulness in our actions concerning others instead. The moral imperative to treat everybody as neighbors would have prevented the emergence of the large society, which demands a transition from the community of concrete purposes to a community of abstract rules. Altruism and solidarity lose their moral quality when they have to be enforced because the common perception of goals is missing” (Hayek, 2013b, pp. 241-242). É justamente esse fato que produz a tensão entre as tendências coletivistas instintivas e as pressões das regras abstratas que articulam a “grande sociedade”. É nesse ponto preciso que operam os padrões morais:eles preenchem de forma anônima e inconsciente o espaço situado entre os impulsos e as ações “racionais” dos indivíduos:

I prefer to confine the term “morality” to those non-instinctive rules that enabled mankind to expand into an extended order since the concept of morals makes sense only by contrast to impulsive and unreflective conduct on one hand, and to rational concern with specific results on the other. Innate reflexes have no moral quality, and “sociobiologists” who apply terms like altruism to them (and who should, to be consistent, regard copulation as the most altruistic) are plainly wrong. Only if we mean to say that we ought to follow “altruistic” emotions does altruism become a moral concept. 22 22 Hayek, 1992, p. 12.

Logo, a “moral” que sustenta a sociedade estendida é, essencialmente, um resultado das interações dessa própria sociedade e, portanto, não tem como fundamento nem a razão nem os instintos.

Na fase mais madura de sua obra, talvez para fugir da acusação de tautológico, mas sobretudo para angariar mais adeptos, Hayek integrou ao seu pensamento a noção de seta do tempo, fato que sedimentou a transposição - pelo menos no nível da retórica - da sua problemática para o campo da teoria do caos e dos sistemas complexos.23 23 Hayek, 1992, p. 151.

Ao longo do tempo, frente a circunstâncias específicas, novas características ou propriedades que não existiam antes podem emergir e, desse modo, dada a existência de um elemento novo capaz de se replicar, o sistema pode (Hayek usa uma palavra forte: tende) ficar mais complexo.24 24 “The possibility of forming structures by a process of replication gives those elements that have the capacity for doing so better chances of multiplying. Those elements will be preferably selected for multiplication that are capable of forming into more complex structures, and the increase of their members will lead to the formation of still more such structures. Such a model, once it has appeared, becomes as definite a constituent of the order of the world as any material object. In the structures of interaction, the patterns of activities of groups are determined by practices transmitted by individuals of one generation to those of the next; and these orders preserve their general character only by constant change (adaptation)” (Hayek, 1992, p. 151). Mas o ponto a ser destacado é que, após a sua emergência, as novas propriedades ou atributos do sistema perdem a sua conexão com as circunstâncias peculiares que detonaram a sua gênese. Isto é: as circunstâncias especiais que gestaram o “novo” a partir do “velho” (uma terminologia e uma forma de pensar que ele quer destruir) deixam de ser singulares e excepcionais. Logo, recorrendo à noção de complexidade e emergência seria possível, sem ser tautológico, dizer que um elemento ou fenômeno novo - necessariamente um efeito de circunstâncias específicas - converte-se em sua própria causa e, portanto, pode evoluir para direções incertas.Nesse sentido, ordens e estruturas podem ser determinadas por seus efeitos.

Podemos agora concluir, sintetizando a ideia de seleção cultural. Tudo é, evidentemente, um produto do passado.Porém, ao contrário do mecanismo de seleção natural que seleciona indivíduos, a seleção cultural elege práticas e comportamentos de grupos sociais cristalizadas em indivíduos.25 25 Hayek — e Von Mises — insistem em algo óbvio: somente indivíduos (vivos e imersos na vida social) podem atuar como portadores das tradições e instituições sociais. As instituições sociais em sentido lato - tais como a linguagem, a lei, a moral etc.- são formadas e reiteradas por esse mecanismo que tende a selecionar os grupos e comportamentos capazes de reunir o maior número de membros em um processo que, na prática, desloca outros indivíduos e grupos tanto por meios “pacíficos” quanto pela força (caso em que prevalece a “organização fisicamente mais forte”, para citar o eufemismo de sua predileção).Logo, não existem leis em um sentido forte, isto é, hegeliano/marxista.Dada a contingência intrínseca ao processo de seleção cultural que preside a evolução da sociedade, não é possível tecer previsões acuradas sobre as tendências futuras e muito menos interferir racionalmente no curso da sociedade, para eliminar suas imperfeições. A evolução não é previsível.

CRÍTICA

Iniciaremos as críticas a partir do problema fundamental da perspectiva de Hayek: a relação entre história e complexidade. O modo como ele se apropria da complexidade simultaneamente reforça e rejeita o papel da história na produção do conhecimento. Sim: algumas transformações são, de fato, “irredutíveis” e sua reconstrução causal só pode ser retraçada tendo em vista a circunstância específica - o espaço-tempo, podemos dizer - em que ela foi produzida e passou a ser reiterada. E essa cadeia causal só pode ser visualizada26 26 Usei o termo “visualizar” pois, a rigor, nos termos em que Hayek formula seu pensamento, sequer podemos ter certeza de quais foram os mecanismos que possibilitaram a gênese e a replicação dos novos elementos ou propriedades identificadas na “análise histórica”. ex post. Mas, por outro lado, esse conhecimento não aumenta a capacidade de prever que ou quando novas transformações irão ocorrer a partir daí, já que elas serão emergentes e, portanto, só reconhecíveis a posteriori, em função de seu sucesso. A história só serve, portanto, para identificar precariamente no espaço-tempo o momento particular27 27 Exatamente por incidir sobre um sistema evolucionário que não se baseia em leis gerais de desenvolvimento, a história cessa exatamente na identificação do particular. Ludwig von Mises é explícito nisso: “The historical sciences of human action, on the other hand, deal with events which our mental faculties cannot interpret as a manifestation of a general law. They deal with individual men and individual events even in dealing with the affairs of masses, peoples, races, and the whole of mankind. They deal with individuality and with an irreversible flux of events. If the natural sciences scrutinize an event that happened but once, such as a geological change or the biological evolution of a species, they look upon it as an instance of the operation of general laws.But history is not in a position to trace events back to the operation of perennial laws. Therefore in dealing with an event it is primarily interested not in the features such an event may have in common with other events but in its individual characteristics. In dealing with the assassination of Caesar history does not study murder but the murder of the man Caesar” (Von Mises, 2007, pp. 90-91). É importante frisar: se existir alguma lei desse tipo operando, nossas capacidades mentais são incapazes de conhecê-la.Isso a torna irrelevante para influenciar nossas “decisões” e, portanto, deve ser desconsiderada por qualquer teoria da ação social humana. em que as novas propriedades ou elementos surgiram e passaram e se reproduzir. Como o mundo não é governado por leis gerais, todas as transformações são um produto do acaso e, portanto, o tempo é apenas um parâmetro externo aos fenômenos sociais. Logo, a rigor, mesmo quando critica a noção de indivíduo da teoria econômica neoclássica28 28 Isso exige algum desenvolvimento. Na visão de Hayek, de fato, o indivíduo deixa de ser concebido como um ser isolado e autocontido. Contudo, a crítica ao “individualismo metodológico” empreendida por ele tem um alvo explícito: a possibilidade do planejamento social que lhe é subjacente. Essa crítica se desdobra em dois planos. O mais explícito: se os indivíduos realmente fossem átomos dotados de razão, pela argumentação livre em uma esfera pública alargada, seria possível transformar as formas de sociabilidade rumo a uma organização social progressivamente mais justa,baseada no controle racional do mercado e dos mecanismos de violência sobre comando do Estado. Mas a mesma crítica visa atacar as implicações “construtivistas” do utilitarismo influenciado por Bentham: o homem não é capaz de escolher padrões morais de acordo com a sua utilidade. Logo, a “felicidade para o maior número” não pode ser o critério para regular o sistema legal da sociedade. Mas, mesmo com essa crítica, toda a lógica da argumentação de Hayek ainda repousa no indivíduo. Um indivíduo social, porém, em última instância, refém dos efeitos de suas ações sociais. e incorpora formalmente o princípio da seta do tempo, Hayek não rompe com a temporalidade típica do universo estático tal como proposto por Newton e pela ciência dita “positiva”.29 29 A esse respeito, ver a incisiva observação de Prado, 2014.

Essa falsa ruptura leva a outro conjunto de problemas. Um dos aspectos mais frágeis e claramente enviesados da visão de Hayek é a tendência em tratar como sinônimos - ou, pelo menos, deixar seu argumento bastante ambíguo, a ponto de induzir o leitor a fazer essa associação - a noção geral de estabilidade das posses (David Hume) e o conceito de propriedade privada, entendida nos termos da sociedade capitalista.Karl Polanyi cansou de mostrar que existem diversas formas de preservar a estabilidade das posses em sociedades complexas e heterogêneas que, no entanto, não são estruturadas pelo mercado e pela propriedade privada capitalista. Ainda nos termos de Polanyi: somente uma sociedade de mercado poderia ser integralmente modelada pelo price-making market, isto é, operar levando em conta primordialmente os sinais dados pelos preços. E uma sociedade dessa natureza não pode ser considerada heterogênea ou plural, já que tem como nexo fundamental a forma mercadoria e a acumulação como finalidade tautológica.

Hayek, com certa malícia, tentou fugir desse tipo de crítica, escorando a “ordem do mercado” também nas regras de conduta selecionadas culturalmente. Mesmo se aceitarmos a tese de que “caímos” nessa ordem por um feliz acidente, o que garante a congruência entre a diretriz derivada do mercado e as normas “selecionadas”? Na história concreta da civilização ocidental a resposta é simples: a violência amparada pelo Estado. O fato é que Polanyi acertou no alvo. Fora das elucubrações estritamente teóricas, Hayek, na prática, atribui ao Estado a necessidade de romper as reações sociais à primazia do mercado autorregulável, fato que o obrigou a abandonar a retórica da “ordem espontânea” e da evolução cega rumo à propriedade privada e à sociabilidade pelo mercado. É evidente que ele acha uma justificativa: a ordem vigente, produzida lenta e pacientemente pelo acaso, pode ser totalmente destruída pelo misto de ignorância e hybris dos planejadores da sociedade. Logo é necessário agir - isto é, limitar a democracia - para preservá-la.30 30 E aqui, ao enfatizar uma espécie de racionalidade adaptativa a uma ordem que não pode ser aprimorada racionalmente, ele se reconcilia de forma ainda mais explícita com um campo do pensamento que nunca abandonou de fato: o pensamento conservador moderno. Uma defesa pouco convincente. De forma sintética:a necessária crítica à truculência e à arbitrariedade dos planejadores da sociedade - nisso Hayek acerta no alvo, e torna a leitura minuciosa de sua obra imprescindível - não implica defender a propriedade privada e a sociabilidade ditada pelo mercado.

Outro ponto propositalmente dúbio diz respeito à confusão entre desigualdade e heterogeneidade. O propósito da ambiguidade é claro: como a teoria da complexidade parte da vaga noção de que a heterogeneidade é a base dos sistemas complexos, ao identificar desigualdade com heterogeneidade Hayek induz o seu leitor a aceitar a ideia de que “desigualdade produzordem” e que, portanto, qualquer nivelamento nas posses implicaria demolir os fundamentos da grande sociedade, isto é, a sua capacidade de organizar de forma eficiente a miríade de informações que resulta de uma sociedade formada por bilhões de membros.É a diferença das unidades - e, se forem semelhantes, das várias formas com que elas podem se combinar, gerando agregados distintos - que gera a complexidade de um sistema e que, pelas suas interações, garante a possibilidade de formar níveis mais complexos de ordem.Mas, ao contrário do que sugere Hayek, um certo igualitarismo nas posses não implica redução da heterogeneidade dos propósitos e das formas de identidade dos “atores” sociais. Desde que liberadas da coação do capital, as formas de intercâmbio de uma sociedade podem ser múltiplas, assim como as identidades.Logo, um sistema fundamentado em algum grau de nivelamento das posses pode ser complexo, descentralizado e plural.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Dardot, Pierre; Laval, Christian. The New Way of the World: On Neoliberal Society. Londres: Verso, 2009.
  • Freeden, Michael. Liberalism Divided. Nova York: Oxford University Press, 1986a.
  • ______. New Liberalism: The Ideology of Social Reform. Nova York: Oxford University Press, 1986b.
  • Hayek, Friedrich. “Economics and Knowledge”. In: ______. Individualism and Economic Order. Chicago: University of Chicago Press, 1958a [1948].
  • ______. “Individualism: True and False”. In: ______. Individualism and Economic Order. Chicago: University of Chicago Press, 1958b.
  • ______. “The Facts of Social Sciences”. In: ______. Individualism and Economic Order. Chicago: University of Chicago Press, 1958c.
  • ______. “The Meaning of Competition”. In: ______. Individualism and Economic Order. Chicago: University of Chicago Press, 1958d.
  • ______. The Counter-Revolution of Science. Londres: Collier Macmillan, 1964 [1955].
  • ______. Hayek na UnB. Brasília: Editora UnB, 1981.
  • ______. Os fundamentos da liberdade. São Paulo: Visão, 1983.
  • ______. “The Confusion of Language in Political Tought” [1967]. In: ______. New Studies in Philosophy, Politics, Economics and the History of Ideas. Londres: Routledge, 1990 [1978].
  • ______. The Fatal Conceit: The Errors of Socialism. In: ______, Bartley III, William Warren (Org.). The Collected Works of Friedrich August Hayek. v. I. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1992.
  • ______. O caminho da servidão. São Paulo: Instituto Von Mises, 2010.
  • ______.Law, Legislation and Liberty. Londres: Routledge, 2013a [1973].
  • ______. “The Overrated Reason”. Journal of the History of Economic Thought, n. 35, pp. 239-256, 2013b.
  • Prado, Eleutério. Economia, complexidade e dialética. São Paulo: Plêiade, 2009.
  • ______. “Do socialismo centralista ao democrático”. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, n. 39, pp. 66-67, 2014.
  • Von Mises, Ludwig. Theory & History. Auburn: Von Mises Institute, 2007.
  • 1
    Hayek, 1958aHayek, Friedrich. “Economics and Knowledge”. In: ______. Individualism and Economic Order. Chicago: University of Chicago Press, 1958a [1948]., pp. 45-46, 48, 50-52. Esse texto foi originalmente publicado e apresentado como uma comunicação no London Economic Club em 10 de novembro de 1936 e depois republicado em Economica, v. IV (1937).
  • 2
    Hayek, 1992______. The Fatal Conceit: The Errors of Socialism. In: ______, Bartley III, William Warren (Org.). The Collected Works of Friedrich August Hayek. v. I. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1992., pp. 21-22.
  • 3
    Ludwig von Mises, o primeiro mentor de Hayek, por exemplo, fica restrito a esse aspecto do problema: “Human knowledge is conditioned by the power of the human mind and by the extent of the sphere in which objects evoke human sensations”. E, um pouco mais à frente: “Human scientific inquiry cannot proceed beyond the limits drawn by the insufficiency of man’s senses and the narrowness of his mind” (Von Mises, 2007Von Mises, Ludwig. Theory & History. Auburn: Von Mises Institute, 2007., pp. 8-9).
  • 4
    Hayek, 2010______. O caminho da servidão. São Paulo: Instituto Von Mises, 2010., pp. 43-44.
  • 5
    Hayek, 1958b______. “Individualism: True and False”. In: ______. Individualism and Economic Order. Chicago: University of Chicago Press, 1958b., pp. 4, 31.
  • 6
    Hayek, 1981______. Hayek na UnB. Brasília: Editora UnB, 1981., pp. 2-3.
  • 7
    A esse respeito, ver o modo como ele contrapõe dois tipos de ordem — cosmos versus taxis — em Hayek, 1990______. “The Confusion of Language in Political Tought” [1967]. In: ______. New Studies in Philosophy, Politics, Economics and the History of Ideas. Londres: Routledge, 1990 [1978]., pp. 72-76 e, de forma ainda mais cristalina, em Hayek, 2013a______.Law, Legislation and Liberty. Londres: Routledge, 2013a [1973]., cap. 2.
  • 8
    Hayek, 1958c______. “The Facts of Social Sciences”. In: ______. Individualism and Economic Order. Chicago: University of Chicago Press, 1958c., pp. 61-63, 66, 75-76; Hayek, 1958d______. “The Meaning of Competition”. In: ______. Individualism and Economic Order. Chicago: University of Chicago Press, 1958d., pp. 93-94.
  • 9
    Embora reconheça a sua importância, Hayek é bastante hostil ao pensamento de John Stuart Mill: não só porque ele, ao insistir na ideia da teoria do valor, teria “atrapalhado” a difusão da teoria da utilidade marginal e o papel orientador dos preços (Hayek, 1992______. The Fatal Conceit: The Errors of Socialism. In: ______, Bartley III, William Warren (Org.). The Collected Works of Friedrich August Hayek. v. I. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1992., pp.92-93), mas, sobretudo, por ter sido o autor isolado que, em sua opinião, tenha “convertido” o maior número de intelectuais ao socialismo (pp. 148-149). Ver também Hayek, 1983______. Os fundamentos da liberdade. São Paulo: Visão, 1983., p. 64.
  • 10
    Hayek, 1958b______. “Individualism: True and False”. In: ______. Individualism and Economic Order. Chicago: University of Chicago Press, 1958b., pp. 6-8.
  • 11
    Hayek detecta em Hume uma ambivalência que pode ter favorecido a “armadilha do pensamento” que ele visa desarmar: “Unfortunately, David Hume has chosen the expression ‘artificial’ for what we call cultural [probably taken from the expression of common law writers: ‘artificial reason’], and thereby created misunderstandings; he was, therefore, regarded as the founder of utilitarianism, although he emphasized, ‘Tho’ the rules of justice be artificial, they are notarbitrary, ’and, for this reason, it is not inappropriate to call them ‘natural law.’ He was anxious to protect himself against erroneous constructivist interpretations, as he explained: ‘I here only suppose those reflections to be formed at once,which in fact arise insensibly and by degrees.’ His solution was what the Scottish moral philosophers called ‘conjectural history’ — and which, since then, has been called ‘rational reconstruction’ and he used it to an extent that can be misleading (and which only his younger contemporary, Adam Ferguson, systematically learned to avoid). In many ways, Hume comes close to an evolutionary interpretation. He noted, ‘No form, you say, can subsist, unless it possess those powers and organs requisite for its subsistence: some new order or economy must be tried, and so on, without intermission; till at last some order, which can support and maintain itself, is fallen upon, ’and, ‘Why should man [...] pretend to have an exemption from the lot of all other animals? A perpetual war is kindled among all living creatures,’ and must continue. As was noted quite correctly, he noticed practically that ‘there is a third category between natural and artificial, which shares certain characteristics with both.’” (Hayek, 2013b______. “The Overrated Reason”. Journal of the History of Economic Thought, n. 35, pp. 239-256, 2013b., pp.243-244).
  • 12
    É relativamente bem conhecida a hipótese lançada por Hayek de que Darwin deduziu as ideias básicas da sua teoria da evolução da leitura de Adam Smith (Hayek, 1992______. The Fatal Conceit: The Errors of Socialism. In: ______, Bartley III, William Warren (Org.). The Collected Works of Friedrich August Hayek. v. I. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1992., p. 24). Essa observação não é gratuita, pois seuintuitoera reduzir a importância de Darwin na formação da dimensão evolucionária do pensamento econômico: Hume e Smith foram muito mais importantes,pois já tinham exposto com bastante clareza os princípios básicos que explicam a formação espontânea das estruturas sociais (Hayek, 2013b______. “The Overrated Reason”. Journal of the History of Economic Thought, n. 35, pp. 239-256, 2013b., pp.244-245).
  • 13
    Nesse caso, a discussão fica girando em torno do modo como a sociedade pode mitigar as inclinações mais violentas do homem ou, alternativamente, como ela corrompe a empatia e as inclinações pacíficas que, de outro modo, deveriam se manifestar livremente. É exatamente para tentar fugir dessa armadilha que Hayek — e Schumpeter — critica asperamente a noção de Homo economicus típica da maior parte dos adeptos (vulgares) da economia neoclássica.
  • 14
    Hayek, 2013b______. “The Overrated Reason”. Journal of the History of Economic Thought, n. 35, pp. 239-256, 2013b., p. 243. Há outra formulação desse tipo, curiosa, pois aparentemente fundada em uma crítica dialética: “The exclusive dichotomy of ‘natural’ and ‘artificial’, as well as the similar and related one of ‘passion’ and ‘reason’ — which, being exclusive, does not permit any area between these terms — has thus contributed greatly to the neglect and misunderstanding of the crucial exosomatic process of cultural evolution which produced the traditions that determined the growth of civilisation. In effect, these dichotomies define this area, and these processes, out of existence” (Hayek, 1992______. The Fatal Conceit: The Errors of Socialism. In: ______, Bartley III, William Warren (Org.). The Collected Works of Friedrich August Hayek. v. I. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1992., pp. 143-144). É importante notar a ênfase da crítica: o problema é conceber a relação natural/artificial como dicotômica — o que, por si só, exclui qualquer “área” entre os termos opostos. Não se trata, portanto, de uma dicotomia. Mas, longe de enxergar dialética onde ela não existe, Hayek parece querer, na realidade, transpor o problema dessa “dicotomia” para um processo que se desenvolve entre a evolução dos instintos e da “razão”. Todos esses processos retratados por Hayek não são dialéticos, pois não têm contradições e sequer obedecem a leis gerais. Sobre a relação entre a dialética e o pensamento de Hayek, ver Prado, 2009Prado, Eleutério. Economia, complexidade e dialética. São Paulo: Plêiade, 2009., pp. 109, 113, 115-133, 143-145.
  • 15
    Hayek, 1992______. The Fatal Conceit: The Errors of Socialism. In: ______, Bartley III, William Warren (Org.). The Collected Works of Friedrich August Hayek. v. I. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1992., pp. 11-28, 143-147; Hayek, 2013b______. “The Overrated Reason”. Journal of the History of Economic Thought, n. 35, pp. 239-256, 2013b., p. 243.
  • 16
    Na realidade, o mecanismo é um pouco mais complicado. Hayek estabelece uma distinção analítica entre as interações dentro dos grupos sociais (termo utilizado de forma bastante vaga por ele) da ordem social em um plano mais geral. No plano dos grupos, os indivíduos interagem tendo como referência um sistema de regras individuais que, contudo, permite uma ampla variação nos padrões de conduta. Nessas interações — sempre complexas — podem surgir mudanças que,porém,só serão transmitidas e cristalizadas se elevarem a eficácia do grupo, fato que irá se refletir em transformações na ordem social geral, que integra de forma complexa e dinâmica o conjunto. É exatamente aí que se gera o descompasso entre os objetivos (semi)conscientes dos atores — isto é, a busca dos objetivos que eles presumem derivarem do seu arbítrio ou interesse e a ordem geral da sociedade.
  • 17
    Freeden, 1986aFreeden, Michael. Liberalism Divided. Nova York: Oxford University Press, 1986a..
  • 18
    Dardot; Laval, 2009Dardot, Pierre; Laval, Christian. The New Way of the World: On Neoliberal Society. Londres: Verso, 2009., cap. 2.
  • 19
    Freeden, 1986b______. New Liberalism: The Ideology of Social Reform. Nova York: Oxford University Press, 1986b..
  • 20
    Sobre isso, ver a poderosa crítica de Hayek ao “cientismo” em Hayek, 1964______. The Counter-Revolution of Science. Londres: Collier Macmillan, 1964 [1955]., parte I. Ver também Hayek, 1992______. The Fatal Conceit: The Errors of Socialism. In: ______, Bartley III, William Warren (Org.). The Collected Works of Friedrich August Hayek. v. I. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1992., pp. 148-150.
  • 21
    “We must never forget, though, that the ‘large society’ consists not only of individuals but also of loosely associated and often overlapping micro-societies, in which solidarity and altruism retain great significance, because they support voluntary cooperation, although they do not represent a suitable foundation for the extended society. It is our dilemma that we have to adjust our lives to two different types of order. If we applied the rules of the micro-society to the macro-society, as our instincts demand, we would destroy the latter. We must learn to live in two different types of order for which it is misleading to even use the same name. The extended society cannot emerge if we treat all men as neighbors, and everybody will benefit if we refrain from doing so, and if we replace the rules of solidarity and altruism with the rules of several property and honesty and truthfulness in our actions concerning others instead. The moral imperative to treat everybody as neighbors would have prevented the emergence of the large society, which demands a transition from the community of concrete purposes to a community of abstract rules. Altruism and solidarity lose their moral quality when they have to be enforced because the common perception of goals is missing” (Hayek, 2013b______. “The Overrated Reason”. Journal of the History of Economic Thought, n. 35, pp. 239-256, 2013b., pp. 241-242).
  • 22
    Hayek, 1992______. The Fatal Conceit: The Errors of Socialism. In: ______, Bartley III, William Warren (Org.). The Collected Works of Friedrich August Hayek. v. I. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1992., p. 12.
  • 23
    Hayek, 1992______. The Fatal Conceit: The Errors of Socialism. In: ______, Bartley III, William Warren (Org.). The Collected Works of Friedrich August Hayek. v. I. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1992., p. 151.
  • 24
    “The possibility of forming structures by a process of replication gives those elements that have the capacity for doing so better chances of multiplying. Those elements will be preferably selected for multiplication that are capable of forming into more complex structures, and the increase of their members will lead to the formation of still more such structures. Such a model, once it has appeared, becomes as definite a constituent of the order of the world as any material object. In the structures of interaction, the patterns of activities of groups are determined by practices transmitted by individuals of one generation to those of the next; and these orders preserve their general character only by constant change (adaptation)” (Hayek, 1992______. The Fatal Conceit: The Errors of Socialism. In: ______, Bartley III, William Warren (Org.). The Collected Works of Friedrich August Hayek. v. I. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1992., p. 151).
  • 25
    Hayek — e Von Mises — insistem em algo óbvio: somente indivíduos (vivos e imersos na vida social) podem atuar como portadores das tradições e instituições sociais.
  • 26
    Usei o termo “visualizar” pois, a rigor, nos termos em que Hayek formula seu pensamento, sequer podemos ter certeza de quais foram os mecanismos que possibilitaram a gênese e a replicação dos novos elementos ou propriedades identificadas na “análise histórica”.
  • 27
    Exatamente por incidir sobre um sistema evolucionário que não se baseia em leis gerais de desenvolvimento, a história cessa exatamente na identificação do particular. Ludwig von Mises é explícito nisso: “The historical sciences of human action, on the other hand, deal with events which our mental faculties cannot interpret as a manifestation of a general law. They deal with individual men and individual events even in dealing with the affairs of masses, peoples, races, and the whole of mankind. They deal with individuality and with an irreversible flux of events. If the natural sciences scrutinize an event that happened but once, such as a geological change or the biological evolution of a species, they look upon it as an instance of the operation of general laws.But history is not in a position to trace events back to the operation of perennial laws. Therefore in dealing with an event it is primarily interested not in the features such an event may have in common with other events but in its individual characteristics. In dealing with the assassination of Caesar history does not study murder but the murder of the man Caesar” (Von Mises, 2007Von Mises, Ludwig. Theory & History. Auburn: Von Mises Institute, 2007., pp. 90-91). É importante frisar: se existir alguma lei desse tipo operando, nossas capacidades mentais são incapazes de conhecê-la.Isso a torna irrelevante para influenciar nossas “decisões” e, portanto, deve ser desconsiderada por qualquer teoria da ação social humana.
  • 28
    Isso exige algum desenvolvimento. Na visão de Hayek, de fato, o indivíduo deixa de ser concebido como um ser isolado e autocontido. Contudo, a crítica ao “individualismo metodológico” empreendida por ele tem um alvo explícito: a possibilidade do planejamento social que lhe é subjacente. Essa crítica se desdobra em dois planos. O mais explícito: se os indivíduos realmente fossem átomos dotados de razão, pela argumentação livre em uma esfera pública alargada, seria possível transformar as formas de sociabilidade rumo a uma organização social progressivamente mais justa,baseada no controle racional do mercado e dos mecanismos de violência sobre comando do Estado. Mas a mesma crítica visa atacar as implicações “construtivistas” do utilitarismo influenciado por Bentham: o homem não é capaz de escolher padrões morais de acordo com a sua utilidade. Logo, a “felicidade para o maior número” não pode ser o critério para regular o sistema legal da sociedade. Mas, mesmo com essa crítica, toda a lógica da argumentação de Hayek ainda repousa no indivíduo. Um indivíduo social, porém, em última instância, refém dos efeitos de suas ações sociais.
  • 29
    A esse respeito, ver a incisiva observação de Prado, 2014______. “Do socialismo centralista ao democrático”. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, n. 39, pp. 66-67, 2014..
  • 30
    E aqui, ao enfatizar uma espécie de racionalidade adaptativa a uma ordem que não pode ser aprimorada racionalmente, ele se reconcilia de forma ainda mais explícita com um campo do pensamento que nunca abandonou de fato: o pensamento conservador moderno.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov 2016

Histórico

  • Revisado
    15 Dez 2014
  • Aceito
    27 Nov 2015
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento Rua Morgado de Mateus, 615, CEP: 04015-902 São Paulo/SP, Brasil, Tel: (11) 5574-0399, Fax: (11) 5574-5928 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: novosestudos@cebrap.org.br